Literatura Portuguesa I
A Poesia de Sá de Miranda
Prof. Dr. Carlos Francisco de Morais
 Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
O Cancioneiro Geral encerra poesia palaciana de Sá de
Miranda e é no verso tradicional que ele realiza o
melhor da sua obra - as Cartas. Num esforço digno de
elogio, este poeta, que filosofou com as musas e poetou
com os filósofos, tentou as várias espécies e géneros
que o Renascimento criara, ou restaurara do
Classicismo.
 Formas clássicas: ode, elegia, écloga, carta
 Formas medievais: esparsa, cantiga, vilancete
 Formas renascentistas: soneto, canção, sextina, oitava
O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!
O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
1.
A descrição da paisagem externa é feita com objetividade, não sendo
nem cenário nem confidente amoroso
2.
O eu-lírico está em pleno domínio e gozo de seus sentidos, como a
visão e o tato
3.
No âmbito interno, o tempo é ocupado pela reflexão, não pelo
sentimento
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
1.
Contraste entre a forma constante e o conteúdo mutável: a inconsistência do
mundo versus a serenidade da arte
2.
Intertextualidade 1: alusão a Eclesiastes 1.2 (Vanitas vanitatum et omnia
vanitas: Vaidade das vaidades e tudo é vaidade)
3.
Intertextualidade 2: alusão a Heráclito (Panta rei ós potamos: Tudo flui como
um rio): o poeta é um leitor e pensador e a poesia não é mais exclusivamente
expressiva, mas reflexiva
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.
1.
Imagens de fertilidade da Natureza e do Homem
2.
Alusões ao lirismo amoroso pastoril e, por extensão, à tradição trovadoresca
das cantigas de amigo
3.
Retrato da juventude
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!
1.
A passagem do tempo indicada pela mudança do tempo verbal (vira X é)
2.
Os sinais do envelhecimento
3.
Imagens de esterilidade
4. O tema da mudança
5.
O eu-lírico objetivo da 1ª estrofe também é atingido pela mudança, marca geral
do mundo, não subjetiva
6. A ironia da vida: enquanto o eu-lírico envelhece, tudo o mais se renova
7.
O tom sentencioso, professoral, é marca de uma poesia reflexiva, que dialoga
com o leitor para ilustrá-lo
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UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Curso de Letras