Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de Geografia CONSCIÊNCIA COMUNITÁRIA E DIMENSÃO EUROPEIA NA EDUCAÇÃO A APRENDIZAGEM DA UE POR ALUNOS DO 1º CICLO Catarina Rogado Mestrado em Políticas Europeias 2009 Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de Geografia CONSCIÊNCIA COMUNITÁRIA E DIMENSÃO EUROPEIA NA EDUCAÇÃO A APRENDIZAGEM DA UE POR ALUNOS DO 1º CICLO Dissertação orientada pelo Professor Doutor Sérgio Claudino Catarina Rogado Mestrado em Políticas Europeias 2009 A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida. Séneca, filósofo e escritor romano (4 a.C. – 65 d. C.) A Europa será aquilo que os Europeus quiserem que seja. M. Jacinto Nunes (1998) AGRADECIMENTOS O desafio intrínseco à realização de uma dissertação está longe de ser solitário. Directa ou indirectamente, todo um universo à volta do autor acaba por ser influenciado pela presença e intervenção de determinadas pessoas e instituições. Assim, será fundamental realçar o cariz colectivo desta tese, ao endereçar os meus mais sinceros agradecimentos aos diferentes intervenientes que tornaram este projecto possível: ao Professor Doutor Sérgio Claudino, meu orientador científico, os meus mais sinceros agradecimentos pela sua inesgotável disponibilidade e sábio acompanhamento, sugestões pertinentes e constante incentivo. E acima de tudo, pela sua imensa atenção, amizade e motivação, desde os primeiros passos deste estudo. à equipa do CIEJD, em especial ao Departamento de Formação, na pessoa da Dra. Filomena António e dos sempre colegas Carla Gonçalves, Elvira Ventura, Luís Moreira e Sandra Pereira, pela sólida amizade e por acreditarem nas minhas capacidades profissionais, permitindo-me ensinar a União Europeia dos 5 aos 95. à Biblioteca Municipal do Bombarral, na pessoa da Dra. Fernanda Silva, pela partilha do seu sonho de ensinar a UE às crianças e cultivar a cidadania europeia nos jovens do Bombarral. O meu profundo agradecimento pelo seu profissionalismo e pela sua sincera amizade. às crianças do 1.º Ciclo das escolas do Bombarral do ano lectivo de 2007/2008, por me terem proporcionado mais ensinamentos do que inúmeros livros científicos, e pelos seus sorrisos contagiantes. aos professores do mestrado, pela constante e produtiva troca de saberes, e pelos valiosos saberes e conselhos académicos transmitidos. aos meus amigos, pelo entusiasmo com que, permanentemente, me apoiaram, em especial nas pessoas do Sérgio Hipólito e do Pedro Tavares, inicialmente colegas de universidade, hoje amigos da escola da vida. às pedras basilares desta investigação, a minha mãe, irmão e avó, pelo apoio e compreensão sempre presentes, pela inestimável força e incentivo transmitidos, pela inserção de dados e de enormes doses de carinho. Sem eles, este trabalho não teria sido possível. II RESUMO Embora produto recente da história da Europa, a União Europeia define-se hoje como projecto político bem sucedido, ao unir os povos e promover o respeito pelas suas diversidades. No século XXI, e face a diversos desafios essencialmente de cariz económico, a UE assume a aposta na educação, sob a égide de políticas de cooperação, rumo à elevação da sua economia para a mais competitiva a nível mundial. No entanto, a UE é cada vez mais acusada de não suscitar o interesse e participação dos cidadãos no seu projecto, nem tão pouco de promover um diálogo claro com os mesmos. Apesar do estatuto consolidado de cidadania europeia, a UE peca pela falta de respostas ao crescente défice democrático e revela-se incapaz de adoptar uma estratégia de efectiva aproximação aos seus cidadãos. A investigação desenvolvida pretende contribuir para um renovado interesse pela UE e uma maior participação do cidadão na realidade europeia, através da promoção da dimensão europeia na educação e da transmissão dos valores humanistas europeus – preocupações nem sempre presentes nos curricula escolares, como também sucede em Portugal para o 1.º Ciclo. Esta mudança depende, contudo, de uma nova orientação do poder político, que desde meados dos anos 90 insiste em mobilizar a educação para finalidades economicistas, bem como de uma redefinição, mais global, da estratégia de comunicação. Os princípios da dimensão europeia na educação foram aplicados numa experiência escolar com alunos do 1.º Ciclo do concelho do Bombarral, Europa somos nós, desenvolvida em 2007/2008, monitorizada por uma formadora do CIEJD, autora da dissertação. O seu sucesso demonstra o interesse deste tipo de iniciativas junto dos públicos mais jovens, bem como dos adultos seus familiares. Tendo em conta a salvaguarda do princípio de cooperação nas políticas educativas, sugere-se a promoção da pedagogia da e para a Europa através de actividades deste cariz ou de outras que se revelem significativas para os alunos, de acordo com os respectivos grupos etários. Esta será uma janela para uma efectiva inserção de uma dimensão europeia na educação, cujo fim deverá ser o da promoção de uma consciência comunitária nos seus cidadãos. Palavras-chave: cidadania europeia, dimensão europeia na educação, cooperação, participação, consciência comunitária. III ABSTRACT Even tough its recent history, the European Union is today a successful political project, capable of establishing peace and unite people, by promoting the respect of their diversity. On the 21st Century, and because the Community was facing several challenges essentially economic, the UE displayed higher importance on the role of education under the principle of cooperation, in order to become the world’s most competitive economy. However, the EU is more and more accused of not evoking the interest and participation of their citizens on its project, neither promoting a clear dialogue amongst them. Despite the consolidation of the European citizenship status, the EU is not only unable to respond to the growing European democratic deficit, but also incapable of adopting a strategy of effective approach to their citizens. The investigation intends to contribute for a renewed interest about the EU and a higher participation of its citizens in the European reality, by the promotion of the European dimension on education and the transmission of humanistic European values – concerns not always present in the school curricula, which also occurs in the 1st cycle in Portugal. However this change depends of a new orientation on the political force, which since the 90s aims to mobilize education to economic purposes, as well as a more global redefinition of the communication strategy. The principles of the European dimension on education were applied on a scholar experience with pupils from the 1st cycle from Bombarral. The activity We are Europe was developed in 2007/2008 and conducted by a trainer from CIEJD, the author of this dissertation. Its success is representative of the interest of these kind of initiatives among younger groups, as well as among their adult relatives. Considering the maintenance of the principle of cooperation in the European policies, we suggest the promotion of the pedagogy about and to Europe through this sort of activities, as long as considered significant for pupils and according to their age group. This may be a new perspective for an effective insertion of an european dimension on education, whose final purpose should be the promotion of a communitarian consciousness on their citizens. Key words: European citizenship, European dimension on education, cooperation, participation, communitarian consciousness. IV ACRÓNIMOS AJD Aulas Jacques Delors BCE Banco Central Europeu BMB Biblioteca Municipal do Bombarral CE Comunidade Europeia CECA Comunidade Europeia do Carvão e Aço CEE Comunidade Económica Europeia CEEA Comunidade Europeia de Energia Atómica CDF Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia CIEJD Centro de Informação Europeia Jacques Delors CIG Conferência Intergovernamental CMB Câmara Municipal do Bombarral EB Eurobarómetro EEE Espaço Económico Europeu EFTA Associação Europeia de Comércio Livre EUA Estados Unidos da América FEDER Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEOGA Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola FSE Fundo Social Europeu OECE Organização Económica de Cooperação Europeia OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico PAC Política Agrícola Comum PE Parlamento Europeu PESC Política Externa e de Segurança Comum PEV Política Europeia de Vizinhança SID Sessões de Informação e Debate TUE Tratado da União Europeia UE União Europeia UEM União Económica e Monetária V ÍNDICE GERAL AGRADECIMENTOS .................................................................................................. II RESUMO.......................................................................................................................III ABSTRACT .................................................................................................................. IV ACRÓNIMOS.................................................................................................................V ÍNDICE GERAL .......................................................................................................... VI ÍNDICE DE FIGURAS .............................................................................................VIII ÍNDICE DE QUADROS .............................................................................................. IX ÍNDICE DE GRÁFICOS ...............................................................................................X INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1 1. UNIÃO EUROPEIA: UM PROJECTO EM CONSTRUÇÃO .............................. 4 1.1 Um continente ideológico: a diversidade em busca da unidade............................. 4 1.2 A construção de um espaço supranacional europeu ............................................... 7 1.2.1 Do primeiro alargamento ao fim da Guerra Fria ........................................... 11 1.3 O (re)nascimento da União Europeia ................................................................... 12 1.3.1 A afirmação de um espaço livre europeu ...................................................... 15 1.3.2 O Euro – federalismo monetário?.................................................................. 17 1.4 Os novos desafios institucionais e o alargamento da União................................. 18 1.5 O futuro da União – que caminho?....................................................................... 24 1.5.1 As políticas da União Europeia e os futuros desafios ................................... 26 2. O EUROCIDADÃO E A COMPREENSÃO DA UNIÃO EUROPEIA ............... 31 2.1. A Cidadania Europeia.......................................................................................... 31 2.2 Os referendos e a legitimação da construção europeia......................................... 33 2.2.1 Chumbar a integração europeia ..................................................................... 34 2.2.2. As consequências dos referendos europeus.................................................. 37 2.3 O Eurobarómetro e a opinião pública europeia .................................................... 40 2.3.1 Uma consciência de União Europeia inconsciente........................................ 41 2.3.2 A UE segundo a juventude europeia ............................................................. 45 2.4 O sucesso da UE: uma construção colectiva ........................................................ 46 VI 3. A RELUTÂNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS NA VALORIZAÇÃO DA DIMENSÃO EUROPEIA DA E NA EDUCAÇÃO................................................... 49 3.1 O papel da Educação ............................................................................................ 49 3.1.1 Educação para a cidadania europeia.............................................................. 50 3.2 Cumprir a Europa pela Educação ......................................................................... 52 3.2.1 As políticas da educação na UE .................................................................... 52 3.2.2 Da dimensão europeia da educação e na educação ....................................... 66 3.3 As tendências da educação para e da Europa ....................................................... 68 3.3.1 Ensinar a Europa – suscitar uma vontade política e o papel dos media ........ 71 4. A APRENDIZAGEM DA UE NO 1º CICLO: UM ESTUDO DE CASO ........... 75 4.1 A Europa e a UE nos curricula do 1º Ciclo do Ensino Básico ............................. 75 4.2 O Centro de Informação Europeia Jacques Delors: promover a participação dos portugueses na construção comunitária...................................................................... 77 4.3 A Biblioteca Municipal do Bombarral e a ideia da iniciativa .............................. 79 4.4 Um retrato social do concelho do Bombarral....................................................... 81 4.5 Europa somos nós................................................................................................. 82 4.6 Um balanço pós-actividade .................................................................................. 85 4.6.1 Junto dos alunos ............................................................................................ 85 4.6.2 Junto dos encarregados de educação ............................................................. 89 4.6.3 Junto da Biblioteca Municipal do Bombarral................................................ 92 5. CONCLUSÃO........................................................................................................... 93 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 99 ANEXOS ..................................................................................................................... 106 ANEXO 1 ................................................................................................................. 107 ANEXO 2 ................................................................................................................. 109 ANEXO 3 ................................................................................................................. 123 ANEXO 4 ................................................................................................................. 124 VII ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Principais conteúdos da dimensão europeia/internacional da educação para a cidadania nas directrizes oficiais e/ou currículo para o ensino primário e secundário geral, 2004/2005............................................................................................................. 71 Figura 2 – Organização do Sistema Educativo Português ............................................ 75 VIII ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 – Número de inquéritos obtidos segundo idade e género ............................. 86 Quadro 2 – Utilidade dos conhecimentos adquiridos sobre a UE................................. 87 Quadro 3 –Importância de saber o que é a União Europeia, para o aluno .................. 87 Quadro 4 – Vontade de aprender mais sobre a UE, no futuro ...................................... 88 Quadro 5 – Resposta à questão És um cidadão da UE? ................................................ 88 IX ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1: Ligação dos cidadãos à Europa ................................................................... 42 Gráfico 2: Informação sobre a União Europeia, no seu país, segundo o cidadão........ 43 Gráfico 3: Informação sobre a União Europeia, segundo o cidadão............................ 43 Gráfico 4: Principais conceitos associados à União Europeia ..................................... 86 Gráfico 5: Escolaridade dos encarregados de educação, por número de respostas..... 90 X Introdução INTRODUÇÃO Originalmente com ambições rumo ao estabelecimento de laços pacíficos entre os países europeus, e assente numa fórmula de partilha de soberanias rumo ao crescimento económico, a União Europeia acabou por alargar o seu âmbito de acção. A antiga CEE afirma-se hoje como centro difusor dos valores democráticos europeus e espaço proporcionador de bem-estar para os seus povos, cujo alcance político se revela determinante em todo o globo. A UE depara-se com um mundo altamente competitivo e marcado por novas problemáticas sociais, económicas, culturais, cada vez mais complexo e volátil aos efeitos do fenómeno de globalização. Os desafios não são fáceis de contornar, especialmente numa União a 27, cujos processos de decisão esbarram, muitas vezes, nas vontades próprias dos Estados-Membros. A emergência do conceito de Cidadania Europeia, a partir dos anos 90, destacou o papel do indivíduo no processo de construção europeia. Numa perspectiva de complementaridade do estatuto europeu à nacionalidade dos cidadãos nacionais, abriu-se o capítulo dos cidadãos europeus na história europeia, enquanto indivíduos plenos de direitos europeus, proporcionados pela pertença dos seus países ao projecto de União Europeia. Porém, o estatuto de cidadania europeia e o que este abarca em seu torno, permanece um dos maiores desafios da história da UE. Embora esta aposta na sua criação, o projecto de integração da UE permanece longe de um olhar interessado da parte dos próprios europeus, directos beneficiários das conquistas da UE. Fala-se em défice democrático europeu, num divórcio dos cidadãos face à UE. A própria União reconhece a emergência de um crescente desinteresse e afastamento dos cidadãos ao seu projecto, e de uma fraca ou quase nula participação cívica à escala europeia. Aliás, esta acaba por ser apenas visível nas consultas populares europeias, como em eleições europeias ou nos referendos europeus. Nesta dissertação, partimos da premissa de que conquistar a atenção dos europeus é vital para o próprio sucesso da UE. Se estes são o cerne das preocupações desta organização, é fundamental que se apercebam disso mesmo. Porém, é primeiramente necessário encetar um diálogo próximo dos cidadãos, baseado no princípio de que eles entendem o que é a UE, a sua história, os seus objectivos e aspirações. Nenhum europeu, sempre que chamado, poderá decidir em consciência o 1 Introdução futuro da UE, nem tão pouco participar no seu projecto, se não conhecer as bases desta organização política. Enfim, como se afirmava no século XIX, só se ama aquilo que se conhece. Consideramos, portanto, que o objectivo central será o de avaliar até que ponto conhecer a UE constitui uma finalidade da acção educativa. Uma dimensão europeia na educação poderá potencializar a formação de uma consciência de pertença à Europa e à Comunidade, assim como catalisar o debate democrático europeu, tão ansiado pelos seus governantes políticos. Procurámos, nesta investigação, avaliar o percurso da educação na esfera de acção política da União, tendo em conta a competência exclusiva dos Estados-Membros nesta matéria. E para que se promova o conhecimento sobre a UE, e se potencialize uma consciência comunitária nos cidadãos europeus, avaliámos o potencial do conceito de dimensão europeia na educação. Avaliámos, ainda, a amplitude deste conceito, também enquanto objectivo mobilizador dos cidadãos europeus para a construção comunitária e para o combate ao défice democrático europeu. Numa perspectiva complementar, procurámos delinear alterações de objectivos e estratégias no âmbito educativo, cuja implementação possa melhorar o envolvimento dos cidadãos no processo de integração europeia. Nesse sentido, apresentamos um estudo de caso assente numa experiência desenvolvida pela autora da presente dissertação, cujo objectivo foi o de ensinar a União Europeia junto de crianças. Através da educação, visava-se potenciar o desenvolvimento do conceito de cidadania europeia e conhecimento da UE, desde tenra idade, nos futuros cidadãos. Em certa medida, a escolha do presente tema da investigação foi fortemente determinada pela participação da autora na referida iniciativa. A presente dissertação encontra-se estruturada em cinco capítulos. O inicial, aborda o processo de construção europeia desde os seus passos iniciais, numa perspectiva de vitória e crescente afirmação do espírito de solidariedade europeu. Para se compreender a emergência das políticas educativas e da pertinência do ensino dos valores europeus, foi necessário mergulhar no processo de integração europeia propriamente dito. O segundo capítulo desenvolve o conceito de cidadania europeia, a emergência do eurocidadão, enquanto indivíduo consciente da sua pertença à UE, e qual o seu papel no exercício de participação cívica. Abordamos a acção do cidadão europeu aquando dos vários referendos europeus e, partindo da análise de vários Eurobarómetros, 2 Introdução procuramos medir o seu interesse e conhecimento face ao projecto comunitário, com especial menção à juventude europeia. Pretendemos, igualmente, avaliar a amplitude da influência dos cidadãos para o sucesso do projecto da UE. O terceiro capítulo visa compreender o papel da Educação no seio político da União, enquanto premissa para a consolidação da cidadania europeia. Realça-se, especialmente, o lugar do conceito de dimensão europeia nas políticas educativas da UE, e são ainda perspectivadas estratégias para uma efectiva valorização da aprendizagem da União Europeia. O quarto capítulo, correspondente ao estudo de caso, descreve uma iniciativa pedagógica inovadora dinamizada pela própria autora do estudo, no quadro do Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD), cujo objectivo foi o de promover a aprendizagem da União Europeia por um público-alvo de crianças. Identificam-se os intervenientes da experiência, de modo a possibilitar uma melhor compreensão da experiência propriamente dita, e da sua última finalidade na construção do futuro eurocidadão. Efectuaram-se inquéritos de avaliação junto dos alunos e dos seus encarregados de educação, e uma entrevista junto da entidade promotora da iniciativa, no sentido de apurar um balanço final do sucesso da experiência. No último capítulo apresenta-se uma síntese da presente investigação, seus resultados mais pertinentes, e desenvolvem-se algumas reflexões sobre novas abordagens do presente tema. 3 União Europeia: um projecto em construção 1. UNIÃO EUROPEIA: UM PROJECTO EM CONSTRUÇÃO A União Europeia (UE), tal como hoje a conhecemos, resultou de um complexo e profundo processo de mutações e conquistas. Inicialmente idealizada por visionários, pensadores e políticos, a ambição de unir povos e assumir as diferenças entre si como sua própria identidade e riqueza sempre foi fonte de discordância e, quiçá, dos maiores desafios da Europa desde as suas origens. Propõe-se, neste capítulo, abordar algumas das etapas históricas que caracterizam a actual Europa e, em particular, o projecto da UE, processo decisivo no qual um mosaico de Estados-Nações se esforça por transformar uma identidade com séculos de existência numa entidade cujo processo de construção ainda não se encontra concluído no início do século XXI (Berstein et al., 2007: 7) – o que lhe confere uma inegável originalidade e nos mobiliza, de forma particular. 1.1 Um continente ideológico: a diversidade em busca da unidade A discussão sobre a definição geográfica da Europa tem um marco em Pedro, O Grande, por proposta do seu geógrafo Vassili Tiatichtchev (Lévy, 1977), em 1703, na proposta da delimitação oriental da Europa nos Montes Urais e no rio Ural, até ao Cáucaso. O czar russo é um europeísta convicto e estes limites convencionais fazem de Moscovo uma capital europeia – até o mesmo imperador fazer da recém-construída cidade de S. Petersburgo, debruçada sobre o Báltico e a Europa, a nova capital russa. Mas os Urais, formados por relevos velhos arrasados pela erosão, que raramente ultrapassam os 1500 metros de altitude, não constituíram um limite à expansão russa para Leste, podem ser apontados como um limite entre continentes? A ambiguidade da definição das fronteiras físicas da Europa não impediu, porém, que nela se construíssem uma identidade e ideais europeus diferenciados do continente Asiático. O Velho Continente sempre foi um palco da História: berço da Democracia, do Cristianismo, de valores humanistas e de outros ideais, centro de artes e difusor de conquistas científicas, pioneiro agente da globalização aquando das aventuras marítimas, assim como da noção de economias integradas, catalisador de lutas hegemónicas e orgulhos identitários, anfitrião de revoluções nas sociedades e de mentalidades. Ele agrega povos cujas matrizes culturais e heranças históricas se interligam, e acabam por os definir, ainda que sem diluir as suas identidades. 4 União Europeia: um projecto em construção Os Romanos raramente se referem à Europa, mas a luta dos povos europeus contra os invasores muçulmanos é frequentemente vista como a primeira expressão de solidariedade e entreajuda entre os seus povos. Este facto acaba por nos remeter para uma reflexão mais ampla de identidade territorial. A antevisão de uma fixação do povo muçulmano em território europeu foi interpretada como ameaça à preservação do que é europeu. O sentido de pertença de um indivíduo prende-se essencialmente com uma identidade territorial, e a Europa jamais poderia se vista como território muçulmano. A união dos povos europeus contra os árabes pode ser interpretada, em última análise, como expressão de uma consciência territorial, como o hastear de uma bandeira europeia agregadora de ideais e valores que a demarca. Esta identidade europeia não valida, porém, que se destrua o conjunto de diversidade de identidades dos vários povos e regiões europeias (Carroué, et al., 2007). Afinal, a Europa caracteriza-se mais pela diversidade do que pela unidade, e as tentativas de unidade, mal conseguidas e temporárias, foram sempre hegemónicas (Nunes 1998: 22). A procura de uma entidade política e ideológica agregadora dos vários povos europeus marcou profundamente a cultura europeia e a noção de identidade nacional. O sonho de uma realização política e geográfica hegemónica teve a sua primeira expressão no Império Romano e posteriormente, em ambições como as de Carlos Magno, na restauração da unidade imperial, de Napoleão Bonaparte na afirmação do Império Francês, de Hitler ao comando do Grande Reich… A verdade é que, como afirma C. Cavaco, o pluralismo na organização espacial, a pluralidade de estados, de instituições religiosas, de poderes locais e de contra poderes, pertenças múltiplas, plurais, hierarquias confusas, democratização e desenvolvimento endógeno, não permitiram a afirmação durável de impérios à escala do continente (2004: 10). Já em 1849, quando o nacionalismo triunfava por toda a Europa, numa célebre Declaração proferida a 21 de Agosto, quando presidia a um congresso pela paz, Victor Hugo idealizava uma Europa unida e reconciliada, na qual a paz e liberdade enquanto garantias seriam proclamadas. A esta utopia chamou-lhe Estados Unidos da Europa, a qual assentaria num funcionamento de cariz federal, bastante próximo do modelo norte-americano: Virá um dia em que todas as nações do continente, sem perderem a sua qualidade distintiva e a sua gloriosa individualidade, se fundirão estreitamente numa unidade superior e constituirão a fraternidade europeia. Virá um dia em 5 União Europeia: um projecto em construção que não haverá outros campos de batalha para além dos mercados abrindo-se às ideias. Virá um dia em que as balas e as bombas serão substituídas pelos votos. Não poderia Victor Hugo supor que os mercados de ideias e ideais não seriam então concretizados e que a Europa se tornaria num imenso campo de batalha durante cerca de meio século. Duas Guerras Mundiais assolaram o continente – Primeira Guerra Mundial de 1914 a 1918 e Segunda Guerra Mundial de 1939 a 1945 – e congelaram o progresso e ambições europeias, com repercussões drásticas nas dimensões humana e material. Os anos que se seguiram à capitulação, em 1945, do Regime Nacional-Socialista alemão, o maior responsável pelas atrocidades que dizimaram o continente, e à queda do Grande Reich, foram marcados pelo auxílio financeiro e material para a reconstrução das cidades europeias, entretanto devastadas pelos bombardeamentos da Guerra. Dos Estados Unidos da América (EUA), um dos constituintes da Aliança que derrubou o Regime Nazi e as forças do Eixo no culminar da Guerra, proveio a ajuda financeira do Plano Marshall. Seria no rescaldo da Segunda Guerra Mundial que a ideia de Europa, sob forma da unidade superior a nível económico e político, então proclamada por Victor Hugo, abriria lugar à concretização. Da determinação em afastar os legados totalitaristas que dizimaram o território, nasceu a vontade de reconstruir a Europa assente nas bases sólidas dos princípios da democracia e liberdade. Assim, recusando toda a hegemonia nacional, [os vários actores políticos europeus] vão esforçar-se por encontrar o caminho que permita conciliar a vivacidade dos sentimentos nacionais com a necessária solidariedade dos Estados (Berstein et al., 2007: 443). Até 1950, assistiram-se a inúmeros apelos e iniciativas, declarações e conferências, elaboração de planos e várias acções individuais e políticas com vista a uma efectiva reconciliação dos povos europeus. Em 1948 é criada a Organização Económica de Cooperação Europeia (OECE) (desde 1961 Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE) e, no ano seguinte, o Conselho da Europa, ainda hoje bastante activo em várias áreas relacionadas com os Direitos Humanos e outros domínios socioeconómicos. O surgimento destas organizações evidenciou a necessidade de os países europeus assumirem uma posição de cooperação, até mesmo os que contribuíram para os trágicos acontecimentos da Guerra. O ideal de cooperação seria assente num funcionamento intergovernamental, numa perspectiva de partilha e interesse comum, de modo a que a soberania dos Estados não estivesse em causa. 6 União Europeia: um projecto em construção No entanto, a ameaça de fragmentação do continente persistia. O acordo de vitória entre os próprios Aliados (coligação composta pelo Reino Unido, França, a então União Soviética e Estados Unidos da América, entre outros países) revelou-se frágil, e o ainda bastante abalado continente europeu volta a temer pela sua segurança interna. A divisão territorial e política da Alemanha e da sua capital, e sua repartição pelos vários países vencedores da Guerra (União Soviética e os países ocidentais) tornaram-se sinónimo de disputa de influências. Por um lado, temendo o expansionismo soviético, os países da Europa Ocidental viram-se para os Estados Unidos (…). Por seu lado os países da Europa de Leste (…) conhecem uma satelização política e económica que os conduzem a um alinhamento puro e simples com a União Soviética (Berstein et al., 2007: 222). Instaurou-se a Guerra Fria, baseada na ausência de confrontos directos ou declarações de guerra entre países, mas marcada por jogos de influências, duelos de regimes e de exercício de autoridade a nível político e psicológico. Após a construção, em 1961, do Muro de Berlim que dividia a cidade entre as facções então denominadas comunistas e capitalistas, a cidade alemã tornou-se o palco principal deste cenário de Guerra Fria e centro das preocupações dos visionários que pretendiam estabelecer uma paz duradoura no continente. 1.2 A construção de um espaço supranacional europeu A iniciação de uma nova era política surgiu a 9 de Maio de 1950 aquando da proclamação de uma declaração de intenções, proferida por Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês. Pela primeira vez fora proferida uma intenção de cariz voluntário com vista a unir uma Europa recentemente traumatizada. Foram necessárias nada menos do que duas guerras mundiais, de origem essencialmente europeias (…) para que os políticos decidissem fazer da consciência de uma identidade europeia (…) um objectivo concreto à escala de acção governamental. (Idem, 2007: 8). Com o propósito de assegurar a paz e garantir estabilidade, a Declaração Schuman procurou evidenciar a necessidade de integração económica e política como meio de atingir esses mesmos ideais. A ideia presente no Plano Schuman fora originalmente lançada por Jean Monnet, nem político, nem economista, [o General] de Gaulle qualificá-lo-á de “inspirador” (Fontaine, 1998: 12-13), e nela encontram-se as bases da construção da Europa comunitária. A Declaração acabou por encerrar em si uma manifestação única e simbólica: a França, vítima e vencedora da Guerra, estendia a 7 União Europeia: um projecto em construção mão ao seu arquiinimigo derrotado na Guerra, numa iniciativa de cooperação que parecia enterrar a hostilidade desencadeada pela guerra franco-prussiana de 1870-1871. Por meio de uma autoridade comum, propôs-se o controlo da produção e livre circulação do carvão e do aço da Alemanha e França, matérias-primas fundamentais para a indústria e reconstrução da Europa. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), instituída em 1951 através do Tratado de Paris, seria gerida pela Alta Autoridade, num método inovador e revolucionário no âmbito das relações internacionais: instaura uma autoridade independente dos governos, cujas decisões obrigarão os Estados. (…) A «supranacionalidade» é o ponto de partida de uma construção mais vasta, que erige, sobre a base de «solidariedades de facto», «as primeiras bases de uma federação europeia indispensável à preservação da paz» (Idem, 1998: 14). Denota-se claramente uma ambição de natureza política subjacente a uma proposta, à partida, de cariz meramente económico. A formação da CECA constituiu, portanto, um forte sinal de reconciliação da França e da Alemanha, outrora inimigos, aos quais se juntaram a Itália, e os três países do Benelux (Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo). Pretendia-se que as rivalidades seculares dessem lugar a uma fusão de interesses entre estes países, orientando-os num projecto comum que oferecesse às suas economias a possibilidade de tirar vantagens recíprocas da sua complementaridade (Berstein et al., 2007: 251). Esta iniciativa permitiu não só a recuperação económica da Europa, como no plano político estimulou a reconciliação e a co-operação franco-alemãs e abriu caminho à Europa comunitária (Fontaine, 1998: 15). À criação deste sistema institucional comum regido pelos princípios da igualdade e da cooperação (Idem, 2007: 9) seguiu-se um desafio ainda mais amplo, por vezes considerado a data de fundação da União Europeia ao invés da data de fundação da CECA. A ambição traduziu-se na assinatura em 1957 dos Tratados de Roma1, que criaram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA, ou Euratom), ambas compostas pelos seis países fundadores da CECA. 1 Os tratados assinados sucessivamente no desenrolar dos mais de cinquenta anos de construção europeia não se limitaram a alterar o texto do tratado inicial; deram sim origem a outros textos que, por aditamento, vieram articular-se com os anteriores, constituindo assim o Primado Europeu (adaptado de Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Tratados», http://europa.eu/scadplus/glossary/treaties_pt.htm, em 01-12-2008). 8 União Europeia: um projecto em construção A CEEA pretendia criar as condições de desenvolvimento de uma poderosa indústria nuclear2, dedicada ao aproveitamento da energia nuclear enquanto fonte de energia e na investigação do seu potencial. Por seu turno, o desafio da CEE assenta num aprofundamento da fórmula de funcionamento da bem-sucedida mas de âmbito limitado CECA, no qual cria instituições e mecanismos de decisão que permitem a expressão tanto dos interesses nacionais como de uma visão comunitária (Fontaine, 1995: 34). Não obstante, o processo de integração e construção europeia basear-se no conjunto integrado dos organismos então estabelecidos CECA, CEE e Euratom, entenda-se Comunidades Europeias, estes ir-se-iam, doravante, desenrolar em torno da Comunidade CEE. O mote da criação da CEE foi o relançamento do mercado comum numa perspectiva abrangente a toda uma série de bens e serviços, assente na abolição de barreiras alfandegárias e outros obstáculos ao mercado comum, enfim, num alargamento da cooperação económica dos Seis a outros sectores. As ambições enunciadas prendem-se, inevitavelmente, com a manutenção da paz e o bem-estar dos povos europeus, melhoria das suas condições de vida e no reforço das economias, numa atitude de respeito pelas características próprias dos países-membros, as suas políticas económicas e sociais (Nunes, 1998: 44) e em paralelo, na vontade de agir em solidariedade entre si. Esta traduz-se por um conjunto de políticas comuns que são a expressão da actividade da Comunidade (Nunes 1998: 45), como a (dispendiosa) política agrícola comum (PAC), a política comercial comum, a política da concorrência. Pretendendo ou não concorrer com o predomínio económico do mercado americano, a CEE foi uma concretização económica e política que estruturou a Europa ocidental, na medida em que os objectivos económicos instituídos em finais da década de 50 são hoje a base do que entendemos pelo funcionamento da UE enquanto mercado único e de livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas. As ambições de 1957 não foram prontamente concretizadas, o que sucedeu apenas cerca de trinta e cinco anos mais tarde, se bem que este seja um projecto sempre inacabado. Em 1986, a Comunidade procurou relançar as aspirações do mercado interno e da livre circulação das referidas liberdades fundamentais, através da assinatura do Acto Único Europeu. Este compromisso estabeleceu novas metas e objectivos de âmbito alargado para o cumprimento de tão ambiciosa etapa do processo de integração europeia, alcançados a 1 de Janeiro de 1993 com a efectiva criação do Mercado Interno Europeu. 2 Objectivos do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom), retirado de http://europa.eu/scadplus/treaties/euratom_pt.htm, em 01-12-2008. 9 União Europeia: um projecto em construção Desde cedo se compreendeu que, para um bom funcionamento das Comunidades e gestão harmoniosa das políticas comunitárias, era imperativa a existência de instituições especialmente criadas para o efeito. A componente federalista da Alta Autoridade da CECA, assente no conceito de supranacionalidade, seria então inevitavelmente substituída por outros órgãos que se adequassem aos princípios das Comunidades aquando da assinatura do Tratado de Fusão em 1965, em vigor em 1967. A fusão dos executivos das três Comunidades implicou que passassem a dispor de uma Comissão única e de um Conselho único, que respeitassem as regras de cada uma das Comunidades. Os órgãos da Comunidade eram compostos ainda pela Assembleia Parlamentar (hoje Parlamento Europeu – PE) e pelo Tribunal de Justiça. Em boa verdade, o carácter original e específico da União Europeia provém do lugar central ocupado pelas instituições, tanto na sua origem como no seu funcionamento quotidiano (Fontaine, 1995: 57). Enquanto comunidade de Direito, a legitimidade da União Europeia e das suas instituições provém da legislação comunitária – Tratados – criada e adoptada pelos Estados-Membros, e pelo princípio da democracia representativa, aplicado no Parlamento Europeu. Os Tratados (ou seja, o chamado "direito primário") estão na origem de um vasto corpo de "direito derivado" [regulamentos, directivas e recomendações] que tem incidência directa na vida quotidiana dos cidadãos da UE (Idem, 2007: 17). Presentemente, a União Europeia conta com um poderoso triângulo institucional responsável pelas políticas e legislação aplicada em toda a UE: Comissão Europeia, Conselho da União Europeia, Parlamento Europeu. São, portanto, os principais órgãos com poder decisório, legislativo e executivo, que trabalham em articulação com outras instituições como o Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, e órgãos, tais como o Comité Económico e Social Europeu, Comité de Regiões, Banco Europeu de Investimento, Banco Central Europeu (BCE), entre outros, e ainda organismos denominados por Agências. Actualmente, poder-se-á afirmar que a União Europeia é mais do que uma confederação de Estados, mas não é um Estado federal. Na realidade, constitui um novo tipo de estrutura que não se insere em nenhuma categoria jurídica clássica. O seu sistema político é historicamente único e tem vindo a evoluir constantemente há mais de 50 anos (Idem, Ibidem), tal como constataremos de seguida. 10 União Europeia: um projecto em construção 1.2.1 Do primeiro alargamento ao fim da Guerra Fria Se, à partida, reticência ou oposição ao carácter do projecto europeu existiu, a adesão às Comunidades do maior eurocéptico, o Reino Unido, em conjunto com a Dinamarca e Irlanda no ano de 1973, veio confirmar que o plano económico e político da CE adquiriu uma dimensão e concretização excepcionais. Torna-se assim um conjunto de primeira grandeza, aglutinando uma população mais numerosa do que a dos Estados Unidos e da URSS, assegurando um terço das trocas mundiais e dispondo do segundo poderio industrial do mundo (Berstein et al., 2007: 292). O primeiro alargamento foi acompanhado pelo estabelecimento de novas políticas sociais e ambientais, bem como pela criação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) em 1975 (Fontaine, 2007: 10). Com a entrada da Irlanda, país dotado de uma economia menos avançada face aos outros Estados-Membros, evidenciaram-se as assimetrias entre os países e/ou regiões mais e menos desenvolvidos da Europa. De facto, com a posterior entrada da Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986), a necessidade de equilibrar estas economias e regiões menos prósperas com as dos restantes países membros da CE tornou-se gritante. Tornou-se ainda mais necessário harmonizar as políticas económicas de natureza diferente, reduzir as desigualdades entre as regiões, harmonizar as políticas de imigração e tantas outras questões já difícil de encontrar solução numa CEE reduzida a nove membros (Berstein et al., 2007: 357). No decorrer dos anos de integração europeia foram criados outros fundos com propósitos quer de acompanhar a execução das políticas da CE – Fundo Social Europeu (FSE) e Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) em 1958 –, quer de corrigir os desequilíbrios entre os seus membros, por meio de investimentos e medidas estruturais. A noção de coesão, isto é, a necessidade reduzir as dificuldades e de aproximar e convergir os níveis de desenvolvimento dos vários Estados-Membros, é mencionada pela primeira vez no Acto Único Europeu a 1986, tendo como principais instrumentos de resposta os fundos até então criados e outros posteriormente definidos, como o Fundo de Coesão de apoio directo aos Estados, consagrado em 1992 no Tratado de Maastricht. O alcance da noção de coesão foi facilmente compreendido no desenrolar da história europeia. Jacques Delors, verdadeiramente o pai da coesão, entendia que o conceito deveria abranger todos os Estados e não apenas os mais pobres, pois só assim a sustentabilidade da coesão ficaria assegurada, pela adesão dos poderes nacionais e pela sensibilidade das opiniões públicas (Martins, 2002: 75). 11 União Europeia: um projecto em construção Não só estavam as Comunidades dedicadas à promoção da coesão e ajuda interna, como haviam igualmente alargado a sua área de influência a países externos. Os primeiros passos anunciadores de vontade de assunção de uma faceta externa traduziram-se no estabelecimento de acordos que concederam auxílio financeiro e vantagens comerciais a países de África, Caraíbas e do Pacífico, através da Convenção de Lomé, assinada em 1975, posterior à Convenção de Iaundé de 1963. Ainda na década de 70, o princípio da democracia representativa seria assumido de forma clara como indispensável no desenrolar da integração europeia. No ano de 1979 foram eleitos, pela primeira vez, os deputados do Parlamento Europeu por sufrágio universal directo, sendo até então nomeados pelos parlamentos nacionais dos países membros. A este marco corresponde um inegável contributo para a aproximação dos cidadãos à construção europeia, chamando-os a participar através do voto dos representantes nacionais para o Parlamento Europeu, enquanto mandatários dos seus próprios interesses, a voz do povo. O mapa político e territorial da Europa alterou-se profundamente com a queda do Muro de Berlim em 1989. Deu-se início a uma nova fase de esperança de reunificação do continente, primeiramente com a reunificação da Alemanha, sendo que a antiga Alemanha Oriental passa a integrar a CEE em Outubro de 1990, e posteriormente com a queda da União Soviética a 1991. O fim do comunismo potenciou a democratização dos países da Europa Central e de Leste, e é levantada a questão da integração destes países na realidade da construção europeia e nas suas instituições, num futuro próximo. Como referencia Fontaine, a Comunidade, com o fim da divisão do continente, surgiu como um pólo atraente no plano político e económico e afirma-se como garante da estabilidade da Europa alargada (1995: 148). 1.3 O (re)nascimento da União Europeia Foi num novo contexto sociopolítico que se verificou um relançamento das ambições políticas da Comunidade Europeia. É assinado a 7 de Fevereiro de 1992 o Tratado de Maastricht, que assinalando a importância histórica do fim da divisão do continente europeu, pretende estabelecer as bases da arquitectura da futura Europa (Nunes, 1998: 78). Em vigor desde Novembro de 1993, o Tratado da União Europeia (TUE) veio alterar profundamente a morfologia da Comunidade Europeia, acrescentando domínios de cooperação intergovernamental às estruturas comunitárias já existentes. A inovação deste Tratado é traduzida igualmente numa mera mudança da 12 União Europeia: um projecto em construção designação Comunidade Europeia, por vezes igualmente apelidada num sentido lato de Comunidade Económica Europeia, para a formal substituição por União Europeia, que evidencia o salto qualitativo que se ambiciona na construção da Comunidade europeia nos vários domínios. Com efeito, a União Europeia é sustentada nos seus valores e princípios como projecto político e organização jurídica. Novos domínios decisivos são estabelecidos e organizados em pilares: as Comunidades CECA, CEE e CEEA enquanto primeiro pilar, essencialmente responsável pela elaboração do mercado interno e as políticas comuns; os outros dois pilares compreendem domínios caracterizados até então como sendo da competência exclusivamente nacional, nomeadamente a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) como segundo pilar, e as matérias de justiça e de assuntos internos inseridas no terceiro pilar. A consagração do segundo pilar veio corresponder a uma aspiração da UE de se dotar de uma voz externa no contexto europeu e mundial, numa altura em que coincidiu o eclodir da guerra na antiga Jugoslávia. Evidenciando as lacunas a nível de afirmação externa, a UE não conseguiu fazer valer uma solução diplomática nem tão pouco intervir, pelo que a introdução deste campo de actuação nos princípios europeus se revelou da maior pertinência. Actualmente, esta é porventura considerada a área de mais frágil actuação da UE enquanto único actor europeu na cena mundial. Enquanto se procura obter uma posição concordante e comum a todos Estados-Membros em assuntos do âmbito externo, denota-se um frágil equilíbrio entre a prevalência da soberania de cada estado e a cedência da mesma em outros âmbitos da União. O processo decisório do primeiro pilar é comunitário, centrado no poder institucional da própria UE. Só a Comissão pode apresentar propostas ao Conselho e ao Parlamento, e a maioria qualificada é suficiente para a adopção dos diplomas a nível do Conselho.3 A tomada de decisão dos segundo e terceiro pilares, cuja abordagem se revela mais delicada face às soberanias individuais de cada país, é intergovernamental, sendo que o direito de iniciativa é partilhado entre a Comissão e os Estados-Membros, e a unanimidade é geralmente necessária a nível do Conselho.4 O quadro institucional é único para os três pilares. Desde então e até aos dias de hoje, trata-se de uma União com dinâmica comunitária, mas na base de uma cooperação inter-governamental (Ribeiro, 2003: 73). 3 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Pilares http://europa.eu/scadplus/glossary/eu_pillars_pt.htm, em 01-12-2008. 4 Idem. da União Europeia», 13 União Europeia: um projecto em construção Outros domínios são igualmente abordados: são estabelecidas regras claras no que respeita à política económica e monetária no âmbito da União Económica e Monetária (UEM), processo este destinado a harmonizar as políticas económicas e monetárias dos Estados Membros da União, com o objectivo de instaurar uma moeda única, o euro5, que entraria em circulação no ano de 2002. A criação da moeda única visava uma integração comercial, económica, social e também política. (…) A prazo, esta deve conduzir à harmonização das políticas económicas, financeiras, orçamentais e fiscais, importantes para a efectivação plena de um mercado único de concorrência perfeita e leal (…) (Cavaco, 2004: 40). É igualmente instituída a cidadania europeia, na qual são reconhecidos direitos especiais aos cidadãos dos Estados-Membros da UE, conceito posteriormente explorado. É imprimido um cariz social e de aproximação dos cidadãos da Europa ao projecto europeu, frequentemente acusado de privilegiar a vertente económica e de descuidar quem vive na União e acaba por usufruir das conquistas obtidas pela organização. A 1 de Janeiro de 1993 é formalmente instituído Mercado Interno, então composto por 12 Estados-Membros, e em 1995 este é alargado a cerca de 380 milhões de cidadãos – à União Europeia aderem a Áustria, a Finlândia e a Suécia. O alargamento a norte não contou com a Noruega, pois pela segunda vez o povo nórdico pronunciou-se negativamente a uma adesão à UE (a primeira consulta popular teve lugar aquando do primeiro alargamento em 1973). A Suíça é outro dos países do continente que optou por não integrar o projecto europeu, muito embora a sua posição geográfica estratégica no seio do continente e de ter formalizado em 1992 um pedido de adesão. No mesmo ano, porém, foi automaticamente inviabilizada a sua adesão à UE após a rejeição, via referendo, ao Espaço Económico Europeu (EEE). Este, por sua vez, consistiu num Acordo negociado entre a Comunidade e os países da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA)6, no sentido de estabelecer um mercado único e livre, abrangente a outros países para além dos da própria Comunidade. Entrou em vigor em 1994 e conta actualmente com os Estados-Membros da UE e com os países constituintes da EFTA, com excepção da Suíça, visto que chumbara então a adesão ao 5 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «União Económica e Monetária», http://europa.eu/scadplus/glossary/economic_monetary_union_pt.htm, em 01-12-2008. 6 A EFTA (European Free Trade Association) é uma organização intergovernamental económica estabelecida em 1970, como alternativa à União Europeia, destinada a fomentar o comércio livre e a integração económica. Inicialmente composta pelos países não pertencentes à Comunidade Europeia, actualmente a EFTA é formada por quatro países: Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. 14 União Europeia: um projecto em construção EEE. Para contornar a exclusão dos helvéticos ao contexto económico europeu, a Suíça tem vindo a celebrar diversos acordos bilaterais e multilaterais com a UE. Em Março de 2001, efectuou-se novo referendo na Suíça com vista à sua adesão à UE; no entanto, novamente a sua população manifestou-se contra uma plena integração na UE. 1.3.1 A afirmação de um espaço livre europeu Em 1997, a Europa dos 15 assinaria o Tratado de Amesterdão (em vigor a partir de 1 de Maio de 1999), de cariz complementar aos tratados-base da UE, nomeadamente os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e o Tratado da União Europeia. Apesar de modesto nas modificações aos anteriores, veio imprimir um novo fôlego à questão da cidadania europeia e matérias de direitos fundamentais, contemplou a inserção de um capítulo sobre o emprego, reforçou os poderes do Parlamento Europeu e procurou tornar mais eficaz o mecanismo institucional face a um provável alargamento aos países da Europa de leste. Procurou ainda reformar a PESC e acolheu o Acordo de Schengen no Acervo Comunitário7 da União Europeia. No ano de 1985, na cidade luxemburguesa sua homónima, é assinado o Acordo de Schengen, após decisão de um certo número de Estados-Membros, aparte do contexto da Comunidade Europeia, de promover e facilitar a livre circulação dos cidadãos europeus no espaço comunitário. Os Estados-Membros que assinaram este Acordo procuravam um mais rápido cumprimento da livre circulação, face à falta de consenso entre os vários países, à relutância e aos desiguais ritmos de implementação desta liberdade pela parte de outros. Seria então assinado pela Alemanha, França, e os países do Benelux. Os intuitos iniciais do Acordo prendiam-se com a progressiva abolição dos controlos das fronteiras internas dos países signatários, de modo a potenciar um regime de livre circulação para os seus habitantes, estabelecendo o chamado espaço Schengen. Este seria dotado de uma fronteira externa única onde seriam efectuados controlos internos a esse mesmo espaço. Cinco anos mais tarde, os mesmos Estados-Membros assinariam a Convenção de Schengen, esta com vista a completar o Acordo e a definir as condições de aplicação e as garantias de realização 7 O Acervo Comunitário constitui a base comum de direitos e obrigações que vinculam todos os Estados-Membros a título da União Europeia. (…) A União atribuiu-se como objectivo a manutenção da integralidade do acervo comunitário e o seu desenvolvimento (Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Acervo Comunitário», http://europa.eu/scadplus/glossary/community_acquis_pt.htm, em 01-12-2008). 15 União Europeia: um projecto em construção desta livre circulação. O Acordo e a Convenção de Schengen, as regras adoptadas com base nestes dois textos e os acordos conexos constituem o «Acervo de Schengen».8 Apenas no ano de 1995, e já com a participação de outros Estados-Membros como Espanha e Portugal, entraria em vigor o agora denominado Acervo de Schengen. A abolição de controlos das fronteiras internas revelou-se um processo complexo e delicado, pois implicou não só transformações a nível jurídico, como também que fossem dadas garantias a nível de segurança interna. Políticas de asilo e de imigração comum, cooperação de polícias contra o terrorismo e criminalidade, e a procura de um espaço judiciário europeu, entre outras, foram medidas promovidas pela União no seguimento de Schengen, tidas como os primeiros passos no estabelecimento de um conceito amplo de espaço europeu de liberdade, segurança e justiça9. No decorrer do processo de integração europeia, os restantes Estados-Membros da UE integraram o Acervo de Schengen, assim como outros não pertencentes à União Europeia – Islândia e Noruega, em 1996. O Reino Unido e a Irlanda não cumprem o Acervo de Schengen na íntegra, aplicando apenas algumas das suas disposições e optando por manter os controlos nas suas fronteiras. Com a introdução do Acervo de Schengen no Tratado de Amesterdão, em 1997, enquanto Acervo Comunitário, foi reconhecida e relançada a necessidade de proporcionar uma efectiva livre mobilidade nos vários países. Actualmente, o espaço Schengen integra 24 países, dos quais 22 são Estados-Membros da UE (dos actuais 27 encontram-se ainda de fora Chipre, Bulgária, Roménia, que integrarão a área Schengen após o cumprimento das regras necessárias para o efeito, e os já mencionados Irlanda, Reino Unido). A nível prático, qualquer cidadão comunitário que deseje viajar para outro país da UE não carece de cumprir quaisquer formalidades especiais para usufruir desse direito. Todos os novos Estados-Membros que adiram à UE serão, a seu tempo, futuros membros do espaço Schengen. Gradualmente, o mapa de Schengen tem vindo a assemelhar-se ao mapa geográfico continental propriamente dito. Até a adesão da Suíça está prevista para próximos anos, adquirindo estatuto idêntico ao dos países associados Noruega e Islândia. 8 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Schengen (Acordo e Convenção)», http://europa.eu/scadplus/glossary/schengen_agreement_pt.htm, em 01-12-2008. 9 Este conceito fora, aliás, reforçado aquando do estabelecimento do 3º pilar do Tratado de Maastricht relativo às matérias de justiça e assuntos internos e tem vindo a ganhar destaque nas prioridades políticas da UE. 16 União Europeia: um projecto em construção 1.3.2 O Euro – federalismo monetário? O Tratado de Amesterdão entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1999, no mesmo ano em que era cumprida uma importante etapa no âmbito da UEM. A moeda única – o Euro – era então introduzida nos mercados financeiros dos Estados-Membros que reuniam as condições necessárias para a sua adopção. Desde cedo que se compreendeu que a criação de um mercado comum para o comércio implicava aspirações a um maior grau de cooperação, nomeadamente a nível económico e monetário, para que o mesmo pudesse prosperar e evoluir. Onze países formaram a zona-euro: Áustria, Bélgica, Alemanha, Irlanda, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, e Finlândia (a Grécia aderiu em 2001). A Dinamarca, a Suécia e o Reino Unido optaram por não aderir à união monetária. A UEM implicou um total de três fases até à adopção do Euro. A terceira e decisiva fase, que determina a capacidade de adopção do Euro pelo Estado-Membro, é marcada pela necessidade de cumprimento dos Critérios de Convergência: estabilidade de preços e taxas de juro, controlo dos défices nacionais e da dívida pública e estabilidade das taxas de câmbio. Em 1999 o Banco Central Europeu (BCE) passa a ser responsável pela política monetária dos países da zona-euro. A passagem da utilização do Euro apenas em transacções financeiras para moeda física e empregue em todo o tipo de pagamentos deu-se a 1 de Janeiro de 2002; sete notas e oito moedas de Euro passaram a circular em 12 países, representando mais de dois terços da população da UE e assume actualmente, a par do dólar americano, estatuto de grande moeda mundial. Está consagrado que os novos Estados-Membros deverão adoptar o Euro assim que cumpram os critérios de convergência. Entretanto, o Euro passou a circular na Eslovénia em 2007, Chipre e Malta em 2008, e na Eslováquia em 2009. No desenrolar da afirmação do projecto europeu, um dos grandes receios proclamados por alguns dos Estados-Membros sempre fora o da perda de soberania, face à aceitação da delegação de parte dos poderes nacionais à UE. O lançamento da ideia da moeda única, inclusivamente, foi bastante criticado pois receava-se que pudesse aspirar a ideias federalistas, ao surgimento dos Estados Unidos da Europa regulamentados pela UE, até dotados de uma moeda única, tida como a primeira característica de soberania dos estados. Ficou claro, porém, que o carácter inovador da moeda única se prendia com a intenção de proporcionar crescente estabilidade e crescimento económico sustentável da Europa e dos europeus (descida das taxas de 17 União Europeia: um projecto em construção inflação e de juro, maior transparência de preços e competitividade) e maior qualidade na vida prática dos cidadãos que quisessem viajar e fazer compras noutro país da zona-euro e empresas transfronteiriças (deixaram de suportar as taxas de transacção de divisas diferentes), ao invés de um mero projecto de aspiração federalista. De modo a combater tais receios, a UE apresenta, inclusivamente, no seu primado, um princípio tido como essencial ao equilíbrio entre as competências nacionais e competências da União, as quais serão clarificadas posteriormente – o princípio da Subsidiariedade, estabelecido no artigo 5.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Este pretende assegurar uma tomada de decisões tão próxima quanto possível do cidadão, mediante a verificação constante de que a acção a empreender a nível comunitário se justifica relativamente às possibilidades oferecidas pelo nível nacional, regional ou local. Concretamente, trata-se de um princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou local – excepto quando se trate de domínios da sua competência exclusiva.10 Procura, portanto, corresponder aos receios de federalismo e de retorno à supranacionalidade do projecto inicial da CECA. Terá uma dupla interpretação: é pedido aos Estados-Membros um bom comportamento, sob pena de que a UE tenha, como último recurso, de intervir para benefício comum quer dos nacionais do Estado-Membro, quer do próprio ideal de bem-estar europeu; é um método de regulação da própria UE, na medida em que é colocado um travão à possível tentação de excessiva regulamentação pela parte das instituições. 1.4 Os novos desafios institucionais e o alargamento da União A ordem global alterara-se drasticamente desde que o projecto europeu tomou forma, na década de 50. As ambições e objectivos iniciais tornaram-se distintos na viragem para o século XXI, pelo que urgia repensar os instrumentos de resposta e de acção da UE, adequados às necessidades dos cidadãos face a uma nova dinâmica e contextos mundiais. Talvez o maior desafio que se colocou à UE e a todo o panorama mundial tenha sido o da globalização, como sendo o fenómeno de abertura das economias e das fronteiras, resultante do crescimento das trocas comerciais e dos movimentos de capitais, da circulação dos homens e das ideias, da divulgação da informação, dos conhecimentos e das técnicas, bem como do processo de 10 Glossário do sítio oficial da União Europeia, http://europa.eu/scadplus/glossary/subsidiarity_pt.htm, em 01-12-2008. «Subsidiariedade», 18 União Europeia: um projecto em construção desregulamentação.11 Encarado como fonte de inúmeras oportunidades ou entraves ao sucesso do mercado interno europeu, coube ao conjunto dos Estados-Membros adoptar uma posição concertada que fizesse valer o seu papel neste novo contexto. É nesse sentido que a Estratégia de Lisboa é adoptada em Março de 2000, com o objectivo de modernizar a economia europeia e torná-la apta a concorrer no mercado mundial com outros grandes protagonistas, como os Estados Unidos e os novos países industrializados (Fontaine, 2007: 11), com especial destaque para os chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), principais potências económicas em emergência. Visava-se estimular o crescimento e do emprego com recurso à adequação dos sistemas educativos para uma maior e melhor qualificação dos cidadãos europeus, a aposta na área de inovação e desenvolvimento, o investimento nas empresas e sua modernização, enfim, uma estratégia ambiciosa caracterizada pelo estabelecimento de metas quantitativas, sob o mote de tornar a UE na economia mais competitiva do mundo e alcançar o objectivo de pleno emprego até 201012. Os objectivos desta estratégia foram revistos aquando de uma avaliação intercalar, no ano de 2005, pelo que, actualmente, os Estados-Membros procuram cumprir os objectivos da Estratégia sob outras indicações e outros métodos. À ambição de 2000 corresponde, agora, uma opinião concertada de que importa, gradualmente, avaliar os resultados atingidos, para próprio benefício da UE, ao invés da pura corrida ao cumprimento quantitativo dos objectivos. Ainda no mesmo ano, a UE assumiria mais um passo determinante na história da sua construção. É adoptado no Conselho Europeu de Nice um novo tratado que visa contemplar a entrada de vários Estados-Membros na União, assinado no ano seguinte. O Tratado de Nice procurou reformar o sistema institucional de tomada de decisões numa perspectiva alargada da UE, uma vez que em 1999 foram iniciadas negociações de adesão com 12 países candidatos da Europa Central e de Leste e a Turquia seria, finalmente, reconhecia como país candidato, após pedido de adesão em 1987. Anexa a esse tratado encontrava-se a Declaração respeitante ao futuro da União, nas quais são sugeridas outras iniciativas apropriadas para dar seguimento a essas mesmas reformas institucionais, na medida em que o Tratado de Nice deveria ser tido como etapa do processo e não o seu culminar. É neste sentido que é assumida uma posição comum de continuidade do debate sobre o futuro da UE. É convocada, no mesmo ano de 2001, 11 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Globalização da economia», http://europa.eu/scadplus/glossary/globalisation_pt.htm, em 01-12-2008. 12 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Estratégia de Lisboa», http://europa.eu/scadplus/glossary/lisbon_strategy_pt.htm, em 01-12-2008. 19 União Europeia: um projecto em construção uma Convenção para a reforma europeia que conjugasse interesses e opiniões dos Estados-Membros, dos estados candidatos, e de membros da sociedade civil dos mais diversos estratos. O objectivo da Convenção seria, através deste método aprofundado e alargado, a preparação para uma Conferência Intergovernamental (CIG) enquanto processo de negociação entre os governos dos Estados-Membros com o objectivo de alterar os Tratados13, na qual se pretendia que culminasse todo um processo reformatório iniciado em Nice. A CIG teve lugar em 2004, da qual saiu o acordo político para o Projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. A assinatura do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (doravante mencionado como Constituição Europeia) teve lugar a 29 de Outubro de 2004, na cidade de Roma em jeito de regresso às origens das Comunidades Europeias, aquando da assinatura dos Tratados de Roma em 1957, e já com a participação de 10 novos Estados-Membros: República Checa, Estónia, Chipre, Letónia, Lituânia, Hungria, Malta, Polónia, Eslovénia e Eslováquia. A adesão dos novos membros teve lugar a 1 de Maio de 2004, pelo que cabia a uma Europa a 25 ratificar a Constituição Europeia, especialmente concebida para preparar a UE num funcionamento a mais de vinte países, expectável de se tornar mais complexo e pesado a nível decisório. A este alargamento foi atribuída uma elevada vertente simbólica e ideológica, na medida em que países outrora pertencentes a outros blocos ideológico-políticos (a maioria da União Soviética, e a Eslovénia da antiga Jugoslávia) optaram por se aliar ao projecto democrático mais bem sucedido da história da Europa. A UE congratulou-se com tamanha oportunidade de estender não só o seu espaço geográfico como também a sua influência, nomeadamente no que respeita a conquistas e benefícios da integração europeia e à divulgação dos ideais e valores democráticos europeus, e no alargamento de um espaço, então de cerca de 390 milhões, para aproximadamente 465 milhões de habitantes e consumidores, potenciando, assim, as capacidades do mercado único, mais populoso do que o dos Estados Unidos da América, já desde a ocasião do alargamento de 12 para 15 países. Acentuavam-se, por outro lado, as disparidades de desenvolvimento entre países recém-chegados à UE e a UE-15. Numa Europa alargada com um nível de desenvolvimento mais diversificado, o princípio da coesão económica e social deverá ser preservado através de uma política comunitária a favor das regiões e Estados menos desenvolvidos (Neves, 2002: 10), pelo que uma acertada aplicação da 13 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Conferência Intergovernamental», http://europa.eu/scadplus/glossary/intergovernmental_conference_pt.htm, em 01-12-2008. 20 União Europeia: um projecto em construção política de coesão e dos seus fundos nestes novos membros se revelou, num contexto de alargamento, da maior importância. Pela primeira vez, desde há muitos séculos, o continente não apresenta fragmentações e reúne, em caminho aberto, partes tão longínquas do Ocidente até ao Oriente outrora separadas pelos mais diversos conflitos. O cenário da separação do Continente por uma Cortina de Ferro e clima de Guerra Fria fica, definitivamente, para trás. Por oposição a estes entusiasmos insurgiam-se vozes críticas contra a pesada e custosa obrigação de redução das disparidades. Porém, a posição da UE sempre se identificou com a de Molle: Does the enlargement increase problems? Yes, it does. But it increases also the challenges and the potential. (…) By sustaining Eastern development with structural funds we will eventually also increase our possibilities in the West. So we are in a certain unity of destiny (2002: 84). Não obstante tamanho significado a propósito do alargamento, era necessário dar continuidade ao processo de aprofundamento da integração europeia, que passava pela ratificação da Constituição Europeia em todos os Estados-Membros. Na história europeia mais recente, talvez tenha sido este documento a fonte de maior polémica, começando até pela sua própria designação. A adopção de uma constituição que compilasse o Primado do Direito da UE sob forma de um único documento suscitou dúvidas entre os europeus e alimentou os receios da tomada de passos na direcção federalista. Na verdade, em termos jurídicos, a Constituição Europeia não suplantaria a Constituição de cada um dos Estados-Membros, sendo apenas e somente a designação do documento. Deste modo, o que poderia interferir no sucesso do documento seria apenas o seu conteúdo. A sua disposição assentava na simplificação das séries de sobreposições dos anteriores Tratados e protocolos, assinados ao longo de cinquenta anos de história europeia, numa espécie de texto único que os substituísse, este mais perceptível e acessível. No entanto, a Constituição Europeia viria a ser vítima da sua própria fórmula de realização: os cidadãos europeus acabaram por chumbar o projecto, apesar da representação de vários agentes da sociedade civil na Convenção que preparou o documento. No decorrer do processo de ratificação, obrigatório em todos os Estados-Membros quer por via parlamentar, quer por via referendo, sob pena que não entre em vigor, 18 países haviam já ratificado a Constituição quando, na França e Países Baixos, em Maio e em Junho de 2005, respectivamente, os referendos são chumbados. Reflexo do rumo político dos próprios países ou de um parecer negativo ao próprio projecto de Constituição, a verdade é que os chumbos de dois dos países fundadores da 21 União Europeia: um projecto em construção CECA se revelaram incomportáveis. Foi instituído um período de reflexão que vigorou até meados de 2007. Apesar de prevista igualmente para 2004 com os 10 mais recentes Estados-Membros, a adesão da Bulgária e Roménia não seria então realizada, uma vez que os critérios de adesão não haviam sido totalmente cumpridos. Acabaram por integrar a União a 1 de Janeiro de 2007 e reforçaram a necessidade de reformar o mecanismo institucional da UE, mal preparado para funcionar a 27. Actualmente, prevê-se a adesão de outros países cujo estatuto é já de candidatos oficiais: a Turquia, já referida, numa perspectiva de adesão a longo-prazo, a Antiga República Jugoslava da Macedónia e a Croácia, a curto-prazo. Igualmente vocacionados para uma adesão ao espaço comunitário, encontram-se os países dos Balcãs como a Bósnia e Herzegovina, a Sérvia, o Montenegro, a Albânia e o Kosovo14. O denominador comum a qualquer adesão à UE é o cumprimento dos chamados Critérios de Copenhaga, critérios de adesão que deverão ser integralmente cumpridos antes de ser dada luz verde à entrada na UE. A sua designação deve-se ao facto de terem sido acordados pelos 12 em 1993, no Conselho Europeu de Copenhaga, incluídos no Tratado de Maastricht que entrara em vigor em Novembro do mesmo ano, e posteriormente reforçados em 1995. Assim, e para aderir à UE, os critérios a cumprir são os seguintes: o critério político: existência de instituições estáveis que garantam a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem, o respeito pelas minorias e a sua protecção; o critério económico: existência de uma economia de mercado que funcione efectivamente e capacidade de fazer face às forças de mercado e à concorrência da União; o critério do acervo comunitário: capacidade para assumir as obrigações decorrentes da adesão, incluindo a adesão aos objectivos de união política, económica e monetária.15 Devem igualmente dispor de uma administração pública capaz de aplicar e de administrar na prática a legislação comunitária.16 Cabe à UE, portanto, avaliar e decidir o momento oportuno de adesão assim que um país candidato cumpra estes critérios. Uma vez acordado o tratado de adesão, este deve ser ratificado 14 Até data da presente investigação, o Kosovo havia declarado unilateralmente a sua independência face à Sérvia em Fevereiro de 2008 e é actualmente reconhecido como república soberana por vários outros países. No entanto, a Organização das Nações Unidas (ONU) encontra-se dividida na definição do seu estatuto. A UE não tomou, até presente data, qualquer posição oficial conjunta dos seus Estados-Membros; alguns dos seus países firmaram a sua posição individualmente. 15 Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Critérios de Adesão», http://europa.eu/scadplus/glossary/accession_criteria_copenhague_pt.htm, em 01-12-2008. 16 Jargão comunitário do sítio oficial da União Europeia, «Critérios de Copenhaga», http://europa.eu/abc/eurojargon/index_pt.htm, em 01-12-2008. 22 União Europeia: um projecto em construção pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais de todos os Estados-Membros, assim como do país candidato. A UE não fecha as portas do seu espaço democrático e qualquer país é livre de procurar integrar o projecto europeu.17 Porém, dúvidas surgem sobre até que ponto poderá a UE alargar-se e se será sustentável um funcionamento alargado, sob o risco que o relacionamento entre os países seja influenciado pela existência de forças centrífugas no próprio seio da UE, e na questão sobre quais são, efectivamente, os limites geográficos do continente europeu. A própria aceitação da Turquia como país candidato foi alvo de debate, devido à sua qualidade de país euro-asiático, entre outras questões18. A voz crítica de João Cravinho num artigo do jornal Diário de Notícias, datado de 17 de Maio de 2003, relembra que é tempo de fazer uma pausa a 27 Estados-Membros. Para assentar em bases realistas e eficazes a sua capacidade de agir a favor da paz, da prosperidade e da solidariedade da Europa. (…) Mais alargamento para além de 27 será provavelmente menos União (citado em Cavaco, 2004: 17). E acrescenta, não basta teorizar os futuros alargamentos a partir da discussão de temas como a ausência dos valores europeus, quem poderá partilhar deles e como estabelecer a sua tradução concreta para efeitos de novas adesões (…), sem esquecer as condições necessárias à construção de uma União Europeia politicamente governável segundo modelos que combinem legitimação democrática e eficiência da partilha de soberania (Idem, 2004: 55), relembrando a necessidade de acompanhar o alargamento da União com um aprofundamento no seu funcionamento interno. Paralelamente, a UE desenvolve outras políticas com os países vizinhos que não procurem a adesão a curto-prazo, no sentido de estabelecer um bom relacionamento com os mesmos e, numa relação próxima e privilegiada, difundir os benefícios do alargamento e os ideais democráticos da União. A Política Europeia de Vizinhança (PEV) foi desenvolvida desde 2003, antevendo o grande alargamento de 2004, estabelecida com países vizinhos da Europa do Leste, do Sul do Mediterrâneo e do Cáucaso Meridional. Procura reforçar a estabilidade, a segurança e o bem-estar de todos. Baseia-se em valores comuns: democracia, direitos humanos, Estado de direito, 17 Marrocos apresentou a sua candidatura de adesão à UE no ano de 1987. No entanto, foi recusada uma vez que não preenchia o requisito geográfico de pertença ao continente europeu. 18 A adesão da Turquia encontra reticências pelo facto de se tratar de um Estado fortemente povoado (cerca de 70 milhões de habitantes), logo grande “consumidor” dos fundos da UE, por ser um país muçulmano, e onde nem sempre os direitos humanos são respeitados, entre outros. 23 União Europeia: um projecto em construção boa governação, economia de mercado e desenvolvimento sustentável19, entre países como a Argélia, Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Egipto, Geórgia, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia, Moldávia, Marrocos, Territórios Palestinianos Ocupados, Síria, Tunísia e Ucrânia. Essenciais para a PEV são os planos de acção PEV bilaterais acordados entre a UE e cada país parceiro, que estabelecem prioridades para as reformas políticas e económicas a curto e médio prazo (Fontaine, 2007: 15). Com a Rússia, apesar de ser igualmente um vizinho europeu, optou-se pelo estabelecimento de uma Parceria Estratégica assente em questões económicas, cooperação em matéria de investigação e educação, e segurança interna e externa. 1.5 O futuro da União – que caminho? Uma perspectiva de contínuos alargamentos sem que sejam tomadas as necessárias providências administrativas e jurídicas no seio da União é, efectivamente, incomportável. Não se pode esquecer que o Tratado de Nice foi delineado tendo em conta o funcionamento da UE com o máximo de 27 Estados-Membros, correspondente à actual situação, e, caso exceda os trinta países sem a necessária reforma institucional, os processos de tomada de decisões teriam de ser profundamente revistos para evitar a paralisia e permitir que a UE mantivesse capacidade de acção (Idem, Ibidem). Após o impasse político e institucional em que a Europa mergulhou com o chumbo da Constituição nos referendos populares realizados na França e na Holanda, a fase de reflexão veio dar lugar, em 2007, a um novo impulso por parte dos dirigentes europeus. No Conselho Europeu de 21 e 22 de Junho de 2007, foi decidida a convocação de uma CIG, que decorreu em Outubro do mesmo ano, com vista a redigir um novo tratado para a União. De comum acordo era a noção de que à Europa cabe um papel determinante na ordem mundial e os desafios globais multiplicam-se rapidamente, sendo igualmente necessário adaptar as regras de funcionamento de uma comunidade alargada, pelo que se revelou essencial sair do impasse e sentimento geral de indiferença, pela parte dos cidadãos, face ao futuro europeu. É neste contexto que se optou pela formulação de um tratado reformador, assente na fórmula jurídica de aditamento, característica dos anteriores tratados, isto é, complementa os outros tratados e não os substitui. Da defunta Constituição Europeia retirou-se grande parte dos conteúdos que vieram a integrar o Tratado Reformador, assinado em Lisboa a 13 de 19 Jargão comunitário do sítio oficial da União Europeia, http://europa.eu/abc/eurojargon/index_pt.htm, em 01-12-2008. «Política de Vizinhança», 24 União Europeia: um projecto em construção Dezembro de 2007, após intensas negociações. Para que o Tratado de Lisboa não surgisse como cópia disfarçada da malograda Constituição, sob pena de inviabilizar a sua aceitação, o Tratado procurou omitir referências de carácter constitucional, por exemplo na terminologia (substituição do termo Constituição, manutenção dos termos regulamentos e directivas em detrimento dos termos leis e leis-quadro). A menção aos símbolos europeus foi igualmente retirada, de modo a não deixar subentendidas possíveis intenções de cariz federal.20 O Tratado de Lisboa tem como principais objectivos: tornar a UE mais eficiente, democrática e transparente em termos institucionais; com maior capacidade de intervenção política uma vez que passa a ser uma entidade única, isto é, dotada de personalidade jurídica; mais próxima dos seus cidadãos e ver fortalecidos, junto dos mesmos, os valores que a regem; reforçar os instrumentos de política externa, de modo a responder eficazmente aos desafios globais que se colocam neste início de século. Procura igualmente distinguir claramente quais as suas competências (exclusivas, partilhadas, complementares), clarificando assim os domínios sobre os quais a UE poderá legislar. Altera ainda algumas das regras de votação para que o processo de tomada de decisão, numa União aberta a futuras adesões, seja acelerado, nomeadamente através do acréscimo de domínios que exigem votação por maioria qualificada em vez da unanimidade, que poderia bloquear a dinâmica europeia. Para a entrada em vigor de qualquer tratado europeu é necessária a sua ratificação em todos os Estados-Membros, via parlamentar ou referendária. O Tratado de Lisboa iniciou o seu processo de ratificação no ano de 2008. Receando uma repetição do falhanço do projecto de Constituição Europeia, decidiu-se entre os Estados-Membros uma ratificação por via parlamentar. À Irlanda coube uma ratificação via referendo, uma vez que a sua Constituição determina que qualquer tratado internacional seja submetido a uma consulta popular. Contra as expectativas iniciais, o não irlandês contou com 53,4 por cento dos votos contra 46,6, o que veio contrariar as aspirações dos governantes europeus de que, desta feita, a Europa não vivesse novo revés. Até ao desaire irlandês, 18 países haviam já ratificado o documento. A posição oficial da UE até presente data foi a de fazer cumprir o processo de ratificação do Tratado nos restantes Estados-Membros, com a esperança de que o saldo final se traduza em vinte e seis ratificações e o impasse causado pelo chumbo da Irlanda seja contornado de modo 20 Entenda-se como símbolos europeus a bandeira europeia, a hino europeu e a moeda europeia Euro, o lema Unida na Diversidade e o Dia da Europa (dia 9 de Maio). 25 União Europeia: um projecto em construção colectivo. Se o Tratado de Lisboa surgiu como plano B após o fracasso da Constituição, será plausível o surgimento de um plano C? Não terá fracassado esta consulta popular porque o próprio Tratado retoma a Constituição Europeia, sendo portanto, em termos simbólicos, o terceiro chumbo após a França e Países Baixos? Haverá como contornar a obrigatória consulta popular irlandesa? A UE agendou novo referendo na Irlanda até ao mês de Novembro de 2009 (Lisboa II). Procurou-se contornar este impasse de forma menos drástica do que se sucedeu com a Constituição Europeia, optando por manter o Tratado de Lisboa vivo. A solução proposta foi a da repetição de referendo, que, aliás, não é novidade na história da UE: já em 1992 a Dinamarca chumbara o Tratado de Maastricht, e a repetente Irlanda, em 2001, o Tratado de Nice, obrigando em ambos casos à realização de novo referendo, os quais permitiram a ratificação dos tratados. Retomaremos o estudo dos referendos europeus no capítulo seguinte deste estudo. Desconhece-se quando irá, enfim, a União funcionar de acordo com as devidas reformas institucionais almejadas desde 2001 com o Tratado de Nice, este último ainda hoje em vigor. A tomada de um novo passo na história europeia, qualquer que este seja, dependerá do referendo irlandês de 2009. 1.5.1 As políticas da União Europeia e os futuros desafios É certo o estatuto da UE como organização bem-sucedida e exemplo de boas práticas. Como afirmou Giddens, aquando de uma obra de reflexão sobre o fenómeno da globalização, vejo nela [na UE] uma fórmula que pode, e é muito possível que isso aconteça, também servir de modelo para outras regiões [como de facto acontece, actualmente, com organizações como Mercosul ou União Africana, se bem que funcionando sob outro tipo de estruturas e filosofia]. O mais importante na UE não é o facto de estar localizada na Europa, é a sua condição de pioneira de uma fórmula de governação transnacional (2002: 79). Para uma definição mais dissecada da sua fórmula de sucesso, a UE é então um projecto evolutivo, não estático, não fixado à priori: passagem da Europa dos povos, das pátrias, das nações, dos estados, dos impérios e das lutas fratricidas a uma comunidade de estados de equilíbrios dinâmicos, capaz de evitar conflitos e de promover a paz e o progresso, no pleno respeito dos valores europeus universais, dos direitos do homem, democracia e liberdade, e no da igualdade de direitos dos estados intervenientes (Cavaco, 2004: 12). 26 União Europeia: um projecto em construção Actualmente, a União Europeia conta com 27 Estados-Membros e 23 línguas oficiais, uma população de 492,7 milhões de habitantes, uma área geográfica de 4.308.217 km2, e uma zona-euro de 16 países. A Europa nasceu de uma vontade e perdura por necessidade. Segundo Fontaine (1995: 15), quando a UE privilegiava a realização do mercado único, imersa em novas ambições e desafios como a UEM, e no objectivo de alcançar melhores condições de vida para os seus cidadãos. Desde cedo que a tendência tem sido de desenvolvimento da sua componente política apoiando-se nas conquistas económicas; através do estabelecimento de políticas comuns entre os Estados-Membros e enquanto pioneira na divulgação e adopção das boas práticas a estas associadas, a UE procura assumir-se, politicamente, a uma só voz aos mais diversos níveis. Prova disso é, precisamente, o alargamento de competências aquando da afirmação dos segundo e terceiro pilares do Tratado de Maastricht. Desde então, subsiste o desejo de contrariar a ideia amplamente difundida de que à UE corresponde um gigante económico, e um anão político, e que apenas se preocupa com os seus egoísmos nacionais. Efectivamente, desde o surgimento do projecto de construção europeia que os processos de aprofundamento e de alargamento a vários países procuram entrecruzar-se, numa perspectiva de complementaridade e constante aperfeiçoamento. A UE desenvolveu o seu espectro de acção em redor de variadas políticas e actividades, cujo âmbito evoluiu ao longo de várias fases, consoante as ambições de aprofundamento do seu projecto. Meio século de integração europeia demonstrou claramente que a União como um todo é maior do que a soma das suas partes: tem um peso económico, social, tecnológico, comercial e político muito maior do que se os Estados-Membros tivessem de agir individualmente (Fontaine, 2007: 6). Houve, no entanto, a necessidade de definir os limites dos poderes e responsabilidades da UE em relação aos Estados-Membros nos vários campos de actuação. A repartição de competências assenta em três campos, segundo o Tratado de Lisboa, que introduz uma classificação geral do tipo de competências e consagra novas políticas: i) Competência exclusiva: compete apenas à União Europeia intervir e legislar, como se sucede em domínios como a política comercial comum, política de concorrência, união aduaneira, política monetária; ii) Competência de apoio, de coordenação ou de complemento: a UE absteve-se de forma irrevogável de qualquer possibilidade de acção, cabendo-lhes apenas o 27 União Europeia: um projecto em construção apoio à acção individual do Estado-Membro através de, por exemplo, auxílios financeiros, tal como acontece na indústria, cultura, educação21, turismo, juventude e desporto, protecção civil, (…); iii) Competência partilhada: a UE e os Estados-Membros podem legislar com base no respeito pelo princípio da subsidiariedade; os Estados-Membros não poderão pôr em causa as políticas comuns, como sendo agricultura e pescas, domínios dos transportes, ambiente, protecção dos consumidores, política social, coesão económica social e territorial e mercado interno, energia e investigação científica, entre outras. Neste sistema de definição de competências, é de salientar o destaque conferido aos princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade22, como resposta aos receios de federalismo da União. Aquando do estabelecimento dos objectivos iniciais do projecto europeu, o leque de competências das Comunidades abarcava domínios de cooperação económica, nomeadamente no foro agrícola através da PAC, que consumia cerca de metade do orçamento, e na construção de um mercado interno comum; presentemente, a UE é a actual maior potência comercial do mundo e dedica-se a muitas outras áreas fora do âmbito puramente económico, com influência directa e perceptível no quotidiano dos cidadãos europeus, como sendo: políticas de solidariedade entre os Estados e a atribuição de fundos estruturais e de coesão; políticas de ambiente e energia; apoio à investigação e ao desenvolvimento através de políticas de inovação; promoção de igualdade de oportunidades e emprego; conciliadora do imperativo do crescimento e de competitividade com os objectivos de coesão social e de desenvolvimento sustentável; criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça para todos; exportadora de paz e estabilidade e porta-voz dos valores democráticos e humanistas; o maior organismo mundial dador de ajuda humanitária e acérrimo defensor da protecção dos direitos do Homem; concessão de direitos aos consumidores através de políticas específicas para o efeito, num contexto de mercado único sucessivamente alargado; entre outros. 21 As políticas de educação, objecto de análise da presente investigação, incluem-se no campo de competências exclusivas de cada Estado-Membro, como se irá verificar em posterior análise exaustiva. 22 A actuação das instituições deve limitar-se ao que é necessário para atingir os objectivos dos tratados; (…) quando a União dispuser de vários modos de intervenção de igual eficácia, deve escolher aquele que permita maior liberdade aos Estados-Membros e aos particulares (Glossário do sítio oficial da União Europeia, «Proporcionalidade», http://europa.eu/scadplus/glossary/proportionality_pt.htm, em 01-12-2008). 28 União Europeia: um projecto em construção Para financiar as suas próprias políticas, a UE dispõe do seu orçamento anual, suportado pelos chamados recursos próprios da UE, auferidos principalmente através de direitos aduaneiros cobrados sobre os produtos importados do exterior (…); uma percentagem do imposto sobre o valor acrescentado cobrado sobre bens e serviços no conjunto da UE; contribuições dos Estados-Membros consoante a respectiva riqueza (Fontaine, 2007: 6). O orçamento não poderá exceder um montante equivalente a 1,24% do rendimento nacional bruto do conjunto dos Estados-Membros (Idem, Ibidem). Cabe à UE de hoje catapultar para o mundo os seus valores cientes da riqueza das suas conquistas irrevogáveis, pois se o mundo tivesse de convergir para uma civilização comum, esta civilização deveria certamente muito às ideias que surgiram na Europa e às experiências realizadas neste continente desde há alguns séculos (Rémond, 1994: 450). E a UE seria decerto uma dessas experiências bem sucedidas e fonte inspiradora de outros povos. E mais se acrescenta: é óbvio que a Europa deve alimentar-se a força das suas diferenças, fontes de confronto que podem e devem ser (re)construídas, pois são elementos de criatividade, de dinâmica, de solidariedade crescente – económica, política e cultural – com os seus mais próximos vizinhos e mais distantes interlocutores. Não residirá nisto uma das suas forças? Não será isso mesmo uma das suas seduções? (Ribeiro, 2003: 79). Cabe à UE de hoje, com a mesma perseverança e credibilidade dos seus fundadores e baseada nos valores democráticos europeus, enfrentar os desafios do século XXI: a questão da dependência energética e da necessidade de aposta nas energias renováveis, crises económicas e financeiras, as alterações climáticas e protecção do meio ambiente, a política externa e o combate ao fenómeno recente do terrorismo no mundo globalizado, o envelhecimento demográfico do continente, com repercussões directas na questão da mão-de-obra e o eventual surgimento de uma política comum de imigração (ou de importação de trabalhadores), e outros inerentes à mecânica institucional comunitária, como auxílio a regiões menos desenvolvidas no sentido de manter os níveis de coesão e equilíbrio no espaço europeu, resolução da divisão geográfica e política da ilha de Chipre23, lidar com os próximos alargamentos e 23 Actualmente, a ilha de Chipre encontra-se dividida entre o terço norte, ocupado pela auto-denominada República Turca de Chipre do Norte desde 1974 e reconhecida apenas pela Turquia, e pela a parte sul grego-cipriota. A capital, Nicósia, é partilhada por ambos estados, actualmente separados pela chamada Linha Verde, sob responsabilidade das Nações Unidas. Em 2008 foram tomados passos no sentido de unificar a ilha através da demolição de um muro que dividia numa determinada rua, desde há décadas, ambas zonas. Em curso está um plano de reunificação apoiado pelas Nações Unidas e, recentemente, a UE assumiu que esta é uma questão prioritária na sua agenda política. 29 União Europeia: um projecto em construção extensão das suas fronteiras políticas, estas quiçá de acordo com as suas fronteiras geográficas, com especial destaque para a questão da Turquia, e, acima de tudo, aproximar os cidadãos da UE à sua realidade e fazê-los participar na mesma. Ir-se-á, nos seguintes capítulos, avaliar a evolução das políticas de educação no âmbito comunitário, e de que forma as mesmas poderão ou não contribuir para a formação de uma consciência europeia nos cidadãos da UE e incentivar a sua participação no processo de integração europeia. 30 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia 2. O EUROCIDADÃO E A COMPREENSÃO DA UNIÃO EUROPEIA No cerne do surgimento da UE, encontrava-se a necessidade de proporcionar bem-estar aos povos europeus num contexto de pós-guerra. Nós não coligamos estados, nós unimos as pessoas, afirmara então Jean Monnet, ciente da potencialidade do factor humano neste projecto. Porém, até aos dias de hoje essa preocupação poderá não parecer prioritária no campo de acção da UE, visto que, à partida, se poderá avaliar todo o seu percurso orientado para objectivos meramente económicos; no entanto, a UE, face a estas críticas, afirma que as realizações económicas ou políticas até hoje atingidas procuram incluir os cidadãos, na prática, como seu directo beneficiário, e reclama isso mesmo aquando da chamada dos europeus a processos de legitimação política democrática. 2.1. A Cidadania Europeia A afirmação da designação jurídica de Cidadania Europeia simbolizou um passo importante na procura de uma aproximação aos cidadãos europeus e na promoção da ideia de identidade europeia. Subjacente à noção defendida pela Comissão de que a prática de cidadania é um método de integração social que leva os cidadãos a adquirir em conjunto a experiência necessária para se tornarem autores e actores da própria vida (1999: 11), a UE evidenciou uma forte ambição de avanço na esfera política ao dedicar-se à implementação da cidadania europeia. A concessão de benefícios especiais aos habitantes do espaço europeu, pelo facto de serem cidadãos dos Estados-Membros pertencentes à UE, foi instituída formalmente em 1992, aquando do Tratado de Maastricht, e posteriormente complementada, por aditamento, pelo Tratado de Amesterdão. A noção de cidadania europeia foi inserida no artigo 49.º que estabelece que é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui, tendo esta última afirmação um pendor especialmente cuidadoso face a possíveis acusações de perda de identidade nacional com a afirmação de uma cidadania comum europeia. Aliás, de acordo com esta concepção de complementaridade pretende-se que o indivíduo, em jeito de desafio, se sinta cidadão da Europa, longe de qualquer tensão entre local e global, de modo gradual e sem descurar as suas raízes. Já Sócrates afirmava tal desejo no século V a.C., ao 31 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia proferir a célebre citação Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo. Ao cidadão são assistidos direitos como o da livre circulação e mobilidade em todo o espaço europeu (Schengen), de residência, estudo e trabalho em qualquer país da UE; direito de eleger e ser eleito nas eleições autárquicas e nas eleições para o Parlamento Europeu24 no Estado-Membro onde resida o cidadão; direito à informação e transparência no acesso aos documentos oficiais das instituições comunitárias; direito à protecção diplomática e consular em países terceiros; o direito de petição ao Parlamento Europeu e acesso ao Provedor de Justiça Europeu. A par de uma cidadania de direitos, a cidadania dos deveres é parte essencial das ferramentas para propiciar uma Europa revitalizada na generosidade, no altruísmo, no serviço e na capacidade colectiva de animar um projecto comum (Carneiro, 1997: 14). A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (CDF) é o passo mais promissor na assunção do compromisso da cidadania europeia. Proclamada solenemente no Conselho Europeu de Nice em 2000, não tem, desde então, força jurídica vinculativa. A Constituição Europeia procurou integrar a CDF e o Tratado de Lisboa inclui a Carta como Anexo ao documento, conferindo-lhe, assim, um carácter jurídico obrigatório25. É um documento histórico e de acrescido significado, na medida em que pela primeira vez na história da UE foi compilado, num documento único, o conjunto dos direitos cívicos, políticos, económicos e sociais dos cidadãos europeus. Nos seus 54 artigos agrupados em sete capítulos, abordam-se as temáticas da dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. Com o surgimento deste documento inovador acresceram, assim as expectativas dos cidadãos no que respeita a direitos, liberdades e garantias. A opinião de José Barros Moura, expressa num debate na Assembleia da República comemorativo do Dia da Europa de 2001, é a de que pelo conteúdo, pelo significado político e pelo método de elaboração, a CDF merece defesa como um instrumento doravante indispensável para a legitimação ético-política de uma União que deve claramente assumir-se perante os cidadãos como uma União Política, como um projecto de democracia, de solidariedade, de desenvolvimento económico e social, e de paz (Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, 2002: 20). Subsiste a acusação ou receio de que a integração europeia, num cenário de fronteiras abolidas, livre circulação e comércio e onde se respira uma assumida 24 25 As próximas eleições para o Parlamento Europeu terão lugar em Junho de 2009. Devido a diferentes motivos, o Reino Unido e a Polónia optaram por não adoptar a CDF. 32 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia cidadania europeia, poderá aspirar a uma crescente homogeneização do espaço cultural e identitário europeu, no qual se diluam as línguas, tradições e desígnios próprios dos vários Estados-Membros. Contrariamente, a UE tem e terá sempre fronteiras, apesar das pretensões universalistas da sua cultura! (Cavaco, 2004: 16), e defende o que proferiu Victor Hugo em 1849, na sua célebre Declaração: para a realização da nossa ideia não é mister destruir as nacionalidades, nem tão pouco enfraquecer o patriotismo. Privilegiar a diversidade é o próprio factor de riqueza da Europa. Quem não vê que, para lá das incontestáveis diferenças que a marcam, transparecem os pontos comuns, os elementos de aproximação, linhas de força essenciais que basta pôr em relevo para que brilhem (Berstein et al., 2007: 442). De facto, num mundo cada vez mais interdependente, a UE defende a partilha de conhecimentos e a cooperação numa perspectiva de unidade, considerando a multiplicidade de características próprias de cada país como mais-valias. Exemplo disso é o próprio lema simbólico da União Europeia, Unida na Diversidade. A eclosão e sedimentação do conceito de cidadania europeia procuram fazer jus a toda uma série de valores que, durante o fluir dos séculos, foram construindo o património comum identitário europeu. A noção puramente legal de cidadão europeu, no âmbito dos direitos jurídicos e sociais que dela advêm, pretende assim abarcar outras interpretações fundamentadas na cultura, numa base mais ampla, na nossa opinião, rumo à construção de um eurocidadão. Assim, e de acordo com a posição da Comissão Europeia num relatório de 1997 sobre a cidadania, a cidadania europeia é sobretudo uma ideia humanista que consiste em construir uma grande Europa, caracterizada por diferenças culturais, diferentes concepções económicas, realidades naturais diferentes, mas unida pelo sentimento de pertencer a uma civilização comum. É a partir de uma cultura democrática partilhada que os Europeus se reconhecerão como seus cidadãos. (citado em Roldão, 1999:14). 2.2 Os referendos e a legitimação da construção europeia O recente episódio do chumbo à ratificação do Tratado de Lisboa, causado pelo referendo irlandês, bloqueou o avanço institucional e político ansiado pelos governantes europeus. O futuro de cerca de 500 milhões de habitantes foi condicionado por um único referendo, representativo de cerca de 3 milhões de irlandeses. O chumbo irlandês exigiu a realização de estudos para que se apurassem as possíveis causas do desaire. 33 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia Em Paris, a 21 e 22 de Novembro de 2008, foi apresentada uma súmula dos resultados dos estudos realizados a propósito do referendo de 200826, numa conferência comemorativa dos 35 anos do Eurobarómetro. O Eurobarómetro, fundado em 1973 e ainda hoje activo, é um serviço da Comissão Europeia que, com base em sondagens e estudos de opinião, analisa as tendências da opinião pública em todos os Estados-Membros e nos países candidatos à UE27. Com base em diversos resultados de Eurobarómetros, e tendo como ponto de partida o intenso debate suscitado pelo “não” irlandês ao Tratado de Lisboa, os oradores questionaram-se: se os resultados de variados inquéritos denunciam uma boa ligação à UE, por que motivo se insiste em bloquear os avanços institucionais, dizendo “não” aos referendos? E como travar a crescente abstenção nas votações europeias? 2.2.1 Chumbar a integração europeia O impasse ditado por chumbos em referendos não é novidade na história da UE, mas dúvidas subsistem se as lições do passado foram aprendidas. Tal como anteriormente mencionado, em 1992, aquando da ratificação do Tratado de Maastricht, a UE conheceu outro revés no percurso dos referendos. A Dinamarca votou não, 50,7% contra 49,3%, e países como a Alemanha e a França encontraram-se profundamente divididos no caminho a escolher para Maastricht. O sim acabou por vencer nestes dois países, e a vitória à tangente de 51% originou a expressão petit oui para designar o resultado francês. A alternativa proposta à Dinamarca foi de efectuar novo referendo, após uma intensa campanha informativa. Em 1993 a Dinamarca aprovava o documento com uma votação positiva de 56,7% face a 43,3 %, dando luz verde para que vigorasse o Tratado de Maastricht numa Comunidade de 12 países a partir de então denominada União Europeia. A repetente Irlanda, por seu turno, já em 2001 negara a ratificação do Tratado de Nice (Nice I), sob a obrigação constitucional de ratificar qualquer tratado internacional via referendo. O resultado negativo, apesar de pouco significativo (54%), obrigou a que se repensasse numa fórmula de aceitação do Tratado, que culminou na repetição do referendo (Nice II) em 2002. Um mais expressivo sim (63% contra 37%) possibilitou a 26 Alguns dos estudos e documentos apresentados na conferência poderão ser consultados em: https://www.eurobarometer-conference2008.ec.europa.eu/speechesandpresentations.0.html, em 16-01-2009. 27 Do papel dos Eurobarómetros e seu impacto na avaliação da consciência europeia entre os cidadãos, falar-se-á no seguinte capítulo. 34 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia entrada em vigor do Tratado. Após diversos Eurobarómetros e outros estudos de opinião, apurou-se que o falhanço de Nice I se prendeu com a falta de informação e compreensão sobre o mesmo. Grande percentagem dos cidadãos irlandeses que optou por não votar, e a que votou não, fê-lo por desconhecer em absoluto do que estava em causa na votação. Terá sido a campanha informativa insuficiente, terá a falta de interesse dos cidadãos minado o sucesso da aprovação de Nice I? Na opinião do Professor na University College Dublin, perito em opinião pública e integração europeias, Richard Sinnott, a sociedade acabou por aprender de que se tratava o Tratado com este episódio28. Embora de um modo que implicou elevados custos, o não permitiu aprofundar o diálogo, ainda que a curto-prazo, e dissecar o que estava em causa no tratado e na votação. Houve maior compreensão entre os cidadãos de como funciona a UE, e de como esta poderia funcionar após entrada em curso das modificações propostas. Já para o duplo chumbo da Constituição Europeia, apontam-se como justificações, segundo Juan-Díez-Nicolás, da Universidade Complutense de Madrid, internal national problems, either social and/or economic (France) or concern about losing national identity or about an expensive European bureaucracy (the Netherlands).29 Adicionalmente, o Eurobarómetro e outros instrumentos de sondagem de opinião revelaram que lack of information is one of the reasons mentioned for not voting or for having voted against the Constitution.30 A propósito do Tratado de Lisboa, e em jeito de repetição das razões para o insucesso de Dinamarca 1992, Nice 2001, França e Países Baixos 2005, destacou-se, sem surpresas, que o resultado irlandês pode ser resposta a muitas outras questões não colocadas. Ao votar, o cidadão poderá exprimir a sua posição face a questões internas do próprio Estado-Membro, desviando o interesse do referendo europeu para questões nacionais. Certos oradores salientaram ainda que, com base nas sondagens de opinião levadas a cabo, uma fatia dos inquiridos poderá, por seu turno, ter votado em plena consciência, informada das implicações do Tratado de Lisboa para a Europa e, quiçá, porta-voz dos outros cidadãos europeus que não tiveram oportunidade de se fazer ouvir 28 Anotações retiradas do discurso de Richard Sinnot na Conferência de Paris a 21 de Novembro de 2008. Discurso de Juan-Díez-Nicolás na Conferência supracitada, retirado de https://www.eurobarometerconference2008.ec.europa.eu/fileadmin/Content/Downloads/PDF/presentations/en/Speech_Juan-DiezNicolas_EN.pdf, em 16-01-2009. 30 Idem, Ibidem. 29 35 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia via referendo. Segundo Jean-Pierre Jouyet, Secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus, as diversas campanhas do não poderão ter influenciado os eleitores, quer no sentido de os informar, quer no de desinformar, pois apresentavam um plano alternativo a todos os que acusassem desconhecer de que se tratava, afinal, o Tratado. Se não sabe, vote Não, foi esta a posição de muitas campanhas a favor do não. A maioria dos movimentos não consistiu em grupos eurocépticos31 dispostos a comprometer o projecto europeu, e ainda outros movimentos irlandeses acabaram por ser acusados de demagogia populista na concretização dos objectivos da sua campanha. Levantando uma outra questão que extrapola o objectivo do nosso estudo, mas decerto a reflectir, Jouyet afirmou ainda que o financiamento das campanhas é incerto – de onde provêm, afinal os fundos para os apoios ao sim e ao não? Por outro lado, e na grande maioria de opiniões expressas na conferência, senão mesmo na sua unanimidade, os oradores apontaram o factor falta de informação sobre a UE e sobre o Tratado a maior causa do desaire irlandês. Com efeito, o Tratado de Lisboa encerra em si uma complexidade tal que acaba por se tornar inacessível à grande maioria dos cidadãos europeus. São cerca de 400 páginas de disposições jurídicas que os cidadãos dificilmente poderão ler, e até compreender, para, posteriormente, decidir num referendo se concordam ou não com o rumo da Europa e com o Tratado propriamente dito. A legislação europeia é confusa e com uma linguagem extremamente complexa. Os cidadãos acabam, regra geral, por se desinteressar por algo que desconhecem e se torna difícil de compreender. Apenas uma elite intelectual poderá entender e descodificar um tratado da UE, logo, considerar-se conhecedora de um documento sujeito à consulta popular, e apta para a sua aprovação. Every piece of EU’s legislation should have a citizen-friendly version attached, nas palavras de Dick Roche, Secretário de Estado irlandês dos Assuntos Europeus32. É portanto natural que, no caso de uma aprovação via parlamentar, os cidadãos confiem nos seus líderes políticos. Porém, uma questão prática foi levantada por Juan-Díez-Nicolás. Ora e terão lido, esses mesmos cidadãos, as constituições nacionais dos seus próprios países? Crê-se, portanto, que as razões para a falta de mobilização para os assuntos europeus, contrariamente para os nacionais, extrapolem a necessidade de uma mera leitura dos documentos oficiais da UE. São outras as motivações causadoras da fraca mobilização em torno da realidade 31 Termo é frequentemente utilizado para designar uma pessoa hostil à integração europeia e céptica relativamente à União Europeia e aos seus objectivos (Jargão comunitário do sítio oficial da União Europeia, «Eurocéptico», http://europa.eu/abc/eurojargon/index_pt.htm, em 1-12-2008). 32 Anotações retiradas do discurso de Dick Roche na Conferência de Paris a 21 de Novembro de 2008. 36 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia europeia, também sentida pela crescente e elevada abstenção, particularmente evidente na camada mais jovem da população. Impõem-se questões, até certo ponto, irónicas: será que toda a vez que os políticos europeus se deparem com opiniões divergentes às suas propostas, nomeadamente no caso dos referendos negativos, ir-se-á contornar a situação repetindo os referendos até que estes sejam, finalmente aceites? Assistiremos a uma sequência de referendos, marcados por acérrimas campanhas de informação, nem sempre bem conduzidas, até que a vontade dos cidadãos corresponda à vontade política? Haverá uma terceira consulta popular se Lisboa II falhar, ou uma reforma do Tratado de Lisboa, já de si apelidado Tratado Reformador, entenda-se, da Constituição Europeia? 2.2.2. As consequências dos referendos europeus O resultado do referendo Irlandês tomou proporções de referendo europeu, e não apenas nacional. Em 27 Estados-Membros, a Irlanda foi o único país a referendar o destino na UE, e toda a Europa desviou as atenções para tão simbólico acto eleitoral. Os resultados acabaram por expressar muito do que se passa na opinião pública europeia, no grau de identificação com as políticas europeias e, acima de tudo, com o que os cidadãos conhecem acerca das mesmas. Segundo Sinnott, são em ocasiões como a da realização de referendos, ou de eleições para o PE, que a Europa mais fala da importância crucial da informação e comunicação, do interesse maior de chegar aos cidadãos e de torná-los parte da construção europeia. Os canais de comunicação desempenham, portanto, um papel determinante, na medida que chegam eficaz e explicitamente a um maior número de cidadãos. Na ratificação de Nice II, verificou-se um elevado investimento nas campanhas de informação nos media. Segundo estudos de Sinnott, o investimento na disseminação de informação sobre os Tratados, foi menor na ocasião de Nice I face ao Tratado de Lisboa. Não obstante, a informação sobre Nice II revelou-se ainda mais intensa face a Lisboa. Prevê-se que, para a votação de Lisboa II, a aposta na informação dos cidadãos ultrapasse qualquer investimento verificado na ocasião de Nice II. Nicole Fontaine, actual membro do PE e antiga Presidente do PE de 1999 a 2002, na mesma conferência, colocou as pertinentes questões: Será o referendo um acto político que aumenta o nível de ligação dos cidadãos à UE? E será prudente que se 37 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia referendem assuntos do foro político-institucional da UE?33 A realização de um referendo e as consequências que implica, é um assunto de enorme complexidade e que suscita diversas inquietações. Subsiste um receio paradoxal: ao procurar tornar os cidadãos parte legitimadora do poder da UE, ao efectuar referendos e tornar o PE elegível pela população europeia, estes poderão, por seu torno, comprometer os avanços institucionais da UE. De que servirá a votação de uma população inconsciente das suas decisões? Em jeito de chamada de atenção, Juan-Díez-Nicolás alerta que apesar das contrariedades decorrentes da realização de referendos e da abstenção, a solução não passa por desistir da consulta aos eleitores europeus e depender apenas das decisões dos políticos enquanto elite. No seu discurso, referiu que abandoning referenda would be the wrong answer, though many politicians and policy makers have reached that conclusion in view of the referenda outcomes. That answer would lead to an increasing divorce and lack of communication between elites and publics.34 E sugere: The right answer would be to increase communication, to explain policies better, to raise public interest and concern in European affairs, to stimulate participation not only through voting in elections, to open new channels for participation.35 Propõe-se a instituição de uma verdadeira governança europeia, assente numa abertura do processo de elaboração das políticas da União Europeia para que mais pessoas e mais organizações estejam envolvidas na sua concepção e realização, citando o Livro Branco sobre a governança europeia (Comissão, 2001: 71), lançado a 2001 em jeito de alerta face ao chumbo do referendo irlandês a Nice I. As instituições democráticas e os representantes do povo, a nível nacional e europeu, podem e devem ligar a Europa aos seus cidadãos (Idem, Ibidem). Só assim os cidadãos ficarão assim em melhores condições para compreender a forma como os Estados-Membros, actuando em conjunto na União, podem dar uma resposta mais eficaz às suas preocupações (Idem, Ibidem). Espera-se que a propósito das preparações para o referendo Lisboa II, sejam relembradas as lições retiradas dos anteriores casos aqui mencionados, assim como as indicações para uma governança europeia. Será urgente aumentar a comunicação entre 33 Anotações retiradas do discurso de Nicole Fontaine na Conferência de Paris a 21 de Novembro de 2008. 34 Discurso de Juan-Díez-Nicolás na Conferência de Paris a 21 de Novembro de 2008, retirado de https://www.eurobarometerconference2008.ec.europa.eu/fileadmin/Content/Downloads/PDF/presentations/en/Speech_Juan-DiezNicolas_EN.pdf, em 16-01-2009. 35 Idem. 38 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia as elites políticas e o público europeu, apostar numa linguagem clara e directa, assim como num discurso político focado em destacar os valores europeus e as aspirações conjuntas de uma comunidade unida. Uma campanha informativa eficaz, irá não só descodificar o documento em causa, mas também proporcionar uma melhor compreensão do que se trata, afinal a UE no seu todo. É pois, o cidadão, quem irá decidir o futuro da UE, em consciência, através de referendo. Será um erro menosprezar a importância desta questão. Trata-se da expressão e vontade dos cidadãos europeus, independentemente dos motivos que as fundamentaram. Urge sim compreender esses motivos, ir ao encontro das suas aspirações, e encontrar nos mesmos um aliado à construção europeia, ao invés de lhes voltar as costas e apostar em campanhas informativas sempre que um referendo se aproxima. In a democratic society, we cannot afford to march against the people, na opinião de Dick Roche36. As eleições continuam a ser fundamentais para manter e reforçar as democracias. De igual modo, os referendos poderão ser positivos no exercício da democracia na medida em que a sociedade e os media acabam por focar a sua atenção nos assuntos europeus e promover o seu debate, envolvendo os vários estratos da sociedade civil. Porém, levar a cabo um referendo é apenas recomendável quando existe, paralelamente, uma campanha informativa efectiva, na qual e através dos meios de comunicação, não é privilegiada apenas uma das partes em causa, mas sim uma cobertura igualitária e justa. É, portanto, fundamental entender a democracia e os seus mecanismos de decisão, mas também o papel dos meios de comunicação na democracia e a sua forma de actuação. Só assim poderá existir uma aposta na proliferação dos mecanismos de participação do cidadão na actualidade europeia. Corroborando das palavras de Sinnott, e em jeito de recomendação, é então necessário: – Permitir que os cidadãos conheçam e entendam de que se trata, afinal, a UE, e numa perspectiva de comunicação dos governantes e dos media com os cidadãos; – Realizar campanhas a longo-prazo, isto é, informar das implicações da UE numa perspectiva contínua, ao invés de campanhas massivas aquando da realização de actos eleitorais que impliquem a participação de cidadãos; – Discutir a questão da legitimidade da integração, e compreender até que ponto serão os referendos meios eficazes da legitimação da integração europeia; 36 Anotações retiradas do discurso de Dick Roche na Conferência de Paris a 21 de Novembro de 2008. 39 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia – E por fim, dar mais destaque ao papel do Eurobarómetro, seguidamente analisado, enquanto instrumento difusor da opinião pública dos cidadãos face à realidade europeia. 2.3 O Eurobarómetro e a opinião pública europeia Desde a década de 70 que o Eurobarómetro (EB) é uma valiosa ferramenta de averiguação das preocupações, necessidades e opiniões dos europeus. Em 1973 foi oficialmente instituído como organismo europeu e dedica-se, desde então, à medição do apoio dos cidadãos europeus à UE, às suas políticas e instituições, dos seus conhecimentos a esse respeito, e possibilita ainda que, entre os vários Estados-Membros, se percepcione melhor as diferentes realidades em áreas como ambiente, saúde, cultura, novas tecnologias, o euro e mercado único, etc. Uma vez que a posição dos cidadãos é reflectida em muitas das sondagens e inquéritos como que de uma avaliação se tratasse, a finalidade do EB passa também, e em grande medida, por auxiliar a tomada de decisões nas instituições europeias, na elaboração de políticas e dos mais variados documentos, e revela-se especialmente útil aquando da realização de eleições e referendos europeus, pelos motivos anteriormente descritos. Actualmente, as sondagens do EB cobrem os Estados-Membros da UE, os três países candidatos à adesão e a parte norte de Chipre não controlada pelo governo da República de Chipre. Ocasionalmente, as sondagens incluem três Estados-Membros da EFTA – Noruega, Suíça e Islândia – e, por vezes ainda, os Estados Unidos. Nas palavras de Claus Sørensen, Director Geral da Direcção Geral de Comunicação da Comissão Europeia, o Eurobarómetro is the most comprehensive comparative social survey on any continent, given the frequency, the size and the breadth of coverage. We make the results public to journalists, politicians, decision makers, students and academics, and our methods are open for scrutiny (European Commission, 2008a). O Eurobarómetro conta com diferentes tipos de metodologias, logo, diferentes tipos de sondagens37: – Eurobarómetro Standard: sondagens estabelecidas em 1973, baseadas em entrevistas cara-a-cara, cujos relatórios são publicados duas vezes por ano (EB de Primavera e EB de Outono). Até final de 2008 foram já realizados 70 relatórios; 37 Segundo o sítio oficial do Eurobarómetro http://ec.europa.eu/public_opinion/index_en.htm, em 16-01-2009. 40 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia – Eurobarómetro Especial: relatórios baseados em estudos temáticos profundos, levados a cabo por vários serviços da Comissão Europeia ou outra instituição da UE, posteriormente integrados nos EB standard; – Eurobarómetro Países Candidatos: conduzido entre 2001 e 2004 em todos os 13 países candidatos, na altura, à adesão; – Eurobarómetro Flash: entrevistas telefónicas, numa base ad hoc, sob pedido de um dos serviços da Comissão Europeia. Permite à Comissão obter resultados relativamente rápidos e analisar grupos-alvo específicos sempre que requisitado; – Estudo Qualitativo: investigação mais aprofundada das motivações, sentimentos e reacções de determinado grupo social, face a determinado assunto ou conceito. Este nosso estudo ir-se-á concentrar nas conclusões retiradas na Conferência de Paris em Novembro de 2008, anteriormente referida, sob o tema comemorativo do 35º Aniversário do Eurobarómetro: compreender a opinião pública europeia. Com base na publicação 35 Anos de Eurobarómetro – A integração europeia vista pela opinião pública nos Estados-Membros da UE de 1973-2008 (European Commission, 2008a), ir-se-á abordar e interpretar alguns dos resultados mais recentes de estudos do Eurobarómetro38, relevantes para o presente objecto de investigação. Interessa-nos por isso avaliar as questões e respectivos resultados que remetam para um sentimento de consciência comunitária e pertença europeia entre os cidadãos, assim como o conhecimento e noções sobre o projecto da UE. 2.3.1 Uma consciência de União Europeia inconsciente Foi na década de 60 que se sentiu a necessidade de sondar a opinião dos europeus face ao percurso enveredado por uma Europa recentemente unida. Jacques-René-Rabier, fundador do Eurobarómetro, partilhou na conferência de Paris os objectivos iniciais que determinaram o surgimento deste organismo: mieux connaître et faire connaître ce que les Européens pensaient de l’Europe en voie d’intégration depuis 1950 et ce qu’ils pensaient les uns et les autres des mêmes problèmes, par-dessus les frontières nationales.39 Em 1974 é publicado o primeiro Eurobarómetro, no qual mais 38 EB 66 (Outono 2006), EB 67 (Primavera 2007), EB 68 (Outono 2007) EB Flash 189a, EB Flash 202, Report Youth takes the floor (12/2005). 39 https://www.eurobarometerconference2008.ec.europa.eu/fileadmin/Content/Downloads/PDF/presentations/en/Speech_Jacques-ReneRabier_FR_2.pdf, em 16-01-2009. 41 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia de 70% dos cidadãos questionados afirmaram ser mais fácil resolver problemas agindo em conjunto do que por acção independente em cada Estado-Membro (Comissão Europeia, 1974:16). Actualmente, e numa perspectiva holística de alguns dos mais recentes estudos do EB, surge o retrato de uma UE formada por cidadãos conscientes da sua pertença à Europa e imbuídos no espírito europeu, mas ainda desligados da UE e das suas realizações enquanto organização política. Existe uma elevada e crescente ligação à Europa, expressa por cerca de dois terços dos europeus. Interpretamos esta ligação à Europa como expressão do conceito de identidade territorial, anteriormente exposto. Por seu turno, a postura da UE é a de não imposição de uma identidade europeia, de um sentimento inquestionável de pertença à Europa. Este há que ser apresentado ao cidadão democraticamente, pelos meios jurídicos legítimos, acordados nos diferentes tratados que estabeleceram e reforçaram o conceito de cidadania europeia. De facto, a noção de partilha de valores e de uma herança cultural comum europeia, as novas conquistas frutos do decorrer da história da UE (como a possibilidade de votar e ser eleito para o PE, desde 1979, e para as eleições municipais desde 1992, a crescente mobilidade dos cidadãos e as realizações do mercado único, incluindo o Euro) poderão ter catapultado o vínculo à Europa no decorrer dos anos entre os seus cidadãos, demonstrado nos estudos do EB. Gráfico 1: Ligação dos cidadãos à Europa Fonte: European Commission (2008a: 17). Porém, e com base em resultados francamente desanimadores dos mesmos estudos, os assuntos europeus não conseguem cativar o interesse de mais de metade dos cidadãos inquiridos, e três quartos não se sentem envolvidos nas temáticas europeias, independentemente do interesse que possam ou não revelar pelas mesmas. É notório, portanto, o ainda fraco vínculo dos cidadãos à UE propriamente dita. Delegar maior importância aos valores europeus e dar a conhecer os símbolos da UE, congregará a 42 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia opinião pública europeia na noção de pertença a uma organização que é sustentada em símbolos comuns, e potenciar o interesse e envolvimento nos assuntos europeus. Na altura do lançamento do primeiro Eurobarómetro em 1974, vivia-se um sentimento geral de desinteresse por assuntos políticos europeus, e apenas um terço considerava estar suficientemente bem informado sobre os assuntos da Comunidade. Curiosamente, e apesar da história da integração europeia contar já com mais de 50 anos, a situação mantém-se nos dias de hoje. A grande maioria dos cidadãos (75%, ver gráfico 2), afirma que a população do seu país está nada informada ou não muito bem informada sobre a UE. Gráfico 2: Informação sobre a União Europeia, no seu país, segundo o cidadão Fonte: EB 66 (2006, 145) – Question: Overall, do you think that in (your country), people are well informed or not about the European political affairs? De modo a complementar o analisado no gráfico anterior, que procurava uma opinião genérica a respeito do país do cidadão inquirido, o EB questionou os cidadãos numa perspectiva de auto-avaliação individual. Sem surpresa, as opiniões parecem convergir, quer a nível nacional, quer singular, que pouco se conhece sobre os assuntos políticos europeus, como o gráfico 3 denuncia. Gráfico 3: Informação sobre a União Europeia, segundo o cidadão Fonte: EB 67 (2007: 125) – Question: Overall, do you think that you are well informed or not about European political affairs? Face a resultados tão desanimadores, Margot Walström, Comissária para as Relações Institucionais e Estratégia de Comunicação e vice-presidente da Comissão Europeia, 43 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia realçou, em Paris, a urgência dos governantes europeus não assumirem a ideia de que as informações correctas irão chegar por si só aos cidadãos europeus e causar o efeito desejado de pô-los ao corrente do que se passa na Europa. É necessário demonstrar a esses cidadãos europeus que eles são determinantes na construção europeia, e jamais sobrevalorizá-los. É portanto, fundamental que se aposte não só numa disponibilização da informação sobre a UE, acessível aos cidadãos na sua própria língua, mas também, e acima de tudo, que esta aconteça numa linguagem facilmente compreensível. O papel dos governos é pois apontado, pelos próprios cidadãos, como determinante para que possam entender o que representa a UE e qual o seu impacto nas suas vidas. Ao EB importa igualmente analisar a visão dos cidadãos face às fontes de informação sobre a UE, nos seus países, nomeadamente através dos meios de comunicação televisão, rádio, imprensa e internet. Os canais de informação são os que mais directa e facilmente abordam o cidadão. Poderão ser um aliado de peso na sua missão, desde que as questões sejam correctamente apresentadas e discutidas. De acordo com o EB, e sobre a frequência da abordagem da UE nestes meios de comunicação a nível geral, os cidadãos são da opinião de que a informação europeia é insuficientemente divulgada, se bem que os valores entre satisfação e insatisfação se encontram bastante equilibrados entre si. A imprensa e a internet geram maior consenso, uma vez que a maioria afirma obter suficiente informação sobre a UE através das mesmas, enquanto que o menor contentamento se centra no papel da televisão e da rádio. De salientar, porém, que metade dos inquiridos não se pronunciou sobre a acção da internet provavelmente por não ter acesso à mesma ou por desconhecer a existência de sítios informativos sobre a UE. Independentemente da posição face à suficiente ou insuficiente divulgação de informação, interessa também compreender quais as fontes de acesso às informações europeias preferidas pelos europeus. Estas são a televisão, por mais de metade da população, seguida da imprensa. Cerca de um quarto da população afirma procurar a internet e a rádio, e é curioso verificar que cerca de um quinto opta por discussões com a família, amigos e colegas para melhor se informar sobre a UE, as suas políticas, as suas instituições. De realçar que um décimo da população refere não nutrir qualquer interesse na aquisição de informação sobre a UE. As notícias difundidas através da televisão e imprensa, os meios de comunicação preferidos pelos cidadãos, são instantâneas, enquanto que a disponibilizada na internet tem um carácter informativo de longo-prazo, mais fácil e comodamente acessível face ao que anteriores. Porém, nem 44 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia todos os cidadãos europeus possuem os meios tecnológicos necessários para usufruir da internet, e os meios de comunicação ditos tradicionais acabam por sortir melhor efeito nesta abordagem, como confirma o EB. 2.3.2 A UE segundo a juventude europeia Sendo uma realidade relativamente recente com pouco mais de 50 anos, a maioria da população europeia adulta nasceu ainda quando a UE dava os seus primeiros passos. Fruto das conquistas de uma Comunidade democrática, a população jovem europeia é rotulada cidadãos europeus por defeito, pois durante o seu crescimento formava-se, paralelamente, o sentimento europeu e a consciência europeia democrática e de valores, e uma cidadania dotada de direitos e regalias. A UE assume que os EBs destinados à juventude representam mais do que meros retratos instantâneos, pois reflectem as expectativas, inquietações e reivindicações de uma geração de jovens cidadãos europeus. São questionados sobre a sua participação na vida da sociedade e tomadas de posição, quais as suas preocupações a nível de emprego/desemprego, a sua vida quotidiana, os conhecimentos de língua estrangeiras e experiência em mobilidade e ainda sobre a percepção da União Europeia e respectivos contributos, entre outros. Este último figura como objecto de interesse no presente estudo. Segundo os mais recentes estudos do EB destinados à juventude, a grande maioria dos jovens cidadãos europeus, actualmente, diz sentir-se europeia na sua consciência de valores, e tende a partilhar uma imagem positiva da UE, sendo optimista face ao seu futuro, especialmente os jovens com mais elevado grau de escolaridade. Associam a UE, numa perspectiva um tanto limitada, a vantagens como a liberdade de viajar, estudar e trabalhar em qualquer outro Estado-Membro europeu, e definindo a cidadania europeia como o conjunto destes direitos. Porém, ainda é visível a falta de informação e de conhecimentos sobre a UE propriamente dita, que acaba por ser ainda encarada com uma imagem distorcida, tal como a percepção da sua importância nas suas vidas. Por outro lado, referem a União como garante da protecção dos direitos dos cidadãos e um meio indispensável para o melhoramento da situação económica nos países europeus, e, curioso observar que é apontada por mais de metade dos jovens como equivalente a um governo europeu. Quando questionados sobre possíveis aspectos negativos, pouco menos de metade apontam o excesso de burocracia e algum gasto de 45 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia tempo e dinheiro, e apenas um terço aponta a UE como ameaça à identidade e diversidade cultural. O rótulo de cidadãos europeus por defeito nos jovens poderá, inevitavelmente, ter vindo a acarretar indesejadas consequências. Pelo facto da cidadania europeia se tratar de um dado adquirido e por estar tão impregnada no jovem cidadão europeu, a promoção da consciência europeia e a defesa dos valores acabam por ser renegadas dos discursos políticos e postas de lado enquanto prioridade a debater na Europa, apesar da maioria dos cidadãos, nos EBs afirmar a acção política essencial para melhor compreenderem a UE. De realçar que os jovens europeus consideram o sistema educativo a estrutura que melhor prepara para a participação na vida em sociedade, seguindo-se a família, os amigos e as organizações para a juventude. Reafirma-se, portanto, a necessidade dos governos incluírem nas suas agendas políticas a discussão dos valores europeus entre os jovens, estes enquanto principais participantes deste debate. Partindo de directivas políticas, que poderão ou não alterar os sistemas educativos, será possível informar a população sobre a UE e os jovens poderão conhecer consciente e activamente a amplitude do seu estatuto de cidadãos europeus. 2.4 O sucesso da UE: uma construção colectiva Os tempos actuais são marcados pelo deficit de debate de ideias sobre a realidade europeia. Prova disso surge reflectida aquando da participação dos cidadãos em referendos e nas opiniões expressas pelos cidadãos expostas nos Eurobarómetros agora mencionados. A sociedade parece viver em permanente desencanto e desilusão, muito embora o progresso sentido ao longo das últimas décadas. Ainda que em circunstâncias distintas, talvez fosse hoje necessário provocar o ressurgimento de um sentimento de esperança ao povo europeu, idêntico ao que acalentou toda a Europa logo após a Segunda Guerra Mundial. Por vezes, acusa-se a UE de simbolizar uma concretização de sucesso material sem alma, que privilegia o campo das conquistas económicas e descura da promoção da cultura europeia e do diálogo com e para os cidadãos. Na visão de Roberto Carneiro, a redução da Europa a um ideal de prosperidade material não faz justiça aos milénios de civilização, à sua tradição inestimável de humanidades greco-latinas, de contributo judeo-cristão, de personalismo, enfim, de tudo aquilo que foi ao longo dos séculos a construção paulatina de um corpus de valores, de princípios que faz hoje a grandeza de alma da Europa (Conselho Nacional de Educação 1997: 73). 46 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia Urge colocar uma questão pertinente aos responsáveis políticos da UE: o que será mais importante para os cidadãos europeus, os resultados político-económicos atingidos, ou a salvaguarda dos valores europeus? Ganhar o coração do público é vital para o sucesso da UE. A par de uma noção de business-friendly, ou environment-friendly, a UE e os seus governantes deverão ter uma postura de citizen-friendly, isto é, esforçarem-se por privilegiar o lado humano da sua concretização. É certo que as suas conquistas económicas são determinantes na noção de bem-estar da sociedade contemporânea europeia. Mas o desafio agora é novo, e passará por informar os cidadãos dos direitos que lhes assistem, aproximá-los dos assuntos europeus e permitir que participem, ampla e activamente, na construção da União, elevando os valores de uma Europa justa e solidária. Contudo, não deverá ser prioridade informar os cidadãos pontualmente e apenas em períodos de votações, pois corre-se o risco de incentivar campanhas mal conduzidas e desprovidas de honestidade informativa, cuja finalidade única é a de recrutar votos. Não basta garantir que se entenda o que é a UE com base num passado cultural e histórico europeu. É igualmente fundamental garantir que cada eurocidadão tenha o direito a compreender o dia-a-dia da UE, possa conhecer as decisões nas várias instituições, e que faça ouvir a sua voz no processo decisório enquanto contributo plural e diversificado. Dar mais peso à voz do cidadão, é aliás, uma das premissas do Tratado de Lisboa, que prevê o direito de iniciativa popular: se pelo menos um milhão de cidadãos europeus subscrever uma proposta legislativa, esta será posteriormente analisada e, porventura adoptada pelas devidas instituições. Na opinião de António Vitorino, expressa num debate na Assembleia da República comemorativo do Dia da Europa de 2001, pior défice democrático é a desigualdade de acesso das sociedades civis dos vários Estados-Membros ao processo de decisão europeia. (Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, 2002: 68) Este deverá ser um caminho a evitar pela UE, rumo à concretização dos princípios de governança europeia. Numa fase em que a Europa enfrenta tempos difíceis, quer na falta de rumo político provocada pelo Tratado de Lisboa, quer pela crescente falta de competitividade numa economia mundial e globalizada e assolada pela instabilidade da crise, lança-se o repto: ao colocar o cidadão de lado, e apresentando o projecto europeu como um projecto de dimensão das pernas das galinhas, de condições de produções de peras e maçãs e de livre circulação de capitais (…), os cidadãos europeus olharão para isso tudo com aquela indiferença e distanciamento de quem olha para um mundo virtual a 47 O eurocidadão e a compreensão da União Europeia que não pertencem (Idem, 2002: 17). Estará em jogo uma Europa consciente do seu património de civilização e de civilidade, empenhada na disseminação de uma cultura cívica (…), aberta ao repto de criação de riqueza comunitária a par da produção de riqueza económica (Carneiro 1997: 5). E antes que se defenda uma modificação metodológica na abordagem dos assuntos europeus pelos meios de comunicação, é sim recomendável uma mudança na postura política. Serão os governantes europeus os responsáveis por afirmar uma vontade política de aproximação ao cidadão40, e os media, por sua vez, encarregar-se-ão de tornar pública tais intenções. Who will speak for Europe?, questionou em Paris Margot WallStröm em jeito de desafio. Quem falará pela Europa, sobre a Europa, e para os europeus, para o eurocidadão? Decerto que os fundadores europeus desejariam contemplar o processo de integração europeia com os ideais culturais que ao longo dos séculos fundaram e caracterizaram o continente europeu. Atribui-se a Jean Monnet, já na fase final de sua vida (na década de 70) e apesar de sem certeza histórica, a afirmação Si s’etait à refaire, je recommencerais par l’education (ou par le culture)41. Desabafo ou provocação, o visionário Jean Monnet, já em 70s, acusou a necessidade de aproximar o indivíduo do projecto europeu através da educação ou pela cultura. Pois se as pessoas são o primeiro e fundamental objectivo de qualquer actividade politica e sucessos económicos, e se a cidadania pressupõe fazer opções e tomar decisões conscientes, agir individualmente e tomar parte em processos colectivos, então, os indivíduos têm de adquirir competências para essa participação. Terá de ser um investimento contínuo, que, a nosso ver, partirá desde os primeiros passos de moldagem e formação do indivíduo. E é na educação que residem as sementes que poderão cultivar uma postura de debate e sede de conhecimento nos futuros cidadãos europeus. A Europa está a ser construída sem os cidadãos, a deriva tecnocrática é evidente. Por isso a escola tem de ser um lugar de aprendizagem da democracia, tornando-se urgente construir a Europa dos cidadãos (Reimão, 2001: 50). 40 Exemplo claro disso tem sido a postura de Margot Wallström, um dos rostos mais conhecidos da UE pela opinião pública até aos dias de hoje. Foi o primeiro membro da Comissão Europeia a criar em 2004 o seu próprio blog, plataforma na internet na qual expõe muitas das suas opiniões e discursos políticos. É, por isso, tida como referência na missão informativa da UE. Aliás, José Manuel Barroso, actual presidente da Comissão Europeia, criou a pasta da qual Margot Wallström é responsável no intuito específico de fomentar o diálogo entre os cidadãos e a UE. 41 Se tivesse de recomeçar, construiria a Europa pela educação (ou pela cultura). Tradução livre. 48 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação 3. A RELUTÂNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS NA VALORIZAÇÃO DA DIMENSÃO EUROPEIA DA E NA EDUCAÇÃO É comum afirmar que, ao conhecer o passado, mais sabiamente se entende o presente e se perspectiva o futuro. Uma estratégia persistente de educação europeia, cujo fim próximo ou final é o da construção da cidadania e de sentido da mesma no indivíduo, deve ser, portanto, incentivada. Compreendendo as raízes europeias, o seu legado histórico-cultural, assim como a perspectiva política relativamente recente da realidade da UE, o cidadão poderá participar de forma mais esclarecida na presente e na futura construção europeia. Terá uma maior consciência do seu papel e das suas decisões em questões, de facto carregadas de peso político, como as votações para o Parlamento Europeu e em referendos, ou na reivindicação de direitos consagrados nos diferentes Tratados Europeus. De igual modo, e reforçando as críticas de que as aspirações de integração não poderão estar confinadas ao desejo de prosperidade material, entende-se que a Europa como entidade económica dificilmente encontrará estabilidade duradoura na ausência de um desígnio mais amplo, na pendência de uma ideia mobilizadora de futuro, onde a educação se apresenta incontornavelmente como uma das suas alavancas imprescindíveis (Carneiro 1997: 3). Seguindo o repto de Monnet ao remeter a educação e a cultura como domínios nos quais apostaria, em primeiro plano, aquando do surgimento do projecto europeu, a educação poderá fazer a diferença no actual cenário em que a Europa se depara, na medida em que a escola lança as bases das competências do futuro. 3.1 O papel da Educação Como grande sistema institucional, a educação formal e sistemática está no centro de gravidade da arquitectura colectiva (Carneiro 1997: 7), isto é, influencia toda uma sociedade e as pessoas que a compõem, na medida em que tem como objectivo o desenvolvimento da personalidade e da vida de relação interpessoal e com o meio, a nível local, regional e global (Regateiro 2001: 65). É através da oferta promoção de competências que permitam superar os mais variados limites que possam cercar a pessoa, que a educação é a ponte do desconhecido para o familiar, o passaporte para a vida e para a liberdade dos indivíduos. Não é um fim imediato, mas sim uma via condutora a um desenvolvimento humano mais harmonioso. 49 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação Neste compromisso de dimensão humana, a escola, enquanto instituição educativa, representa o laboratório de experimentação no qual os mais diversos compostos e ingredientes buscam a formação integral da pessoa. Como refere Reimão, não se educa apenas para o indivíduo, nem se educa apenas para a sociedade; educa-se para a humanidade do homem (2001: 50), para a promoção e dignificação dos valores que lhe permitam comunicar com o próximo e avaliar o que o rodeia, num espírito de abertura crítica. As funções primordiais da escola são, portanto, a promoção de valores e de atitudes de socialização. A descoberta do próximo possibilita ao indivíduo aprender a conhecer-se a si próprio. Só assim se entende a relação com o outro, o que os une e o que os diferencia, numa interdependência entre todos os seres humanos; só depois poderão tender para objectivos comuns. O desenvolvimento do projecto educativo não visa apenas o tempo presente dos alunos, mas sim o seu futuro e o que cada indivíduo irá ser enquanto cidadão. Nas palavras de Regateiro, o que se espera é a apropriação de competências de vida instrumentais ao longo da vida, que sejam, elas próprias, capazes de se auto-regenerarem, para servirem melhor uma contínua apropriação de novos saberes e a correspondente evolução de atitudes e comportamentos (2001: 72). O conceito de educação durante toda a vida oferece vantagens em matéria de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço (Delors, 1996: 17), devendo ser encarada como uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir (Idem, Ibidem). Num mundo em rápida mutação, é necessário caminhar para uma sociedade educativa (Idem, Ibidem), capaz de responder aos desafios vindouros e tornar-se um denominador comum da sociedade civil e da democracia viva. Num equilíbrio entre teoria e prática, entre reflexão e acção, a aprendizagem dos valores irá gerar os meios que garantam uma futura igualdade de oportunidades entre os cidadãos. São eles que determinam e orientam as finalidades da educação, obrigando-a a configurar-se como um permanente projecto em superação (Reimão 2001: 43). Valores como a tolerância, a valorização da diferença e a aceitação do outro tal como ele é e de onde provém, construirão a ética da responsabilidade no indivíduo. 3.1.1 Educação para a cidadania europeia Segundo a Comissão Europeia, o primeiro objectivo da educação é o desenvolvimento do potencial humano, da pessoa no seu todo, de forma a permitir a 50 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação todos os cidadãos uma participação tão plena quanto possível na vida cultural, económica, política e social (1999: 3). A aquisição de competências estratégicas e de um sistema de valores irá não só munir o indivíduo dos necessários requisitos para a caminhada da vida, como irá igualmente culminar numa aprendizagem de elementos que lhe permitirão assumir, plenamente, a sua condição de cidadão europeu e exercer uma cidadania activa. A cidadania de dimensão europeia, pelo seu carácter de diversidade positiva e de riqueza em tradições e culturas, é encarada como elemento fundamental na criação de uma sociedade tolerante, aberta, solidária. Os valores europeus não deverão ser perdidos no tempo e espaço, mas sim (re)afirmados enquanto base da civilização humanista europeia. É neles que o homem europeu dever-se-á apoiar para assumir o seu papel de cidadão, plenamente ciente dos seus direitos e deveres. Assim, o cidadão europeu contribuirá para que o espírito da civilização europeia, legado de uma civilização comum e coesa, não se desvaneça na espiral do progresso. A aprendizagem da cidadania reveste uma importância muito especial para os jovens europeus, cuja participação constitui um recurso insubstituível na definição e na construção do futuro (Idem, 1999: 7). Caberá igualmente às novas gerações compreenderem esta consciência moral assente nos valores europeus e contribuir para a sua prosperidade e revalorização, com os devidos ajustes às necessidades dos tempos. A cidadania europeia activa implica a participação empenhada do cidadão na(s) comunidade(s) em que se insere, a promoção da troca de conhecimentos, a afirmação de uma responsabilidade para consigo próprio e face ao próximo, impulsionando o sentimento de identidade comum não obstante uma partilha de culturas. Apesar de usufruírem do estatuto de cidadãos europeus, estes não exercem necessariamente uma participação activa na sociedade, facto confirmado pelos Eurobarómetros que revelaram o seu fraco envolvimento nos assuntos europeus. Essa cidadania activa e participativa irá depender do grau de vinculação à UE e, obrigatoriamente, do conhecimento sobre esta. E se todas as novas respostas que procuramos vão dar ao homem, ou seja ao resultado do sistema de educação-formação que o molda, que o muda ou confirma, é então certo que aquele sistema está no vértice da indagação e da procura de novas respostas a problemas novos (Conselho Nacional de Educação, 1992:14), como o da cidadania europeia, do afastamento do cidadão face à história e cultura europeias e, mais particularmente, à da realidade da UE. 51 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação A escola não pode ficar indiferente à emergência do conceito de cidadania europeia, que potencia ideais de tolerância num espaço heterogéneo de liberdade. A mobilização dos agentes educativos exerce, neste contexto, uma importância determinante. É neste sentido que se defende, primeiramente, da parte dos cidadãos a dotação de um leque de informações, de uma capacidade de crítica que lhes permita ter um pensamento livre e uma acção autónoma e de conhecimentos, para que se possam preparar para o papel social de cidadãos tão activos e participativos quanto possível. Cidadania e educação estão, sem dúvida, intimamente correlacionadas nesta missão: a instrução cívica para uma participação activa e tomadas conscientes de decisão é base fundamental na vertente humanista do projecto integração europeia. Em última análise será na escola onde a aproximação da Europa e da UE aos seus cidadãos será fomentada, numa óptica de alfabetização política elementar. Assim, a educação é, a um tempo, motor e finalidade do desenvolvimento. Daí que se tenha de admitir, sem eufemismo, que a educação está na encruzilhada da aventura dos povos (…) e que no seu terreno se joga a epopeia da alma europeia (Carneiro 1997: 7). Despertar a alma da Europa e preparar o cidadão para a vida e para os desafios futuros da sociedade passará, inevitavelmente pela educação. Ir-se-á de seguida compreender o lugar da educação e políticas educativas na UE e depreender, enfim, até que ponto a vontade expressa nos anos 70 por Monnet foi cumprida pelos políticos europeus em todo o percurso da integração europeia. 3.2 Cumprir a Europa pela Educação A Europa da condição humana é a Europa da Educação. A promoção da primeira é dever da segunda, o que pressupõe um quadro estável de desenvolvimento e de progresso económico (Carneiro, 1997:9). Contudo, é ponto assente que as prioridades educativas na UE sempre ficaram um pouco à margem no decurso da história de integração europeia. Alcançadas as bases de um progresso estável, e sob o princípio de que a UE deve investir, principalmente, na educação dos seus filhos, o pilar mais profundo do seu futuro (Monteiro, 2002:8), a Comunidade Europeia virou-se para o campo da educação apenas em meados dos anos 80. 3.2.1 As políticas da educação na UE Prova de que a educação teve um estatuto secundário no cerne do projecto de Comunidades Europeias é o facto da palavra educação não figurar nos seus tratados 52 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação fundadores. O artigo 128.º do Tratado da CEE faz apenas menção a uma política comum de formação profissional, como contributo para um desenvolvimento harmonioso quer das economias nacionais quer do mercado comum. O interesse na área da educação emergiu a custo por entre uma agenda recheada de acordos económicos e comerciais (Cardona, 2007: 72). Ainda segundo Cardona, nos anos 60, a primeira iniciativa no âmbito da educação prendeu-se com a criação de um fórum de discussão e acção em torno de assuntos educativos comuns aos vários Estados, nomeadamente juventude e desporto, ensino superior, investigação, entre outros (2007: 73). Seria nos anos 70 que a educação mereceria referência no âmbito formal da UE. Num contexto de valorização da mobilidade de pessoas e bens no mercado único europeu ainda em transformação, os Ministros de Educação da Europa dos 6 reúnem-se pela primeira vez em 1971 e colocam na ordem de discussão o conceito de educação e o que este poderá implicar na construção cultural da Europa, assim como a sua importância no seio das políticas da Comunidade. No ano de 1973, no Relatório Janne intitulado Para uma política comum da educação, é mencionada e proposta pela primeira vez a introdução da dimensão europeia na educação. Em 1974 é aprovada em a Resolução sobre a cooperação no domínio da educação, e reforçada a vontade expressa do Conselho de instaurar uma cooperação mais estreita, sem que esta implique colocar em risco a diversidade de sistemas educativos nos Estados-Membros. Desta Resolução resultaria, em 1976, a adopção do Programa de acção em matéria de educação que, segundo Monteiro, é verdadeiramente o texto fundador da cooperação comunitária em matéria de educação (2002: 9). Sob a égide da cooperação, são mencionados aspectos que acabaram por determinar as futuras orientações no âmbito da educação: - Numa realidade de crescente mobilidade de estudantes e professores, facilitar a escolarização dos filhos dos migrantes e a sua adaptação ao sistema de ensino e vida social de outros Estados-Membros, assim como garantir igualdade de oportunidades no acesso a uma educação de qualidade; - Assegurar a equivalência de diplomas e correspondência entre os sistemas educativos dos diferentes Estados-Membros; - Assegurar a organização e a disponibilização de informações sobre sistemas educativos dos diferentes Estados-Membros, que resultou na criação da rede de informação sobre a educação EURYDICE, em 1980, ainda hoje activa e catalisadora do 53 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação intercâmbio de informações sobre as diferentes realidades educativas e sua compreensão; - Reforçar o princípio de cooperação no ensino superior, do qual surgiram os Programas ERASMUS, COMETT e TEMPUS nos anos de 1987, adiante mencionados; - Promover a aprendizagem de línguas estrangeiras, da qual resultou o Programa LÍNGUA, no ano de 1989, adiante mencionado; - Estimular a formalização da dimensão europeia na educação, conceito posteriormente dissecado, ao incentivar os Estados-Membros à promoção e organização de diversas medidas in order to give a European dimension to the experience of teachers and pupils in primary and secondary schools in the Community42, como o fomento ao intercâmbio e mobilidade e promoção de actividades educativas com conteúdos europeus. Se, num primeiro tempo, as acções aprovadas pela Comunidade se traduziram sob a forma de intercâmbios de informações, boas práticas e experiências, seria na década de 80 que se assistiria a um novo fôlego do papel das políticas educativas no campo de interesse dos políticos europeus. Com efeito, no seguimento das anteriores directrizes, em 1985 é adoptado o Relatório sobre a Europa dos Cidadãos, que enfatiza o papel dos jovens na sua preparação para um futuro cada vez mais europeu, nomeadamente através da aprendizagem de línguas estrangeiras, participação em intercâmbios, abordagem de problemas europeus na escola; enfim, o ensino da dimensão europeia é apontado como pedra basilar da consciência europeia dos futuros cidadãos europeus. Como que a reforçar a importância da adopção destas medidas, em 20 de Novembro de 1987 o PE aprova uma Resolução sobre a dimensão europeia na escola, reafirmando os objectivos anteriores. A par do surgimento e mutação dos conceitos de identidade europeia e cidadania europeia, e de se perspectivar, com a assinatura do Acto Único Europeu, a concretização do mercado único, deu-se a criação da primeira geração de programas de acção comunitária, com diversos objectivos e destinatários, entre os anos de 1987 e 1990: ERASMUS, quiçá um dos mais emblemáticos feitos da UE, enquanto programa de acção comunitária promotor da mobilidade dos estudantes universitários europeus43; 42 Ponto 5 do Programa, retirado de http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:41976X0219:EN:HTML, em 16-01-2009. 43 By the end of 2008, two million European students have experienced what it means to do an ERASMUS term in one of more than 3100 higher education institutions in 31 participating countries., retirado de http://ec.europa.eu/education/erasmus/doc1051_en.htm, em 16-01-2009. 54 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação COMETT, no âmbito da cooperação entre universidades e empresas para a formação na área tecnológica; TEMPUS, para a mobilidade transeuropeia no ensino superior, na medida em que apoiava a modernização da educação superior e criava uma área de cooperação nos países em torno da Comunidade; LÍNGUA, que visava promover o conhecimento de línguas estrangeiras entre os cidadãos europeus; PETRA que abarcava a formação profissional e preparação dos jovens para a vida adulta e profissional, FORCE, para o desenvolvimento da formação contínua vocacional e ainda o JUVENTUDE PARA A EUROPA, dedicado à promoção dos intercâmbios de jovens da Comunidade. Assinalável é o facto destes Programas terem sido criados por meio de Decisão, acto de direito comunitário que denunciou um avanço qualitativo do estatuto da educação, destacando-a e aos programas então criados enquanto domínio autónomo do direito comunitário (Cardona, 2007:74). Entretanto, foram criadas algumas instituições europeias, no campo da educação: as Escolas Europeias (a partir de 1953, em várias cidades, para os filhos dos funcionários das instituições comunitárias); o Instituto Universitário de Florença (1972), o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP, 1975, em Tessalónica); a Fundação Europeia para a Formação (1995, em Turim) (Monteiro, 2002: 9). Complementar à criação destes programas de acção comunitária surge a adopção pelo Conselho de Ministros da Educação da Resolução relativa à dimensão europeia na educação de 24 de Maio de 1988, um documento de referência no final dos anos 80 e começo de 90. O objectivo primordial era o de reforçar a dimensão europeia na educação, através de uma série de medidas a implementar no período entre 1988 e 1992: reforçar nos jovens um sentimento de identidade europeia (…); preparar os jovens para a participação no desenvolvimento social e económico da Comunidade (…); consciencializá-los das vantagens que esta representa e também dos desafios que implica (…); melhorar os seus conhecimentos sobre a Comunidade e respectivos Estados-Membros (…).44 Porém, a intenção de promover a dimensão europeia na educação restringia-se ao contributo para o desenvolvimento da Comunidade e para a realização dos objectivos da criação de um mercado interno unificado em 1992.45 Logo, a educação era tida como um meio de atingir fins marcadamente económicos. 44 Resolução do Conselho e dos ministros da Educação, reunidos no seio do Conselho, relativa à dimensão europeia na educação, de 24 de Maio de 1988, Jornal Oficial nº C 177 de 06/07/1988 p. 5-7, disponível em http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:41988X0706(01):PT:HTML, em 16-01-2009. 45 Idem, Ibidem. 55 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação Passo determinante no lugar e espaço da educação e da formação na UE foi a assinatura do Tratado da União Europeia em 1992, que consagrou finalmente a entrada da educação no direito comunitário formal, no artigo 126.º. A educação passa a ser reconhecida como competência comunitária a título pleno, respeitando o princípio de subsidiariedade, como expresso no artigo 126.º: A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados-Membros e, se necessário, apoiando e completando a sua acção, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados-Membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística.46 Os objectivos do artigo 126.º prendem-se com um conceito alargado de desenvolvimento da dimensão europeia na educação, na medida em que se procura promover a aprendizagem e divulgação das línguas dos Estados-Membros; incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores; promover a cooperação entre estabelecimentos de ensino; entre outros. Para a concretização destes objectivos, o TUE deixa claro que a acção da UE basear-se-á em acções de incentivo, com exclusão de qualquer harmonização das disposições Estados-Membros e (…) recomendações. 47 legislativas e regulamentares dos Parece subsistir um receio de que, ao prescindir do princípio de competência exclusiva dos Estados e da subsidiariedade, a soberania dos Estados-Membros não seja preservada. As competências UE neste domínio são de apoio, coordenação ou de complemento à sua acção, o que se verifica até hoje. Denota-se, no entanto, uma ambição contida nos objectivos expostos, na medida em que coincidem com as intenções proclamadas nos anos 70. Ao invés, a ambição política da UE parece ter sido canalizada para a elevação do estatuto de cidadania europeia. Fazendo jus ao novo quadro jurídico da União entretanto estabelecido, é lançado a 29 de Setembro de 1993, pela Comissão, o Livro Verde Sobre a Dimensão Europeia na Educação, onde são delineadas as directrizes para uma acção futura neste domínio, assente na cooperação e na complementaridade às medidas dos Estados. É reforçada a noção de que a educação é um estágio de preparação para o exercício da responsabilidade social e económica dos indivíduos. Por outro lado, a dimensão europeia na educação é tida como um valor acrescentado para a construção de uma 46 47 Artigo 126.º do Tratado da União Europeia. Idem. 56 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação cidadania europeia, para uma melhor da qualidade da educação e melhor preparação para uma inserção social e profissional dos cidadãos. Explorando a base jurídica do TUE e as indicações do Livro Verde, é adoptada, em 1995, a segunda geração de programas comunitários. São instituídos os Programas LEONARDO DA VINCI (1994) e o Programa SÓCRATES (1995). Este último agrupa e desenvolve programas anteriores, abrange todos os tipos e níveis de educação e cria um novo Programa – COMENIUS – que alarga a cooperação comunitária ao ensino não superior (Monteiro, 2002: 10). Assim, o Programa SÓCRATES abarca três áreas de acção, a saber no ensino superior (ERASMUS), ensino básico e secundário (COMENIUS) e actividades transversais na área de aprendizagem das línguas (LÍNGUA), da educação aberta à distância (EOD) e do intercâmbio de informações e de experiências (Cardona, 2007: 91). Por seu turno, o Programa LEONARDO DA VINCI consiste num programa de acção que visa a realização de uma política de formação profissional para a Comunidade Europeia. Engloba os projectos PETRA (formação inicial), FORCE (formação contínua), COMETT (…), EUROTECNET (promoção de qualificações ligadas à inovação tecnológica) e LÍNGUA (…) (Idem, Ibidem). Promove-se assim a construção de um espaço contínuo entre educação e a formação, entre a formação inicial e a formação contínua (Comissão Europeia, 1995: 10), associado ao estabelecimento de redes de contactos pessoais, à promoção de laços entre pessoas e instituições. Ainda no ano de 1995, e numa perspectiva complementar à criação destes programas, é publicado o Livro Branco sobre a Educação e a Formação – Ensinar e Aprender: Rumo à Sociedade Cognitiva. Com vista à criação de um verdadeiro espaço europeu da educação, reforça-se o papel desta e da formação enquanto catalisadores de uma sociedade instruída e que se molda num processo de aprendizagem ao longo da vida, sempre pautado pelo conceito de subsidiariedade. O documento enfatiza esta área como investimento chave no combate ao desemprego e no aumento de competitividade do potencial humano dos cidadãos europeus num mundo globalizado. O Livro Branco institui ainda o ano de 1996 como o Ano Europeu da Educação e Formação ao Longo da Vida48, com vista a disseminar a importância da educação no caminho futuro da União. Na realidade, nos anos 90, tornou-se consciente a crescente supremacia 48 Desde 1983 que a UE ou o Conselho da Europa instituem, anualmente ou de dois em dois anos, o Ano Europeu. O objectivo é o de chamar a atenção dos cidadãos sobre determinado tema da Europa, organizando diversos acontecimentos e actividades que fomentem o debate e participação dos mesmos. 57 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação económica dos EUA face à UE, cuja capacidade de resposta se revelava insuficiente para fazer face a tamanho poderio. O reforço da atenção às questões economicistas, acabou por determinar o futuro papel imediato da educação e a formação na UE. Mais do que promover uma educação para os valores europeus, o ensino passou a ser encarado como meio para se atingir maior produtividade na Comunidade. Esta visão contrasta claramente com o percurso entusiasta da UE nos finais dos anos 80, aquando dos alargamentos aos países mais pobres, ao fortalecimento dos fundos, etc. De qualquer forma, foram criado Programas de acção comunitária. A segunda metade dos anos 90 é, pois, marcada por uma viragem economicista da educação. Por outro lado, a associação da educação à formação de uma cidadania europeia surge formalmente mencionada em 1997, num relatório redigido pelo Grupo de Reflexão sobre a Educação e Formação, denominado Construir a Europa pela educação e pela formação. A aprendizagem da cidadania é elevada a uma das questões de maior pertinência no seio da União. Numa sociedade em direcção ao conhecimento e vincada pela sua multiculturalidade, reconhecer a diferença e partilhar o espírito de abertura e tolerância europeu passará pela aquisição de competências rumo à construção de uma cidadania participativa, a saber, por meio da educação e formação ao longo da vida. Este alerta adveio igualmente dos ensinamentos retirados a propósito do Ano Europeu de 1996, o qual destacou a o papel dos jovens para a definição do futuro e construção de uma cidadania. No mesmo ano do referido relatório seria assinado o Tratado de Amesterdão, o qual, no capítulo dedicado à Educação, Formação Profissional e Juventude, fora das alterações de natureza organizacional, não apresenta qualquer evolução de conteúdo relativamente ao capítulo com o mesmo título no Tratado da União Europeia (Cardona, 2007: 79). Seria de esperar que algumas das reflexões do mesmo relatório se traduzissem em ambições a concretizar no âmbito político e legislativo da UE. O Tratado de Amesterdão veio, porém, imprimir uma conotação meramente teórica ao discurso dedicado à construção de uma cidadania europeia por meio da educação e formação sem que isso se traduzisse em qualquer alteração substancial no plano prático. Ainda em 1997, e no seguimento do Tratado de Amesterdão, a Comissão definiria novas orientações para a futura actuação da UE no âmbito da educação, formação e juventude, para o período de 2000 a 2006, através da comunicação Por Uma Europa do Conhecimento. Nela são evidenciadas as preocupações da Comissão no que respeita à formação de um espaço europeu da educação dinâmico e aberto, 58 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação nomeadamente nas políticas do conhecimento e na promoção do emprego, a intervir sob a forma de três dimensões: do conhecimento, por meio de uma educação ao longo da vida; da promoção de uma construção da cidadania; e da aquisição de competências essenciais a uma economia baseada no conhecimento. Estas questões são claramente influenciadas pelas preocupações economicistas dos políticos europeus, e na interpretação de que uma sociedade do conhecimento potencializará o crescimento económico tão ansiado pela Comunidade. Assim, sob estas orientações foram delineadas diversas medidas para a sua operacionalização entre 2000 a 2006, nomeadamente a adopção do Programa SÓCRATES, enquanto terceira geração de programas comunitários em matéria de educação. O Programa abarcava um conjunto de acções com vista ao incentivo à mobilidade quer física quer virtual, pelo apoio e desenvolvimento das redes de cooperação a nível europeu, pela promoção de competências linguísticas e de compreensão das diversas culturas, e ainda pela promoção de acções ligadas à inovação. São então as acções COMENIUS, ERASMUS, GRUNDTVIG (educação para adultos), LÍNGUA, MINERVA (tecnologias da informação e da comunicação da educação), entre outras. Até então, assistia-se a uma UE espartilhada entre a prioridade do crescimento económico e da competitividade à escala global e uma débil convicção de que estes apenas serão alcançados mediante a mobilização em massa dos cidadãos europeus, que apenas será possível por intermédio da educação e da formação, acusada por escudar-se na emissão de decisões, recomendações e pareceres, à luz do principio de subsidiariedade, em substituição de um plano fundamentado em objectivos comuns (Cardona, 2007: 82). Contudo, e na visão de Cardona, o Conselho Europeu de Lisboa de 2000 traduziu uma viragem e o início de uma nova fase, na medida em que estabeleceu objectivos comuns concretos na área da educação e formação. Sob a meta de concretização da Estratégia de Lisboa, através da qual a Europa pretender tornar-se a economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, e uma nova actuação dos Estados-Membros através o método aberto de coordenação49, as orientações nas políticas educativas e de formação conheceram nova dinâmica. Anteriormente, na opinião de Roberto Carneiro, a cooperação europeia educacional 49 Método que assenta na difusão de boas práticas e na procura de maior convergência de acção entre os Estados-Membros com vista à concretização dos mesmos objectivos, sem que seja violado o princípio de subsidiariedade. 59 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação era vista com grande desconfiança pelos Estados-Membros e a própria Comissão Europeia via-se em grandes dificuldades para formular projectos de cooperação e de mobilização da Europa em torno da Educação (Conselho Nacional de Educação, 1997: 72). Com este novo método de trabalho, a UE apela explicitamente à integração das orientações europeias nas políticas educativas nacionais e regionais dos Estados-Membros, à luz do respeito pelas suas especificidades (Cardona, 2007: 83) O domínio da educação e da formação profissional encerra em si um delicado equilíbrio de influências, sem que o alcance de determinadas metas coloque em causa a soberania nacional sobre os sistemas educativos e a subsidiariedade, sob a égide do ideal de cooperação proclamado nos anos 70, e do pressuposto de reciprocidade e de pleno respeito mútuo. Integrar as orientações europeias nas políticas educativas nacionais e regionais de cada Estado-Membro pretende corresponder ao desejo de preservação das identidades (individual, nacional ou além-fronteiras como a europeia), da diversidade cultural e do multilinguismo entre os cidadãos nos Estados-Membros; simbolicamente, a escola terá pois a tarefa de evitar a descaracterização dos mesmos. Para os políticos europeus, seria insustentável fomentar a noção de uma educação comum à Europa, orientada por estratégias e fins comuns, ao invés de delegar uma integral responsabilidade aos Estados-Membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo. A posição expressa por Almeida Santos parece ser clara: se se quer que os homens, as regiões, e os países mantenham as características que os diferenciam, não devem os sistemas educativos, e sobretudo os conteúdos do ensino, ser objecto de políticas comuns que, por o serem, seriam necessariamente uniformizadoras. O mesmo quanto à formação profissional. O mesmo quanto às culturas (Conselho Nacional de Educação, 1997: 17). Contrárias à cooperação, orientações comuns na educação são tidas, portanto, como inimigas à manutenção das várias identidades nacionais numa Europa unida, pelo que se prefere uma aposta no método aberto de coordenação, tido como fonte debate e de reflexão partilhada. Exemplos desta viragem são diversas iniciativas como o relatório da Comissão Os objectivos futuros concretos dos sistemas educativos de 2001, que, na visão da mesma, constitui o primeiro documento oficial que define em traços largos uma abordagem europeia abrangente e coerente relativamente às políticas nacionais de educação e de formação da UE (2002b: 8). Este foi apresentado em Março de 2001 no Conselho de Estocolmo, no qual ficou delineada a apresentação de um programa de trabalho para a educação e formação, devidamente pormenorizado nos objectivos a 60 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação cumprir, numa próxima reunião da educação a acontecer em 2002. Tendo como base diversos instrumentos de trabalho e variados relatórios, como a comunicação da Comissão Realizar um espaço europeu da educação e da formação durante toda a vida, de Novembro de 2001, que remete para este propósito noções como a cidadania activa, inclusão social, igualdade de oportunidades e emprego, o Conselho da Educação de Barcelona de 15 e 16 de Março de 2002 apresentou então o Programa de trabalho detalhado sobre o seguimento dos objectivos dos sistemas de educação e de formação na Europa. O Programa enuncia três objectivos estratégicos, a saber, 1) Aumentar a qualidade dos sistemas de educação e de formação; 2) Facilitar o acesso de todos à educação e à formação; 3) Abrir ao mundo exterior a educação e a formação50, subdivididos em 13 objectivos conexos e 42 pontos-chave, a serem concretizados sob o método aberto de coordenação até 2010. A mensagem política implícita neste Programa, além de exortar ao reconhecimento explícito da educação e da formação como domínios-chave prioritários da estratégia global de Lisboa, realçou o facto de os mesmos ultrapassarem a dimensão de meros instrumentos de empregabilidade (Cardona, 2007: 84), abarcando áreas como a coesão social, a promoção da tolerância e respeito dos direitos humanos. Em suma, pretende promover não só um desenvolvimento que conduza à realização profissional do cidadão, mas sim à sua concretização pessoal e a uma cidadania activa, em conformidade com a diversidade democrática cultural e linguística. Os seguintes objectivos foram estabelecidos, a realizar em diferentes fases e sob diversas avaliações, até 2010: 1) Atingir a máxima qualidade na educação e na formação e assegurar que a Europa seja reconhecida, à escala mundial, como uma referência pela qualidade e relevância dos seus sistemas e instituições de educação e de formação; 2) Garantir que os sistemas de educação e de formação na Europa sejam suficientemente compatíveis para permitir que os cidadãos transitem de um sistema para outro e tirem partido da sua diversidade; 3) Assegurar que os detentores de qualificações, conhecimentos e competências adquiridos em qualquer parte da UE tenham a oportunidade de obter o seu reconhecimento efectivo em todos os Estados-Membros para efeitos de carreira e de prosseguimento da aprendizagem; 50 Retirado de http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c11086.htm, em 16-01-2009. 61 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação 4) Garantir que os europeus de todas as idades tenham acesso à aprendizagem ao longo da vida; 5) Abrir a Europa à cooperação, reciprocamente benéfica, com todas as outras regiões e assegurar que ela seja o destino preferido dos estudantes, académicos e investigadores de outras regiões do mundo.51 Na sequência das acções apontadas para o cumprimento de alguns dos objectivos do Programa de Trabalho Educação e Formação até ao ano de 2010, destacam-se o Processo de Bolonha, a nível do ensino superior, e a criação do Programa de Acção no Domínio da Aprendizagem ao Longo da Vida. O Processo de Bolonha teve como guião principal a Declaração de Bolonha, assinada em 1999 pelos ministros da educação de 29 países europeus. Foi proposta a criação de um espaço europeu de ensino superior, a atingir até ao ano de 2010, no qual estudantes e docentes pudessem circular livremente, e no qual as qualificações académicas adquiridas num país fossem reconhecidas num outro país europeu. Desde então que os países signatários se comprometeram a conduzir uma série de reformas sob o método aberto de coordenação. Estas passam pela implementação de medidas como a criação de um sistema essencialmente baseado em dois ciclos, promoção da aprendizagem de línguas de outros Estados-Membros, medidas com vista à remoção dos obstáculos à mobilidade, a disponibilização de um leque variado de cursos superiores de qualidade, o reconhecimento das qualificações por meio do sistema europeu de transferência de créditos académicos (ECTS), parcerias entre universidades no âmbito do programa Sócrates, entre outros. Em articulação com os objectivos da Estratégia de Lisboa, e igualmente até ao ano de 2010, o Processo de Bolonha pretende criar um espaço europeu de ensino superior coerente, compatível e atractivo. No seguimento destas orientações, foi também acordado o Processo de Copenhaga, estratégia que contempla a uniformização dos processos de formação em toda a Europa até 2010. A adopção da Declaração de Bolonha foi, possivelmente, a maior acção de intervenção europeia nas políticas de educação de cada Estado-Membro, rumo a uma harmonização dos sistemas nacionais, sem no entanto, prescindir das soberanias nacionais no campo ideológico e cognitivo dos conteúdos pedagógicos. Na opinião de Galvão, os Estados-Membros parecem querer contribuir para esta construção através da convergência destes sistemas, combinando com originalidade as soberanias 51 Jornal Oficial n.º 142/1 C, de 14-06-2002, p.5, http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2002:142:0001:0022:PT:PDF, em 16-01-2009. 62 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação próprias e um poder central imitado. É neste sentido que se orienta a cooperação e não é, pois, de estranhar que os Estados-Membros privilegiem os incentivos à mobilidade de alunos e formados, professores e formadores, a promoção da cooperação entre estabelecimentos de ensino e formação ou o intercâmbio de informações e experiências sobre questões comuns aos sistemas de educação e formação. Com base na mútua confiança, os Estados-Membros vão fomentando a comparabilidade e a compatibilidade dos seus sistemas e, recusando um modelo único e apriorístico, parecem dispostos a sancionar convergências à posteriori. (2000: 20). Evidencia-se, portanto, uma clara aposta na promoção de redes de contacto entre professores e alunos, de e entre diversas universidades de vários países de toda a Europa, agilizada pelo instrumento de acção comunitária Programa ERASMUS. Em plena implementação das reformas de Bolonha e num período conturbado de ratificação da Constituição Europeia, o ano de 2005 é entretanto decretado como Ano Europeu da Cidadania pela Educação. O objectivo era o de chamar a atenção para o papel fundamental da educação, tanto formal como não formal, no desenvolvimento da cidadania activa e na promoção de uma cultura democrática (…) sob o lema Aprender e viver a democracia (Reis, 2006: 216). De referir que esta iniciativa partiu do Conselho da Europa, organização com elevado valor ideológico, e não da Comissão, tida como o verdadeiro motor orientador das acções da UE. No ano seguinte, a Decisão 2006/1720/CE cria o Programa de Acção no Domínio da Aprendizagem ao Longo da Vida para o período de 2007 e 2013, enquanto instrumento útil de apoio às políticas nacionais. Defende que a aprendizagem ao longo da vida deve ser experienciada por todos os cidadãos numa perspectiva contínua e além das fronteiras nacionais, num espaço europeu de formação para todos. O objectivo geral do Programa é o de contribuir, através da aprendizagem ao longo da vida, para o desenvolvimento da Comunidade enquanto sociedade avançada baseada no conhecimento, (…) e promover, em particular, os intercâmbios, a cooperação e a mobilidade entre os sistemas de ensino e formação na Comunidade, a fim de que estes passem a constituir uma referência mundial de qualidade.52 Vem dar sequência à 2.ª geração de programas comunitários nas áreas da educação e formação, e a grande originalidade reside na sua estrutura, diferente da dos precedentes. Ao reagrupar os Programas anteriores e acrescentar outros, constitui um programa integrado e único, no 52 Jornal Oficial da UE, 24.11.2006 L327, p. 48, disponível em http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:327:0045:0068:PT:PDF, em 16-01-2009. 63 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação entender da Comissão, com vantagens significativas: maiores sinergias entre os diversos domínios de acção, modos de gestão mais coerentes, racionais e eficientes, e uma maior cooperação entre os vários domínios de educação e formação profissional. Assim, o Programa único é composto por: – Quatro subprogramas sectoriais: Programas COMENIUS, ERASMUS, LEONARDO DA VINCI, GRUNDTVIG; – Um programa transversal, que visa promover a cooperação europeia em domínios que abranjam dois ou mais subprogramas sectoriais, e promover a qualidade e transparência entre os sistemas de educação e formação dos Estados-Membros;53 – E um programa de apoio a instituições e promoção de actividades no domínio de integração europeia, denominado JEAN MONNET. Paralelamente, a UE incentiva firmemente a aprendizagem de outras línguas europeias para além da materna. Oficialmente, e no âmbito dos objectivos da sociedade do conhecimento, é recomendado que cada cidadão domine pelo menos duas línguas estrangeiras. O estudo das línguas é tido como catalisador da aprendizagem de outros aspectos relativos à área, ou país(es) onde se fala a língua que se estuda, como a(s) cultura(s) e tradições, história, geografia. Numa União multilingue, multicultural, diversificada e com cerca de 500 milhões de habitantes, o Programa pretende afirmar-se como um passaporte para um enorme leque de oportunidades. Não só estará o indivíduo apto para ingressar no mercado de trabalho e qualificado no seu emprego, desenvolvendo plenamente o conjunto das suas potencialidades, como também se procura atingir uma sociedade baseada no conhecimento, inovadora, mais competitiva e dinâmica, condutora a um crescimento económico coeso e sustentável. Paralelamente, o Programa pretende incrementar a noção de pertença europeia, fomentar o interesse em assuntos europeus e reflectir no processo de integração europeia. Investir na Europa do conhecimento significa, em última análise, investir na Europa da participação e do debate e colmatar a evidente falta de ligação do cidadão ao projecto da UE, nomeadamente da camada jovem. Não obstante todo o progresso sentido no lugar e espaço da educação e formação na UE, desde a formulação do Programa quadro de trabalho até 2010, passando pelo Processo de Bolonha e pelo Programa Aprendizagem ao Longo da Vida, os vários 53 Idem, p.60. 64 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação tratados europeus entretanto assinados não traduziram qualquer ambição que elevasse o estatuto político da educação. O Tratado de Nice de 2001 não apresentou, no seu plano jurídico, qualquer alteração significativa no capítulo Educação, Juventude e Formação Profissional. O mesmo se sucedeu aquando da elaboração da Constituição entretanto descartada, e do Tratado de Lisboa, que apenas contou com diversas alterações organizacionais do documento e da inclusão do tema Desporto – o capítulo A educação, a formação profissional e a juventude, passará a considerar-se A educação, a formação profissional, a juventude e o desporto.54 Por seu turno, a cidadania europeia conheceu um alargamento do seu âmbito jurídico no decorrer dos vários Tratados, com a inclusão da Carta de Direitos Fundamentais no Tratado de Lisboa, e um reforço da sua esfera de acção nas políticas da UE. Cardona é pragmática ao afirmar que à luz da matriz legal (…) por vezes não se compreenda por que razão a UE se arme de múltiplas reservas no que respeita à integração da educação no leque dos domínios prioritários da construção europeia. Mais parece que, escudada pelos dispositivos legais, a educação lhe serve determinados propósitos, não lhe servindo outros (2007: 76), aqui considerados como a promoção da formação de uma consciência europeia entre os cidadãos e fomento da participação cívica dos mesmos. Com efeito, subsiste uma óbvia dificuldade dos Estados-Membros em lidar com a inserção da educação na linha de prioridades da UE. Identifica-se um claro desfasamento do ritmo da construção política do projecto de UE, face à tímida instituição de um projecto educativo comum aos Estados-Membros, com base nos princípios de competência exclusiva e de subsidiariedade. Actualmente, a Europa assenta num espaço europeu educativo ao longo da vida e aberto a todos. A internacionalização da educação não pretende restringir-se às fronteiras nacionais de um Estado, quer nos conteúdos pedagógicos, quer no local de aprendizagem do aluno, se no seu Estado-Membro ou num outro Estado europeu. Propomos agora analisar o conceito de dimensão europeia na educação, e de que forma este tem servido a política educativa a cumprir os propósitos acima mencionados. 54 Jornal Oficial n.º 306/01 C, de 17-12-2007, disponível em http://bookshop.europa.eu/eubookshop/download.action?fileName=FXAC07306PTC_002.pdf&eubphfUi d=534805&catalogNbr=FX-AC-07-306-PT-C, em 16-01-2009. 65 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação 3.2.2 Da dimensão europeia da educação e na educação A evolução do papel da educação no contexto comunitário evidencia a pretensão de construir um espaço europeu da educação, no qual o conceito de dimensão europeia na educação surge reflectido em muitas das políticas educativas, tal como anteriormente descrito. Propomo-nos, portanto, definir este conceito, tendo em conta as orientações da UE nos vários documentos oficiais e programas de acção comunitária com vista à sua implementação. Reis Monteiro define-o como a finalidade da acção europeia relativa à educação (…) na medida em que o seu objecto são temas e problemas da educação comuns aos Estados-Membros (2001: 301, citado em Cardona 2007: 87-88). Esta noção acarreta, claramente, uma acção conjunta demarcada pelo princípio de cooperação, em respeito pela noção de diversidade. E já em 1992 se clamava que a dimensão europeia da educação tem mais a ver com a liberdade de espírito e com a sede de diálogo, do que com qualquer tentação uniformizadora (Conselho Nacional de Educação, 1992:15). Num outro sentido, e ainda de acordo com Monteiro, a dimensão europeia na educação é tida como o reflexo das aprendizagens e actividades, intranacionais ou transnacionais, que visam a aproximação e a compreensão entre os povos da Europa, favorecendo a emergência da consciência da sua identidade cultural comum (2001: 302, citado em Cardona 2007: 88). Poder-se-á igualmente afirmar que consolida a construção da cidadania europeia, uma vez que, e segundo variadas tomadas de posição da UE, ambiciona gerar um sentimento de pertença e identidade europeia entre as pessoas. A dimensão europeia na educação é, por isso, pautada por conceitos e ideias, que com ela coabitam e que, no fundo, podem ser considerados como seus elementos estruturantes: são os casos da transnacionalidade/multilateralidade, da mobilidade, da identidade e da cidadania europeias, (…) e por associação, da multiculturalidade e da interculturalidade (Cardona, 2007: 88). Tal como anteriormente explorado, várias medidas oficiais abordaram explicitamente o conceito de dimensão europeia na educação, como a Resolução sobre a dimensão europeia na escola de 1987, a Resolução relativa à dimensão europeia na educação, de 1988, a menção jurídica no artigo 126.º do TUE, o Livro Verde sobre a Dimensão Europeia na Educação de 1993, e as várias gerações de Programas de acção comunitária. Porém, a Resolução relativa à dimensão europeia na educação, de 1988, cujos objectivos foram anteriormente expostos, problematiza uma outra abordagem do 66 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação conceito em questão e que, na nossa opinião, é fulcral para o objecto de estudo da presente investigação. Nela é encorajada a tomada de medidas para que a dimensão europeia figure em materiais pedagógicos, manuais e programas escolares, e para que os professores sejam formados para ensinar o que é a Europa. Assim, o documento sugere uma perspectiva complementar, ou até superior, à dimensão europeia na educação: é inserida a noção de pedagogia da Europa, ou de dimensão pedagógica da Europa. Daí que propunhamos a distinção, no campo lexical e, acima de tudo semântico, dos conceitos de dimensão europeia na educação e de dimensão europeia da educação, já de si de difícil definição, sobretudo por razões de ordem política. Defendemos que a construção de um espaço de educação à escala europeia, por meio do desenvolvimento de programas de âmbito comunitário e de inúmeras iniciativas com base na cooperação política entre os Estados-Membros, corresponde a um carácter europeu da educação propriamente dita. O rumo político é, portanto, o da internacionalização da educação à escala europeia. Promove-se a aprendizagem de atitudes e dos valores europeus, das línguas e culturas de outros países do continente. Por outro lado, o conceito de dimensão europeia na educação gira em torno do ensino de concepções concretas da Europa e da UE, como a sua geografia, história, realizações. Uma pedagogia concreta da Europa e, em última instância, da União Europeia, poderá contribuir para o fomento do sentido de pertença às mesmas entre os cidadãos. Trata-se de uma abordagem direccionada para a inserção da Europa nos curricula e não, propriamente, numa dimensão europeia da educação, concretizada através de acções de cooperação e mobilidade europeias. Pretende-se que as dimensões europeias da e na educação sejam perspectivadas rumo a um estatuto de cidadania europeia plena pelos próprios europeus, rumo a uma assunção convicta dos europeus do seu estatuto e da urgência de uma participação cívica activa. Parece-nos que no foro jurídico-político a UE tem optado por introduzir, lexicalmente, o conceito de dimensão europeia na educação. Em nosso entender, a União deveria, porém, remeter o alcance das suas estratégicas políticas para um conceito alargado de dimensão europeia da educação, o qual acaba por abarcar e enquadrar o primeiro enquanto base da sua actuação. Assim, partilhamos da opinião de Cardona ao remeter para a dimensão europeia da educação o objectivo da formação de cidadãos europeus, isto é, cidadãos identificados com o projecto de construção europeia, conscientes dos seus direitos e 67 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação responsabilidades e prontos a intervir directa e activamente naquele projecto (2007: 92), fazendo uso do leque de oportunidades práticas disponibilizados aos cidadãos, proporcionado pelo alcance das políticas educativas, desde as primeiras declarações dos anos 70 até hoje. Para a concretização deste objectivo contribuem as valências do âmbito da dimensão europeia na educação, nomeadamente através da compreensão da Europa, da sua história e do seu futuro, da promoção de uma identidade europeia assente em valores humanistas, democráticos e pluralistas e o respeito e valorização da multiculturalidade (Idem, Ibidem), enfim, o desígnio de uma educação europeia. O seguinte subcapítulo abordará as tendências de implementação da dimensão europeia na educação, e apresentará outras sugestões no sentido de a potencializar. 3.3 As tendências da educação para e da Europa São conhecidas as limitações das competências da UE no campo educativo, face à acção individual dos Estados-Membros. Neles existe uma grande variedade de instituições de educação e de formação, que aplicam regras de admissão diferentes, utilizam calendários lectivos diferentes, conferem centenas de graus académicos e qualificações diferentes que reflectem uma grande variedade de currículos e regimes de formação (Comissão, 2002b: 5). Igualmente, a nível cognitivo os Estados-Membros são responsáveis pela definição dos conteúdos pedagógicos e programas escolares. No entanto, destacaremos as linhas de orientação comuns para a generalização da dimensão europeia na educação, estas já apresentadas nos subcapítulos anteriores, e quais as tendências para a sua inserção, nas quais a escola e os agentes educativos, nomeadamente professores, detêm um papel fundamental. Tal como anteriormente defendido, a escola é o palco para a formação do cidadão europeu. Sendo que a pedagogia democrática e participativa assume uma importância muito especial: são a própria essência daquilo que deve ser aprendido e praticado (Comissão, 1999: 15), a dimensão europeia na educação tem vindo a desempenhar e irá, futuramente, exercer um papel preponderante na aprendizagem e prática da cidadania europeia e na construção do sentimento de pertença europeia. Todavia, pensar na educação do futuro implica ir além dos diagnósticos e entrar no campo do compromisso e, consequentemente, da acção. (…) Há que antecipar as necessidades e criar condições para que à distância de uma geração se preparem os cidadãos para o amanhã (Regateiro, 2001: 65), sem que, no entanto, se sobrecarregue o aluno de meras metas quantitativas de aprendizagem. Não se trata de proporcionar uma 68 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação bagagem escolar recheada, da qual o aluno se irá abastecer ao longo da sua vida consoante as situações em que se depare. Trata-se, sim, de uma estratégia para dotar o aluno dos instrumentos necessários para que ele próprio, ao longo da vida, seja capaz de actualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança (Comissão Internacional para a educação no século XXI, 1996: 21). Por seu turno, o papel do professor é essencial em todo o processo educativo. Cabe-lhe transmitir os mais variados ensinamentos nos domínios das disciplinas cognitivas, e procurar dialogar com o aluno, numa intensa troca de impressões na qual o aluno poderá também ele contribuir para a riqueza dos conhecimentos. Aos professores caberá proporcionar actividades onde esses valores sejam discutidos, como também experienciados e interiorizados. Só deste modo os alunos poderão envergar uma posição consciente e responsável. É expectável, portanto, que todos os agentes educativos adquiram conhecimentos profissionais necessários para o desenvolvimento das novas atitudes e competências dos novos cidadãos europeus. Nesse sentido, a esfera europeia na educação valoriza aspectos como a inserção numa sociedade multicultural e plural, assente em valores ditos europeus e pautada pelo multilinguismo. Os programas comunitários que promovem intercâmbios, parcerias, e projectos internacionais, e a noção que lhes é intrínseca de mobilidade, potenciaram o surgimento de concepções de interculturalidade e transnacionalidade. Ao multilinguismo reserva-se-lhe um papel determinante. Já em 1992 era tido como uma importante defesa da Europa – quer como manifestação do pluralismo cultural quer como condição de enriquecimento mútuo dos cidadãos europeus. A diversidade linguística deve ser, assim, protegida e salvaguardada de forma inteligente e eficaz (Conselho Nacional de Educação, 1992:7). Ao potenciar o papel das línguas, alargam-se horizontes e promove-se uma educação multicultural, de uma Europa unida e consciente do seu património de diversidade. Nas palavras de Carneiro, a gestão da diversidade exige o recurso a pedagogias aditivas onde as parcelas diferentes se somam, em vez de se anularem. (…) Incorporar na missão educativa a compreensão da natureza plural europeia, na expressão da sua rica diferenciação, é outra maneira de acrescentar valor a uma cidadania responsável (1997: 15). De igual modo, a dimensão europeia deverá privilegiar uma educação em e para os valores europeus entre os cidadãos, como a democracia, tolerância, diversidade e igualdade, solidariedade e justiça. E ao incentivar neles uma busca das suas raízes, referências e pertenças, para que se conheça a si próprio e ao passado, o cidadão acaba 69 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação por delegar novo valor à dimensão ética e cultura da educação, na medida em que acaba por conhecer melhor o próximo, o mundo que o rodeia, e compreender o presente. O objectivo último acaba por resultar em ensinar a Europa, na transmissão das mensagens e da herança cultural europeia. Já em 1990, Bélard afirmava: Os alunos têm de ser colocados perante todos os conceitos de Europa, sejam eles geográficos, culturais ou políticos, e depois reflectirão sobre a importância que as diferentes estruturas da Europa Unida têm para a vida de cada um e para a vida local, regional, nacional e mundial. É preciso que, na escola e fora dela, os jovens vivam a Europa (1990: 29). Esta abordagem global de Europa só se consegue a partir de uma perspectiva multi e interdisciplinar. Por outro lado, e na linha de abordagem construtivista de Souto González (1998), ela exige um estudo da Europa centrado em problemas sociais, que os alunos são estimulados a discutir e resolver. Assim, ao abordar a inserção da dimensão europeia na educação quer nos conteúdos curriculares, quer nos manuais escolares, é necessário considerar dois aspectos: se esta é estabelecida sob a égide da multidisciplinaridade, isto é, num método curricular transversal a várias disciplinas, como as línguas, história, geografia, ciências sociais, entre outras; ou se é abordada enquanto disciplina única e específica. De acordo com um estudo sobre a Educação para a Cidadania nas Escolas da Europa da EURYDICE, rede de informação sobre a educação na Europa estabelecida em 1980, afirma que na maioria dos países europeus, a referência à dimensão europeia está inscrita nos objectivos gerais do currículo, (…) sob a forma de promoção de um sentimento de pertença à Europa e de participação (…), e outros países sob a forma de uma dimensão internacional ou global, ao invés de uma dimensão europeia propriamente dita (…). A dimensão internacional ou europeia sobressai de uma forma substancialmente mais extensa no ensino secundário e surge em disciplinas específicas sobre a cidadania e em muitas outras, mais correntemente História, Geografia, Ciências Políticas e Sociais, Ambiente, Literatura, Música e Arte, (…) e ainda no ensino de línguas estrangeiras (…). São raros os países que oferecem cursos dirigidos especificamente para a temática da dimensão europeia (2005: 52). Ainda de acordo com o estudo, pode considerar-se que, no currículo, a dimensão europeia da educação para a cidadania visa tanto a transmissão de conhecimentos formais (as grandes etapas da integração europeia, os direitos e as obrigações dos cidadãos e o funcionamento das instituições europeias), como o desenvolvimento de atitudes e valores por parte de futuros cidadãos (…) (Idem, 2005: 70 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação 54), recuperando uma dimensão de cidadania fortemente presente na construção do Estado-Nação do Século XIX (Claudino, 2000). Figura 1: Principais conteúdos da dimensão europeia/internacional da educação para a cidadania nas directrizes oficiais e/ou currículo para o ensino primário e secundário geral, 2004/2005 Fonte: EURYDICE (2005, 52.) 3.3.1 Ensinar a Europa – suscitar uma vontade política e o papel dos media No nosso entender, ensinar com espírito europeu e de modo europeu, pondo em prática o diálogo e intercâmbio de experiências para melhor conhecimento do outro, é já uma realidade consolidada ao longo de 30 anos de políticas educativas europeias. Agora, o desafio prioritário defendido por este estudo, mais do a participação em programas de acção comunitária e o de ensinar os valores, línguas e culturas da Europa, é o de ensinar o que é a União Europeia enquanto realidade concreta do quotidiano dos cidadãos europeus. Incluir a aprendizagem da UE enquanto instrumento da dimensão europeia na educação, poderá potenciar o sentimento de pertença à Europa e, acima de tudo, ao projecto da UE. Os resultados do Eurobarómetro analisados na presente investigação sugerem um grau de desinteresse face a assuntos europeus e à UE bastante expressivo, assim como uma elevada iliteracia política sobre o projecto europeu. A grande maioria dos cidadãos europeus afirma possuir pouca informação sobre a UE e acaba por delegar nos governos nacionais e nos media a responsabilidade de os educar para compreender a UE. Sugere-se, portanto, que os próprios Estados-Membros descubram os seus 71 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação espaços de actuação, tendo em conta o crescente desinteresse dos cidadãos face à UE, traduzido nos Eurobarómetros, nos resultados dos referendos e abstenção nas consultas populares, no instalado défice democrático europeu. De facto, no ponto crucial da construção em que nos encontramos, a deficiente política de comunicação europeia deverá ser uma prioridade, pois povos desinformados não só não contribuem para uma Europa democrática, como podem pô-la em perigo (Carmo, 2005). Há que chamar os eurocidadãos a dar o seu contributo no rumo da integração europeia, através de uma participação perfeitamente consciente, e integrar as questões europeias como questões do dia-a-dia e não apenas como um debate que apenas decorre em Bruxelas. Como aspirar a uma mobilização da sociedade civil para o debate europeu, se estas não fazem parte do quotidiano dos seus cidadãos? Porém, e relembrando a competência exclusiva das políticas educativas aos Estados-Membros, é essencial que existam orientações políticas no sentido de promover uma aprendizagem da União Europeia mais efectiva e juridicamente sustentada. Não poderá também a promoção de uma pedagogia da UE encontrar orientações claras, sem a destruição do princípio de diversidade num espaço europeu da educação? Ou até quem sabe passar das meras orientações para um esfera de acção mais ousada, tal como verificado no Processo de Bolonha ou nos vários programas de acção comunitária, nomeadamente no Aprendizagem ao longo da vida? Parece-nos que educar para conhecer e compreender a UE dependerá, em grande medida, de uma vontade política. Todavia, não só a partir de orientações políticas na esfera educativa dever-se-á educar o cidadão sobre o que a UE significa e representa. Os media desempenham um papel fulcral na aproximação aos cidadãos. Se, a nível nacional, são os meios de comunicação por excelência na informação ao cidadão, também os diversos Eurobarómetros aqui analisados reclamam os media como principal fonte de informação sobre os assuntos europeus e a UE junto dos cidadãos. Porém, a atenção dos media à divulgação dos mesmos é tida ainda como insuficiente. Poder-se-á acusar o cidadão de não ser educado, na escola, para o conhecimento do governo e políticas que regem o seu próprio país. Porém, é ponto assente que os media cumprem essa missão de responsabilidade social diariamente, ao dedicarem a difusão de notícias respeitantes aos Estados-Membros; o mesmo não acontece com as notícias da UE. Assim, em termos de ensinar a UE, onde a educação falha, o mesmo se sucede com os media, na medida em que se gerou uma auto censura prévia relativa a determinados assuntos (…) como os 72 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação temas europeus. A isto acresce uma tradição de leitura quase exclusivamente económica da integração europeia (Carmo, 2005). Assim, há que explorar o potencial educativo dos modernos meios de comunicação sob a estratégia chave de divulgar notícias relativas à UE, mas de qualidade. O esclarecimento dos assuntos europeus junto dos cidadãos passa por clarificar a dimensão e influência europeias presentes nos vários sectores nacionais e implicações decorrentes, assim como sublinhar as mudanças sentidas na realidade nacional após a entrada em vigor de realizações concretas, mais do que explicar, por exemplo, as funções em termos genéricos de determinada instituição europeia. O desenvolvimento das novas tecnologias da informação e comunicação tem desde há muito exigido que o sistema educativo repense a sua actuação, nomeadamente na selecção e hierarquização da proliferação de informações. Ensinar a UE nas escolas e através dos media traduzir-se-á numa combinação entre a escola clássica e uma educação paralela não formal e mediática, reconhecida como fonte de conhecimento privilegiada na sociedade. Para isso, José Veiga Simão apela a que se evite que os media reduzam tudo a uma crosta uniforme e homogénea, fazendo-nos esquecer o que é diferente, destruindo o bem pensar que deve estar associado à rapidez, à agilidade de raciocínio, à economia de argumentos. A criação de uma nova cidadania implica que as novas gerações, as futuras gerações, não podem ser produto standard de uma civilização de imagens inflacionadas. (…) O desafio da escola e da sociedade é, assim, o de tecer diferentes saberes e códigos numa visão plural multifacetada (Conselho Nacional de Educação, 1997: 59). O aluno quando chega à escola tem já uns milhares de horas de televisão, informação e conhecimentos empíricos sobre muitas matérias. Cabe ao professor ensinar como gerir a informação, como a recolher, avaliá-la e tratá-la. E para isso é necessário que os professores sejam chamados a ensinar um novo leque de competências, que exige frequentemente novos métodos pedagógicos. A escola detém, portanto, um papel central, na medida em que poderá representar um espaço de análise e reflexão sobre a realidade europeia, o funcionamento das instituições e as informações veiculadas pelos meios de comunicação social. Na opinião de Teresa Maia e Carmo, ou existe uma vontade política forte de mobilizar para os valores que o projecto europeu representa, ou a breve trecho poderemos deparar com surpresas desagradáveis (…). Estão a negligenciar-se factores como a educação e os próprios media (2005), e sugere, entre várias medidas, injectar 73 A relutância dos Estados-Membros na valorização da dimensão europeia da e na educação nos curricula escolares uma europeidade convicta, no sentido de as crianças crescerem a saberem ser portuguesas e europeias, sem conflitos (Idem, Ibidem). No próximo capítulo abordar-se-á um estudo de caso exemplificativo da sugestão de Carmo, e que aborda um novo método pedagógico com vista a ensinar sobre a UE nas escolas. 74 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso 4. A APRENDIZAGEM DA UE NO 1º CICLO: UM ESTUDO DE CASO O estudo de caso adiante apresentado descreve uma experiência pedagógico-didáctica desenvolvida junto de alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico, cujo objectivo girava em torno do desafio ensinar a União Europeia. Decorreu no ano lectivo de 2007/2008 na Biblioteca Municipal do Bombarral (BMB), e abarcou a quase totalidade dos alunos do 1º Ciclo do concelho do Bombarral. A actividade, designada Europa somos nós, foi desenvolvida sob orientação e patrocínio do Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD), e desenvolvida e dinamizada por uma profissional destacada da Rede de Formadores Jacques Delors, a autora desta investigação. Neste capítulo, analisam-se os curricula do 1º Ciclo do Ensino Básico em Portugal, no que respeita à abordagem da Europa, UE, e/ou assuntos europeus. Identificam-se os intervenientes nesta iniciativa, o CIEJD e a BMB. É efectuado um breve retrato social do concelho do Bombarral; apresentam-se os moldes em que se desenrolou a acção Europa somos nós e, por fim, será realizado um balanço avaliativo da mesma, com base em inquéritos efectuados junto dos alunos e respectivos encarregados de educação. 4.1 A Europa e a UE nos curricula do 1º Ciclo do Ensino Básico O Sistema Educativo Português encontra-se actualmente estruturado em diversos blocos de níveis de ensino formal, que compreendem diversos estágios e anos de escolaridade, como a figura 2 demonstra. Figura 2: Organização do Sistema Educativo Português Fonte: sítio do Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE), http://www.gepe.min-edu.pt/np4/9.html, em 16-01-2009. 75 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso A escolaridade é obrigatória do 1.º ao 9.º ano de escolaridade, o que acaba por corresponder, em termos genéricos, às idades dos 6 aos 15 anos, e ao ensino básico. Este é, portanto, um nível de ensino relativo aos primeiros anos de educação formal, e abrange três ciclos de escolaridade. Tendo em conta o objecto de estudo da presente investigação, avaliaremos os objectivos da educação primária do 1.º Ciclo do ensino básico, nomeadamente, na área curricular do Estudo do Meio no 1.º Ciclo, ao nível das suas competências essenciais e programas de estudo. É nesta área que se desenvolvem, de forma mais evidente, preocupações de promoção de uma cidadania activa, muito embora este propósito seja transversal ao conjunto das áreas curriculares disciplinares do 1.º Ciclo (Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio, Expressões Artísticas e Expressões FísicoMotoras). De acordo com Cardona, a área curricular de Estudo do Meio é apresentada no Currículo Nacional como área de carácter interdisciplinar e integrador, na medida em que a formulação das suas competências específicas resulta das formulações das competências específicas das Ciências Físicas e Naturais, da Geografia e da História (2007: 114). Estudar e descobrir o Meio implica o desenvolvimento de competências específicas em três grandes domínios que se relacionam entre si: a localização no espaço e no tempo; o conhecimento do ambiente natural e social e o dinamismo das inter-relações entre o natural e o social (Ministério da Educação, 2001: 81). A nível geográfico, o programa aponta para que aluno seja capaz de diferenciar, geográfica e genericamente, os diferentes espaços Portugal, Europa, Mundo, às escalas do pessoal, do local, do regional e, com menor incidência, do nacional. Os conteúdos programáticos que permitem uma compreensão da localização de Portugal face à Europa são integrados no 4.º ano de escolaridade. Não existe qualquer referência à história europeia ou da UE. Com efeito, e em análise dos Programas de Estudo, é igualmente apenas no 4.º ano que se transita de uma abordagem local e regional do património histórico e cultural, para uma abordagem nacional, mas não europeia, talvez por se considerar mais distante dos alunos. No conjunto das competências específicas do Estudo do Meio, não é feita qualquer menção à cidadania europeia. Todavia, são abordados conteúdos relativos ao respeito por outros povos e culturas e repúdio a todas as formas de discriminação. No final do 1.º Ciclo, não são, pois, promovidas competências que apontem para uma consciencialização do aluno relativamente à pertença histórica à Europa, ou se 76 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso quisermos ser mais ambiciosos, à UE. Corroborando da opinião de Cardona, a exclusão de temáticas europeias dos curricula do 1.º Ciclo do ensino básico menosprezará as capacidades cognitivas das crianças, excessivamente infantilizadas.55 Essas realidades supranacionais englobam a compreensão histórica da Europa e, mais superficialmente, da UE. Numa sociedade cada vez mais próxima dos media, as crianças tiveram certamente já contacto com esses mesmos conceitos, pelo que a escola poderia capitalizar esse conhecimento passivo para uma aprendizagem activa e produtiva. Acreditamos que com a aposta da inserção de noções abstractas da Europa e da UE, potencializar-se-á um sentimento de cidadania nacional e, em certa medida, europeia, assim como o lançamento das sementes para uma futura compreensão do projecto comunitário mais consolidada. A própria UE parece assumir esta necessidade ao incluir na acção COMENIUS, do Programa Aprendizagem ao longo da vida, as escolas e turmas do 1.º Ciclo, enquanto destinatários dos seus objectivos. Em Portugal existe uma entidade formadora em assuntos europeus credenciada, cuja missão abrange o ensino da Europa e da UE a crianças de todas as idades e escolaridades, inclusive do 1.º Ciclo do ensino básico. De seguida, analisaremos a acção do Centro de Informação Europeia Jaques Delors, interveniente fundamental na apresentação do presente estudo de caso. 4.2 O Centro de Informação Europeia Jacques Delors: promover a participação dos portugueses na construção comunitária O Centro será, portanto, essa janela transparente de que os portugueses passam a dispor para melhor conhecerem a Europa em geral e, em particular, a vida comunitária, nos seus múltiplos aspectos. Aníbal Cavaco Silva56 O Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD) foi criado em 8 de Dezembro de 1994 e inaugurado em 27 de Março de 1995 pelo seu patrono, Jacques Delors, em Lisboa. O objectivo inicial do Centro era o de realizar campanhas de informação e esclarecimento sobre as questões emergentes da integração europeia e, 55 Na realidade, Cardona (2007: 115) defende que os alunos do 1.º Ciclo, sobretudo nos últimos anos do mesmo, devem iniciar-se na compreensão dos fenómenos supranacionais que influenciam a sua existência, para que esta percepção possa ser reconhecida com naturalidade tão cedo quanto possível. 56 Primeiro-Ministro de Portugal aquando da inauguração do CIEJD, a 27 de Março de 1995, e actual Presidente da República Portuguesa, em 16-01-2009 (Presidência do Conselho de Ministros, 2005: 3). 77 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso em particular, sobre a realização do mercado interno, como descreve o sítio oficial do CIEJD.57 Os seus membros fundadores são o Estado Português e a União Europeia, através pela Comissão Europeia, e vigorou juridicamente até ao ano de 2008 como Agrupamento Europeu de Interesse Económico (AEIE). Consequência de um processo de reestruturação, o CIEJD passou a integrar a Direcção-Geral dos Assuntos Europeus (DGAE), sob tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) a 1 de Janeiro de 2008. A Comissão Europeia havia já decidido, em 2005, não renovar a sua participação no Centro, e o Governo português, nas palavras da Dra. Maria João Botelho, Subdirectora-geral da DGAE, entendeu ser essencial preservar o papel que o Centro tem vindo a desempenhar no sentido da divulgação e informação sobre assuntos europeus.58 Actualmente, o CIEJD conta com uma Parceria de Gestão entre o Governo português e a Comissão Europeia. Na mensagem da sua actual Directora, a Dra. Clotilde Câmara Pestana, o CIEJD tem por missão estimular a participação dos cidadãos na vida e na construção europeias, promovendo o conhecimento dos assuntos da União Europeia. Realiza e apoia o desenvolvimento de acções de informação, formação e animação pedagógica a nível nacional, nomeadamente, junto do público infantil e juvenil. Promove sessões de informação e debate sobre os temas mais pertinentes da actualidade europeia junto dos meios académicos, da sociedade civil, dos municípios, procurando comunicar a União Europeia a nível regional e local para um maior envolvimento de todos os cidadãos.59 No âmbito da formação, o CIEJD dispõe essencialmente da seguinte tipologia de aulas, cuja duração aproximada é a de uma hora: – Aulas Jacques Delors (AJD), leccionadas no próprio Centro por técnicos do mesmo, poderão abordar genericamente a UE ou uma outra temática comunitária, como a Cidadania Europeia, a Estratégia de Lisboa, o Tratado de Lisboa, entre outras; – Sessões de Informação e Debate (SID), leccionadas por todo o país consoante a requisição das mesmas; tal como nas AJD, as Sessões poderão ser genéricas ou temáticas. As SID são ministradas por formadores credenciados pertencentes à Rede de Formadores Jacques Delors, uma bolsa de profissionais e especialistas em assuntos 57 Em http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=251&p_est_id=661, em 11-07-2008. Em http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=3722&p_est_id=8695, em 11-07-2008. 59 Mensagem da Directora do CIEJD em Outubro de 2008, disponível em http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=4447, em 16-01-2009. 58 78 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso europeus, oriundos de todo o país. Conforme solicitação do Centro, os formadores são destacados para dinamização das Sessões. Todas as acções formativas são apenas marcadas após manifestação de interesse das entidades e de um contacto junto do Centro. Para o suporte pedagógico das acções de formação, o CIEJD disponibiliza e envia material informativo devidamente preparado para o efeito pelo próprio, como sendo vários tipos de documentação, brochuras, posters, autocolantes, CDs, etc. No âmbito da animação pedagógica, o Centro organiza diversas actividades, como a comemoração do Dia da Europa, peças de Teatro Uma Viagem à União Europeia, o projecto Inscrever a Europa no muro das Cidades (que consiste na pintura dos artigos da CDF e de motivos alusivos à mesma num painel de azulejos, posteriormente disposto num local estratégico numa cidade do país), entre outras. A sua acção informativa assenta estrategicamente no seu sítio oficial na internet (www.eurocid.pt), no qual disponibiliza, entre várias outras ferramentas, os chamados dossiers temáticos, uma compilação digital de documentos sobre determinados temas europeus. De igual modo, o sub-sítio Aprender a Europa (www.aprendereuropa.pt) disponibiliza um leque abrangente de informações sobre a UE a alunos, professores e pais, e investigadores. Assim, e fazendo uso de uma expressão presente no seu sítio, o Centro Jacques Delors possibilita Aprender a Europa dos 5 aos 95, sensibilizando a sociedade para o conhecimento e o debate das questões relacionadas com a UE. O estudo de caso que apresentaremos insere-se na missão formativa e pedagógica junto de um público-alvo infanto-juvenil, precisamente com alunos cuja idade mínima era, em alguns dos casos, de cinco anos. 4.3 A Biblioteca Municipal do Bombarral e a ideia da iniciativa A Biblioteca Municipal do Bombarral (BMB) começou a sua actividade nos anos 60, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1985, a Biblioteca muda de instalações – de uma sala do Palácio Gorjão, vai inaugurar o Anfiteatro José Maria do Rosário Guilherme, actual localização da Biblioteca e um dos locais de lazer mais apelativos no Bombarral. Actualmente, BMB funciona sob tutela da Câmara Municipal do Bombarral (CMB) e já não conta com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que entretanto ofereceu à CMB todo o acervo existente na biblioteca. 79 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso O projecto Europa somos nós partiu da iniciativa da Dra. Fernanda Silva, Técnica Profissional de Biblioteca e Documentação, em funções na BMB desde 2005, e responsável pela área infanto-juvenil da biblioteca. Até 2005, esta área encontrava-se sem qualquer utilização. À Biblioteca não é exigido o cumprimento de quaisquer objectivos quantitativos a apresentar à CMB. Assim, as actividades organizadas em cada ano lectivo na Biblioteca pela Dra. Fernanda Silva, especialmente dedicadas às crianças do 1.º Ciclo, são de sua própria iniciativa e sem quaisquer fins específicos que não seja o prazer de dar conhecimentos às crianças, segundo as palavras da própria, proferidas numa entrevista realizada em Agosto de 2008. Nos anos transactos, e desde 2005, organizou várias actividades, como a Hora do Conto, na qual eram narradas lendas, ou histórias variadas apropriadas à idade e metas pedagógicas das crianças, e elaborou exposições sobre os mais variados temas, quer partindo de pesquisas e trabalhos de sua autoria, quer com trabalhos e contribuições dos alunos. No ano de lectivo de 2006/2007, a título de exemplo, a actividade promovida girou em torno das Diferentes culturas: Uma volta ao mundo e, durante nove meses, foram abordados, mensalmente, diferentes países do mundo e suas culturas – nove meses, nove países. A técnica afirma, acima de tudo, possuir grande espírito de missão e gosto pelos livros, razões pelas quais decidiu organizar espontaneamente estas actividades. Estas acabam por complementar os conhecimentos adquiridos pelas crianças nas escolas. Em 600 crianças, todos os meses, é natural que nem todas aprendam o mesmo, e no mesmo ritmo. Mas a missão essencial é cumprida, segundo a técnica, pois fica sempre algo na memória deles. Para o ano lectivo de 2007/2008, a Dra. Fernanda Silva problematizou a possibilidade de, mensalmente, dar a conhecer aos alunos do 1.º Ciclo do Bombarral o que é a União Europeia. As suas motivações prenderam-se com a convicção de que os cidadãos não conhecem nem entendem o que é a UE, pelo que seria essencial investir nas raízes dos futuros cidadãos europeus – as crianças. E futuramente, também para que não pensem na UE apenas como sinónimo de fundos comunitários para Portugal, nas suas palavras, numa Europa cujas fronteiras físicas se estão, cada vez mais, a esbater internamente. Ao apostar em ensinar a Europa aos futuros cidadãos europeus, a referida técnica profissional pretendia demonstrar às crianças que mais do que realizações concretas, a Europa somos nós, é o continente das pessoas, dos cidadãos, das crianças. A UE surge, neste contexto, como reflexo dos ideais da Europa enquanto continente, dos seus valores e diversidade de culturas. Por isso, também a UE, enquanto realidade 80 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso político-jurídica presente no quotidiano de todos os cidadãos, deve ser compreendida desde terna idade para que possa ser construída por todos. Para desenvolver a actividade era necessário, porém, material pedagógico, e é assim que a responsável da Biblioteca entra em contacto com o CIEJD. Foi então informada das SID e do funcionamento de uma rede de formadores devidamente certificada, que poderia deslocar-se ao Bombarral. Paralelamente, a BMB, sob iniciativa própria da Dra. Fernanda Silva, pretendia dinamizar a Hora do Conto durante o ano lectivo, com a apresentação de nove países pertencentes à UE, sustentada em exposições, para demonstrar que as identidades nacionais da UE estão vivas. Para a concretização da actividade, as portas já estavam abertas, refere Fernanda Silva. A iniciativa Europa somos nós seria certamente bem-vinda junto das crianças, na medida em que elas próprias ganharam, gradualmente, elevado interesse pelas idas à Biblioteca, para o simples acto de aprender de um modo lúdico. As actividades anteriormente desenvolvidas e os laços de afectividade estabelecidos com a Dra. Fernanda Silva, assim como a extraordinária aceitação das professoras face à ideia do projecto, traduziram-se em alguns dos ingredientes para que a iniciativa acontecesse, num concelho do qual iremos agora fazer uma breve caracterização social. 4.4 Um retrato social do concelho do Bombarral O concelho do Bombarral foi criado em 1914 e situa-se na denominada Região Oeste. Encontra-se rodeado dos concelhos de Óbidos a Norte, Caldas da Rainha a Este, Cadaval (Sudeste e Sul), Lourinhã a (Sudoeste e Oeste). A sua área total é de 91,7 km2, sendo que a grande maioria da superfície de terreno está ocupada pela actividade agrícola (aproximadamente 5.600 hectares). A restante área é ocupada por floresta (cerca de 725 hectares), e por superfície urbana (cerca de 895 hectares) (Município do Bombarral, 2004: 31). Pertence ao distrito de Leiria e está integrado na NUT III do Oeste, integrando a NUT II do Centro, embora se encontre na área de actuação da Comissão de Coordenação e de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT). Em 2007, e segundo o Instituto Nacional de Estatística (www.ine.pt), a população total do concelho era de 13.857 habitantes, e caracteriza-se pelo seu envelhecimento progressivo, com o crescimento do número de idosos e diminuição dos jovens residentes. 81 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso O concelho encontra-se dividido em cinco freguesias: Bombarral, que agrupa cerca de um terço da população (5.514 habitantes), Carvalhal (2.934 habitantes), Pó (940 habitantes), Roliça (2.744 habitantes), Vale Covo (1.191 habitantes). Apesar da sua proximidade à área metropolitana de Lisboa (cerca de 80 km), o concelho tem tradicionalmente um forte pendor agrícola, reflectindo-se essa característica no seu modus vivendi (Idem, 2004: 32), e na predominância do sector primário na taxa de actividade da população (até há bem pouco tempo, cerca de 45%, actualmente 30%, segundo o estudo desenvolvido pelo Município). Tal facto relaciona-se com a estrutura fundiária predominante no concelho. Por seu turno, o sector secundário e terciário têm absorvido os excedentes do sector primário, o que em parte explica a crescente actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas (Idem, Ibidem). No sector secundário ocupam-se 25% dos activos e o sector terciário tem vindo a assistir um elevado crescimento, congregando cerca de 42% da população activa, em actividades essencialmente concentradas na própria freguesia do Bombarral, a que menos características rurais apresenta. Aliás, a ruralidade ainda existente, e que só agora começa a ser superada, está ainda bem expressa na taxa de analfabetismo do concelho que ronda os 11,6% (Idem, Ibidem). A nível de estabelecimentos de ensino, até 2003, e segundo dados expressos no estudo aqui abordado Diagnóstico Social do Concelho do Bombarral, existiam no concelho: 12 jardins-de-infância; 19 Escolas do 1.º Ciclo; uma escola de 2.º Ciclo; duas escolas de 3.º Ciclo; e uma escola de ensino Secundário. Em 2004, seria criado o Agrupamento de Escolas Fernão do Pó, no Bombarral, que abrange todo o concelho do Bombarral incluindo jardins-de-infância, escolas do 1.º Ciclo e uma escola de 2.º e 3.º Ciclos do ensino Básico, sendo esta última a sede do Agrupamento (Idem, 2004: 65). O número de alunos a frequentar o 1.º Ciclo no ano de 2003 perfazia o total de 621 (Idem, 2004: 67), distribuídos pelas várias escolas nas freguesias. Uma vez que a actividade Europa somos nós decorreu na Biblioteca Municipal do Bombarral, e à mesma deslocaram-se todos os alunos participantes das sessões, optámos por não caracterizar de modo dissecado os estabelecimentos de ensino do 1.º Ciclo Básico no concelho. Ir-se-á agora descrever a actividade propriamente dita. 4.5 Europa somos nós O Centro Jacques Delors aceitou bastante bem a ideia de dinamizar a iniciativa Europa somos nós, apesar de esta ter, necessariamente, de se processar num molde 82 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso particular, quando comparadas às outras acções AJD e SID. Nunca o CIEJD havia organizado uma actividade com aulas mensais, com a duração total de nove meses (ou um ano lectivo). De igual modo, nunca se havia ensinado a UE na forma de nove temas diferentes, encadeados mês após mês, por um só formador. O carácter de originalidade da fórmula sugerida pela Dra. Fernanda Silva era uma novidade para o Centro que acabou por ser aceite. Paralelamente, ensinar a UE num concelho rural, muito embora a sua proximidade da área metropolitana da capital, Lisboa, revelou-se um desafio ainda maior. Todas as aulas e sessões promovidas pelo CIEJD consistem na projecção de uma apresentação de suporte informático (formato powerpoint), com textos, imagens, sons, vídeos, jogos e quizzes, numa dinâmica de diálogo e debate entre o formador e os alunos. A característica mais apelativa do projecto formativo do CIEJD prende-se com uma elevada interactividade e faceta lúdica. As apresentações são disponibilizadas pelo Centro aos formadores. No caso do projecto Europa somos nós, e uma vez que se tratava de uma actividade especial sob o desígnio nove meses, nove temas, os conteúdos das apresentações foram necessariamente reformulados pela formadora, para se adaptarem aos objectivos iniciais do projecto. A escolha dos temas foi decidida pela própria e aprovado pelo Departamento de Formação do CIEJD. Assim, Europa somos nós foi desenvolvida durante nove meses, num total de nove aulas por mês, durante três dias do inicio de cada mês, repartidas por três aulas por dia, cada com a duração de uma hora. O público-alvo foi, aproximadamente, 450 crianças, cujas idades se situavam entre os 6 e os 12 anos, repartidas por 23 turmas. A nível geográfico, as escolas participantes pertencem a todas as freguesias do Bombarral: Carvalhal (Barrocalvo, Carvalhal, Salgueiro), Pó, Roliça (A.-da-Delgada e S. Mamede), Vale Covo e Bombarral. Não foi possível recolher o número exacto de alunos, uma vez que certas turmas participavam na actividade de modo rotativo com outras turmas, de dois em dois meses. Acresce o facto de, e em termos oficiais, a recolha mensal de dados para o CIEJD, necessária enquanto comprovativa da realização da actividade, ter sido efectuada em nome colectivo da BMB, sem qualquer descriminação das diferentes escolas ou turmas, nem do número específico de alunos correspondente a cada turma. Os alunos participantes frequentavam na sua grande maioria o 4.º ano de escolaridade: cerca de metade dos participantes. Os restantes alunos abrangeram os 1.ºs, 2.ºs e 3.ºs anos de escolaridade. Ainda antes do início da actividade, algumas 83 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso professoras dos 1.ºs e 2.ºs anos questionaram até que ponto os conhecimentos sobre a UE não seriam demasiados complexos para a compreensão dos seus alunos. De facto, a formadora denotou na primeira sessão grande dificuldade destes em assimilar o conceito de Europa enquanto espaço supranacional e continente geográfico, o que acaba por coincidir com as indicações do manual de competências dos alunos do 1.º Ciclo. Por esse motivo, optou-se pela apresentação, a estes alunos, dos 27 países membros da UE, e não abordar as diferentes temáticas subordinadas à UE que foram, por sua vez, destinadas aos alunos dos 3.ºs e 4.ºs anos. Assim, a primeira aula e a terceira aula do dia, eram destinadas às temáticas da UE, enquanto que a segunda sessão se destinava aos alunos dos 1.ºs e 2.ºs anos, com base numa apresentação especialmente dedicada aos vários Estados-Membros da UE, embora se fizessem, constantemente, referências explícitas à UE e aos seus símbolos. A calendarização e dos temas das sessões decorreu do seguinte modo (para informação mais pormenorizada, ver Anexo 1): – Sessão 1: A Europa e a União Europeia a 27 países; – Sessão 2: História e Alargamentos da União Europeia (1.ºs e 2.ºs anos: Grécia, França, Suécia, Alemanha); – Sessão 3: O Natal na União Europeia; – Sessão 4: Símbolos da União Europeia e o Euro (1.ºs e 2.ºs anos: Itália, Roménia, Chipre, Espanha e Portugal);60 – Sessão 5: Instituições da União Europeia; (1.ºs e 2.ºs anos: Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca); – Sessão 6: Cidadania e Viver na União Europeia (1.ºs e 2.ºs anos: Estónia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo); – Sessão 7: Os países da União Europeia – 14 países (1.ºs e 2.ºs anos: Hungria, Malta, Países Baixos, Áustria); – Sessão 8: Os países da União Europeia – 13 países (1.ºs e 2.ºs anos: Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia, Reino Unido); – Sessão 9: “Quizzes” sobre a União Europeia. Todas as sessões foram complementadas por materiais pedagógicos cedidos pelo CIEJD, distribuídos mensalmente e de acordo com o tema abordado, como mencionado 60 Os países abordados nas sessões 2 e 4 representam os apresentados na Hora do Conto¸ iniciativa conduzida pela Dra. Fernanda Silva, paralela e complementar à Europa somos nós. A ordem sequencial dos países abordados nas sessões 5, 6, 7 e 8 foi decidida conforme a ordem protocolar de disposição dos Estados-Membros na UE. 84 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso no Anexo 1. O Anexo 2 inclui excertos das apresentações da actividade Europa somos nós. Nas sessões destinadas aos 1.º e 2.º anos, apresentar os 27 países da UE passou pela abordagem das características gerais dos mesmos: população, área geográfica, referência às línguas, bandeira nacional, moeda, e visualização de imagens características do país em discussão. Explícita e frequentemente, foram feitas referências à pertença destes países à UE, e referidos os símbolos da mesma. Nas sessões destinadas ao público-alvo de escolaridade superior, mais do que abordar noções abstractas, os conteúdos pedagógicos sobre a UE residem em noções concretas e de relativa profundidade conceptual. Estas eram apresentadas às crianças num discurso acessível e adequado às suas idades, fazendo uso de variados recursos quando pertinente: ilustrações, sons, nomeadamente o Hino da UE, vídeos sobre a Lenda da Europa, outras lendas europeia e sobre a construção europeia, jogos e quizzes.61 4.6 Um balanço pós-actividade 4.6.1 Junto dos alunos No sentido de obter, junto dos alunos, a sua opinião sobre as sessões desenvolvidas, optámos por efectuar inquéritos com questões de simples abordagem, especialmente concebidos para um público-alvo de crianças dos 6 aos 12 anos, do 1.º Ciclo. O exemplar original do mesmo inquérito poderá ser consultado em Anexo 3. Foram distribuídos 410 inquéritos no mês de Maio, penúltimo mês da iniciativa. Em Junho, obtivemos o total de 239 inquéritos, o que representa cerca de 58% do universo total dos alunos. Analisaremos as respostas relativas aos seguintes aspectos: a) Idade e género do aluno; b) Palavras que associa à designação União Europeia; c) Utilidade dos conhecimentos adquiridos sobre a UE; d) Importância de saber de que se trata a UE, na visão pessoal do aluno; e) Vontade de aprender mais sobre a UE no futuro; f) Até que ponto o aluno se considera cidadão da UE. a) Idade e género do aluno 61 Nos Anexos encontram-se excertos dos dispositivos apresentados nas várias sessões. 85 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso A moda das idades é de 9 anos e os alunos repartem-se de forma semelhante pelos dois géneros (quadro 1). Quadro 1: Número de inquéritos obtidos segundo idade e género Género Idade Total 6 7 8 9 10 11 12 Masc. 15 20 22 30 20 7 2 116 Fem. 15 20 17 35 31 5 0 123 30 40 39 65 51 12 2 239 Total b) Palavras que associa à designação União Europeia Solicitados a indicarem as palavras que associam a União Europeia, os alunos dispersaram-se por 84 conceitos. Seleccionados os conceitos repetidos dez ou mais vezes, observa-se que os citados com maior frequência prendem-se com realidades bastante concretas: os países, Euro, hino, bandeira da UE e bandeiras, Parlamento Europeu; para além de valores fundamentais: ajuda, amizade, liberdade, paz, união (gráfico 4). Gráfico 4: Principais conceitos associados à União Europeia 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 27 pa ís es Aj Ba A ud nd m a ei iza ra d d e Ba a U nd E ei C ras ap ita D Cid is ia da adã Eu o ro p Eq a ui pa Eu Eu ro ro Ja pa cq Le ue Hi nd s D no a da elo Eu rs L i ro p be a rd a Lí de Pa n rla gu m en P as a to is Eu e s ro pe u Sí Pa m bo z lo s U ni ão Número de vezes da referência das palavras Principais conceitos associados à União Europeia Palavras Há, de facto, uma componente alargada de conceitos associados à União Europeia que decorre da realidade geográfica concreta (países, Europa), mas também de símbolos palpáveis (Euro, hino, bandeira), e ainda de valores da cidadania (união, paz, amizade). Naturalmente, este levantamento de conceitos vai, em grande medida, ao encontro da abordagem efectuada nas sessões de formação. Estes resultados sugerem, assim, que os alunos do 1.º Ciclo possuem e aprendem com facilidade conceitos tanto 86 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso concretos como abstractos relacionados com a União Europeia, designadamente os seus símbolos e valores. Entre os conceitos menos citados, encontram-se outros eventualmente mais complexos, como Tratados, solidariedade, instituições, respeito, culturas, diversidade, tolerância, votar, entre outros. Os alunos mais jovens são, por sua vez, os que mais referem os países, o que coincide com o tipo de apresentação que lhes foi destinada. Não existe uma diferenciação significativa nas respostas tendo em conta géneros. d) Utilidade dos conhecimentos adquiridos sobre a UE O quadro 2 evidencia, por idades, qual a utilidade dos saberes sobre a UE adquiridos na actividade, na sua própria opinião. Quadro 2: Utilidade dos conhecimentos adquiridos sobre a UE Muito útil O que aprendeste nas au las sobre a União Europeia é: Total 6 anos 7 anos 8 anos 9 anos 10 anos 11 anos 12 anos 21 36 35 55 41 9 2 199 Útil 5 4 4 9 10 2 - 34 Pouco útil 2 - - 1 - 1 - 4 Nada útil 2 - - - - - - 2 T otal 30 40 39 65 51 12 2 239 Entendemos estas respostas como um positivo sinal de que os alunos avaliam, numa perspectiva presente e de certo modo também futura, que conhecer a UE comporta elevadas vantagens. As respostas mais desfavoráveis surgem, tendencialmente, dos alunos mais jovens – eventualmente, para eles terá sido mais difícil compreender a utilidade da UE. d) Importância de saber de que se trata a UE, na visão pessoal do aluno A larga maioria dos alunos referiu ser muito importante conhecer a UE (quadro 3). Quadro 3: Importância de saber o que é a União Europeia, para o aluno Muito importante Importante Pouco importante Nada importante Total Para ti, saber o que é a União Europeia é: Total 6 anos 7 anos 8 anos 9 anos 10 anos 11 anos 12 anos 24 37 35 58 39 9 2 204 4 3 4 5 12 3 - 31 2 - - 2 - - - 4 - - - - - - - 0 30 40 39 65 51 12 2 239 87 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso Sublinhe-se que alguns alunos a consideram muito importante, apesar de não a considerarem muito útil – há uma clara consciência da relevância da União Europeia nos nossos quotidianos. e) Vontade de aprender mais sobre a UE no futuro A maioria dos alunos (62,7%) tem muita vontade de alargar os seus conhecimentos sobre a UE e apenas 2,5% destes manifestam pouca vontade de o fazer (quadro 4). Neste caso, a iniciativa Europa somos nós revelou-se bem sucedida no despertar destes pequenos cidadãos para a União Europeia. Quadro 4: Vontade de aprender mais sobre a UE, no futuro No futuro, gostarias de aprender mais sobre a União Europeia? Total 6 anos 7 anos 8 anos 9 anos 10 anos 11 anos 12 anos Muita vontade Alguma vontade Pouca vontade Nenhuma vontade Total 22 38 31 47 27 9 1 175 5 2 8 16 23 2 1 57 1 - - 2 1 1 - 5 2 - - - - - - 2 30 40 39 65 51 12 2 239 f) Até que ponto o aluno se considera cidadão da UE Apesar do conceito de cidadão da UE se reportar a uma identidade simbólica, que poderá ser de difícil compreensão, a esmagadora maioria dos alunos assume esta identidade (quadro 5) – há apenas uma resposta negativa e as respostas não sei surgem, maioritariamente, entre os mais novos, ao encontro do que antes constatámos. De sublinhar, entretanto, que este conceito foi explicitamente abordado nas sessões de formação. Quadro 5: Resposta à questão És um cidadão da UE? Sim Não Não sei Total 6 anos 26 4 30 És um "cidadão da União Europeia"? Total 7 anos 8 anos 9 anos 10 anos 11 anos 12 anos 36 37 62 50 10 2 223 1 1 4 40 2 39 3 65 1 51 1 12 2 15 239 De acordo com o quadro 5, e quando dissecados os resultados consoante a idade dos alunos, concluímos que a expressão de respostas não sei evidencia-se numa idade mais reduzida, pois poderão, naturalmente, não ter percepcionado a conotação do desígnio ser cidadão da Europa. Porém, face a esta noção de relativa complexidade, a 88 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso maioria dos alunos parece ter procurado, convictamente, afirmar-se como cidadão europeu. Em jeito de conclusão, o balanço final da iniciativa junto dos alunos é largamente positivo. A esmagadora maioria afirma que aprender e conhecer a UE é muito útil, muito importante, e revela muita vontade de continuar a aprendizagem. Se no ensino básico se prepara o futuro cidadão, também à aprendizagem da cidadania europeia, através de abordagens concretas, deverá ser reservado um papel especial. É certo que o sucesso da iniciativa poderá estar vinculado a um entusiasmo por participarem numa actividade extra-curricular, com um formador diferente dos seus professores, e com metodologias atractivas e inovadoras. Todavia, acreditamos que é precisamente nestes elementos que reside grande parte do sucesso da acção, e que uma aposta nesta fórmula de aprendizagem junto dos alunos, deverá ser seriamente considerada. Se na infância são lançadas as sementes do futuro, a estas crianças foram criados os caminhos para melhor entenderem a UE e aprofundarem futuramente os seus conhecimentos. 4.6.2 Junto dos encarregados de educação Para além de conhecer a opinião dos alunos, julgou-se pertinente incluir neste estudo o parecer dos respectivos encarregados de educação face à actividade Europa somos nós. Assume-se como normal que os alunos transportem as suas aprendizagens para o meio familiar. De igual modo, este inquérito abrange uma amostra ilustrativa dos habitantes do concelho, com maior significado relativamente aos adultos-jovens, procurando averiguar a sua própria visão do projecto político da UE. Juntamente com os inquéritos aos alunos no mês de Maio, foram distribuídos os inquéritos aos respectivos encarregados de educação, num total de 410. O inquérito original poderá ser consultado em Anexo 4. Em Junho, obtivemos o total de 250 inquéritos, 60,1% dos inquiridos. Questionámos os seguintes aspectos: a) Idade, Género, Freguesia, Concelho, Escolaridade; b) Avaliação de iniciativas que ensinem a UE a crianças, num âmbito geral; c) Sucesso da iniciativa Europa somos nós, face às aprendizagens do educando; d) A sua própria opinião sobre a UE; e) Como avalia o seu conhecimento sobre a UE; f) Variação do interesse por assuntos europeus após a realização da actividade. a) Idade, Género, Freguesia, Concelho, Escolaridade 89 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso A moda de idades dos encarregados de educação é de 35 anos; a idade máxima situa-se nos 63 anos, idade mínima é de 20 anos. A grande maioria (236) habita no concelho do Bombarral, concentrados nas freguesias do Bombarral (129), Carvalhal (51), Roliça (37), Vale Covo (18), e outras dispersas. Gráfico 5: Escolaridade dos encarregados de educação, por número de respostas 30 47 35 1.º Ciclo EB 2.º Ciclo EB 3.º Ciclo EB Secundário Licenciatura 77 61 Metade da amostra detém uma escolaridade abaixo da obrigatória (gráfico 5), parte destes com apenas o 1º ciclo de escolaridade, o que vai ao encontro da baixa taxa de escolarização antes identificada. b) Avaliação de iniciativas que ensinem a UE a crianças, num âmbito geral Das quatro categorias de resposta sugeridas, 154 pessoas referiram que iniciativas que visem o ensino da UE, numa perspectiva genérica, são de muita importância, 94 consideraram serem importantes, apenas 3 referiram ser pouco importantes e ninguém considera serem nada importantes. Curiosamente, os inquiridos cuja escolaridade é mais baixa (1.º Ciclo) e os dotados com curso superior (Licenciatura) são os maiores adeptos da realização deste tipo de actividades. c) Sucesso da iniciativa Europa somos nós, face às aprendizagens do educando Os encarregados de educação catalogaram o grau de sucesso entre muito bom (108, 43,3%), bom (118, 47,4%), razoável (19, 7,6%) e fraco (4, 1,6%)) – uma opinião positiva, ainda que menos entusiasta que a manifestada anteriormente. As respostas mais críticas provieram de encarregados de educação cujo conhecimento sobre a UE é reduzido, e de outros cuja opinião sobre a UE é desfavorável (aspectos seguidamente explorados). Aos encarregados de educação será complexo avaliar, concreta e cientificamente, as aprendizagens dos alunos a propósito da iniciativa. d) A sua própria opinião sobre a UE A concepção sobre a UE é, em grande maioria, favorável (207 respostas). Apenas 14 respostas indicaram uma posição desfavorável face ao projecto comunitário, dos quais 13 pessoas afirmam possuir um conhecimento médio sobre a UE, e apenas 90 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso uma admite que este é fraco, e 27 inquiridos consideram ter uma visão indiferente. De salientar que a maioria dos encarregados de educação com opinião desfavorável diz possuir um forte conhecimento sobre a UE (aspecto adiante explorado), e correspondem a pessoas com maior grau de escolarização. Evidencia-se, pois, um certo pendor crítico à UE por parte de uma minoria desta amostra em estudo. e) Como avalia o seu conhecimento sobre a UE Das quatro categorias de resposta sugeridas, uma minoria de 17 pessoas referiram possuir um forte conhecimento sobre a UE, a grande maioria 209 afirma possuir um conhecimento médio, 18 afirmam ser fraco e 6 admitem não possuir nenhum saber sobre a UE. Novamente, esta questão acaba por se revelar subjectiva, na medida em que são os próprios encarregados de educação que elaboram uma auto-avaliação dos seus conhecimentos. Consideramos que, relativamente a esta questão, deveria ser conduzida uma outra investigação, como que se de um Eurobarómetro se tratasse. f) Variação do interesse por assuntos europeus após a realização da actividade Após a actividade Europa somos nós e face à participação do seu educando, cerca de metade dos inquiridos (121) revelaram ter aumentado o interesse por assuntos relativos à UE. A maioria (128) afirma que a sua atenção se manteve e apenas um inquirido afirmou que diminuiu o interesse pela UE. Em jeito de desafio, esta questão poderia ser igualmente lançada após a dinamização de uma actividade deste cariz, porém destinada a adultos. Tendo em conta que os inquiridos foram apenas espectadores das reacções dos educandos participantes, consideramos extremamente positivo que cerca de metade das respostas aponte para um acréscimo de interesse pela UE. Assim, concluímos que para os encarregados de educação a acção Europa somos nós foi, em larga medida, positiva, muito embora as discrepâncias no conhecimento sobre a UE e opinião sobre a mesma. Os inquiridos com maior escolaridade e conhecimento de assuntos europeus revelam ser os mais críticos face à actividade, se bem que numa irrelevante minoria. Em geral, as actividades com conteúdos europeus destinadas às crianças são bem-vindas e úteis para os alunos, acabando por influenciar o seu próprio interesse pelas temáticas europeias dos familiares mais próximos. Globalmente, a iniciativa Europa somos nós revela um balanço claramente positivo, entre os alunos do 1º ciclo, cuja idade não parece constituir um impedimento à 91 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso sua formação como cidadãos europeus – embora os alunos mais jovens possam ter maiores dificuldades de aprendizagem. 4.6.3 Junto da Biblioteca Municipal do Bombarral Para um balanço final da actividade segundo a BMB, realizou-se uma entrevista à Dra. Fernanda Silva, a dinamizadora das actividades infanto-juvenis da BMB e principal interessada na realização da actividade, em Agosto de 2008 (dois meses após o término da iniciativa). Na sua opinião, as expectativas iniciais foram plenamente correspondidas, até superadas. Os conteúdos foram bem apresentados e organizados na sua sequência, e a formadora foi capaz de captar o espírito de missão do projecto, que pretendia ir mais além do que uma simples enumeração de factos ou datas. Até para os alunos de 1.º e 2.º anos, a fórmula encontrada de apresentar a UE através da abordagem centrada nos 27 países foi considerada produtiva. As professoras dos alunos demonstraram também, uma óptima reacção, e reconheceram, também elas, ter aprendido muito sobre a UE. Até porque, na percepção da Dra. Fernanda Silva, as próprias professoras não teriam capacidade de apresentar as temáticas europeias. Em jeito de elogio, as sessões foram categorizadas como sendo aulas diferentes. A originalidade destas aulas reside na capacidade de captação da atenção dos alunos, recorrendo de metodologias raramente ou nunca utilizadas numa sala de aula. Parte do sucesso é a própria inovação pedagógica desenvolvida pelo CIEJD, que aborda de modo original assuntos todos os dias assimilados pelas crianças através dos media. Estes assuntos deixaram de soar estranhos às crianças, passaram a ser-lhes familiar. Na sua opinião, o maior desafio não se prendeu sequer com a aceitação dos alunos face ao projecto, nem tão pouco na adequação dos conteúdos pedagógicos às capacidades cognitivas dos alunos, que se revelou como positiva. A técnica da Biblioteca considerou o maior desafio, por sinal positivo, a sua própria postura perante a iniciativa, na organização da mesma. Tinha a noção de que algo de muito importante se passava aqui, na Biblioteca, todos os meses, e que marcava a diferença. Nos anos escolares destes alunos mal se menciona a UE, como comprovado pela análise aos curricula do 1.º Ciclo do ensino básico. Para a Dra. Fernanda Silva, a própria iniciativa revelou-se um prazer para os alunos. Certos assuntos eram abordados numa determinada sessão, e em sessões no mês ou meses seguintes, os alunos eram capazes de identificar as aprendizagens anteriores. A prova mais evidente surgiu na última 92 A aprendizagem da UE no 1.º Ciclo: um estudo de caso sessão, na qual às perguntas ao Quizz final correspondiam na grande maioria, respostas certas dos alunos. Incutir nos alunos o sentido de cidadania europeia pode ter demonstrado que existe Europa além da realidade do Bombarral. De facto, a situação socioeconómica do concelho, caracterizado pela ruralidade e pelo relativo isolamento de certas populações, pode ter também condicionado o sucesso da iniciativa. Na opinião da Dra. Fernanda Silva, o facto dos alunos não terem um acesso às novidades da cidade, pode ter também influenciado a sua avidez por informação nova. Partindo da sua larga experiência nas actividades anteriormente decorridas na BMB e, em específico, da Europa somos nós, a técnica da Biblioteca não consegue ser categórica e delimitar a idade ou escolaridade indicada para aprender a UE. Por vezes, os alunos do 1.º ano aprenderam até mais do que alunos do 4.º ano, é uma questão subjectiva, cada criança é um caso. Porém, não tenho dúvidas de que assimilaram, todos eles, conhecimentos importantes. Assim, mais do que apreciar a escolaridade indicada ou os conteúdos ensinados, a satisfação prende-se com a certeza de que as crianças entendiam do que se falava nas aulas. Aprender sem compreender, sem entender, não é aprender, e os alunos compreenderam o que foi transmitido. Sinal positivo, na sua opinião, foi o facto dos alunos terem até criado grandes laços de afectividade com a formadora. Aprenderam, tiveram prazer no que aprenderam, criaram laços, e sabem que nós todos somos Europa. E acrescenta, se tivesse de repetir a iniciativa, não mudaria nada. 93 Conclusão 5. CONCLUSÃO O projecto de União Europeia abarca, actualmente, inúmeras outras conquistas jamais sonhadas pelos seus pais fundadores. De seis a vinte e sete Estados-Membros, não só se cumpriu o sonho inicial de preservar a paz no continente, como a Comunidade se transformou num gigante económico mundial, embora ainda insegura na definição de uma posição única na política externa. É na fórmula de funcionamento desta União que reside o seu próprio sucesso, assente na promoção dos valores humanistas, na imprescindibilidade da democracia nos processos de decisão e no respeito mútuo entre Estados e povos. Os desafios no horizonte europeu são da mais variada índole. Na ordem do dia surgem, entre outras, a problemática da adesão da Turquia ao projecto e de futuros alargamentos, o envelhecimento da população europeia e a questão emergente das alterações climáticas. Todavia, o desafio mais claro prende-se com o estatuto económico do mercado único da Comunidade – este, aliás, fio condutor do processo de integração europeia. Na viragem para o Século XXI, o objectivo de tornar a UE a economia mais competitiva no mundo até ao ano de 2010, contribuiu para uma clara aposta na educação, porém, sob a égide do progresso económico. Com efeito, a emergência da Sociedade do Conhecimento exigiu que os cidadãos se preparassem e se formassem tendo em conta as características de um mundo competitivo e globalizado. Neste contexto, tornar a educação e da formação para e ao longo da vida prioridades comunitárias, tem sido encarado, politicamente, como mero estágio de preparação para uma realidade que se pretende de pleno emprego e de coesão social. Por outro lado, a UE depara-se com crescentes críticas de descurar o cidadão europeu na esfera da sua acção, nomeadamente na chamada de participação dos mesmos no desenrolar do projecto. A União é frequentemente acusada de se escudar em repetidas afirmações, como a concessão do estatuto de cidadão europeu conferido em Maastricht e o usufruto, por esse motivo, de direitos consolidados nos diferentes tratados; a representação dos cidadãos no Parlamento Europeu, através das eleições europeias desde 1979; a proliferação de iniciativas como a declaração do Ano Europeu, entre outras. Ora mais do que fazer representar os cidadãos juridicamente, nos seus tratados, ou de proporcionar eleições europeias, à UE urge aproximar os cidadãos ao seu 94 Conclusão projecto, interessá-los pelas suas conquistas políticas e, ainda a propósito da temática recente do referendo ao Tratado de Lisboa, dotá-los de um conhecimento europeu que lhes permita votar em consciência sempre que chamados a intervir no projecto europeu. De facto, a realização dos referendos tem sido fonte de acesa discussão, sobre até que ponto será viável chamar os eurocidadãos para a aprovação dos tratados, o que acaba por condicionar o próprio futuro da União. Em boa verdade, não só o desinteresse dos cidadãos é visível na elevada abstenção aquando da realização de consultas populares à escala europeia, como os resultados dos mais recentes referendos reflectem o descontentamento, e até uma certa ignorância, dos cidadãos face ao rumo político da UE. Os Eurobarómetros são de facto, enquanto expressão por excelência da opinião pública europeia, a viva prova de que aos cidadãos não lhes é destinado um conhecimento sólido sobre a UE. E, por esse motivo, os jovens e adultos cidadãos acabam por se desinteressarem da realidade europeia, canalizando as suas aspirações políticas para a acção dos governos nacionais. Está instalado na Europa, efectivamente, um défice democrático, que influencia a actuação dos cidadãos europeus e o próprio rumo da UE. Se a criança é o futuro do homem, e se ao homem da UE corresponde igualmente um estatuto de cidadão europeu, à educação na Comunidade deverá ser delegado um especial destaque na construção de uma cidadania europeia plena de direitos, como o de votar na construção da UE. Com efeito, e nas palavras de Delors, as políticas educativas eram tidas pela Comissão, nos anos 90, como via privilegiada de construção da própria pessoa, das relações entre indivíduos, grupos e nações (1996: 11) assim como essenciais para contribuir para um mundo melhor, para um desenvolvimento humano sustentável, para a compreensão mútua entre os povos, para a renovação de uma vivência concreta da democracia (Idem, 1996: 14). Será na educação da criança que deverão ser inseridos os valores europeus e cultivados os ingredientes para a formação da consciência de uma cidadania, e de pertença à Europa e à UE. Será, pois, na educação para a cidadania da participação que residirá a chave do sucesso da União, e será o caminho para o combate do défice democrático em vigor. O espaço da educação nas políticas comunitárias tem sido conquistado a custo, por entre as prioridades económicas. Não obstante, ao longo do percurso de maturação do processo europeu, vem-se assistindo a um significativo processo de consciencialização da própria UE sobre o papel da educação, mais evidente, contudo, apenas a partir dos anos 80, em pleno período de entusiasmo europeu. A estruturação 95 Conclusão das políticas comunitárias no âmbito da educação, formação e cultura, deverão pautar-se pelas modificações em curso nas sociedades de hoje, pois as finalidades de outrora são, necessariamente, outras que não as de hoje. Actualmente, as metas quantitativas da Sociedade do Conhecimento e da Estratégia de Lisboa associam as acções ao nível da educação ao serviço do cumprimento de objectivos económicos. Os resultados da acção da UE nas políticas educativas acabam por se revelar pouco ambiciosos e modestos, pelo facto desta ser uma área de competência exclusiva dos Estados-Membros, espartilhada pelo princípio de subsidiariedade. A própria Comissão reconhece que a educação e a formação têm vindo a desenvolver-se desde há muito em contextos nacionais e num isolamento relativo entre si (Comissão Europeia, 2002b: 5). O princípio de respeito pela diversidade dos sistemas educativos dos países acaba por determinar um receio da União intervir politicamente no âmbito educativo, nem tão pouco ousar orientações políticas comuns, que possam eventualmente conduzir a um mercado comum da educação. Ao invés, a acção comunitária é pautada pela cooperação entre os Estados, tendo dado origem aos projectos educativos mais ambiciosos da construção europeia: o estabelecimento de vários Programas de acção comunitária, e o mais recente Processo de Bolonha. A educação europeia é hoje, portanto, caracterizada pelo estabelecimento do espaço europeu de educação, na internacionalização assente na multiplicação das redes de intercâmbio e de parcerias, e no estabelecimento de redes de contacto entre pessoas e instituições. Porém, o propósito urgente de aproximar os cidadãos da UE parece não ser contemplado pelas políticas educativas. Cultivar um sentimento agregador dos eurocidadãos, pela transmissão dos valores europeus que perduram ao longo dos séculos, tal como a história da Europa, passa inevitavelmente pela escola. Embora bastante tímida na sua esfera de actuação, a UE procurou elevar o conceito de dimensão europeia na educação, especialmente nos anos 80. A sua faceta mais perceptível surge através da aprendizagem das línguas, janela para o conhecimento dos vários países europeus e suas culturas. Mas, se se pretende falar de Europa e compreender a UE, assim como suscitar a participação consciente e activa na vida política europeia, sugere-se virar as atenções da UE e dos seus Estados-Membros para uma verdadeira introdução da dimensão europeia na educação. Esta passará pela inserção de conteúdos pedagógicos sobre a Europa e, em especial, sobre a UE, nos sistemas educativos de cada Estado-Membro. Defendemos essa tomada de posição como um passo fundamental para que o cidadão conheça os 96 Conclusão seus direitos europeus, tome decisões esclarecidas e continue a aprender sobre os assuntos europeus ao longo da sua vida. Só através da aquisição das necessárias competências através da dimensão europeia na educação, o jovem europeu será preparado para a Europa, e poderá, no futuro, envergar, conscientemente, o seu estatuto de eurocidadão. Todavia, para que a dimensão europeia figure plena e convictamente na educação, é fundamental uma reorientação política por parte dos governantes europeus. Não subsiste qualquer vontade política de desviar os objectivos económicos subjacentes às políticas educativas, para uma abordagem da educação como forma de combate ao défice democrático europeu. A pedagogia da Europa parece, assim, estar confinada a uma orientação exclusiva dos Estados-Membros, espartilhada em documentos meramente sugestivos, longe da amplitude das grandes directivas europeias orientadoras das políticas comuns. De igual modo, consideramos altamente estratégico apostar numa maior intervenção da UE junto dos media no sentido de interpelar os cidadãos, já que os meios de comunicação foram reclamados por estes como veículo de transmissão de assuntos europeus por excelência. Com efeito, fazer frente à deficiente política de comunicação europeia deverá ser uma prioridade, pois povos desinformados não só não contribuem para uma Europa democrática, como podem pô-la em perigo (Carmo, 2005). Uma acção concertada dos decisores políticos e dos media poderá abrir novas perspectivas na aproximação da UE aos cidadãos, e colocar a Europa na moda e no coração dos cidadãos (Idem, Ibidem). Daí que a iniciativa Europa somos nós surja como um exemplo válido de aposta na aprendizagem da e para a UE – aposta necessariamente com limitações, desde logo pelo seu carácter mais ou menos pontual. Facilmente se concordará que esta actividade poderá incentivar o desenvolvimento de uma futura consciência comunitária nos alunos, através da aquisição de conhecimentos básicos sobre a UE, num ciclo inicial da sua educação. Acreditamos que a fórmula de sucesso desta actividade reside, precisamente, no seu carácter extra-curricular, assente em metodologias de ensino inovadoras, num formato de apresentação mensal ao longo do ano lectivo original. A própria abordagem da UE na escola acaba por ser novidade para os alunos, pouco habituados a tratar das temáticas europeias, já familiares no seu quotidiano, na instituição educativa. A avaliação da actividade junto dos seus principais intervenientes comprovou o seu elevado sucesso, desde logo ao promover novas aprendizagens sobre a UE. E, ao 97 Conclusão abordarem-se os valores a esta intrínsecos, potenciou-se igualmente um sentimento de pertença à Europa, assim como a construção do conceito de cidadania europeia. Segundo as palavras de um dos grandes fundadores da UE, Jean Monnet, onde não há imaginação os povos perecem. Por isso, ousamos ir ainda mais longe na abordagem a esta experiência. Salvaguardando o princípio de cooperação que rege as políticas educativas europeias, sugerimos, em jeito de sonho, a criação do Programa Europa somos nós. Este seria desenvolvido à semelhança dos programas de acção comunitária, nomeadamente o Programa Aprendizagem ao longo da vida. O seu principal objectivo seria o de promover a aprendizagem da União Europeia no 1.º Ciclo do Ensino Básico, em especial nos 3.º e 4.º anos de escolaridade, e alargando até a sua actuação ao 2.º Ciclo, em moldes semelhantes ao do projecto Europa somos nós, descritos na presente investigação. Este Programa seria uma primeira abordagem, explícita, nos conteúdos pedagógicos dos Estados-Membros; acreditamos porém, que seria bem aceite pelo facto de se tratar de uma actividade desenvolvida num âmbito extra-curricular e ao critério de cada instituição educativa, que optasse ou não por ensinar a UE durante nove meses aos seus alunos. Contudo, não deixámos de estar convictos de que os curricula do 1.º Ciclo devem ser reformulados, também do ponto de vista metodológico, tendo em conta uma renovada abordagem da Europa enquanto casa comum de todos os seus habitantes. É, portanto, fundamental que a dimensão europeia na educação se reinvente e faça cada vez mais sentido aos futuros cidadãos europeus, sob pena que as próximas gerações vivam em permanente desinteresse pela União Europeia. Urge a planificação de uma estratégia contemplativa da pedagogia da e para a Europa, que permita dotar os alunos das competências necessárias para que, futura e conscientemente, possam usufruir do estatuto de cidadania europeia que lhes foi atribuído. 98 Bibliografia BIBLIOGRAFIA BELARD, Margarida (1990), Dimensão Europeia na Educação, in: Noesis Nº. 16, p. 28-30, Lisboa: Ministério da Educação. BERSTEIN, Serge; MILZA, Pierre (2007), História da Europa – Do século XIX ao início do século XXI, 1.ª ed., Lisboa: Plátano Editora. 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Somos nós” Plano de Actividades Aulas Jacques Delors Descentralizadas Formadora do CIEJD: Catarina Rogado 9 Meses – 9 Temas Público-alvo: cerca de 450 alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico Calendarização: 3 primeiros dias da primeira semana de cada mês; início em Outubro, fim no mês de Junho (9 meses); 3 sessões por dia (10h00; 11h00; 14h00). Temas e materiais: 1 – Outubro: Todos os alunos: A Europa e a União Europeia a 27 países Materiais: Lenda da Europa; Bandeiras; Ficha de Trabalho “Países da UE”, Autocolantes 2 – Novembro: Alunos 3º e 4º Anos – História e Alargamentos da União Europeia Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Grécia, França, Suécia, Alemanha (4) Materiais: Ficha de Trabalho “Construção Europeia” 3 – Dezembro: Todos os alunos – O Natal na União Europeia Materiais: O Natal na Europa (1 livro por turma) 4 – Janeiro: Alunos 3º e 4º Anos – Símbolos da União Europeia e o Euro Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Itália, Roménia, Chipre, Espanha e Portugal (5) Materiais: 2 Fichas de Trabalho: “Símbolos da União Europeia” e “O Euro” 5 – Fevereiro: Alunos 3º e 4º Anos – Instituições da União Europeia Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca (4) Materiais: Sopa de Letras 107 Anexos 6 – Março: Alunos 3º e 4º Anos – Cidadania e Viver na União Europeia Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Estónia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo (5) Materiais: Bandeiras para Pintar 7 – Abril: Alunos 3º e 4º Anos – Os países da União Europeia – 14 países Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Hungria, Malta, Países Baixos, Áustria (4) Materiais: Palavras Cruzadas 8 – Maio: Alunos 3º e 4º Anos – Os países da União Europeia – 13 países Alunos 1º, 2º e 3º Anos – Vamos descobrir… Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia, Reino Unido Materiais: Malmequeres (pedir) 9 – Junho: Todos os alunos – “Quizzes” sobre a União Europeia Materiais: “Prémios” para cada aluno – brochura Unida na Diversidade Nota: No final de cada aula procurar-se-á realizar com os alunos um dos jogos pedagógicos disponibilizados pelo CIEJD no site Aprender a Europa. Sites a consultar: www.eurocid.pt www.aprendereuropa.pt www.europa.eu 108 Anexos ANEXO 2 Excertos das apresentações da actividade Europa somos nós Aula1 – Europa; A União Europeia 4 1 5 2 6 3 7 109 Anexos 8 12 9 13 10 14 11 15 110 Anexos Aula 2 – História e objectivos da UE; 5 Alargamentos 1 6 2 7 3 8 4 111 Anexos 9 13 10 14 11 15 12 16 112 Anexos 17 3 18 4 Aula 4 – Símbolos da UE 5 1 6 2 113 Anexos 7 11 8 12 9 13 10 14 114 Anexos Aula 5 – Instituições da UE 5 1 6 2 7 3 8 4 115 Anexos 9 13 10 14 11 15 12 Aula 6 – Cidadania e viver na UE 1 116 Anexos 2 6 3 7 4 8 5 9 117 Anexos 10 14 11 15 12 16 13 17 118 Anexos 18 3 19 4 Aula 9 – Questionário Final 5 1 6 2 119 Anexos 7 11 8 12 9 13 10 14 120 Anexos 15 19 16 20 17 21 18 22 121 Anexos 23 27 24 28 25 29 26 30 122 Anexos ANEXO 3 Inquérito sobre a actividade Europa somos nós efectuado aos alunos Idade ____ Género: Rapaz Rapariga Quando se fala da União Europeia, em que palavras pensas? (máximo de oito palavras). O que aprendeste nas aulas sobre a União Europeia é: No futuro, gostarias de aprender mais sobre a União Europeia (por exemplo, na escola ou em pesquisas individuais)? (assinala com um X a tua resposta) Muito útil (assinala com um X a tua resposta) Útil Pouco útil Tenho muita vontade Nada útil Tenho alguma vontade Tenho pouca vontade Para ti, saber o que é a União Europeia é: Não tenho nenhuma vontade (assinala com um X a tua resposta) És um “cidadão Europeia”? Muito importante da União (assinala com um X a tua resposta) Importante Pouco Importante Sim Nada Importante Não Não sei Não te esqueças de devolver as tuas respostas na aula da União Europeia do mês de Junho. OBRIGADA! ☺ 123 Anexos ANEXO 4 Inquérito sobre a actividade Europa somos nós efectuado aos encarregados de educação No seguimento das Sessões mensais sobre a União Europeia do Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD) na Biblioteca Municipal do Bombarral (B.M.B.), é do maior interesse a sua opinião. Os resultados serão considerados na minha Tese de Mestrado em Políticas Europeias, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Obrigada pela sua colaboração. A formadora do CIEJD, Catarina Rogado Idade: Género: Masc. Fem. A sua opinião Freguesia: Europeia” é: Concelho: Favorável sobre Desfavorável a “União Indiferente Escolaridade: O seu conhecimento sobre a União Como avalia iniciativas que visam o ensino da União Europeia a crianças? (sublinhe sempre a sua resposta) Muito importante Importante Pouco importante Nada importante Europeia é: Forte Médio Fraco Nenhum Após a participação do seu educando nesta iniciativa, o seu próprio interesse Como avalia o sucesso desta iniciativa da B.M.B. e do CIEJD, tendo em conta as aprendizagens do seu educando? Muito Bom Razoável pelos assuntos da União Europeia: Aumentou Manteve-se Diminuiu Bom Fraco Obrigada pela sua colaboração! 124