UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS DOUTORADO EM ARTES VISUAIS A FOTOGRAFIA COMO ESCRITA PESSOAL: ALAIR GOMES E A MELANCOLIA DO CORPO-OUTRO Alexandre Santos Tese de doutorado apresentada ao curso de Pós-Graduação em Artes Visuais como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em Artes Visuais, com ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte, sob orientação da Profª Drª Blanca Luz Brites Porto Alegre, 2006 Para Tere, que em sua curta passagem me apontou caminhos vastos; Para Diná, Moby, Bé e Marquinhos, que continuam me apontando! ii AGRADECIMENTOS A Alair Gomes, pela sua pessoa fascinante e pelo universo artístico especial que nos legou, tornando viável todo o empenho que envolveu esta pesquisa; Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, pela oportunidade de qualificação profissional oferecida e pelo apoio sempre dispensado; À minha orientadora, professora Drª Blanca Luz Brites, por ter sempre acreditado nesta pesquisa, bem como pelos ensinamentos acadêmicos e de vida que generosamente comigo compartilhou; À Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, pelo apoio financeiro concedido através do programa de bolsas de capacitação docente ao longo dos quatro anos de doutoramento; À CAPES, pelo apoio financeiro concedido através da bolsa de estágio doutoral de um ano na Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle/Cinéma et Audiovisuel; Ao professor Dr Philippe Dubois, co-orientador do estágio doutoral realizado junto à Universidade de Paris III, pela acolhida e trocas preciosas que em muito contribuíram para o enriquecimento desta pesquisa; À banca de professores que aceitou prontamente participar da avaliação deste trabalho; Ao setor de Iconografia da Fundação Biblioteca Nacional, em especial aos coordenadores Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, Francisca Helena Martins Araújo e Késiah Pinheiro Viana, cuja seriedade e simpatia foram sempre elementos marcantes durante minha pesquisa nesta instituição; Ao bolsista Martim Silva, pela coleta de material escrito junto à Biblioteca Nacional; À minha família, pelo apoio afetivo indispensável e pela compreensão das longas ausências; A Aíla de Oliveira Gomes, que, sempre afetiva, atendeu a todas as minhas solicitações de pesquisador; A Fábio Settimi e Lúcia Jobim Fonseca, graças aos quais tornou-se possível o acesso aos escritos de Alair Gomes; iii A Camila Amado, Carlos Eduardo Patroni, Ely Sudbrack, Fábio Settimi, Fernanda Chemale, Fernando Cocchiaralle, Gilberto Chateaubriand, Helio Melo, Hervé Chandès, Hilda Gouveia de Oliveira, Hudinilson Junior, Joaquim Paiva, José Olympio Araújo, Leopoldo Plentz, Ligia Canongia, Lúcia Jobim Fonseca, Luiz Carlos Felizardo, Luiz Carlos Lacerda, Paulo Franco, Reynaldo Roels Jr., Teresa Raquel, Vera Chaves Barcellos, Vitor Arruda e Wira Wouk, pelas entrevistas concedidas; A Maurício Bentes (in memorian), pelo empenho na conservação da memória de Alair Gomes e pela pronta simpatia na concessão de seu depoimento, mesmo em condições adversas; Ao Prof. Dr. José Augusto Avancini, pela gentileza de ter trazido o catálogo da exposição Alair Gomes, da Fondation Cartier pour l’Art Contemporain; Ao Prof. Dr. Tadeu Chiarelli, pelas primeiras informações sobre Alair Gomes; À colega Nadja Lamas, pelo carinho e amizade que se consolidou; A Marcus Mello, pela revisão do texto; Aos amigos que, em vários momentos, estiveram presentes, oferecendo, cada um à sua maneira, indispensáveis formas de apoio: Ana Maldonado, Alfredo Nicolaiewsky, Bia Barcellos, Carla Pantoja Giuliano, Cláudia Paim, Cristian Borges, Denilson Lopes, Elvira Vernaschi, Fábio Del Re, Fábio Parode, Gabriela Motta, Helio Fervenza, Jean-Baptiste Del Naudy, Karen Bruck de Freitas, Leandro Selister, Leila Ripoll, Marcelo Gobatto, Martin Solares, Mason Hyat, Meize Lucas, Michel Sleiman, Mônica Herrerías, Nilza Silva, Pascal Lelarge, Paula Stroher, Paulo Gomes e Pedro Telles. Aos colegas da UNISINOS Eneida Stroher, Gustavo Fischer, Lúcia Segalla Géa, Nestor Torelly Martins, Paulo Bello Reyes, Sílvia Fonseca Dutra, Susana Kilp e Tânia Torres Rossari pelas diversas formas de apoio que concederam. iv SUMÁRIO AGRADECIMENTOS................................................................................ iii RESUMO................................................................................................... viii ABSTRACT............................................................................................... ix LISTA DE IMAGENS................................................................................ x INTRODUÇÃO.......................................................................................... 1 1. A FOTOGRAFIA, TERRITÓRIO INTRÍNSECO DA MELANCOLIA..... 10 1.1. Melancolia e tristeza: a ficção, a perda e a memória............... 11 1.1.1. A melancolia como pensamento e criação.............................. 16 1.1.2. A melancolia como objetivação da realidade perdida............. 25 1.1.3. A melancolia como memória histórica..................................... 30 1.2. Melancolia e imagem: o tempo escorregadio.......................... 38 1.2.1. A ontologia da imagem fotográfica.......................................... 50 1.2.2. A escrita pessoal..................................................................... 57 2. NUANCES DE UM IMAGINÁRIO MELANCÓLICO............................. 63 2.1. A descoberta do mundo............................................................. 65 2.1.1. Comendo tudo com o olhar: um voyeur natural...................... 67 2.1.2. Vejo, logo existo: engenharia e religiosidade corrompidas..... 75 2.1.3. “Tudo é permitido”, uma ruptura silenciosa............................. 86 2.2. O preço da liberdade.................................................................. 97 2.2.1. A primeira grande ruptura....................................................... 100 v 2.2.2. À deriva, mais fronteiras.......................................................... 108 2.2.3. O encontro tardio com a fotografia.......................................... 118 3. OLHAR CONFESSIONAL E MELANCOLIA FOTOGRÁFICA............ 130 3.1. Fotografia e corpo disciplinar................................................... 134 3.1.1. Retrato e disciplina.................................................................. 135 3.1.2. Erotismo falonarcísico................................................... ......... 139 3.1.3. Nudez masculina: territórios de tolerância.............................. 144 3.2. Fotografia e corpo indisciplinar................................................ 149 3.2.1. Em busca da Arcádia perdida................................................. 151 3.2.2. O exílio involuntário de Caim.................................................. 160 3.2.3. A saúde e a exuberância física............................................... 167 3.2.4. Um olhar em direção ao desejo.............................................. 174 3.3. Corpo em evidência: aspectos do olhar confessional contemporâneo.......................................................................... 180 3.3.1. Um mundo transparente.......................................................... 183 3.3.2. Caminhos do subterrâneo....................................................... 190 3.3.3. Mapplethorpe e a anti-América profunda................................ 199 4. TROPICAL MELANCOLIA, NEGRA SOLIDÃO................................... 209 4.1. Entre-lugares: um percurso singular........................................ 212 4.1.1. Prenúncio queer versus era da AIDS...................................... 219 4.1.2. Expor (se) ou não expor (se), eis a questão........................... 227 4.1.3. Uma controvertida posição...................................................... 235 4.2. Esse estranho fotógrafo............................................................. 242 4.2.1. Um amador profissional.......................................................... 243 4.2.2. Diferentes devires fotográficos................................................ 250 4.2.3. Afastamentos e aproximações ............................................... 261 vi 5. O TERRITÓRIO DA MELANCOLIA EM ALAIR GOMES..................... 269 5.1. Uma micro-narrativa fora de lugar............................................ 271 5.1.1. Rompendo as bordas do sistema das artes............................ 286 5.2. Poética do perto: a fotografia consentida................................ 291 5.2.1. Atos trágicos, uma longa sinfonia........................................... 298 5.2.2. Invisibilidade consentida......................................................... 308 5.3. Poética do longe: a fotografia roubada.................................... 324 5.3.1. Vida sublime (vi) vida.............................................................. 332 5.3.2. Um corpo que cai.................................................................... 339 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 347 ANEXOS................................................................................................... 360 BIBLIOGRAFIA......................................................................................... 367 vii RESUMO Este estudo propõe uma análise da obra fotográfica de Alair Gomes (1921-1992), engenheiro, filósofo e crítico de arte que também atuou como fotógrafo nos últimos 26 anos de sua vida. O recorte principal do trabalho está vinculado à presença de uma sensibilidade melancólica em sua trajetória, tanto biográfica quanto artística, uma vez que estas duas instâncias se cruzam e são inseparáveis em sua fotografia de forte viés homoerótico. A relação entre a melancolia e a obra do artista é pensada a partir da noção de escrita pessoal, a qual se ancora no caráter confessional e narrativo de sua fotografia e de seus textos escritos. A singularidade da sua poética distancia-se do contexto em que ele viveu e produziu, ou seja, a cidade do Rio de Janeiro, durante as décadas de 1970 e 1980. Como diversos fotógrafos que se dedicaram à representação do desejo homoerótico ao longo da história da fotografia, Alair atuou de modo silencioso e quase sempre nas bordas do sistema das artes. Isto não o impediu, entretanto, do desenvolvimento de um trabalho de dimensões gigantescas, cuja originalidade e a narrativa íntima estavam à frente de sua época, pré-anunciando tendências da arte contemporânea recente. viii ABSTRACT This study proposes an analysis of the photographic work by Alair Gomes (1921-1992), an engineer, philosopher and art critic who also performed as photographer in the last 26 years of his life. The mainstream of the work is linked to the presence of a melancholic sensitiveness in his biographic and artistic life trajectory since these two instances cross in between and they are inseparable in his photography of strong homoerotic bias. The relation between melancholy and the artist’s work is considered from the perception of personal writing, which is anchored in the confessional and narrative character of his photography and of his written texts. The singularity of his poetic feature is distant from the context where he lived and produced his work, that is, the city of Rio de Janeiro during the 1970’s and 1980’s decades. Like several photographers who dedicated themselves to the representation of the homoerotic desire over the photography history, Alair performed in a silent manner and almost always at the edges of the arts’ system. However, this did not prevent him from developing a work of gigantic dimensions whose originality and intimate narrative were ahead from his time, forecasting trends of the recent contemporary art. ix