463 IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS A Administração Consensual como a Nova Face da Administração Pública Brasileira no Século XXI Mestrando Rafael Vincente Ramos, Prof. Dr. Juarez Freitas (orientador) Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, PUCRS, Resumo Em face do fenômeno da “constitucionalização” - pós-88 - do ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se em profunda transformação o Direito Administrativo, na transição de um modelo autoritário para um modelo consensual (dialógico), permitindo a participação da cidadania ativa de forma a legitimar as relações de administração pública. Introdução O presente relato é o resultado parcial da pesquisa efetuada no âmbito do desenvolvimento da Dissertação de Mestrado, intitulada “O ‘Poder de Polícia Administrativa’ na Perspectiva dos Direitos Fundamentais”. Dessa forma, pretende-se abordar o quadro evolutivo da Administração Pública brasileira, notadamente a partir do marco teórico da “constitucionalização” do Direito, apontando as transformações desde o advento da Constituição Federal de 1988, bem como identificar mecanismos e instrumentos que possam servir à consecução dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, CF/88). A “constitucionalização” do Direito exerce, ou deveria exercer, influência decisiva no âmbito do Direito Administrativo. Assim, o “administrado” deixa a condição de súdito, de mero sujeito subordinado à Administração e é elevado à condição de cidadão ativo (BREYER, 2005). Essa nova posição do particular, embasada no discurso dos direitos fundamentais, demanda relevante alteração do papel tradicional da Administração Pública, agora compelida a abandonar o modelo autoritário de gestão da res publica para se transformar em centro de respeito, proteção e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos (BINENBOJM, 2008). IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 464 Eis um dos motivos fortes, segundo Juarez Freitas, para se cogitar de uma renovada interpretação sistemática do Direito Administrativo, norteada pela idéia-guia e ordenadora, que é a vinculação aos direitos fundamentais, notadamente ao direito fundamental à boa administração pública, entendido como o direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação e à plena responsabilidade por suas condutas comissivas e omissivas (FREITAS, 2009). Bem a propósito, os direitos fundamentais atuam como limite às intervenções estatais e guiam cogentemente o exercício da discricionariedade administrativa. Também impõem obrigações de fazer e servem para resolução de colisões normativas (SCHMIDT-ASSMANN, 2003). Portanto, certo afirmar que o núcleo do Direito Administrativo não reside mais propriamente na visão antiga do interesse público, mas nos direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, 2005). Além disso, como a Constituição Federal de 1988 redemocratizou o nosso país, é, claro que tal componente democrático terá que permear e moldar todas as relações entre a Administração Pública e os cidadãos. Dessa maneira, boa parte da doutrina, no intuito de caracterizar essa nova fase da Administração Pública brasileira, fala numa Administração Consensual, de sorte a incorporar formas novas de democracia participativa, segundo as quais o Poder Público, em vez de decidir unilateralmente, procura ou atrai os indivíduos para o debate sobre questões de interesse comum, as quais deverão ser solvidas mediante acordo. Esses novos fatores mudam o foco do Direito Administrativo, que deixa de ser fundado exclusivamente na imperatividade, passando a valorizar o consenso do cidadão e da sociedade com o Estado, ensejando o incremento de mecanismos da democracia participativa (STEWART, 2003; CASSESE, 2004; MOREIRA NETO, 2000; OLIVEIRA, 2008; FREITAS, 2009). Daí a importância, por exemplo, de instrumentos previstos no plano constitucional, tais como a gestão democrática da seguridade social (art. 194, VII), da saúde (art. 198, III), do ensino público (art. 206, VI), bem como a exigência de participação do usuário na administração direta e indireta (§3º, art. 37). Ademais, no plano infraconstitucional, há várias disposições prevendo essa participação, podendo-se mencionar, sempre para ilustrar, a exigência da realização de audiências públicas em matéria orçamentária, bem como a possibilidade da utilização da arbitragem para o deslinde de controvérsias envolvendo a Administração Pública. IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 465 Metodologia O presente projeto, ainda em curso, tem por objetivo investigar o "poder de polícia administrativa", por meio da pesquisa bibliográfica e do exame criterioso das decisões dos Tribunais Superiores brasileiros e das principais Agências Reguladoras. Resultados Como referido, o presente trabalho está em desenvolvimento, logo seria prematuro antecipar os seus resultados, mas já é possível destacar uma tendência importante, no sentido da transformação de um modelo de Administração Pública autoritária para uma Administração Pública consensual (dialógica), tendo presente a cogência do "direito fundamental à boa administração pública" (FREITAS, 2009). . Conclusão Assim, nesse renovado quadro de “constitucionalização” do Direito, percebe-se a evolução do Direito Administrativo no sentido de um novo modelo de gestão pública, cujas referências são o diálogo, a negociação, o acordo e a cooperação. Com efeito, o processo de determinação do “interesse público” passa a ser desenvolvido a partir de uma perspectiva consensual e dialógica, em lugar do modelo imperativo e monológico, centrado na unilateralidade (OLIVEIRA, 2008). Referências BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. BREYER, Stephen. Active Liberty: interpreting our democratic constitution. New York: Vintage Books, 2005. CASSESE, Sabino. Tendenze e Problemi del Diritto Amministrativo. Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, n. 4 (2004), pp. 901-912. SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. La Teoría General del Derecho Administrativo como Sistema. Madri: Marcial Pons/Instituto Nacional de Administración Pública, 2003. FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. ___, Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. JUSTEN FILHO. Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 466 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ___, Políticas Públicas e Parcerias: Juridicidade, Flexibilidade e Tipicidade na Administração Consensual. Revista de Direito do Estado, n. 1 (jan./mar. 2006), pp. 105-117. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. A Administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n. 32 (abr./jun. 2008), pp. 31-50. STEWART, Richard B. Administrative Law in the Twenty-First Century. New York University Law Review, vol. 78, n. 2 (may 2003), pp. 437-460. IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009