"Paradigmas e Metodologias: Não Existe Pecado do Lado de Baixo do Equador"
Autores: Carrieri, Alexandre de P. e Luz, Talita R. da
Resumo: Este trabalho pretende verificar uma amostra da produção científica das Ciências
Sociais, analisando-se a consistência teórico-metodológica de dissertações de cursos de mêstrado da UFMG: Sociologia, Ciência Política, Administração, Educação, Economia/Demografia. Em seguida, o momento mais importante, enfocam-se as dissertações de Administração.
Pressupõe-se que a teoria das organizações recebe influência marcante dos paradigmas sociológicos, podendo-se afirmar que são caudatárias desses paradigmas. Situa-se a Administração no cenário das Ciências Sociais, partindo-se da consideração dos paradigmas destas
Ciências, para examinar as metodologias e sua coerência com os paradigmas, enfatizando-se
as metodologias utilizadas nas pesquisas administrativas, e verificando se elas estão
adequadas ao paradigma escolhido. Ao final, observou-se que 34% das dissertações (17)
utilizam dois ou mais paradigmas simultaneamente. Geralmente os autores citam que
pretendem realizar uma pesquisa segundo determinado paradigma, contudo utilizam também
autores de outros paradigmas. Na Administração fica claro que, não havendo uma formação
epistemológica básica e forte, com o estudo dos principais paradigmas e seus autores,
predomina uma "confusão" quando os mestrandos concebem suas pesquisas, com seus
quadros teórico-metodológicos.
I. Introdução
Este trabalho busca analisar a consistência teórico-metodológica de dissertações
produzidas no campo das Ciências Humanas e Sociais, em diversos cursos de mestrado de
Belo Horizonte, resgatando-se as metodologias usadas no sentido de evidenciar-se o plano
executivo da pesquisa.
O que se pretende verificar, em um primeiro momento, é uma amostra da produção
científica das Ciências Sociais. Para a execução desta tarefa tomaram-se 10 dissertações de
cada curso, a saber: Sociologia, Ciência Política, Administração, Educação,
Economia/Demografia (5 dissertações de cada área), produzidas no período compreendido
entre 1992 e 1996, sendo duas dissertações de cada ano. Foram examinados os temas de cada
dissertação, assim como a problemática da pesquisa realizada, o referencial teórico, tendo-se
o cuidado de verificar os autores mais citados, e em seguida, a opção metodológica dos
autores das dissertações.
Em um segundo momento, enfocam-se particularmente as dissertações de
Administração. Parte-se de que a teoria das organizações (e administrativa) recebem
influência marcante dos paradigmas sociológicos, podendo-se até afirmar que são caudatárias
desses paradigmas. Busca-se situar a área de Administração no cenário das Ciências Sociais
como um todo; para tanto, parte-se da consideração dos diversos paradigmas que povoam
essas Ciências, para examinar as metodologias utilizadas e sua coerência com cada um dos
paradigmas.
II. Os Paradigmas nas Ciências Sociais
A questão dos paradigmas nas ciências sociais é um dos temas mais relevantes para
todos os que buscam ir além do estudo das "escolas de pensamento," para atingir um patamar
de compreensão crítica do que se está produzindo e fazendo a respeito dos fenômenos sociais.
Neste sentido, a contribuição de Burrel & Morgan (1979) é da maior importância porque
desvenda os pressupostos subjacentes às teorias sociais. Com efeito, a idéia central dos dois
autores é de que todas as teorias sociais são baseadas numa filosofia de ciência e numa teoria
de sociedade.
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A ciência social é concebida em termos de quatro conjuntos de suposições
relacionadas a ontologia, epistemologia, natureza humana e metodologia. A ontologia referese a suposições sobre a essência dos fenômenos sob investigação, isto é , se a realidade é
objetiva ou subjetiva, enquanto a epistemologia trata da base do conhecimento, de como ele
pode ser obtido e o que pode ser considerado verdadeiro ou falso. A natureza humana
considera a relação entre os seres humanos e seu ambiente, isto é, a vida humana é o objeto e
o sujeito da pesquisa.; de acordo com algumas suposições os seres humanos são produtos do
ambiente ou não. E a metodologia trata de como conduzir-se uma investigação e obter
conhecimento do mundo social. Diferentes ontologias, epistemologias e concepções de
natureza humana conduzem a diferentes metodologias. A análise de uma certa realidade pode
ser baseada em relações e regularidades entre os fenômenos e na procura de leis universais,
ou fundada na experiência subjetiva dos indivíduos e de como eles criam, modificam e
interpretam o mundo.
Se o cientista vê os fenômenos de que trata como reais, tangíveis e como estruturas
relativamente imutáveis, externas ao investigador, sua abordagem ontológica é realista;
entretanto, se pressupõe que o mundo externo é constituído de nomes, conceitos e rótulos que
são usados para estruturar a realidade, sua abordagem é nominalista. Para o realista o mundo
social preexiste ao indivíduo e é independente dele, enquanto para o nominalista o mundo
social não existe independentemente dos indivíduos; os conceitos são usados para descrever,
dar sentido e negociar no mundo externo. Nominalismo e realismo são as principais correntes
do debate ontológico.
As discussões epistemológicas, por sua vez, centram-se em duas correntes: o
positivismo e o anti-positivismo. A primeira é a chamada "mainstream" nas ciências sociais,
principalmente na sociologia e se caracteriza por procurar explicações, mediante a busca de
regularidades e de relações causais entre os fenômenos. Seu modelo é o das ciências físicas e
naturais, transposto para o campo dos fatos sociais. Seu oposto considera que o mundo é
essencialmente relativista e só pode ser compreendido do ponto de vista dos atores sociais,
portanto, não há como entender o mundo simplesmente como "observador." Desse modo, a
ciência não pode gerar qualquer tipo de conhecimento objetivo.
No cerne do debate sobre a natureza humana encontram-se duas concepções distintas:
a primeira, chamada determinista, considera que o homem e sua ação são completamente
determinados pelas situações sociais e pelo ambiente, enquanto a segunda, a voluntarista,
acredita na autonomia e na livre vontade do ser humano. É ainda possível adotar um ponto de
vista intermediário, mas qualquer que seja ele, os pressupostos que lhe são subjacentes
definem a natureza das relações entre o homem e a sociedade.
Quanto à questão metodológica, encontram-se duas posições diferentes: a ideográfica,
que considera só ser possível obter o conhecimento a partir da exploração detalhada do sujeito
sob investigação e de sua história de vida, enfatizando a análise dos aspectos subjetivos que
são gerados quando se encontra "de dentro das situações." A abordagem nomotética, ao
contrário, valoriza as técnicas quantitativas, a construção de testes científicos e o protocolo
sistemático, enfatizando o processo de teste de hipóteses, a verificação de regularidades, a
possibilidade de generalização, de acordo com os padrões de rigor científico.
Burrel & Morgan (op. cit.) afirmam que diferentes teorias refletem diferentes
perspectivas, questões e problemas para estudo, e são baseadas num conjunto de pressupostos
que refletem uma visão particular da natureza do objeto de investigação. Neste sentido,
encontram-se nas ciências sociais abordagens que explicam, de um lado, a natureza em
termos de regulação, e de outro, em termos de mudança radical. A sociologia da regulação
enfatiza a unidade e a coesão, ao passo que a sociologia da mudança radical privilegia a
emancipação do homem da estrutura, que limita ou impede seu potencial de desenvolvimento.
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Os autores consideram que estes dois modelos são quadros de referência diferentes e
alternativos para a análise dos processos sociais, e que combinados com as dimensões
subjetiva e objetiva sobre a natureza da sociedade, definem quatro distintos paradigmas
científicos: funcionalista, interpretativo, humanista radical, e estruturalista radical.
Paradigmas são definidos como "pressupostos meta-teóricos básicos, que subscrevem um
quadro de referência, um modo de teorizar e um modus operandi dos cientistas que operam
dentro deles" (Burrel & Morgan, 1979:23). Na verdade, eles definem quatro visões do mundo
social baseadas em diferentes pressuposições meta-teóricas com relação à natureza da ciência
e da sociedade. Os autores supracitados afirmam que eles são mutuamente exclusivos; o
debate entre eles é raro e pode ser descrito melhor por hostilidade desinteressada, enquanto
dentro de cada paradigma ele ocorre com freqüência. Além disso, consideram que uma síntese
não é possível, pois em suas formas puras eles são contraditórios. A mudança paradigmática
significa uma mudança nos pressupostos meta-teóricos, algo que embora possível, não é
realizado freqüentemente na prática, pois isto é considerado uma experiência de "conversão."
O Paradigma Funcionalista
Esta orientação tem raízes na corrente da regulação, e sua abordagem é objetiva,
caracterizando-se pela preocupação em explicar o status quo, a ordem social, o consenso, a
integração social, a solidariedade, a satisfação de necessidades e a realidade. O ponto de vista
é realista, positivista, determinista e nomotético. Fornece explicações racionais das
relações sociais e é ligado com a efetiva regulação e controle dos fatos sociais. Foi entretanto,
influenciado pelo Idealismo Alemão, a partir das contribuições de Weber, Simmel e G. H.
Mead, tentando-se a junção da dimensão objetiva com o paradigma interpretativo. Neste caso,
rejeitam-se as analogias biológicas e mecânicas e introduzem-se idéias que enfatizam a
compreensão da sociedade do ponto de vista dos atores sociais. Houve ainda a influência de
idéias marxistas, numa tentativa de radicalizar a teoria funcionalista e mudar a concepção de
que o funcionalismo é conservador e inadequado para prover explicações sobre a mudança
social. O funcionalismo deve, então, ser entendido em termos da interação dos três conjuntos
de forças intelectuais, mas o positivismo é o mais influente.
Essas correntes cruzadas deram origem a várias escolas distintas de pensamento dentro
do paradigma. Os autores mais importantes são Comte, Spencer, Durkheim, Pareto,
Malinowski , Radcliffe Brown, Parsons, Simmel, G. H. Mead, Herbert Blumer, Weber, Rex,
Eldridge, Goldthorpe, Silverman, Blau, Merton, Coser, Gouldner, Buckley e Skinner.
O Paradigma Interpretativo
Os que se colocam dentro deste paradigma adotam uma abordagem social da
regulação, mas sua concepção de análise da sociedade é subjetivista. Este paradigma pretende
compreender a natureza fundamental do mundo no nível da experiência subjetiva, procurando
a explicação dentro da consciência individual e da subjetividade, no quadro de referência do
participante, enquanto oposto ao observador da ação. Esta abordagem é nominalista, antipositivista, voluntarista e ideográfica, considerando o mundo social como um processo
emergente, criado pelos indivíduos. Seu ponto de vista adere ao pressuposto de que o mundo
é coeso, ordenado, integrado e, conseqüentemente, os problemas de conflito, dominação,
contradição, potencialidade e mudança não são considerados no seu referencial teórico. Os
teóricos desta abordagem estão envolvidos com assuntos relacionados à natureza do status
quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão social, da solidariedade e da
realidade. Este paradigma é produto direto da tradição idealista alemã de pensamento social,
com fundamento na filosofia de Kant e reflete uma filosofia social que enfatiza a natureza
essencialmente espiritual do mundo social. Representam este paradigma os autores seguintes:
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Dilthey, Husserl, Weber, Gadamer, Schutz, Scheller, Heidegger, Sartre, Merleau -Ponty
Garfinkel, Cicourel, Schegloff, Sacks, McHugh, Denzin, Zimmerman e L. Wieder.
O Paradigma Humanista Radical
A preocupação deste paradigma é desenvolver uma teoria da mudança radical do
ponto de vista subjetivo, e sua abordagem é nominalista, anti-positivista, voluntarista e
ideográfica. Entretanto, o referencial teórico é comprometido com uma visão de sociedade
que enfatiza a importância de transcender os limites dos arranjos sociais existentes, pois uma
das noções básicas deste paradigma é que o homem é dominado pelas superestruturas
ideológicas com as quais interage e que criam uma ruptura cognitiva entre ele e sua
verdadeira consciência. Tal ruptura é a alienação ou falsa consciência que inibe a realização
humana; portanto, a principal preocupação dos teóricos é a libertação dos "constraints" que
os arranjos sociais colocam para o desenvolvimento humano. A ênfase teórica é colocada na
mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, privação e potencialidade. Os
conceitos de conflito estrutural e contradição não são proeminentes nesta perspectiva, mas
coloca-se ênfase na consciência humana. Deriva da tradição do Idealismo Alemão,
principalmente dos trabalhos de Kant e de Hegel, do jovem Marx, e também da perspectiva
fenomenológica de Husserl. Lukacs e Gramsci reviveram a tradição, que foi retomada pela
Escola de Frankfurt, com Habermas e Marcuse, e ainda por Sartre. Nesta perspectiva procurase mudar a sociedade pela mudança nos modos de cognição e de consciência. É uma inversão
do paradigma funcionalista. Representam este paradigma os seguintes autores: Sartre, Max
Stirner, Murray Bookchin, Lucaks, Gramsci, Horkheimer, Adorno, Benjamin, Fromm,
Kirschheimer, Lowenthal, Marcuse e Habermas.
O Paradigma Estruturalista Radical
Os adeptos deste paradigma advogam a mudança radical da sociedade sob o ponto de
vista objetivo, mas buscam fins fundamentalmente diferentes do funcionalismo. O paradigma
é comprometido com a mudança radical, a emancipação e a potencialidade, numa análise que
enfatiza o conflito estrutural, os modos de dominação, a contradição e a privação. Sua
abordagem é realista, positivista, determinista e nomotética. Concentra-se nas relações
estruturais dentro do mundo social real, enfatizando que a mudança radical é construída na
natureza e na estrutura da sociedade contemporânea, procurando explicações para as
interrelações dentro do contexto das formações sociais totais. É consenso entre os autores
desta abordagem que a sociedade contemporânea é caracterizada por conflitos fundamentais
que geram a mudança radical através das crises políticas e econômicas. É pelo conflito e
mudança que acontece a emancipação do homem das estruturas sociais em que vive.
Representam esta corrente teórica autores como Marx, Engels, Plekhanov, Lênin, Bukharin,
Althusser, Poulantzas, Rex, Dahrendorf e outros, sendo a influência de Marx dominante, mas
é também possível identificar influências de Weber.
Nem todos os autores concordam com este esquema classificatório de Burrel &
Morgan. Castells (1971), tratando da questão epistemológica, refere-se aos paradigmas como
ideologias teóricas. Por ideologia teórica o autor entende um caso particular de ideologia
institucionalmente reconhecida como prática científica. As ideologias teóricas articulam-se,
segundo o autor, produzindo o que denomina "formações ideológicas determinadas" (teorias
sociológicas, econômicas, etnológicas dominantes, como o funcionalismo, o estruturalismo e
suas variantes). Para ele, os modelos epistemológicos subjacentes a essas formações
ideológicas são dois, constituindo variantes do paradigma da filosofia idealista do
conhecimento. A primeira variante é o empirismo e a segunda, o formalismo.
De acordo com Castells (op. cit.) o empirismo é a prática que parte do conhecimento
dos fatos, deduzindo deles o objetivo da investigação, que é verificar esses fatos, reuni-los e
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sintetizá-los pela abstração, de modo a permitir sua acumulação e sua comunicação. Os fatos
são "objetivos" e preexistentes na atividade do investigador; há uma dominância do
observado sobre a teoria..
Por outro lado, o formalismo representa o principal concorrente do empirismo e
significa uma inversão do paradigma, pois tende a enfatizar e isolar a construção teórica no
processo de conhecimento, praticamente excluindo o processo de experimentação. O
formalismo cumpre o mesmo papel que o empirismo, isto é, de servir aos interesses do
capital. O formalismo corresponde ao que Burrel & Morgan chamam de funcionalismo e
constitui a corrente dominante nas ciências sociais.
Castells ainda se refere à ideologia estruturalista, que segundo ele, é um exemplo da
coexistência pacífica entre empirismo e formalismo. Como exemplo o autor aponta o
estruturalismo de Lévi-Strauss, no qual o empirismo se manifesta na definição do modelo e
no enunciado das regras que devem ser respeitadas na construção de modelos científicos, e o
formalismo se revela após a construção do modelo, com a experimentação por meio dos
próprios modelos, comparando-se entre si modelos de tipos diferentes. O autor argumenta que
empirismo e formalismo não se excluem nem se contradizem necessariamente, uma vez que
são variantes da epistemologia idealista. No esquema de Burrel & Morgan o estruturalismo
constitui o paradigma interpretativo e apresenta uma orientação subjetiva.
A posição de Goldmann (1976) é semelhante à de Castells, uma vez que também ele é
de orientação marxista. Para este autor a sociologia só pode ser concreta se for histórica, uma
vez que o pensamento humano e científico estão estreitamente ligados às condutas humanas e
às ações do homem no seu ambiente. A diferença fundamental entre a história, que estuda os
comportamentos humanos e as ciências físico-químicas está justamente porque estas últimas
abordam os fatos a partir do exterior, enquanto o cientista social encontra-se diante de ações
realizadas conscientemente, e cuja significação objetiva deve procurar. As ciências históricas
e humanas constituem o estudo da ação, de sua estrutura, das aspirações que a animam e das
alterações que sofre. Portanto, o processo de conhecimento implica a identidade parcial entre
o sujeito e o objeto do conhecimento, não se podendo separar seus aspectos material e
espiritual, uma vez que o comportamento é um fato total.
Como se pode perceber, são vários os paradigmas científicos, ainda que para os
autores da linha marxista eles não passem de ideologias teóricas. Entretanto, para os efeitos
deste trabalho e considerando sua abrangência, assim como as possibilidades que oferecem
para a classificação dos diversos paradigmas, toma-se como referência principal o esquema de
Burrel & Morgan.
O cientista é reconhecido pelos seus pares como um pesquisador ou teórico que se
alinha dentro de determinado paradigma e a comunidade científica define os critérios de
inclusão e de exclusão do debate central e das instituições acadêmicas. A reputação
acadêmica é construída ao longo de anos de pesquisa e de publicações e poucos se arriscam a
comprometê-la, mudando de paradigma. Na sociedade contemporânea o surgimento de novos
paradigmas não tem sido recebido sem luta e contestação , pois o campo científico, segundo
Bourdieu (1983, apud Rodrigues, 1997), é socialmente construído e ligado às relações de
poder e de prestígio.
Os adeptos dos paradigmas emergentes são consideradas como desviantes e alijados
dos centros de poder da comunidade científica dominante.
Entretanto, até mesmo Burrel & Morgan, que consideram que os paradigmas são
contraditórios e mutuamente exclusivos, ao procederem a sua análise, referem-se à
interpenetração entre eles. O paradigma Funcionalista, de inspiração positivista, foi
influenciado pelo idealismo alemão e por idéias marxistas; dando origem a várias escolas
distintas de pensamento; por outro lado, o paradigma Estruturalista Radical recebeu uma forte
influência de Weber (Idealismo Alemão). Isto prova que os paradigmas não são totalmente
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refratários a influências nem mutuamente exclusivos. Para Castells isto é possível porque os
paradigmas são, na verdade, variantes do empirismo, com exceção do materialismo dialético.
O trabalho de Clegg & Hardy (1996) que enfoca a teoria das organizações, coloca
intrigantes questões para reflexão a respeito deste tema. Para os autores, os estudos
produzidos constituem conversações, isto é, são o fruto de diversos locais, leitores e
intérpretes e estão sujeitos a negociação, e como tal, estão abertos a controvérsias e
contestação. Referindo-se à incomensurabilidade dos paradigmas, os autores afirmam que eles
não foram propostos simplesmente como teoria do conhecimento, mas como um meio de
talhar um nicho, no qual os pesquisadores alternativos podiam fazer seu trabalho, protegidos
das críticas dos funcionalistas, que constituem a corrente dominante. E colocam a pergunta se
é possível construir uma ponte entre os paradigmas, e ainda, se esta ponte deve ser construída,
permitindo aos imperialistas invadirem e dominarem os territórios mais fracos. Alguns acham
que não é possível e defendem a ortodoxia, outros acham que a ponte significa a conversão, e
outro grupo procura soluções mediante o uso de discursos filosóficos e lingüísticos. Mas
Clegg e Hardy argumentam que o que está em jogo não é uma questão de epistemologia,
lógica ou teoria lingüística, mas de política. Os que defendem a incomensurabilidade dos
paradigmas defendem as abordagens alternativas das investidas da corrente dominante,
enquanto os que a atacam acreditam ser esta defesa contraproducente. A luta principal se
trava entre os rebeldes. Citando Zald, os autores argumentam que é na luta entre diferentes
abordagens que se aprende, assim como na diversidade e ambigüidade de significados, não da
uniformidade e do consenso. A elite intelectual nem sempre faz as escolhas corretas dos
temas que devem ser considerados relevantes e dos problemas que devem ser resolvidos. A
fragmentação dá origem à diversidade de temas e de abordagens, que enriquecem as
conversações sobre os temas. O debate sobre os paradigmas provavelmente não terá uma
solução.
III. As Dissertações: Paradigmas, Metodologias e o Fazer Ciência
A metodologia de trabalho de análise desenvolvida nesta pesquisa é empregada aqui
na acepção grega, um caminho, uma direção a ser seguida. Qual seria o melhor caminho para
se levar avante esta pesquisa? Era a pergunta principal. Assim, ao buscar um caminho para
este trabalho, levou-se em conta determinadas informações às quais foram somadas outras, e
mais outras. Com base na leitura de 50 dissertações de mestrados pode-se "diagnosticar"
diversos caminhos que foram seguidos por pesquisadores das ciências sociais.
A investigação empreendida foi uma atitude deliberada e sistemática de apreensão do
tipo de pesquisa que se está produzindo. Procurou-se averiguar, principalmente para o curso
de Administração, a partir do referencial epistemológico usado, das metodologias propostas e
seguidas e do conteúdo dos trabalhos, se estes estavam coerentes com os paradigmas que têm
servido à Ciências Sociais como base para seu desenvolvimento. (Martins, 1997). Como
Martins (1997: 06) em seu trabalho sobre as abordagens metodológicas em pesquisa na área
de administração, procurou-se abordar as seguintes questões: 1) "Quais são as abordagens
metodológicas utilizadas nas dissertações aprovadas?" 2) Quais são as características gerais e
as tendências epistemológicas dessas investigações?".
A idéia inicial era realizar um estudo exploratório, no sentido de que pudesse dar aos
autores deste trabalho uma maior clareza, e também os atualizasse, quanto a seus próprios
problemas de pesquisa e metodologias a serem construídas em suas futuras pesquisas, pois
"os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de
determinado problema" (Triviños, 1987:109). Contudo oportunizou-se também a realização
de um estudo "comparativo" entre algumas áreas da Ciência Social com a Administração.
Por que oportunizou-se? Porque como seria um estudo exploratório, não houve a
preocupação em obter apoio de informação estatística, no sentido de pesquisar um número
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definido amostralmente no universo de dissertações e teses elaboradas nas áreas pesquisadas.
Assim, optou-se por recolher informações sobre 10 dissertações por área, durante os anos de
1992 até 1996 (ou 1991 até 1995, ou 1993 até 1997, dando maior alternativa aos
pesquisadores), retirando-se aleatoriamente dois trabalhos por ano.
Os trabalhos escolhidos foram diversas vezes lidos. Para cada leitura retiravam-se
informações desejadas. Primeiramente observou-se no índice se havia alguma referência
especial a algum capítulo, ou índice, sobre a metodologia usada. Depois, lia-se a introdução e
o(s) capítulo(s) teórico(s) para se conhecer a linha epistemológica seguida elo autor. A partir
desta leitura, retiravam-se as hipóteses, questões delineadoras e o objetivo, ou objetivos, da
pesquisa. A metodologia era anotada e averiguada em outra leitura. Sempre foi encontrada
alguma especificidade sobre a metodologia a ser seguida, seja até um parágrafo, ou dois, no
final do referencial teórico que explicava como o pesquisador concretizou a dissertação. Ao
final, anotava-se a bibliografia da dissertação, dando-se preferencia aos autores citados no
quadro teórico e metodológico, assim como para os autores repetidos mais de duas vezes, no
sentido de que, se este autor estava sendo citado em mais de uma obra sua, era porque
deveria ser importante na construção da dissertação como um todo.
Uma vez com os dados nas mãos, partiu-se para concretizar este trabalho. Assim, as
dissertações foram agregadas em áreas, depois em temas, onde se observaram os objetivos,
sendo então classificadas quanto ao uso dos paradigmas e observadas a coerência entre a
metodologia usada, a execução e análise da pesquisa, e a bibliografia usada.
3.1. Os Temas:
De maneira geral, os temas pesquisados mostram-se atuais e repercutem as
preocupações existentes nesta última década do século XX. É preciso se (re)pensar a história
vivida por nós, a busca por democracia, por cidadania, de maior participação, etc... Para
Goldmann (1976) estudar a história é primeiramente tentar compreender as ações dos
homens, o que os moveram, os fins perseguidos, a significação que para eles tiveram os
comportamentos de suas ações e de outros, mas que decorrem em influências e mudanças nas
realidades, cotidianamente
Para as áreas investigadas, encontram-se temas que foram importantes, e ainda o são,
na conquista de nossa cidadania, de nossa identidade. O processo de conhecimento, descrito
em muitos trabalhos, revela um grande fator social, humano e histórico, havendo identificação
- segundo os próprios autores pesquisados - entre o sujeito da pesquisa e o objeto de seu
próprio estudo. Identificação esta que conduz o viés metodológico, analítico de cada trabalho
estudado, que ora mostra a realidade como dinâmica, mutável e composta por atores sociais,
ora deixa ver uma realidade a-histórica, onde determinadas informações nunca são, ou devem
ser, somadas a outras; desta forma toda a realidade é estanque, representada friamente.
QUADRO 1. Temática das dissertações por Cursos de Mestrado:
Com base nesta primeira classificação, pode-se verificar os objetivos relativos a cada
tema. Não que os objetivos fossem iguais, mas puderam ser representados como tendo algo
em comum. Pode-se observar, contrariamente ao que Triviños (1987) argumenta, que os
estudos na área de Educação não são somente de natureza descritiva. Mas existe uma visão
crítica do processo de aprendizagem realizada nas escolas, pelo Estado, da participação mais
efetiva de alguns profissionais quanto a mudanças concretas na realidade Outrossim, há ainda
estudos descritivos, onde "reside o desejo de conhecer a comunidade" (Triviños, 1987: 110),
as comunidades, os grupos marginais, etc..., isto é, os atores do processo educativo.
Sobre os temas e objetivos das dissertações na área de Economia pode-se verificar que
as pesquisas analisadas procuram, antes de tudo, fazer uma pesquisa histórica, no sentido de
contextualizar o objetivo e problemática levantada. Enquanto algumas pesquisas procuram
ver na realidade histórica as razões de nosso subdenvolvimento, outras apenas usam-se de
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tipologias para, dicotomicamente, enquadrar as atividades ( e também os atores e suas ações)
em modernas e tradicionais, no sentido de atrasadas. Já para área de demografia, encontramos
uma só dissertação com uma pesquisa histórica, que não baseada em apenas números, mas
com o sentido de que as causas estudadas naquele momento tinham raízes históricas
profundas, e que os números ao final demonstrariam isto. De maneira geral, os temas são
analisados estatisticamente.
Diferentemente, nas áreas de Sociologia e Ciência Política encontramos trabalhos em
que a história das realidades pesquisadas é um fator essencial para compreender as ações dos
indivíduos, dos grupos, etc... Os temas nessas áreas, foram mais ecléticos, tendo a Ciência
Política pesquisado maior número de temas.
3.2. A Coerência Paradigmática:
Com base no aumento de conhecimento das dissertações analisadas, pode-se montar o
Quadro 2, que evidencia a opção paradigmática dos trabalhos por área.
QUADRO 2. Opção paradigmática das dissertações por área:
Observa-se, por este quadro, que 17 dissertações (34%) utilizam dois ou mais
paradigmas simultaneamente. Em geral os autores citam que pretendem realizar uma pesquisa
de acordo com determinado paradigma, contudo utilizam também autores de outros
paradigmas. Todos os autores são usados, em geral, para construção da dissertação, não para
contrapor-se uns aos outros, ou usá-los com determinados preceitos (como, por exemplo, não
há nenhuma nota que se esta usando Fulano, sabendo que ele não considera os
acontecimentos históricos importantes; ou Sicrana, sabendo que para ela o indivíduo não tem
como contrapor-se a estruturas do sistema econômico) . Assim, misturam-se normalmente
autores do paradigma Estruturalista Radical com o Funcionalismo, tendo sido encontradas 9
dissertações nestas condições. Outro caso é a mistura de Estruturalismo Radical com
Humanismo Radical, num total de 4 dissertações. Há casos de mistura do paradigma
Interpretativo com o Humanista Radical (2 casos). Encontram-se ainda 2 outros casos de
utilização de mais de dois paradigmas.
De acordo com o Quadro 2, o curso onde isto mais ocorre é o de Administração
(analisado no decorrer do trabalho). Seguido, depois pelos outros cursos. No caso da
Sociologia observou-se que as dissertações cujos autores vêm de outras áreas, como
Antropologia, mesclam-se o paradigma Interpretativo com o Humanismo Radical ou com o
Estruturalismo Radical. No caso das dissertações de Ciência Política mesclam-se os
paradigmas Humanista Radical com Estruturalista Radical, que são próximos, uma vez que
ambos buscam a transformação do mundo social e a libertação do homem da alienação. De
maneira geral, os casos da mistura do paradigma Funcionalista com o Estruturalismo Radical,
que acontece nas áreas de Educação, Sociologia e Ciência Política, são de autores que,
segundo podemos observar, não têm uma formação básica nestas áreas.
Não é possível, portanto, extrair-se qualquer orientação nos diversos cursos de
mestrado, a partir do tipo de paradigma utilizado nas dissertações, a não ser talvez no caso de
Ciência Política e de Educação que, respectivamente, tendem mais para os paradigmas que
pretendem a transformação do mundo e a transformação dos indivíduos, respectivamente o
Estruturalista Radical e o Interpretativo; e no caso de Economia e Demografia, em que parece
haver dominância do paradigma funcionalista.
A conciliação entre os paradigmas, embora considerada por Burrel & Morgan (op. cit.)
algo cientificamente incorreto, pois eles são contraditórios e mutuamente exclusivos, não é
tão incomum assim. Pode argumentar-se que se trata de dissertações de mestrado, cujos
autores se iniciam no campo da ciência e não têm ainda a compreensão exata da
incomensurabilidade dos paradigmas. Mas os próprios autores supracitados admitem que
houve e há uma interpenetração entre eles e que este fato tem trazido a necessária renovação
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na ciência. Do mesmo modo, Clegg e Hardy (1996) referem-se a "conversações" entre os
paradigmas, mesmo na obra de autores que têm reputação científica estabelecida. Desta
forma, não se deve estranhar o fato, mas simplesmente registrá-lo; o que importa é que o autor
que assim procede esteja consciente dos pressupostos básicos subjacentes a cada paradigma,
de suas possibilidades e de suas limitações.
3.3 Metodologias
As metodologias usadas variam de área para área, como de orientador para orientador.
Fica claro, na análise, o papel do orientador em definir os procedimentos metodológicos a
serem usados por seus alunos e orientados. Todas acabam por mencionar a metodologia,
mesmo que seja em apenas um parágrafo final, encontrado na introdução ou no primeiro
capítulo - capítulo destinado ao referencial teórico. O Quadro 3 mostra o número de
dissertações por área que destacam, com riqueza de detalhes, os procedimentos
metodológicos.
QUADRO 3. Número de dissertações por área que destacam os procedimentos
metodológicos:
Ao todo foram encontradas 27 dissertações (54%), que possuem algum capítulo
referente a metodologia usada na pesquisa. Foram computados também as pesquisas que
trazem até mesmo em anexos sua metodologia. Destacam-se as áreas de
Economia/Demografia e Educação, com os números de 7 e 5 pesquisas, respectivamente,
onde havia um capítulo sobre a metodologia.
Evidencia-se que nas dissertações da área de Ciência Política, e em menor número nas
áreas de Sociologia e de Educação, os procedimentos estão muitos relacionados com a opção
paradigmática dos autores, parecendo que o uso da dialética traz implícita a metodologia
usada. No sentido inverso, o uso pela Demografia de capítulos extensos de métodos
estatístico-positivistas, muitas vezes, leva-nos pensar em pesquisas escritas para serem
compreendidas por um nicho específico de intelectuais, semelhantemente ao que acontece nas
áreas das Ciências Naturais, em que o caráter da atividade humana, as ligações entre história,
fatos econômicos (políticos e sociais também) não são nunca relacionados (Goldmann,
1976).
O Quadro 4 abaixo mostra a metodologia utilizada nas dissertações dos diversos
cursos, e evidencia o que denominamos de opção metodológica, isto é, se as dissertações
realizaram pesquisa qualitativa, pesquisa quantitativa ou mistura de ambas. Verifica-se que se
utiliza em grande escala a pesquisa qualitativa em todos os cursos, com exceção dos cursos de
Economia e Demografia. A utilização de ambas metodologias simultaneamente também é
pouco comum e só ocorreu nos cursos de Sociologia (e de Administração).
QUADRO 4. Opção metodológica nas dissertações dos Cursos de Mestrado:
Com base em diversos autores, como por exemplo Triviños (1987), evidenciou-se que
as pesquisas qualitativas podem ser classificadas sob o enfoque "subjetisvistacompreensivista", ou sob o enfoque mais crítico, com visão histórico-estrutural. Assim, para o
primeiro enfoque haveria o privilégio dos aspectos de conscientização subjetivos dos atores,
isto é, privilegiam-se as percepções, processos de tomada de consciência, de compreensão do
contexto cultural, da realidade a-histórica, de relevância dos fenômenos pelos significados
que eles têm para o sujeito. Para o segundo enfoque haveria uma pesquisa que aponta as
contradições existentes na realidade que se quer conhecer. Assim através das percepções,
reflexões, e até da intuição, a realidade é conhecida para que se possa mudá-la e transformála.
Desta forma, consideramos pesquisas qualitativas: as análises documentais e
bibliográficas, o estudo de caso, a análise do discurso, a análise de conteúdo, a etnografia e a
9
análise histórica. As técnicas mais utilizadas na maioria das dissertações foram a entrevista
semi-estruturada, e em segundo lugar, o questionário fechado. Nas pesquisas quantitativas
foram usados modelos matemáticos, e como técnicas as análises estatísticas.
Para Yin (1984) a essência da pesquisa qualitativa consiste em duas condições: o uso
de uma detalhada observação do mundo natural pelo investigador; e uma coerência e
comprometimento com qualquer modelo teórico usado. Assim sendo, é necessário ainda
levantar-se a questão da coerência ou adequação entre o paradigma escolhido nas dissertações
e a metodologia utilizada.
Nas dissertações onde se propôs fazer-se uma análise Funcionalista, observou-se
coerência metodológica. Isto é, as pesquisas privilegiam a construção de variáveis para a
explicação dos fatos, há a construção de hipóteses e medição das relações existentes entre os
fatos. Deve-se destacar que nas dissertações da Sociologia e da Administração esta medição
não é somente quantitativa, mas há uma preocupação com alguma qualificação dos dados.
Nas dissertações que se baseiam na paradigma Interpretativo, pode-se observar que a
opção metodológica recai sobre a Etnometodologia (4 dissertações de 7, ver Quadro 2). Isto é,
existe uma preocupação com as "busca empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para
dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas ações cotidianas: comunicar, tomar decisões,
raciocinar" (Coulon, 1995: 17). Há também o uso de Análise do Discurso em três
dissertações, uma na área de Educação e duas na de Sociologia.
O paradigma Humanista Radical é usado em apenas uma pesquisa, na área de Ciência
Política, e nesta, usa-se a Análise Documental como metodologia de pesquisa. Esta pesquisa
procura tomar como ponto a transcendência dos arranjos sociais que têm como base o Estado
e o Mercado, propondo a leitura de outras instituições, surgidas na década de noventa, como
fonte de libertação do homem da opressão das superestruturas e do conflito existente dessa
dubiedade. Sua bibliografia está centrada em Habermas e na sua teoria da ação comunicativa.
Já o paradigma Estruturalista Radical, ou melhor, as dissertações que se utilizam deste
paradigma povoam todas as áreas (Quadro 2). A metodologia usada nos trabalhos analisados
varia, mas em sua maioria, em 9 casos, aparece o Estudo de Caso, como opção metodológica.
A Análise Documental e Bibliográfica aparecem em seguida em 4 casos, e por fim, em 2
dissertações, aparece a Análise do Discurso como opção metodológica. (incluindo a
Administração).
A confusão aparece nas dissertações que mesclam dois ou mais paradigmas. Neste
sentido, a metodologia parece acabar pendendo para um paradigma usado. A confusão mais
comum é o uso dos paradigmas Estruturalista Radical e Funcionalista, sendo a metodologia
usada, na maioria das vezes, um Estudo de Caso. As técnicas de coleta são ou uma tabela tipo
"Likert", ou questionários fechados ou com uso de questões de múltipla escolha. O mais
importante é que a historicidade dos fatos e o conflito entre capital/trabalho parecem deixar
de existir. Assim, apenas aparecem as respostas obtidas e analisadas sob rigorosos meios
estatísticos.
Outros equívocos existentes são a mistura dos paradigmas Estruturalista Radical com
o Humanista Radical, e deste com o paradigma Interpretativo. Para ambos os casos,
predominam o Estudo de Caso e as Análises Documentais. No primeiro caso, a metodologia
parece ir para o caminho do Estruturalismo Radical, enfocando-se a mudança da sociedade e
procurando-se explicações para as interrelações dentro dos contextos das formações sociais
estudadas. Já para o segundo caso, há o predomínio da Etnometodologia.
Nas pesquisas que mesclam mais de dois paradigmas, predomina o que denominamos
de "Balbúrdia Metodológica", não havendo clareza de quais caminhos metodológicos foram
seguidos. Usam-se modelos ditos baseados em determinados autores, faz-se um Estudo de
Caso. Há inclusive pré-teste dos questionários, a análise estatística das respostas, mas ao
final, cria-se uma colagem de "pontos" que interessam aos autores das dissertações, sendo
10
outros pontos, os que não interessam na construção das pesquisas, esquecidos ou não
mencionados.
IV. A Área de Administração
Autores como Burrel & Morgan (1979), Reed (1992 e 1996) e Clegg & Hardy (1996)
comentam que até os anos sessenta predominava na Teoria Organizacional (TO), e portanto
na área de Administração, o que eles denominaram de um paradigma dominante - o
Funcionalismo - e que, diante das mudanças ocorridas principalmente no mundo social, ele
foi questionado, mediante a constatação da diversidade, da existência de novas propostas,
maneiras de ver a realidade, que desembocam no desenvolvimento de outros paradigmas
considerados "alternativos", e que tentavam capturar as novas necessidades emergentes.
Neste sentido, até o início dos anos setenta, a realidade social e das organizações era
estudada, medida e explicada via modelos advindos da ciência natural. A predominância
constituída pelo funcionalismo estabeleceu um monólogo de uma elite de pensadores, um
bloco monolítico e homogêneo de idéias, de ver a realidade, que determinava o que seria
considerado e como se faria a "ciência" organizacional ( Clegg & Hardy, 1996). Neste sentido
estabelecia-se a concepção também de como seria determinada e compreendida a relação
homem-mundo.
Segundo Connoly (Reed, 1996), a partir da dialética formada entre o paradigma
dominante versus paradigmas alternativos, tanto na TO, como nas teorias das Ciências
Sociais, acaba-se por impor ao dominante um curso de ação para a manutenção do "status
quo". Contudo, os novos paradigmas surgidos têm influenciado inúmeras pesquisas, estudos,
formas de ver a realidade, etc...
Também Guillén (1994), examina algumas condições para a emergência e aplicação
dos paradigmas organizacionais - novos e dominante - em diferentes países. Segundo ele as
mudanças estruturais nas organizações, as pressões ou oportunidades internacionais, as
condições da classe trabalhadora, especialmente os conflitos do trabalho, a mentalidade das
elites, os grupos profissionais, o envolvimento do Estado e a reação dos trabalhadores,
convergem para a adoção de determinados modelos que respondam aos problemas
organizacionais, oferecendo soluções que se encontram disponíveis segundo tais modelos.
O atual contexto de mudanças econômicas, sociais e políticas oferece um portfolio
diversificado de problemas e questões que precisam ser resolvidos. De maneira simplista, isto
pode ser observado no Quadro 1, sobre os temas abordados nas dissertações pesquisadas para
a área de Administração.
O que se pode observar é que nesta área os temas variam muito. Em algumas
dissertações estuda-se muitas vezes os modismos colocados por um "establishment ". Para
autores como Reed (ops. cts.), os modismos são formas do Funcionalismo manter o seu
domínio, e de manter uma imagem de neutralidade científica em seu campo de pesquisa.
Contudo, em outras dissertações, aparecem temas, problemas e objetivos centrados em uma
realidade administrativa mais concreta, e onde os pesquisadores, não neutramente, analisavam
as situações observadas.
De fato o paradigma dominante, segundo os autores acima citados, tem-se mostrado
insuficiente ou incapaz de encaminhar soluções satisfatórias para os problemas que se têm
apresentado ao corpo de pesquisadores. Portanto, o momento atual é altamente propício para a
mudança paradigmática e isto explica a diversidade de novos modelos e abordagens que têm
surgido na teoria das organizações (Quadro 2). Nenhuma grande teoria tem surgido; pelo
contrário, são abordagens de "alcance médio," ou até mesmo de micro alcance, que oferecem
novas perspectivas para a análise e encaminhamento de soluções dos problemas
organizacionais. Nenhuma teoria, a não ser talvez a marxista, é capaz atualmente de oferecer
um arcabouço conceitual suficientemente abrangente para abarcar toda a diversidade de
11
questões com as quais as organizações devem lidar, mesmo porque o campo da administração
é multidisciplinar e deve continuar a sê-lo.
Quanto aos procedimentos metodológicos, pode-se ver pelo Quadro 3, que todas as
pesquisas observadas possuem um capítulo destinado a explicar os caminhos seguidos para a
abordagem de determinada realidade estudada. Neste sentido, diferentemente das outras áreas
observadas, a área de Administração parece ter uma preocupação, por parte principalmente de
seu corpo docente, de tornar clara a metodologia usada pelos mestrandos.
Algumas bibliografias sobre metodologias em ciências sociais são usadas para
descrever este capítulo específico; entre os autores destacam-se: Lakatos & Marconi
(Metodologia do trabalho científico); Bruyne, Perman & Schovtheef (Dinâmica da pesquisa
em ciências sociais); Selltiz. (Métodos de pesquisa nas relações sociais); Yin, (Case study
research); Thiollent (Problemas de metodologia em Ciências Sociais); e Greenwood
(Metodologia de la investigación social). O interessante a se destacar é que nas 10 pesquisas
observadas na área de Administração são citados pelo menos um desses autores acima
mencionados1.
Esta preocupação é importante, porém reflete também uma necessidade dos autores de
separar teoria e método, uma prática comum nas ciências de enfoque positivista, nas quais a
visão da realidade não é elaborada concomitantemente com a forma de abordar esta mesma
realidade. Neste sentido, algumas dissertações das áreas de Sociologia (4), Educação (5)
Economia/Demografia (7) e Ciência Política (1) parecem ter também esta referência,
enquanto que 9 dissertações da Ciência Política, 5 da Educação, 6 da Sociologia e 3 da
Economia fazem esta junção de uma visão teórico-metodológica. Não que não mencionem
nenhuma metodologia, mas ao fazer a apresentação da realidade a ser pesquisada, os autores
justapõem a metodologia que será usada. Nestas dissertações pode-se observar maior clareza
e coerência entre paradigmas, os autores e as metodologias.
O Quadro 4 mostra que a maioria das dissertações têm optado por pesquisa qualitativa.
As dissertações que utilizam-se da pesquisa quantitativa são as que possuem enfoque
funcionalista. Este quadro não mostra, entretanto, que a opção do orientador por determinado
tipo de pesquisa e por deliberado instrumento de coleta da dados tem forte influência nos
trabalhos apresentados. Os estudos de caso predominam nas 10 dissertações analisadas.
Os dados levantados junto às dissertações (e evidenciados no Quadro 2) mostram que
o Funcionalismo não tem conseguido resolver os problemas encontrados na realidade social e,
logicamente, na realidade das organizações. Observa-se também, que há dissertações que se
baseiam no paradigma diametralmente oposto, o Estruturalista Radical.
Como acontece nas outras áreas já relatadas, aqui há também uma mistura de
paradigmas. Se nas áreas de Sociologia e de Ciência Política ocorria mistura de autores
pertencentes a paradigmas próximos, segundo evidencia mostrada por Burrel & Morgan (op.
cit.), na maioria dos casos observados na Administração, aparece a mescla dos paradigmas
Funcionalista com o Estruturalista Radical. Aqui uma possível explicação (até mesmo
funcionalista) para a mistura é que ela reflete a variedade e a abrangência de temas de
interesse que recaem em diferentes paradigmas, mas também pode denotar uma
ambivalência da própria posição profissional do administrador. De um lado, ele sabe que
provavelmente será empregado assalariado de alguma organização, e que poderá sofrer os
mesmos constrangimentos a que está sujeita a classe trabalhadora; de outro lado, o
administrador deverá exercer o papel de mediação entre capital e trabalho, assumindo funções
1
Quanto às outras áreas, em somente uma dissertação na área de Ciência Política é mencionado um autor destes.
Já na área de Demografia, todas os trabalhos citam bibliografias sobre os métodos específicos de pesquisa nesta
área, principalmente, relacionados aos métodos estatísticos.
12
próprias do capital. Esta ambigüidade provavelmente induz o aluno de administração a oscilar
entre os dois paradigmas, tentando uma conciliação.
Quanto à coerência teórico-metodológica, em algumas pesquisas que usam dos
instrumentos mais qualitativos há confusão, ou melhor, mistura entre paradigmas (como
também já evidenciado nas outras áreas). Assim, os trabalhos dizem que pretendem fazer uma
pesquisa mais de cunho dialético, mas acabam usando autores funcionalistas e tentam uma
compreensão e explicações racionais das relações sociais, ligadas com a efetiva regulação e
controle dos fatos sociais. Não se contrapõem autores desses dois paradigmas, estes são
usados para desenvolver, como um todo, o corpo teórico-metodológico da dissertação.
V. À Guisa de Conclusão
O que se pode verificar nas 50 dissertações analisadas, é que de maneira geral "não
existe pecado do lado de baixo do Equador" em relação ao se fazer Ciência. Como Triviños
(1987: 13), constatamos uma realidade onde "a confusão, a mistura, o ecletismo" estão lado a
lado. Não podemos julgar profundamente o que está ocorrendo nas outras áreas, nem este é o
objetivo do trabalho. Mas de todo modo, serviu para clarear que a confusão paradigmática e
metodológica tem se mostrado uma constante (assim como o paradigma Estruturalista
Radical) nas Ciências Sociais.
Particularmente para área de Administração (no caso específico do curso de mestrado
em Administração da UFMG), fica claro que por não haver uma formação epistemológica
básica e forte, com o estudo dos principais paradigmas e seus autores, predomina uma
"confusão" na hora dos mestrandos conceberem suas pesquisas, com seus quadros teóricosmetodológicos. Neste sentido, a opção paradigmática do orientador tem ajudado um pouco
nesta definição e nas análises feitas e encontradas nas dissertações.
Uma explicação levantada para esta confusão, mais de cunho geral, poderia ser a
quantificação da produção científica que está ocorrendo. Para as Instituições que fomentam as
pesquisas científicas no país, o número de dissertações e teses defendidas é mais importante
que a qualidade destas. Assim, aos cursos da área de Ciências Sociais, para competir com os
das Ciências Naturais e Exatas, restam afrouxar na qualidade, no rigor teórico-metodológico,
e assim garantir suas cotas de bolsas, suas sobrevivências.
Ao final do trabalho, uma pergunta pairava: será que a mistura entre paradigmas não é
desejada? Não uma mistura entre Funcionalismo e o Estruturalista Radical, mas entre os
paradigmas que povoam o "continuum" entre estes dois. As dissertações que misturavam
paradigmas como por exemplo: Estruturalista Radical com Humanista Radical e Estruturalista
Radical com Interpretativo, precisaram de atenção redobrada neste estudo, devido à
interpenetração que existe entre eles.
Para alguns autores citados neste trabalho, há evidências de que a mudança
paradigmática é não apenas possível, apesar das dificuldades já apontadas, mas é também
desejável que haja a interpenetração dos paradigmas, principalmente numa área multidisplinar
e complexa como a teoria organizacional. É necessário, entretanto, que se trabalhe no sentido
de promover a interlocução dos vários paradigmas e das metodologias que os acompanham e
que se democratizem as relações acadêmicas, quebrando-se a hegemonia da corrente
dominante. O resultado de tais conversações certamente produzirá o arejamento nas Ciências
Sociais, pois a luta entre os paradigmas é de poder, não da ciência propriamente dita.
Neste aspecto, a posição de Martin (1992) é digna de nota. Esta pesquisadora
examinando a questão da cultura organizacional, sugere que as abordagens baseadas na
integração (leia-se Funcionalismo), que têm prevalecido nos estudos culturais, não
conseguem captar as nuanças do objeto de análise, e propõe que os pesquisadores adotem,
simultaneamente, duas outras perspectivas, a diferenciação e a fragmentação, de modo a
contemplar outras visões e perspectivas, que ficariam obscuras e desconhecidas se adota-se
13
apenas uma abordagem. Embora não considere estas duas perspectivas como novos
paradigmas, e as coloque como perspectivas pré-paradigmáticas, a sua classificação vai
depender muito de como se conceitue paradigma. Certamente não são paradigmas no sentido
que Kuhn atribuiu ao conceito, mas podem sê-lo na acepção dada por Guillén. A autora
argumenta ainda que vários pesquisadores da tradição funcionalista têm feito incursões por
essas novas perspectivas, embora tenham mantido sua contribuição principal dentro da
mainstream. As vozes emergentes, entretanto, precisam ser ouvidas porque isto traz a
necessária renovação científica.
Bibliografia
Burrel, G. and Morgan, G. 1979. Sociological Paradigms and Organizational Analysis.
London: Heinemann Educational Book
Castells, M. et alii. 1971. Epistemologia e ciências sociais. Porto Alegra: Ed. RÉS.
Clegg, S. R. and Hardy, C. 1996. 'Introduction: Organizations, Organization and Organizaing'.
In S. R. Clegg, C. Hardy & W. Nord (eds), Handbook of Organization Studies. London:
Sage.
Coulon, A. 1995. Etnometodologia e Educação. Petrópolis: Vozes.
Goldmann, L. 1976. Ciências Humanas e Filosofia. São Paulo: Difel.
Guillén, M. F. 1994. Models of Management: Work, Authority and Organization in a
Comparative Perspective. Chapter 1: The Comparative Study of Organizational
Paradigms. Chicago: University of Chicago Press.
Martin, J. 1992. Cultures in Organizations: three perspectives. New York: Oxford University
Press.
Martins, G. de A. 1997. 'Abordagens metodológicas em pesquisas na área de administração'.
RAE, São Paulo, v.32, n.3, p. 5-12, julho/setembro.
Reed, M. 1992. 'Introduction'. In M. Reed and M. Hughes (eds), Rethinking organizations:
new diretions in organization theory and analysis. London: Sage.
Reed, M. 1996 'Organizational theorinzing: a historrically contested terrain'. In S. R. Clegg,
C. Hardy and W. Nord (eds), Handbook of organization Studies. London: Sage.
Rodrigues, S. B. 1997. Organization Studies: Anglo-Saxon Knowledge in Brazil.Organization
(forthcoming). Special Issue: Latin America.
Triviños, A. N. S. 1987. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas.
Yin, R. K. 1984. Case Study Research. Beverly Hills: Sage Publications.
Quadro 1. Temática das dissertações por Cursos de Mestrado:
ÁREAS
Administração
Ciência Política
TEMAS
Tecnologias de informação; mudança organizacional; comportamento do
consumidor; estrutura de poder do executivo; gestão sindical; relações de trabalho.
Burocracia e modernização; ação política; sindicalismo; trabalho; gênero; política
14
partidária; autoritarismo; liberalismo econômico e político.
Crescimento demográfico; mortalidade infantil; distribuição espacial da
população; formação econômica do capitalismo; economia e desenvolvimento
regional; estruturas setoriais de mercado.
Aprendizagem dos atores sociais; gestão escolar; trabalho e relações de trabalho
dos docentes; significados culturais da escola
Movimentos sociais; cultura e identidade; sociologia das profissões
Economia/Demografia
Educação
Sociologia
Fonte: Dados da pesquisa
Quadro 2. Opção paradigmática das dissertações por área:
CURSOS
PARADIGMAS
Administração
C. Política Eco./Demo.
2
1
6
Funcionalista
Interpretativo
1
Humanista
Radical
3
5
1
Estruturalista
Radical
5
3
3
Dois ou +
Fonte: Dados da pesquisa
Educação
4
-
Sociologia
1
3
-
Total
10
7
1
3
3
15
3
3
17
Quadro 3. Número de dissertações por área que destacam os procedimentos metodológicos:
Áreas:
Administração
Nº de Pesquisas onde se tem a
metodologia em destaque (capítulo , 10
anexos, etc...)
Fonte: Dados da pesquisa
Ciência
Política
Economia
Educação
Demografia
Sociologia
1
3
5
4
4
Quadro 4. Opção metodológica nas dissertações dos Cursos de Mestrado:
Opção Metodológica
Pesquisa Qualitativa
Pesquisa Quantitativa
Administração
6
2
Mistura de ambas
2
C. Política
10
Cursos
Econ./Demog.
3
Educação
10
Sociologia
9
-
7
-
-
1
Fonte: Dados da pesquisa.
15
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