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Medicina e novas tecnologias
Nelson Akamine1, Ruy Guilherme Rodrigues Cal2
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Médico Supervisor do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein São Paulo (SP).
Médico Especialista em Cirurgia Cardiovascular, Medicina Intensiva, Medicina de Urgência e
Cirurgião Cardiovascular do Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo (SP).
Conceitos básicos
A Medicina, assim como todas as demais áreas de
conhecimento, sofre hoje uma grande influência de
novas tecnologias e metodologias. Muitas dessas novas
técnicas encontram-se interligadas, o que pode causar
alguma dificuldade em distinguir os diferentes conceitos
de computação, informática, telecomunicação, tecnologia de informação e novas tecnologias. Os desdobramentos da aplicação dessas diversas técnicas no cenário
médico resultam em um vasto conjunto de possibilidades, que são englobadas de forma genérica numa
especialidade conhecida como Informática Médica.
Ainda que esse nome seja limitado, incluímos freqüentemente neste termo todas as novas tecnologias
aplicadas à medicina.
Esse imenso conjunto de conceitos torna difícil, até
mesmo para os especialistas da área, definir quais os
objetivos fundamentais da especialidade. Após 25 anos de
sua fundação, as diversas revisões críticas e uma abordagem
mais macroscópica da especialidade, permitem-nos dizer
que os fundamentos da informática médica são(1):
Produzir estruturas de representação de dados e
conhecimentos de modo a permitir o melhor entendimento de processos e relacionamentos complexos.
Desenvolver métodos de aquisição e apresentação
de dados de modo a evitar a sobrecarga de informações.
Gerenciar as mudanças necessárias nos usuários, nos
processos e nas tecnologias empregadas de modo a
otimizar o uso de informações.
Promover a integração de processos mais que a soma
de tecnologias de modo a oferecer a melhor performance para cada cenário.
Mostraremos abaixo uma análise crítica do contexto
atual da Medicina e dos novos recursos disponíveis em
nosso meio, fundamentados nos postulados acima
relacionados.
Informações médicas
Estima-se que o volume global de informações produzidas anualmente seja da ordem de 1032. Este número
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é tão grande que não consegue ser processado por
computadores comuns, correspondendo a um empilhamento de CDs com 32 km de altura. As bases de dados
mundiais projetam que 2% das informações existentes
referem-se à Medicina. Temos então 640 m de CDs
com temas médicos. Supondo que somente 2% sejam
relevantes para a nossa especialidade principal, teremos
12,8, metros ou 8.500 CDs. Restringindo-nos a uma
subespecialidade, que reduza este total a 1%, obteremos 85 CDs/ano ou sete CDs/mês.
Hoje, o acesso à informação deixou de ser o
principal problema. Temos acesso a extensas bases de
dados com muita facilidade e a custo acessível. No
entanto, quantos dispõem de tempo e competência
para filtrar e memorizar os dados mais relevantes para
o nosso setor de atividade? Em alguns anos necessitaremos de sistemas de filtragem de informações
confiáveis para tomada de decisão. Além dos
componentes habituais para atividade clínica, o acesso
rápido a informações filtradas por especialistas passará
a ser um fator determinante para nossa eficiência
profissional.
O impacto do enorme volume de informações
médicas disponível é tão grande que o nosso conhecimento fora da especialidade é semelhante à de um
leigo que se dedica a estudar qualquer tema médico
por iniciativa própria. Logicamente, o simples acesso
à informação não substitui o senso crítico, a visão
humana, a experiência e a capacidade de integração
do médico. Da mesma forma, de nada valem todos estes
qualificativos médicos se ele não dispõe de informações
relevantes, porque a sua memória não está capacitada
para armazenar 5.600 megabytes a cada mês.
Acrescentando-se competência a uma sólida base de
dados antes de definir a melhor conduta para cada
paciente deverá ser uma rotina médica a ser incorporada.
Telemedicina
Um número enorme de processos pode ser incluído
dentro da telemedicina. Várias tecnologias permitem
a interação a distância, incluindo-se linhas telefônicas
convencionais, redes a cabo, Internet, fibras ópticas,
sistemas de radiofreqüência, satélites e telefonia celular.
Listamos abaixo as principais possibilidades(2).
• agendamento de processos
• administração de recursos
• interpretação de imagens
• sistemas de educação para profissionais e leigos
• segunda opinião
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•
•
•
•
•
•
•
•
interconsulta ou junta médica
monitorização domiciliar de pacientes
monitorização de pacientes hospitalizados
controle remoto de monitores
teleconsulta
suporte a procedimentos feitos por paramédicos
exame físico
cirurgias
Para que estes processos tenham eficiência é necessário um conjunto de requisitos. Os equipamentos e os
sistemas de conexão precisam estar disseminados e
disponíveis a custo acessível. Tanto médicos quanto
pacientes e familiares precisam ter assimilado uma cultura
de uso, o que envolve freqüentemente uma mudança nos
fluxos de processos tradicionais. A legislação e os órgãos
controladores precisam estabelecer claramente as regras
de uso. Os modelos comerciais de uso precisam estar
estabelecidos. A listagem acima se encontra em ordem
crescente de complexidade na implantação, considerandose os fatores relacionados anteriormente.
O impacto futuro da telemedicina até hoje é incerto.
Potencialmente, os médicos de algumas especialidades
teriam grande aumento em suas capacidades de
atendimento. Particularmente, os que trabalham com
imagens para confecção diagnóstica ou acompanhamento terapêutico. O que aconteceria num
ambiente onde existisse ampla disponibilidade de
recursos e banalização dos processos? Como
migraremos do nosso modelo tradicional para o da
telemedicina sem perdermos os indispensáveis vínculos
humanos? Como definiremos responsabilidades,
honorários, turnos de trabalho e padrões éticos de
atuação? As experiências em todos os setores da
telemedicina são animadoras. Em cada cenário foram
necessárias adaptações para atender aspectos técnicos,
culturais ou éticos característicos de cada atividade em
locais e situações particulares. Certamente, exame físico
e cirurgias ainda demorarão a integrar a rotina médica,
mas os cinco primeiros itens da nossa lista encontramse em fase de rápida implementação.
Uma das principais expectativas da telemedicina é
oferecer especialistas em áreas remotas e com custos
reduzidos. Paradoxalmente, as novas tecnologias são
implantadas apenas nos grandes centros, por motivos
econômicos, ficando os aspectos sociais em segundo
plano. A teleconferência via satélite terá enorme
impacto neste campo de atuação pela possibilidade de
conectar qualquer ponto do planeta aos melhores
centros médicos, utilizando-se modelos comerciais
conhecidos e custo compatível.
As tecnologias encontram-se hoje tão amadurecidas, estáveis e disseminadas a ponto de atender quase
qualquer particularidade. Não devemos nos opor à
telemedicina, por ela não ser um modelo universal para
qualquer especialidade, modelo de atendimento ou
cultura. Afinal, não dispomos de nada capaz de fazêlo. Por mais que sejamos exigentes, a evolução tecnológica permitirá, em curto espaço de tempo, atender
várias demandas dos novos cenários da saúde. Restará
a todos nós fazer uso inteligente destes recursos.
Computação móvel
Um famoso aforisma em informática diz W W W: web,
wherever, wireless. Interpretando: coloque tudo na web,
torne a web disponível em todo lugar e finalmente,
acesse os dados com tecnologia sem fio. O grande apelo
da computação móvel é a ausência de fios: cabos
elétricos e cabos de rede. Os equipamentos de computação móvel têm baterias cada vez mais duráveis e, com
tempo de recarga encurtado. Os cabos de rede são
substituídos por infravermelho, radiofreqüência ou
telefonia celular de banda larga. Mesmo sem as conexões sem fio, os notebooks e palmtops proliferam no
ambiente médico. Os sistemas infravermelhos permitem
conexões muito limitadas e encontram-se em franco
declínio. De outro lado, os sistemas por radiofreqüência e celular encontram-se em franca expansão.
Entre os sistemas por radiofreqüência já padronizados para uso em larga escala temos duas plataformas:
Bluetooth e WiFi. Os sistemas de comunicação por
Bluetooth têm um alcance restrito a alguns metros.
Eles possuem tamanho bastante reduzido e podem ser
colocados em quaisquer equipamentos. Este sistema
permite a comunicação de até oito elementos distintos:
computador, notebook, palmtop, celular, fones de
ouvido, crachá eletrônico, monitores, frascos de medicamentos e bulas eletrônicas, por exemplo. O alcance
pequeno não é um problema e sim uma característica
que permite ao Bluetooth funcionar com um sensor
de presença. Desta forma, ao aproximarmos nosso
crachá de um computador, este poderá ser
personalizado para nosso uso individual. Ao
aproximarmos um frasco de medicamento de um
palmtop, este poderá nos dizer o seu conteúdo e data
de validade. Dois médicos poderão trocar informações
com seus notebooks, celulares ou palmtops, sem a
presença indesejável dos cabos. Este cenário, inimaginável até pouco tempo, já é realidade em ambientes
pioneiros aqui em nosso país.
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Os sistemas de radiofreqüência WiFi têm o alcance
de algumas dezenas a centenas de metros e podem se
constituir numa nuvem que cobre um complexo
hospitalar. Os acessórios WiFi têm tamanho maior que
os Bluetooth e podem ser adaptados somente a
desktops, notebooks e palmtops. Este sistema permite
acesso à rede convencional e à Internet com velocidade
bastante aceitável. Além dos usos convencionais já
conhecidos de um computador de mesa, podemos
antecipar a possibilidade de uso móvel de sistemas de
apoio à decisão, a coleta de dados beira-leito, a
videoconferência móvel e a interação a distância com
equipamentos médicos.
Podemos identificar agora três grandes nuvens de
redes:
a. as convencionais a cabo metálico ou fibra óptica
(de alcance mundial);
b. as WiFi (cobrindo complexos hospitalares) e
c. as Bluetooth (cobrindo um único ambiente).
Este conjunto de possibilidades traz até nós um
novo conceito: a telepresença. Existem tantos equipamentos ligados a redes com e sem fio que poderemos
interagir com qualquer pessoa ou equipamento. Assim
podemos antecipar a possibilidade de estarmos constantemente monitorando nossos pacientes e, de forma
recíproca, os profissionais beira-leito disporem de
informações de quaisquer especialistas em tempo real
e de qualquer local.
Como reestruturar nossa atividade neste novo
contexto não será fácil nem rápido. Como explorar ao
máximo nosso potencial produtivo sem perder nossa
privacidade? A clássica frase dita pelos médicos aos
seus pacientes “Pode me procurar a qualquer hora...”
ganha dimensões assustadoras neste novo contexto das
novas tecnologias.
Informática médica baseada em evidências
As publicações sobre temas ligados à informática
médica raramente apresentam uma boa consistência
metodológica. O fascínio causado pelo novo freqüentemente encobre o necessário rigor da pesquisa científica. Podemos facilmente constatar que os textos da
especialidade limitam-se a mostrar as técnicas em si, as
bases lógicas do seu emprego ou casos de sucesso.
Pontos relevantes ficam esquecidos e caímos no
anacronismo de julgar que as novas tecnologias são
inevitáveis: “Ou nos adaptamos aos novos tempos ou
seremos engolidos pelos computadores...”.
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As novas tecnologias, assim como as antigas, não se
constituem em panacéia ou uma metodologia a ser
empregada sistematicamente frente a qualquer desafio.
É certo que profissões desaparecerão e novas surgirão.
Problemas desaparecerão e novos passarão a ocupar
nosso dia-a-dia. Devemos nos afastar de falsos mitos
desta área de atuação: “Lápis e papel serão desnecessários”; “O computador substituirá o homem”;
“Mudanças acontecerão em um piscar de olhos”;
“Teremos uma enorme redução de custos e de
trabalho”; “Não devemos nos opor ao novo”. Uma
atitude mais racional é a de entender o potencial das
novas tecnologias à luz do conhecimento de suas
qualidades e limitações. A medicina é uma das
atividades mais tradicionais e conservadoras de toda
sociedade. Esta postura pode promover lentidão a
alguns processos, mas resulta numa filtragem de novas
tecnologias que fracassaram ao ser implantadas em
setores onde a incorporação tecnológica é costumeiramente mais rápida.
As instituições de saúde possuem um mecanismo
eficaz de assimilar apenas as tecnologias mais adequadas para cada cenário. Os jovens talentos trazem os
novos e revolucionários projetos, mas são apenas os
tradicionais senhores quem os aprovam e assinam os
cheques que os custeiam.
Referências
1. Lorenzi NM. The cornerstones of medical informatics. J Am Med Inform
Assoc. 2000; 7(2):204–5.
2. Doolan DF, Bates DW, James BC. The use of computers for clinical care: a
case series of advanced U.S. Sites. J Am Med Inform Assoc. 2003; 10(1):94–
107.
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Educação Médica Continuada.P65 - Hospital Israelita Albert Einstein