Os seis melhores anos da minha vida
Cecília Simões – Ex-Bolsista MEXT (2005 a 2011), realizou mestrado e doutorado na área de
Sustentabilidade, atualmente faz pós-doutorado nos EUA.
Se você está se preparando para ir morar no Japão como bolsista e não consegue parar de pensar em
tudo de diferente e surpreendente que pode ver por lá, se você já não consegue dormir de ansiedade, e se
você está preocupado com tudo que estará deixando para trás durante o tempo que estará lá, pode relaxar.
Mas não porque essas coisas não são tão relevantes, e sim porque elas são muito maiores do que você
consegue conceber neste instante, e antecipação e preparação alguma te prepararão para tudo que vai
mudar depois dessa experiência. Digo desde agora: vai ser muito melhor do que você espera e imagina, mas
também vai ser muito mais diferente do que seu cérebro acostumado a cultura brasileira consegue conceber.
Me lembro que logo que cheguei ao Japão meu orientador organizou uma excursão entre os membros do
laboratório para uma região montanhosa perto da cidade aonde fui morar. A idéia era me apresentar ao
grupo, me ajudar a me enturmar, e a idéia funcionou. Mas o que levo dessa viagem comigo foi a primeira
lição que o Japão me ensinou: eu que detestava subir morros, montanhas então nem pensar, me vi obrigada
a subir uma montanha imensa, numa escalada que levaria quase 2 horas para terminar. Eu poderia ter dito
que não queria fazer aquilo, que não tinha preparação física para tanto, mas comecei a subir pra ver no que
dava, e depois de uns 20 minutos, quando meu coração começou querer a reclamar do cansaço, disse para
mim mesma: um passo de cada vez, não se preocupa com a distância ou com a altura, só vai caminhando
que uma hora você chega lá. E de fato eu cheguei. E quando eu voltei para casa naquele dia, liguei para
minha mãe e disse: agora eu entendo, agora eu sei o que tenho que fazer para ter uma experiência boa no
Japão, eu só preciso ir caminhando sem me preocupar com o percurso. É importante ter sempre em mente
aonde você quer chegar, mas se a preocupação das dificuldades não saírem da sua cabeça, sua viagem vai
ser horrível. Então relaxe, não vai ser fácil, mas vai ser maravilhoso mesmo assim. Você vai fazer amigos,
aprender outra(s) língua(s), adquirir novos hábitos alimentares, perder inibições ou aprender a lidar com elas,
cometer gafes horríveis que serão perdoadas mas te ensinarão que sua cultura não é a única nem a
dominante no mundo, você irá se chocar, ficar abismado com tanta tecnologia e ao mesmo tempo tanta
tradição no modo de viver dos japoneses, e se conseguir fazer seu cérebro entender que, assim como na
língua, a cultura deles é completamente diferente e não tem dever nenhum de se parecer com a sua, voltará
uma pessoa mais completa, mais cidadã do mundo.
Eu fui para o Japão pensando em ficar 2 anos, acabei ficando 6. Ficaria mais se pudesse, pretendo voltar
um dia para ficar mais alguns anos. Eu não tinha conexão alguma com o Japão, não sabia muito da cultura,
não tinha interesse em manga ou anime nem J-pop. Eu caí de para-quedas no Japão porque queria
experienciar uma cultura diferente. Eu voltei uma grande admiradora, eternamente grata, e profunda
defensora da experiência de intercâmbio no Japão. Esse país me ensinou a ser uma adulta independente,
com censo crítico, mente aberta e receptiva a diferenças culturais, me tornou mais saudável fisicamente e
equilibrada mentalmente, e me trouxe os momentos mais felizes da minha vida até os dias de hoje. Meus
melhores amigos hoje em dia ou foram feitos no Japão, ou foram amigos antigos que apesar da distância e
dos longos períodos sem conversar, voltaram a falar comigo como se nem um dia tivesse se passado no
tempo.
Posso dizer com toda a honestidade que não tenho uma reclamação sequer da minha experiência no
Japão. Claro que tive momentos difíceis, fiquei triste, quis até voltar por ter muita saudade... mas mantive em
mente meu objetivo, meu topo da montanha, e deixei o tempo e a ocupação com a jornada tomarem conta
das minhas dificuldades. Com o tempo a saudade foi se tornando aceitável e as experiências diferentes pelas
quais passava mais interessantes, conforme eu me permitia admirar e analisar as raízes das diferenças. Com
o tempo tudo foi ficando melhor.
O Japão hoje é minha segunda casa. Atualmente moro nos Estados Unidos, e mais do que escutar
português, é escutar alguém falando japonês que me trás conforto e sensação de segurança. Uma parte
grande de mim virou japonesa, e isso me faz muito feliz.
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Cecilia Simões - Ex