"Paradigmas e Metodologias: Não Existe Pecado do Lado de Baixo do Equador" Autores: Carrieri, Alexandre de P. e Luz, Talita R. da Resumo: Este trabalho pretende verificar uma amostra da produção científica das Ciências Sociais, analisando-se a consistência teórico-metodológica de dissertações de cursos de mêstrado da UFMG: Sociologia, Ciência Política, Administração, Educação, Economia/Demografia. Em seguida, o momento mais importante, enfocam-se as dissertações de Administração. Pressupõe-se que a teoria das organizações recebe influência marcante dos paradigmas sociológicos, podendo-se afirmar que são caudatárias desses paradigmas. Situa-se a Administração no cenário das Ciências Sociais, partindo-se da consideração dos paradigmas destas Ciências, para examinar as metodologias e sua coerência com os paradigmas, enfatizando-se as metodologias utilizadas nas pesquisas administrativas, e verificando se elas estão adequadas ao paradigma escolhido. Ao final, observou-se que 34% das dissertações (17) utilizam dois ou mais paradigmas simultaneamente. Geralmente os autores citam que pretendem realizar uma pesquisa segundo determinado paradigma, contudo utilizam também autores de outros paradigmas. Na Administração fica claro que, não havendo uma formação epistemológica básica e forte, com o estudo dos principais paradigmas e seus autores, predomina uma "confusão" quando os mestrandos concebem suas pesquisas, com seus quadros teórico-metodológicos. I. Introdução Este trabalho busca analisar a consistência teórico-metodológica de dissertações produzidas no campo das Ciências Humanas e Sociais, em diversos cursos de mestrado de Belo Horizonte, resgatando-se as metodologias usadas no sentido de evidenciar-se o plano executivo da pesquisa. O que se pretende verificar, em um primeiro momento, é uma amostra da produção científica das Ciências Sociais. Para a execução desta tarefa tomaram-se 10 dissertações de cada curso, a saber: Sociologia, Ciência Política, Administração, Educação, Economia/Demografia (5 dissertações de cada área), produzidas no período compreendido entre 1992 e 1996, sendo duas dissertações de cada ano. Foram examinados os temas de cada dissertação, assim como a problemática da pesquisa realizada, o referencial teórico, tendo-se o cuidado de verificar os autores mais citados, e em seguida, a opção metodológica dos autores das dissertações. Em um segundo momento, enfocam-se particularmente as dissertações de Administração. Parte-se de que a teoria das organizações (e administrativa) recebem influência marcante dos paradigmas sociológicos, podendo-se até afirmar que são caudatárias desses paradigmas. Busca-se situar a área de Administração no cenário das Ciências Sociais como um todo; para tanto, parte-se da consideração dos diversos paradigmas que povoam essas Ciências, para examinar as metodologias utilizadas e sua coerência com cada um dos paradigmas. II. Os Paradigmas nas Ciências Sociais A questão dos paradigmas nas ciências sociais é um dos temas mais relevantes para todos os que buscam ir além do estudo das "escolas de pensamento," para atingir um patamar de compreensão crítica do que se está produzindo e fazendo a respeito dos fenômenos sociais. Neste sentido, a contribuição de Burrel & Morgan (1979) é da maior importância porque desvenda os pressupostos subjacentes às teorias sociais. Com efeito, a idéia central dos dois autores é de que todas as teorias sociais são baseadas numa filosofia de ciência e numa teoria de sociedade. 1 A ciência social é concebida em termos de quatro conjuntos de suposições relacionadas a ontologia, epistemologia, natureza humana e metodologia. A ontologia referese a suposições sobre a essência dos fenômenos sob investigação, isto é , se a realidade é objetiva ou subjetiva, enquanto a epistemologia trata da base do conhecimento, de como ele pode ser obtido e o que pode ser considerado verdadeiro ou falso. A natureza humana considera a relação entre os seres humanos e seu ambiente, isto é, a vida humana é o objeto e o sujeito da pesquisa.; de acordo com algumas suposições os seres humanos são produtos do ambiente ou não. E a metodologia trata de como conduzir-se uma investigação e obter conhecimento do mundo social. Diferentes ontologias, epistemologias e concepções de natureza humana conduzem a diferentes metodologias. A análise de uma certa realidade pode ser baseada em relações e regularidades entre os fenômenos e na procura de leis universais, ou fundada na experiência subjetiva dos indivíduos e de como eles criam, modificam e interpretam o mundo. Se o cientista vê os fenômenos de que trata como reais, tangíveis e como estruturas relativamente imutáveis, externas ao investigador, sua abordagem ontológica é realista; entretanto, se pressupõe que o mundo externo é constituído de nomes, conceitos e rótulos que são usados para estruturar a realidade, sua abordagem é nominalista. Para o realista o mundo social preexiste ao indivíduo e é independente dele, enquanto para o nominalista o mundo social não existe independentemente dos indivíduos; os conceitos são usados para descrever, dar sentido e negociar no mundo externo. Nominalismo e realismo são as principais correntes do debate ontológico. As discussões epistemológicas, por sua vez, centram-se em duas correntes: o positivismo e o anti-positivismo. A primeira é a chamada "mainstream" nas ciências sociais, principalmente na sociologia e se caracteriza por procurar explicações, mediante a busca de regularidades e de relações causais entre os fenômenos. Seu modelo é o das ciências físicas e naturais, transposto para o campo dos fatos sociais. Seu oposto considera que o mundo é essencialmente relativista e só pode ser compreendido do ponto de vista dos atores sociais, portanto, não há como entender o mundo simplesmente como "observador." Desse modo, a ciência não pode gerar qualquer tipo de conhecimento objetivo. No cerne do debate sobre a natureza humana encontram-se duas concepções distintas: a primeira, chamada determinista, considera que o homem e sua ação são completamente determinados pelas situações sociais e pelo ambiente, enquanto a segunda, a voluntarista, acredita na autonomia e na livre vontade do ser humano. É ainda possível adotar um ponto de vista intermediário, mas qualquer que seja ele, os pressupostos que lhe são subjacentes definem a natureza das relações entre o homem e a sociedade. Quanto à questão metodológica, encontram-se duas posições diferentes: a ideográfica, que considera só ser possível obter o conhecimento a partir da exploração detalhada do sujeito sob investigação e de sua história de vida, enfatizando a análise dos aspectos subjetivos que são gerados quando se encontra "de dentro das situações." A abordagem nomotética, ao contrário, valoriza as técnicas quantitativas, a construção de testes científicos e o protocolo sistemático, enfatizando o processo de teste de hipóteses, a verificação de regularidades, a possibilidade de generalização, de acordo com os padrões de rigor científico. Burrel & Morgan (op. cit.) afirmam que diferentes teorias refletem diferentes perspectivas, questões e problemas para estudo, e são baseadas num conjunto de pressupostos que refletem uma visão particular da natureza do objeto de investigação. Neste sentido, encontram-se nas ciências sociais abordagens que explicam, de um lado, a natureza em termos de regulação, e de outro, em termos de mudança radical. A sociologia da regulação enfatiza a unidade e a coesão, ao passo que a sociologia da mudança radical privilegia a emancipação do homem da estrutura, que limita ou impede seu potencial de desenvolvimento. 2 Os autores consideram que estes dois modelos são quadros de referência diferentes e alternativos para a análise dos processos sociais, e que combinados com as dimensões subjetiva e objetiva sobre a natureza da sociedade, definem quatro distintos paradigmas científicos: funcionalista, interpretativo, humanista radical, e estruturalista radical. Paradigmas são definidos como "pressupostos meta-teóricos básicos, que subscrevem um quadro de referência, um modo de teorizar e um modus operandi dos cientistas que operam dentro deles" (Burrel & Morgan, 1979:23). Na verdade, eles definem quatro visões do mundo social baseadas em diferentes pressuposições meta-teóricas com relação à natureza da ciência e da sociedade. Os autores supracitados afirmam que eles são mutuamente exclusivos; o debate entre eles é raro e pode ser descrito melhor por hostilidade desinteressada, enquanto dentro de cada paradigma ele ocorre com freqüência. Além disso, consideram que uma síntese não é possível, pois em suas formas puras eles são contraditórios. A mudança paradigmática significa uma mudança nos pressupostos meta-teóricos, algo que embora possível, não é realizado freqüentemente na prática, pois isto é considerado uma experiência de "conversão." O Paradigma Funcionalista Esta orientação tem raízes na corrente da regulação, e sua abordagem é objetiva, caracterizando-se pela preocupação em explicar o status quo, a ordem social, o consenso, a integração social, a solidariedade, a satisfação de necessidades e a realidade. O ponto de vista é realista, positivista, determinista e nomotético. Fornece explicações racionais das relações sociais e é ligado com a efetiva regulação e controle dos fatos sociais. Foi entretanto, influenciado pelo Idealismo Alemão, a partir das contribuições de Weber, Simmel e G. H. Mead, tentando-se a junção da dimensão objetiva com o paradigma interpretativo. Neste caso, rejeitam-se as analogias biológicas e mecânicas e introduzem-se idéias que enfatizam a compreensão da sociedade do ponto de vista dos atores sociais. Houve ainda a influência de idéias marxistas, numa tentativa de radicalizar a teoria funcionalista e mudar a concepção de que o funcionalismo é conservador e inadequado para prover explicações sobre a mudança social. O funcionalismo deve, então, ser entendido em termos da interação dos três conjuntos de forças intelectuais, mas o positivismo é o mais influente. Essas correntes cruzadas deram origem a várias escolas distintas de pensamento dentro do paradigma. Os autores mais importantes são Comte, Spencer, Durkheim, Pareto, Malinowski , Radcliffe Brown, Parsons, Simmel, G. H. Mead, Herbert Blumer, Weber, Rex, Eldridge, Goldthorpe, Silverman, Blau, Merton, Coser, Gouldner, Buckley e Skinner. O Paradigma Interpretativo Os que se colocam dentro deste paradigma adotam uma abordagem social da regulação, mas sua concepção de análise da sociedade é subjetivista. Este paradigma pretende compreender a natureza fundamental do mundo no nível da experiência subjetiva, procurando a explicação dentro da consciência individual e da subjetividade, no quadro de referência do participante, enquanto oposto ao observador da ação. Esta abordagem é nominalista, antipositivista, voluntarista e ideográfica, considerando o mundo social como um processo emergente, criado pelos indivíduos. Seu ponto de vista adere ao pressuposto de que o mundo é coeso, ordenado, integrado e, conseqüentemente, os problemas de conflito, dominação, contradição, potencialidade e mudança não são considerados no seu referencial teórico. Os teóricos desta abordagem estão envolvidos com assuntos relacionados à natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão social, da solidariedade e da realidade. Este paradigma é produto direto da tradição idealista alemã de pensamento social, com fundamento na filosofia de Kant e reflete uma filosofia social que enfatiza a natureza essencialmente espiritual do mundo social. Representam este paradigma os autores seguintes: 3 Dilthey, Husserl, Weber, Gadamer, Schutz, Scheller, Heidegger, Sartre, Merleau -Ponty Garfinkel, Cicourel, Schegloff, Sacks, McHugh, Denzin, Zimmerman e L. Wieder. O Paradigma Humanista Radical A preocupação deste paradigma é desenvolver uma teoria da mudança radical do ponto de vista subjetivo, e sua abordagem é nominalista, anti-positivista, voluntarista e ideográfica. Entretanto, o referencial teórico é comprometido com uma visão de sociedade que enfatiza a importância de transcender os limites dos arranjos sociais existentes, pois uma das noções básicas deste paradigma é que o homem é dominado pelas superestruturas ideológicas com as quais interage e que criam uma ruptura cognitiva entre ele e sua verdadeira consciência. Tal ruptura é a alienação ou falsa consciência que inibe a realização humana; portanto, a principal preocupação dos teóricos é a libertação dos "constraints" que os arranjos sociais colocam para o desenvolvimento humano. A ênfase teórica é colocada na mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, privação e potencialidade. Os conceitos de conflito estrutural e contradição não são proeminentes nesta perspectiva, mas coloca-se ênfase na consciência humana. Deriva da tradição do Idealismo Alemão, principalmente dos trabalhos de Kant e de Hegel, do jovem Marx, e também da perspectiva fenomenológica de Husserl. Lukacs e Gramsci reviveram a tradição, que foi retomada pela Escola de Frankfurt, com Habermas e Marcuse, e ainda por Sartre. Nesta perspectiva procurase mudar a sociedade pela mudança nos modos de cognição e de consciência. É uma inversão do paradigma funcionalista. Representam este paradigma os seguintes autores: Sartre, Max Stirner, Murray Bookchin, Lucaks, Gramsci, Horkheimer, Adorno, Benjamin, Fromm, Kirschheimer, Lowenthal, Marcuse e Habermas. O Paradigma Estruturalista Radical Os adeptos deste paradigma advogam a mudança radical da sociedade sob o ponto de vista objetivo, mas buscam fins fundamentalmente diferentes do funcionalismo. O paradigma é comprometido com a mudança radical, a emancipação e a potencialidade, numa análise que enfatiza o conflito estrutural, os modos de dominação, a contradição e a privação. Sua abordagem é realista, positivista, determinista e nomotética. Concentra-se nas relações estruturais dentro do mundo social real, enfatizando que a mudança radical é construída na natureza e na estrutura da sociedade contemporânea, procurando explicações para as interrelações dentro do contexto das formações sociais totais. É consenso entre os autores desta abordagem que a sociedade contemporânea é caracterizada por conflitos fundamentais que geram a mudança radical através das crises políticas e econômicas. É pelo conflito e mudança que acontece a emancipação do homem das estruturas sociais em que vive. Representam esta corrente teórica autores como Marx, Engels, Plekhanov, Lênin, Bukharin, Althusser, Poulantzas, Rex, Dahrendorf e outros, sendo a influência de Marx dominante, mas é também possível identificar influências de Weber. Nem todos os autores concordam com este esquema classificatório de Burrel & Morgan. Castells (1971), tratando da questão epistemológica, refere-se aos paradigmas como ideologias teóricas. Por ideologia teórica o autor entende um caso particular de ideologia institucionalmente reconhecida como prática científica. As ideologias teóricas articulam-se, segundo o autor, produzindo o que denomina "formações ideológicas determinadas" (teorias sociológicas, econômicas, etnológicas dominantes, como o funcionalismo, o estruturalismo e suas variantes). Para ele, os modelos epistemológicos subjacentes a essas formações ideológicas são dois, constituindo variantes do paradigma da filosofia idealista do conhecimento. A primeira variante é o empirismo e a segunda, o formalismo. De acordo com Castells (op. cit.) o empirismo é a prática que parte do conhecimento dos fatos, deduzindo deles o objetivo da investigação, que é verificar esses fatos, reuni-los e 4 sintetizá-los pela abstração, de modo a permitir sua acumulação e sua comunicação. Os fatos são "objetivos" e preexistentes na atividade do investigador; há uma dominância do observado sobre a teoria.. Por outro lado, o formalismo representa o principal concorrente do empirismo e significa uma inversão do paradigma, pois tende a enfatizar e isolar a construção teórica no processo de conhecimento, praticamente excluindo o processo de experimentação. O formalismo cumpre o mesmo papel que o empirismo, isto é, de servir aos interesses do capital. O formalismo corresponde ao que Burrel & Morgan chamam de funcionalismo e constitui a corrente dominante nas ciências sociais. Castells ainda se refere à ideologia estruturalista, que segundo ele, é um exemplo da coexistência pacífica entre empirismo e formalismo. Como exemplo o autor aponta o estruturalismo de Lévi-Strauss, no qual o empirismo se manifesta na definição do modelo e no enunciado das regras que devem ser respeitadas na construção de modelos científicos, e o formalismo se revela após a construção do modelo, com a experimentação por meio dos próprios modelos, comparando-se entre si modelos de tipos diferentes. O autor argumenta que empirismo e formalismo não se excluem nem se contradizem necessariamente, uma vez que são variantes da epistemologia idealista. No esquema de Burrel & Morgan o estruturalismo constitui o paradigma interpretativo e apresenta uma orientação subjetiva. A posição de Goldmann (1976) é semelhante à de Castells, uma vez que também ele é de orientação marxista. Para este autor a sociologia só pode ser concreta se for histórica, uma vez que o pensamento humano e científico estão estreitamente ligados às condutas humanas e às ações do homem no seu ambiente. A diferença fundamental entre a história, que estuda os comportamentos humanos e as ciências físico-químicas está justamente porque estas últimas abordam os fatos a partir do exterior, enquanto o cientista social encontra-se diante de ações realizadas conscientemente, e cuja significação objetiva deve procurar. As ciências históricas e humanas constituem o estudo da ação, de sua estrutura, das aspirações que a animam e das alterações que sofre. Portanto, o processo de conhecimento implica a identidade parcial entre o sujeito e o objeto do conhecimento, não se podendo separar seus aspectos material e espiritual, uma vez que o comportamento é um fato total. Como se pode perceber, são vários os paradigmas científicos, ainda que para os autores da linha marxista eles não passem de ideologias teóricas. Entretanto, para os efeitos deste trabalho e considerando sua abrangência, assim como as possibilidades que oferecem para a classificação dos diversos paradigmas, toma-se como referência principal o esquema de Burrel & Morgan. O cientista é reconhecido pelos seus pares como um pesquisador ou teórico que se alinha dentro de determinado paradigma e a comunidade científica define os critérios de inclusão e de exclusão do debate central e das instituições acadêmicas. A reputação acadêmica é construída ao longo de anos de pesquisa e de publicações e poucos se arriscam a comprometê-la, mudando de paradigma. Na sociedade contemporânea o surgimento de novos paradigmas não tem sido recebido sem luta e contestação , pois o campo científico, segundo Bourdieu (1983, apud Rodrigues, 1997), é socialmente construído e ligado às relações de poder e de prestígio. Os adeptos dos paradigmas emergentes são consideradas como desviantes e alijados dos centros de poder da comunidade científica dominante. Entretanto, até mesmo Burrel & Morgan, que consideram que os paradigmas são contraditórios e mutuamente exclusivos, ao procederem a sua análise, referem-se à interpenetração entre eles. O paradigma Funcionalista, de inspiração positivista, foi influenciado pelo idealismo alemão e por idéias marxistas; dando origem a várias escolas distintas de pensamento; por outro lado, o paradigma Estruturalista Radical recebeu uma forte influência de Weber (Idealismo Alemão). Isto prova que os paradigmas não são totalmente 5 refratários a influências nem mutuamente exclusivos. Para Castells isto é possível porque os paradigmas são, na verdade, variantes do empirismo, com exceção do materialismo dialético. O trabalho de Clegg & Hardy (1996) que enfoca a teoria das organizações, coloca intrigantes questões para reflexão a respeito deste tema. Para os autores, os estudos produzidos constituem conversações, isto é, são o fruto de diversos locais, leitores e intérpretes e estão sujeitos a negociação, e como tal, estão abertos a controvérsias e contestação. Referindo-se à incomensurabilidade dos paradigmas, os autores afirmam que eles não foram propostos simplesmente como teoria do conhecimento, mas como um meio de talhar um nicho, no qual os pesquisadores alternativos podiam fazer seu trabalho, protegidos das críticas dos funcionalistas, que constituem a corrente dominante. E colocam a pergunta se é possível construir uma ponte entre os paradigmas, e ainda, se esta ponte deve ser construída, permitindo aos imperialistas invadirem e dominarem os territórios mais fracos. Alguns acham que não é possível e defendem a ortodoxia, outros acham que a ponte significa a conversão, e outro grupo procura soluções mediante o uso de discursos filosóficos e lingüísticos. Mas Clegg e Hardy argumentam que o que está em jogo não é uma questão de epistemologia, lógica ou teoria lingüística, mas de política. Os que defendem a incomensurabilidade dos paradigmas defendem as abordagens alternativas das investidas da corrente dominante, enquanto os que a atacam acreditam ser esta defesa contraproducente. A luta principal se trava entre os rebeldes. Citando Zald, os autores argumentam que é na luta entre diferentes abordagens que se aprende, assim como na diversidade e ambigüidade de significados, não da uniformidade e do consenso. A elite intelectual nem sempre faz as escolhas corretas dos temas que devem ser considerados relevantes e dos problemas que devem ser resolvidos. A fragmentação dá origem à diversidade de temas e de abordagens, que enriquecem as conversações sobre os temas. O debate sobre os paradigmas provavelmente não terá uma solução. III. As Dissertações: Paradigmas, Metodologias e o Fazer Ciência A metodologia de trabalho de análise desenvolvida nesta pesquisa é empregada aqui na acepção grega, um caminho, uma direção a ser seguida. Qual seria o melhor caminho para se levar avante esta pesquisa? Era a pergunta principal. Assim, ao buscar um caminho para este trabalho, levou-se em conta determinadas informações às quais foram somadas outras, e mais outras. Com base na leitura de 50 dissertações de mestrados pode-se "diagnosticar" diversos caminhos que foram seguidos por pesquisadores das ciências sociais. A investigação empreendida foi uma atitude deliberada e sistemática de apreensão do tipo de pesquisa que se está produzindo. Procurou-se averiguar, principalmente para o curso de Administração, a partir do referencial epistemológico usado, das metodologias propostas e seguidas e do conteúdo dos trabalhos, se estes estavam coerentes com os paradigmas que têm servido à Ciências Sociais como base para seu desenvolvimento. (Martins, 1997). Como Martins (1997: 06) em seu trabalho sobre as abordagens metodológicas em pesquisa na área de administração, procurou-se abordar as seguintes questões: 1) "Quais são as abordagens metodológicas utilizadas nas dissertações aprovadas?" 2) Quais são as características gerais e as tendências epistemológicas dessas investigações?". A idéia inicial era realizar um estudo exploratório, no sentido de que pudesse dar aos autores deste trabalho uma maior clareza, e também os atualizasse, quanto a seus próprios problemas de pesquisa e metodologias a serem construídas em suas futuras pesquisas, pois "os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema" (Triviños, 1987:109). Contudo oportunizou-se também a realização de um estudo "comparativo" entre algumas áreas da Ciência Social com a Administração. Por que oportunizou-se? Porque como seria um estudo exploratório, não houve a preocupação em obter apoio de informação estatística, no sentido de pesquisar um número 6 definido amostralmente no universo de dissertações e teses elaboradas nas áreas pesquisadas. Assim, optou-se por recolher informações sobre 10 dissertações por área, durante os anos de 1992 até 1996 (ou 1991 até 1995, ou 1993 até 1997, dando maior alternativa aos pesquisadores), retirando-se aleatoriamente dois trabalhos por ano. Os trabalhos escolhidos foram diversas vezes lidos. Para cada leitura retiravam-se informações desejadas. Primeiramente observou-se no índice se havia alguma referência especial a algum capítulo, ou índice, sobre a metodologia usada. Depois, lia-se a introdução e o(s) capítulo(s) teórico(s) para se conhecer a linha epistemológica seguida elo autor. A partir desta leitura, retiravam-se as hipóteses, questões delineadoras e o objetivo, ou objetivos, da pesquisa. A metodologia era anotada e averiguada em outra leitura. Sempre foi encontrada alguma especificidade sobre a metodologia a ser seguida, seja até um parágrafo, ou dois, no final do referencial teórico que explicava como o pesquisador concretizou a dissertação. Ao final, anotava-se a bibliografia da dissertação, dando-se preferencia aos autores citados no quadro teórico e metodológico, assim como para os autores repetidos mais de duas vezes, no sentido de que, se este autor estava sendo citado em mais de uma obra sua, era porque deveria ser importante na construção da dissertação como um todo. Uma vez com os dados nas mãos, partiu-se para concretizar este trabalho. Assim, as dissertações foram agregadas em áreas, depois em temas, onde se observaram os objetivos, sendo então classificadas quanto ao uso dos paradigmas e observadas a coerência entre a metodologia usada, a execução e análise da pesquisa, e a bibliografia usada. 3.1. Os Temas: De maneira geral, os temas pesquisados mostram-se atuais e repercutem as preocupações existentes nesta última década do século XX. É preciso se (re)pensar a história vivida por nós, a busca por democracia, por cidadania, de maior participação, etc... Para Goldmann (1976) estudar a história é primeiramente tentar compreender as ações dos homens, o que os moveram, os fins perseguidos, a significação que para eles tiveram os comportamentos de suas ações e de outros, mas que decorrem em influências e mudanças nas realidades, cotidianamente Para as áreas investigadas, encontram-se temas que foram importantes, e ainda o são, na conquista de nossa cidadania, de nossa identidade. O processo de conhecimento, descrito em muitos trabalhos, revela um grande fator social, humano e histórico, havendo identificação - segundo os próprios autores pesquisados - entre o sujeito da pesquisa e o objeto de seu próprio estudo. Identificação esta que conduz o viés metodológico, analítico de cada trabalho estudado, que ora mostra a realidade como dinâmica, mutável e composta por atores sociais, ora deixa ver uma realidade a-histórica, onde determinadas informações nunca são, ou devem ser, somadas a outras; desta forma toda a realidade é estanque, representada friamente. QUADRO 1. Temática das dissertações por Cursos de Mestrado: Com base nesta primeira classificação, pode-se verificar os objetivos relativos a cada tema. Não que os objetivos fossem iguais, mas puderam ser representados como tendo algo em comum. Pode-se observar, contrariamente ao que Triviños (1987) argumenta, que os estudos na área de Educação não são somente de natureza descritiva. Mas existe uma visão crítica do processo de aprendizagem realizada nas escolas, pelo Estado, da participação mais efetiva de alguns profissionais quanto a mudanças concretas na realidade Outrossim, há ainda estudos descritivos, onde "reside o desejo de conhecer a comunidade" (Triviños, 1987: 110), as comunidades, os grupos marginais, etc..., isto é, os atores do processo educativo. Sobre os temas e objetivos das dissertações na área de Economia pode-se verificar que as pesquisas analisadas procuram, antes de tudo, fazer uma pesquisa histórica, no sentido de contextualizar o objetivo e problemática levantada. Enquanto algumas pesquisas procuram ver na realidade histórica as razões de nosso subdenvolvimento, outras apenas usam-se de 7 tipologias para, dicotomicamente, enquadrar as atividades ( e também os atores e suas ações) em modernas e tradicionais, no sentido de atrasadas. Já para área de demografia, encontramos uma só dissertação com uma pesquisa histórica, que não baseada em apenas números, mas com o sentido de que as causas estudadas naquele momento tinham raízes históricas profundas, e que os números ao final demonstrariam isto. De maneira geral, os temas são analisados estatisticamente. Diferentemente, nas áreas de Sociologia e Ciência Política encontramos trabalhos em que a história das realidades pesquisadas é um fator essencial para compreender as ações dos indivíduos, dos grupos, etc... Os temas nessas áreas, foram mais ecléticos, tendo a Ciência Política pesquisado maior número de temas. 3.2. A Coerência Paradigmática: Com base no aumento de conhecimento das dissertações analisadas, pode-se montar o Quadro 2, que evidencia a opção paradigmática dos trabalhos por área. QUADRO 2. Opção paradigmática das dissertações por área: Observa-se, por este quadro, que 17 dissertações (34%) utilizam dois ou mais paradigmas simultaneamente. Em geral os autores citam que pretendem realizar uma pesquisa de acordo com determinado paradigma, contudo utilizam também autores de outros paradigmas. Todos os autores são usados, em geral, para construção da dissertação, não para contrapor-se uns aos outros, ou usá-los com determinados preceitos (como, por exemplo, não há nenhuma nota que se esta usando Fulano, sabendo que ele não considera os acontecimentos históricos importantes; ou Sicrana, sabendo que para ela o indivíduo não tem como contrapor-se a estruturas do sistema econômico) . Assim, misturam-se normalmente autores do paradigma Estruturalista Radical com o Funcionalismo, tendo sido encontradas 9 dissertações nestas condições. Outro caso é a mistura de Estruturalismo Radical com Humanismo Radical, num total de 4 dissertações. Há casos de mistura do paradigma Interpretativo com o Humanista Radical (2 casos). Encontram-se ainda 2 outros casos de utilização de mais de dois paradigmas. De acordo com o Quadro 2, o curso onde isto mais ocorre é o de Administração (analisado no decorrer do trabalho). Seguido, depois pelos outros cursos. No caso da Sociologia observou-se que as dissertações cujos autores vêm de outras áreas, como Antropologia, mesclam-se o paradigma Interpretativo com o Humanismo Radical ou com o Estruturalismo Radical. No caso das dissertações de Ciência Política mesclam-se os paradigmas Humanista Radical com Estruturalista Radical, que são próximos, uma vez que ambos buscam a transformação do mundo social e a libertação do homem da alienação. De maneira geral, os casos da mistura do paradigma Funcionalista com o Estruturalismo Radical, que acontece nas áreas de Educação, Sociologia e Ciência Política, são de autores que, segundo podemos observar, não têm uma formação básica nestas áreas. Não é possível, portanto, extrair-se qualquer orientação nos diversos cursos de mestrado, a partir do tipo de paradigma utilizado nas dissertações, a não ser talvez no caso de Ciência Política e de Educação que, respectivamente, tendem mais para os paradigmas que pretendem a transformação do mundo e a transformação dos indivíduos, respectivamente o Estruturalista Radical e o Interpretativo; e no caso de Economia e Demografia, em que parece haver dominância do paradigma funcionalista. A conciliação entre os paradigmas, embora considerada por Burrel & Morgan (op. cit.) algo cientificamente incorreto, pois eles são contraditórios e mutuamente exclusivos, não é tão incomum assim. Pode argumentar-se que se trata de dissertações de mestrado, cujos autores se iniciam no campo da ciência e não têm ainda a compreensão exata da incomensurabilidade dos paradigmas. Mas os próprios autores supracitados admitem que houve e há uma interpenetração entre eles e que este fato tem trazido a necessária renovação 8 na ciência. Do mesmo modo, Clegg e Hardy (1996) referem-se a "conversações" entre os paradigmas, mesmo na obra de autores que têm reputação científica estabelecida. Desta forma, não se deve estranhar o fato, mas simplesmente registrá-lo; o que importa é que o autor que assim procede esteja consciente dos pressupostos básicos subjacentes a cada paradigma, de suas possibilidades e de suas limitações. 3.3 Metodologias As metodologias usadas variam de área para área, como de orientador para orientador. Fica claro, na análise, o papel do orientador em definir os procedimentos metodológicos a serem usados por seus alunos e orientados. Todas acabam por mencionar a metodologia, mesmo que seja em apenas um parágrafo final, encontrado na introdução ou no primeiro capítulo - capítulo destinado ao referencial teórico. O Quadro 3 mostra o número de dissertações por área que destacam, com riqueza de detalhes, os procedimentos metodológicos. QUADRO 3. Número de dissertações por área que destacam os procedimentos metodológicos: Ao todo foram encontradas 27 dissertações (54%), que possuem algum capítulo referente a metodologia usada na pesquisa. Foram computados também as pesquisas que trazem até mesmo em anexos sua metodologia. Destacam-se as áreas de Economia/Demografia e Educação, com os números de 7 e 5 pesquisas, respectivamente, onde havia um capítulo sobre a metodologia. Evidencia-se que nas dissertações da área de Ciência Política, e em menor número nas áreas de Sociologia e de Educação, os procedimentos estão muitos relacionados com a opção paradigmática dos autores, parecendo que o uso da dialética traz implícita a metodologia usada. No sentido inverso, o uso pela Demografia de capítulos extensos de métodos estatístico-positivistas, muitas vezes, leva-nos pensar em pesquisas escritas para serem compreendidas por um nicho específico de intelectuais, semelhantemente ao que acontece nas áreas das Ciências Naturais, em que o caráter da atividade humana, as ligações entre história, fatos econômicos (políticos e sociais também) não são nunca relacionados (Goldmann, 1976). O Quadro 4 abaixo mostra a metodologia utilizada nas dissertações dos diversos cursos, e evidencia o que denominamos de opção metodológica, isto é, se as dissertações realizaram pesquisa qualitativa, pesquisa quantitativa ou mistura de ambas. Verifica-se que se utiliza em grande escala a pesquisa qualitativa em todos os cursos, com exceção dos cursos de Economia e Demografia. A utilização de ambas metodologias simultaneamente também é pouco comum e só ocorreu nos cursos de Sociologia (e de Administração). QUADRO 4. Opção metodológica nas dissertações dos Cursos de Mestrado: Com base em diversos autores, como por exemplo Triviños (1987), evidenciou-se que as pesquisas qualitativas podem ser classificadas sob o enfoque "subjetisvistacompreensivista", ou sob o enfoque mais crítico, com visão histórico-estrutural. Assim, para o primeiro enfoque haveria o privilégio dos aspectos de conscientização subjetivos dos atores, isto é, privilegiam-se as percepções, processos de tomada de consciência, de compreensão do contexto cultural, da realidade a-histórica, de relevância dos fenômenos pelos significados que eles têm para o sujeito. Para o segundo enfoque haveria uma pesquisa que aponta as contradições existentes na realidade que se quer conhecer. Assim através das percepções, reflexões, e até da intuição, a realidade é conhecida para que se possa mudá-la e transformála. Desta forma, consideramos pesquisas qualitativas: as análises documentais e bibliográficas, o estudo de caso, a análise do discurso, a análise de conteúdo, a etnografia e a 9 análise histórica. As técnicas mais utilizadas na maioria das dissertações foram a entrevista semi-estruturada, e em segundo lugar, o questionário fechado. Nas pesquisas quantitativas foram usados modelos matemáticos, e como técnicas as análises estatísticas. Para Yin (1984) a essência da pesquisa qualitativa consiste em duas condições: o uso de uma detalhada observação do mundo natural pelo investigador; e uma coerência e comprometimento com qualquer modelo teórico usado. Assim sendo, é necessário ainda levantar-se a questão da coerência ou adequação entre o paradigma escolhido nas dissertações e a metodologia utilizada. Nas dissertações onde se propôs fazer-se uma análise Funcionalista, observou-se coerência metodológica. Isto é, as pesquisas privilegiam a construção de variáveis para a explicação dos fatos, há a construção de hipóteses e medição das relações existentes entre os fatos. Deve-se destacar que nas dissertações da Sociologia e da Administração esta medição não é somente quantitativa, mas há uma preocupação com alguma qualificação dos dados. Nas dissertações que se baseiam na paradigma Interpretativo, pode-se observar que a opção metodológica recai sobre a Etnometodologia (4 dissertações de 7, ver Quadro 2). Isto é, existe uma preocupação com as "busca empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas ações cotidianas: comunicar, tomar decisões, raciocinar" (Coulon, 1995: 17). Há também o uso de Análise do Discurso em três dissertações, uma na área de Educação e duas na de Sociologia. O paradigma Humanista Radical é usado em apenas uma pesquisa, na área de Ciência Política, e nesta, usa-se a Análise Documental como metodologia de pesquisa. Esta pesquisa procura tomar como ponto a transcendência dos arranjos sociais que têm como base o Estado e o Mercado, propondo a leitura de outras instituições, surgidas na década de noventa, como fonte de libertação do homem da opressão das superestruturas e do conflito existente dessa dubiedade. Sua bibliografia está centrada em Habermas e na sua teoria da ação comunicativa. Já o paradigma Estruturalista Radical, ou melhor, as dissertações que se utilizam deste paradigma povoam todas as áreas (Quadro 2). A metodologia usada nos trabalhos analisados varia, mas em sua maioria, em 9 casos, aparece o Estudo de Caso, como opção metodológica. A Análise Documental e Bibliográfica aparecem em seguida em 4 casos, e por fim, em 2 dissertações, aparece a Análise do Discurso como opção metodológica. (incluindo a Administração). A confusão aparece nas dissertações que mesclam dois ou mais paradigmas. Neste sentido, a metodologia parece acabar pendendo para um paradigma usado. A confusão mais comum é o uso dos paradigmas Estruturalista Radical e Funcionalista, sendo a metodologia usada, na maioria das vezes, um Estudo de Caso. As técnicas de coleta são ou uma tabela tipo "Likert", ou questionários fechados ou com uso de questões de múltipla escolha. O mais importante é que a historicidade dos fatos e o conflito entre capital/trabalho parecem deixar de existir. Assim, apenas aparecem as respostas obtidas e analisadas sob rigorosos meios estatísticos. Outros equívocos existentes são a mistura dos paradigmas Estruturalista Radical com o Humanista Radical, e deste com o paradigma Interpretativo. Para ambos os casos, predominam o Estudo de Caso e as Análises Documentais. No primeiro caso, a metodologia parece ir para o caminho do Estruturalismo Radical, enfocando-se a mudança da sociedade e procurando-se explicações para as interrelações dentro dos contextos das formações sociais estudadas. Já para o segundo caso, há o predomínio da Etnometodologia. Nas pesquisas que mesclam mais de dois paradigmas, predomina o que denominamos de "Balbúrdia Metodológica", não havendo clareza de quais caminhos metodológicos foram seguidos. Usam-se modelos ditos baseados em determinados autores, faz-se um Estudo de Caso. Há inclusive pré-teste dos questionários, a análise estatística das respostas, mas ao final, cria-se uma colagem de "pontos" que interessam aos autores das dissertações, sendo 10 outros pontos, os que não interessam na construção das pesquisas, esquecidos ou não mencionados. IV. A Área de Administração Autores como Burrel & Morgan (1979), Reed (1992 e 1996) e Clegg & Hardy (1996) comentam que até os anos sessenta predominava na Teoria Organizacional (TO), e portanto na área de Administração, o que eles denominaram de um paradigma dominante - o Funcionalismo - e que, diante das mudanças ocorridas principalmente no mundo social, ele foi questionado, mediante a constatação da diversidade, da existência de novas propostas, maneiras de ver a realidade, que desembocam no desenvolvimento de outros paradigmas considerados "alternativos", e que tentavam capturar as novas necessidades emergentes. Neste sentido, até o início dos anos setenta, a realidade social e das organizações era estudada, medida e explicada via modelos advindos da ciência natural. A predominância constituída pelo funcionalismo estabeleceu um monólogo de uma elite de pensadores, um bloco monolítico e homogêneo de idéias, de ver a realidade, que determinava o que seria considerado e como se faria a "ciência" organizacional ( Clegg & Hardy, 1996). Neste sentido estabelecia-se a concepção também de como seria determinada e compreendida a relação homem-mundo. Segundo Connoly (Reed, 1996), a partir da dialética formada entre o paradigma dominante versus paradigmas alternativos, tanto na TO, como nas teorias das Ciências Sociais, acaba-se por impor ao dominante um curso de ação para a manutenção do "status quo". Contudo, os novos paradigmas surgidos têm influenciado inúmeras pesquisas, estudos, formas de ver a realidade, etc... Também Guillén (1994), examina algumas condições para a emergência e aplicação dos paradigmas organizacionais - novos e dominante - em diferentes países. Segundo ele as mudanças estruturais nas organizações, as pressões ou oportunidades internacionais, as condições da classe trabalhadora, especialmente os conflitos do trabalho, a mentalidade das elites, os grupos profissionais, o envolvimento do Estado e a reação dos trabalhadores, convergem para a adoção de determinados modelos que respondam aos problemas organizacionais, oferecendo soluções que se encontram disponíveis segundo tais modelos. O atual contexto de mudanças econômicas, sociais e políticas oferece um portfolio diversificado de problemas e questões que precisam ser resolvidos. De maneira simplista, isto pode ser observado no Quadro 1, sobre os temas abordados nas dissertações pesquisadas para a área de Administração. O que se pode observar é que nesta área os temas variam muito. Em algumas dissertações estuda-se muitas vezes os modismos colocados por um "establishment ". Para autores como Reed (ops. cts.), os modismos são formas do Funcionalismo manter o seu domínio, e de manter uma imagem de neutralidade científica em seu campo de pesquisa. Contudo, em outras dissertações, aparecem temas, problemas e objetivos centrados em uma realidade administrativa mais concreta, e onde os pesquisadores, não neutramente, analisavam as situações observadas. De fato o paradigma dominante, segundo os autores acima citados, tem-se mostrado insuficiente ou incapaz de encaminhar soluções satisfatórias para os problemas que se têm apresentado ao corpo de pesquisadores. Portanto, o momento atual é altamente propício para a mudança paradigmática e isto explica a diversidade de novos modelos e abordagens que têm surgido na teoria das organizações (Quadro 2). Nenhuma grande teoria tem surgido; pelo contrário, são abordagens de "alcance médio," ou até mesmo de micro alcance, que oferecem novas perspectivas para a análise e encaminhamento de soluções dos problemas organizacionais. Nenhuma teoria, a não ser talvez a marxista, é capaz atualmente de oferecer um arcabouço conceitual suficientemente abrangente para abarcar toda a diversidade de 11 questões com as quais as organizações devem lidar, mesmo porque o campo da administração é multidisciplinar e deve continuar a sê-lo. Quanto aos procedimentos metodológicos, pode-se ver pelo Quadro 3, que todas as pesquisas observadas possuem um capítulo destinado a explicar os caminhos seguidos para a abordagem de determinada realidade estudada. Neste sentido, diferentemente das outras áreas observadas, a área de Administração parece ter uma preocupação, por parte principalmente de seu corpo docente, de tornar clara a metodologia usada pelos mestrandos. Algumas bibliografias sobre metodologias em ciências sociais são usadas para descrever este capítulo específico; entre os autores destacam-se: Lakatos & Marconi (Metodologia do trabalho científico); Bruyne, Perman & Schovtheef (Dinâmica da pesquisa em ciências sociais); Selltiz. (Métodos de pesquisa nas relações sociais); Yin, (Case study research); Thiollent (Problemas de metodologia em Ciências Sociais); e Greenwood (Metodologia de la investigación social). O interessante a se destacar é que nas 10 pesquisas observadas na área de Administração são citados pelo menos um desses autores acima mencionados1. Esta preocupação é importante, porém reflete também uma necessidade dos autores de separar teoria e método, uma prática comum nas ciências de enfoque positivista, nas quais a visão da realidade não é elaborada concomitantemente com a forma de abordar esta mesma realidade. Neste sentido, algumas dissertações das áreas de Sociologia (4), Educação (5) Economia/Demografia (7) e Ciência Política (1) parecem ter também esta referência, enquanto que 9 dissertações da Ciência Política, 5 da Educação, 6 da Sociologia e 3 da Economia fazem esta junção de uma visão teórico-metodológica. Não que não mencionem nenhuma metodologia, mas ao fazer a apresentação da realidade a ser pesquisada, os autores justapõem a metodologia que será usada. Nestas dissertações pode-se observar maior clareza e coerência entre paradigmas, os autores e as metodologias. O Quadro 4 mostra que a maioria das dissertações têm optado por pesquisa qualitativa. As dissertações que utilizam-se da pesquisa quantitativa são as que possuem enfoque funcionalista. Este quadro não mostra, entretanto, que a opção do orientador por determinado tipo de pesquisa e por deliberado instrumento de coleta da dados tem forte influência nos trabalhos apresentados. Os estudos de caso predominam nas 10 dissertações analisadas. Os dados levantados junto às dissertações (e evidenciados no Quadro 2) mostram que o Funcionalismo não tem conseguido resolver os problemas encontrados na realidade social e, logicamente, na realidade das organizações. Observa-se também, que há dissertações que se baseiam no paradigma diametralmente oposto, o Estruturalista Radical. Como acontece nas outras áreas já relatadas, aqui há também uma mistura de paradigmas. Se nas áreas de Sociologia e de Ciência Política ocorria mistura de autores pertencentes a paradigmas próximos, segundo evidencia mostrada por Burrel & Morgan (op. cit.), na maioria dos casos observados na Administração, aparece a mescla dos paradigmas Funcionalista com o Estruturalista Radical. Aqui uma possível explicação (até mesmo funcionalista) para a mistura é que ela reflete a variedade e a abrangência de temas de interesse que recaem em diferentes paradigmas, mas também pode denotar uma ambivalência da própria posição profissional do administrador. De um lado, ele sabe que provavelmente será empregado assalariado de alguma organização, e que poderá sofrer os mesmos constrangimentos a que está sujeita a classe trabalhadora; de outro lado, o administrador deverá exercer o papel de mediação entre capital e trabalho, assumindo funções 1 Quanto às outras áreas, em somente uma dissertação na área de Ciência Política é mencionado um autor destes. Já na área de Demografia, todas os trabalhos citam bibliografias sobre os métodos específicos de pesquisa nesta área, principalmente, relacionados aos métodos estatísticos. 12 próprias do capital. Esta ambigüidade provavelmente induz o aluno de administração a oscilar entre os dois paradigmas, tentando uma conciliação. Quanto à coerência teórico-metodológica, em algumas pesquisas que usam dos instrumentos mais qualitativos há confusão, ou melhor, mistura entre paradigmas (como também já evidenciado nas outras áreas). Assim, os trabalhos dizem que pretendem fazer uma pesquisa mais de cunho dialético, mas acabam usando autores funcionalistas e tentam uma compreensão e explicações racionais das relações sociais, ligadas com a efetiva regulação e controle dos fatos sociais. Não se contrapõem autores desses dois paradigmas, estes são usados para desenvolver, como um todo, o corpo teórico-metodológico da dissertação. V. À Guisa de Conclusão O que se pode verificar nas 50 dissertações analisadas, é que de maneira geral "não existe pecado do lado de baixo do Equador" em relação ao se fazer Ciência. Como Triviños (1987: 13), constatamos uma realidade onde "a confusão, a mistura, o ecletismo" estão lado a lado. Não podemos julgar profundamente o que está ocorrendo nas outras áreas, nem este é o objetivo do trabalho. Mas de todo modo, serviu para clarear que a confusão paradigmática e metodológica tem se mostrado uma constante (assim como o paradigma Estruturalista Radical) nas Ciências Sociais. Particularmente para área de Administração (no caso específico do curso de mestrado em Administração da UFMG), fica claro que por não haver uma formação epistemológica básica e forte, com o estudo dos principais paradigmas e seus autores, predomina uma "confusão" na hora dos mestrandos conceberem suas pesquisas, com seus quadros teóricosmetodológicos. Neste sentido, a opção paradigmática do orientador tem ajudado um pouco nesta definição e nas análises feitas e encontradas nas dissertações. Uma explicação levantada para esta confusão, mais de cunho geral, poderia ser a quantificação da produção científica que está ocorrendo. Para as Instituições que fomentam as pesquisas científicas no país, o número de dissertações e teses defendidas é mais importante que a qualidade destas. Assim, aos cursos da área de Ciências Sociais, para competir com os das Ciências Naturais e Exatas, restam afrouxar na qualidade, no rigor teórico-metodológico, e assim garantir suas cotas de bolsas, suas sobrevivências. Ao final do trabalho, uma pergunta pairava: será que a mistura entre paradigmas não é desejada? Não uma mistura entre Funcionalismo e o Estruturalista Radical, mas entre os paradigmas que povoam o "continuum" entre estes dois. As dissertações que misturavam paradigmas como por exemplo: Estruturalista Radical com Humanista Radical e Estruturalista Radical com Interpretativo, precisaram de atenção redobrada neste estudo, devido à interpenetração que existe entre eles. Para alguns autores citados neste trabalho, há evidências de que a mudança paradigmática é não apenas possível, apesar das dificuldades já apontadas, mas é também desejável que haja a interpenetração dos paradigmas, principalmente numa área multidisplinar e complexa como a teoria organizacional. É necessário, entretanto, que se trabalhe no sentido de promover a interlocução dos vários paradigmas e das metodologias que os acompanham e que se democratizem as relações acadêmicas, quebrando-se a hegemonia da corrente dominante. O resultado de tais conversações certamente produzirá o arejamento nas Ciências Sociais, pois a luta entre os paradigmas é de poder, não da ciência propriamente dita. Neste aspecto, a posição de Martin (1992) é digna de nota. Esta pesquisadora examinando a questão da cultura organizacional, sugere que as abordagens baseadas na integração (leia-se Funcionalismo), que têm prevalecido nos estudos culturais, não conseguem captar as nuanças do objeto de análise, e propõe que os pesquisadores adotem, simultaneamente, duas outras perspectivas, a diferenciação e a fragmentação, de modo a contemplar outras visões e perspectivas, que ficariam obscuras e desconhecidas se adota-se 13 apenas uma abordagem. Embora não considere estas duas perspectivas como novos paradigmas, e as coloque como perspectivas pré-paradigmáticas, a sua classificação vai depender muito de como se conceitue paradigma. Certamente não são paradigmas no sentido que Kuhn atribuiu ao conceito, mas podem sê-lo na acepção dada por Guillén. A autora argumenta ainda que vários pesquisadores da tradição funcionalista têm feito incursões por essas novas perspectivas, embora tenham mantido sua contribuição principal dentro da mainstream. As vozes emergentes, entretanto, precisam ser ouvidas porque isto traz a necessária renovação científica. Bibliografia Burrel, G. and Morgan, G. 1979. Sociological Paradigms and Organizational Analysis. London: Heinemann Educational Book Castells, M. et alii. 1971. Epistemologia e ciências sociais. Porto Alegra: Ed. RÉS. Clegg, S. R. and Hardy, C. 1996. 'Introduction: Organizations, Organization and Organizaing'. In S. R. Clegg, C. Hardy & W. Nord (eds), Handbook of Organization Studies. London: Sage. Coulon, A. 1995. Etnometodologia e Educação. Petrópolis: Vozes. Goldmann, L. 1976. Ciências Humanas e Filosofia. São Paulo: Difel. Guillén, M. F. 1994. Models of Management: Work, Authority and Organization in a Comparative Perspective. Chapter 1: The Comparative Study of Organizational Paradigms. Chicago: University of Chicago Press. Martin, J. 1992. Cultures in Organizations: three perspectives. New York: Oxford University Press. Martins, G. de A. 1997. 'Abordagens metodológicas em pesquisas na área de administração'. RAE, São Paulo, v.32, n.3, p. 5-12, julho/setembro. Reed, M. 1992. 'Introduction'. In M. Reed and M. Hughes (eds), Rethinking organizations: new diretions in organization theory and analysis. London: Sage. Reed, M. 1996 'Organizational theorinzing: a historrically contested terrain'. In S. R. Clegg, C. Hardy and W. Nord (eds), Handbook of organization Studies. London: Sage. Rodrigues, S. B. 1997. Organization Studies: Anglo-Saxon Knowledge in Brazil.Organization (forthcoming). Special Issue: Latin America. Triviños, A. N. S. 1987. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas. Yin, R. K. 1984. Case Study Research. Beverly Hills: Sage Publications. Quadro 1. Temática das dissertações por Cursos de Mestrado: ÁREAS Administração Ciência Política TEMAS Tecnologias de informação; mudança organizacional; comportamento do consumidor; estrutura de poder do executivo; gestão sindical; relações de trabalho. Burocracia e modernização; ação política; sindicalismo; trabalho; gênero; política 14 partidária; autoritarismo; liberalismo econômico e político. Crescimento demográfico; mortalidade infantil; distribuição espacial da população; formação econômica do capitalismo; economia e desenvolvimento regional; estruturas setoriais de mercado. Aprendizagem dos atores sociais; gestão escolar; trabalho e relações de trabalho dos docentes; significados culturais da escola Movimentos sociais; cultura e identidade; sociologia das profissões Economia/Demografia Educação Sociologia Fonte: Dados da pesquisa Quadro 2. Opção paradigmática das dissertações por área: CURSOS PARADIGMAS Administração C. Política Eco./Demo. 2 1 6 Funcionalista Interpretativo 1 Humanista Radical 3 5 1 Estruturalista Radical 5 3 3 Dois ou + Fonte: Dados da pesquisa Educação 4 - Sociologia 1 3 - Total 10 7 1 3 3 15 3 3 17 Quadro 3. Número de dissertações por área que destacam os procedimentos metodológicos: Áreas: Administração Nº de Pesquisas onde se tem a metodologia em destaque (capítulo , 10 anexos, etc...) Fonte: Dados da pesquisa Ciência Política Economia Educação Demografia Sociologia 1 3 5 4 4 Quadro 4. Opção metodológica nas dissertações dos Cursos de Mestrado: Opção Metodológica Pesquisa Qualitativa Pesquisa Quantitativa Administração 6 2 Mistura de ambas 2 C. Política 10 Cursos Econ./Demog. 3 Educação 10 Sociologia 9 - 7 - - 1 Fonte: Dados da pesquisa. 15