Evangelho segundo S. Lucas 12,1-7. – cf.par. Mt 10,26-33 Entretanto, a multidão tinha-se reunido; eram milhares, a ponto de se pisarem uns aos outros. Jesus começou a dizer primeiramente aos seus discípulos: «Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Nada há encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto que não venha a conhecer-se. Porque tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os terraços. Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e, depois, nada mais podem fazer. Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar na Geena. Sim, Eu vo-lo digo, a esse é que deveis temer. Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus. Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais: valeis mais do que muitos pássaros. Santo Isaac o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossoul no actual Iraque Discursos Espirituais, 1ª série, nº 36 "Não temais: valeis mais do que todos os pássaros do mundo" É preciso não desejar nem procurar estouvadamente sinais visíveis, uma vez que o Senhor está sempre pronto a socorrer os seus santos. Ele não manifesta sem necessidade o seu poder numa obra ou num sinal sensível, para não esbater a ajuda que dele recebemos nem nos prejudicar. É desta forma que Ele providencia junto dos seus santos. Quer mostrar-lhes que a atenção secreta que lhes presta não os abandona um instante mas que, em tudo, os deixa travar o combate segundo a medida das suas forças e esforçar-se por rezar. Mas, se uma dificuldade os abate, quando estão doentes ou desencorajados porque a sua natureza é fraca, então Ele próprio faz, como é preciso e como ele sabe, tudo o que está no seu poder para que sejam socorridos. Confirma-os secretamente tanto quanto pode, para que tenham a força de suportar as suas dificuldades. Porque, na confiança que lhes dá, Ele frustra as suas dificuldades e, pela visão desta fé, desperta-os para o louvor... Contudo, se for preciso que esta ajuda secreta seja explicitada, Ele o faz, mas por necessidade. Os seus caminhos são de grande sabedoria; prolongam-se quando é preciso e necessário, mas nunca de qualquer maneira. Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador dos Jesuítas Carta de 17/11/1555 «Não receeis» Parece-me que deveríeis decidir-vos a fazer calmamente o que podeis. Não vos inquieteis com tudo o resto, mas deixai nas mãos da divina Providência o que não podeis cumprir por vós mesmos. São agradáveis a Deus a solicitude e o cuidado que, com razoabilidade, pomos nas tarefas que nos cumprem, para conseguirmos concretizá-las da melhor maneira. Não lhe são agradáveis a ansiedade e a inquietação do espírito: o Senhor quer que os nossos limites e fraquezas encontrem apoio na sua fortaleza e omnipotência, quer que tenhamos confiança em que a sua bondade suprirá à imperfeição dos nossos meios. Os que se ocupam com muitos assuntos, mesmo se com boas intenções o fazem, devem resolver-se a fazer apenas o que está ao seu alcance. Se tivermos de deixar de lado certas coisas, há que ter paciência, e não pensar que Deus espera de nós o que não podemos fazer. Ele não quer que o homem se atormente com as próprias limitações humanas; não é preciso cansarmo-nos excessivamente. Quando de facto nos esforçámos por dar o melhor de nós, podemos deixar o resto nas mãos d’Aquele que tem o poder de realizar tudo o que quer. Que a bondade divina nos comunique sempre a luz da sabedoria, para que possamos ver com clareza e realizar os seus bons desejos com profunda convicção, em nós e nos outros […], para que das suas mãos aceitemos o que nos envia, considerando o que é de maior importância: a paciência, a humildade, a obediência e a caridade. Santa Catarina de Sena, (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-patrona da Europa O diálogo «Até os vossos cabelos estão contados» Deus dizia-me: “Ninguém pode escapar das minhas mãos. Porque eu sou O que sou (Ex 3,14) e vós não sois por vós mesmos; vós existis apenas porque fostes feitos por mim. Eu sou o criador de todas as coisas que participam do ser, mas não do pecado, que não é e que, portanto, não foi criado por mim. E, porque não está em mim, não é digno de ser amado. A criatura só me ofende na medida em que ama o que não devia amar, isto é, o pecado… É impossível aos homens sair de mim; ou permanecem em mim sob o jugo da justiça que sanciona as suas faltas, ou permanecem em mim guardados pela minha misericórdia. Abre bem os olhos da tua inteligência e olha para a minha mão; verás que o que te digo é verdade.” Então, abrindo os olhos do espírito para obedecer ao Pai que é tão grande, vi o universo inteiro fechado naquela mão divina. E Deus dizia-me: “Minha filha, vê agora e compreende que ninguém me pode escapar. Todos aqui estão presos ou pela justiça ou pela misericórdia, porque são meus, criado s por mim e eu amo-os infinitamente. Seja qual for a sua malícia, farlhes-ei misericórdia por causa dos meus servos; atenderei o pedido que me apresentaste com tanto amor e tanta dor.” Então a minha alma, como que embriagada e fora de si mesma, no ardor cada vez maior do seu desejo, sentia-se ao mesmo tempo feliz e dorida. Feliz pela união que tinha tido com Deus, saboreando a sua alegria e a sua bondade. Dorida por ver ofendida uma tão grande bondade. São João Eudes (1601-1680), sacerdote, pregador, fundador de institutos religiosos O Reino de Jesus, Obras Completas «Não temais. Até os cabelos da vossa cabeça estão contados» O nosso amabilíssimo Salvador assegura-nos, em várias passagens da Sagrada Escritura, o seu cuidado e vigilância contínuos no que nos diz respeito; e Ele próprio nos leva e nos levará sempre em seus braços, no seu coração e nas suas entranhas… Tenhamos cuidado em não nos apoiarmos no poder ou na benevolência dos nossos amigos, nem nos nossos bens ou no nosso espírito, ciência, forças, bons desejos, orações, nem mesmo na confiança que pensamos ter em Deus, nem nas mediações humanas, nem em coisa alguma criada, mas unicamente na misericórdia de Deus. Não quer dizer que não seja preciso valernos das coisas a que acabamos de aludir, e que não tenhamos que pôr da nossa parte tudo o que pudermos a fim de vencer o vício, praticar a virtude e orientar e levar a bom termo os assuntos que Deus nos confiou, e assim cumprir com as obrigações que são inerentes ao nosso estado. Mas devemos renunciar a todo o apoio e a toda a a confiança que poderíamos encontrar nessas coisas, e apoiar-nos na pura bondade de nosso Senhor. De tal maneira que, da nossa parte, devemos velar e trabalhar como se nada esperássemos da parte de Deus: e no entanto não nos devemos apoiar no nosso cuidado e trabalho, como se fizéssemos alguma coisa, mas esperar tudo unicamente da misericórdia de Deus Papa Bento XVI Encíclica «Spe Salvi», 27 (trad © copyright Libreria Editrice Vatican) "Digo-o a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo" Neste sentido, é verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2,12). A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora «até ao fim», «até à plena consumação» (cf. Jo 13,1 e 19,30). Quem é atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a «vida». Começa a intuir o significado da palavra de esperança que encontramos no rito do Baptismo: da fé espero a «vida eterna» – a vida verdadeira que, inteiramente e sem ameaças, em toda a sua plenitude é simplesmente vida. Jesus, que disse de Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude, em abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa «vida»: «A vida eterna consiste nisto: Que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste» (Jo 17,3). A vida, no verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então «vivemos». Evangelho segundo S. Lucas 12,8-12. Digo-vos ainda: Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também o Filho do Homem se declarará por ele diante dos anjos de Deus. Aquele, porém, que me tiver negado diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus. E a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do Homem, há-de perdoar-se; mas, a quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, jamais se perdoará. Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, pois o Espírito Santo vos ensinará, no momento próprio, o que deveis dizer.» Actas do martírio de S. Justino e companheiros (ano de 163) « O Espírito Santo vos ensinará nessa hora o que haveis de dizer” Prenderam os santos todos juntos e conduziram-nos ao prefeito de Roma, Rusticus. Quando compareceram diante do tribunal, o prefeito Rusticus disse a Justino...: - A que ciência te consagras? - Tenho estudado sucessivamente todas as ciências. Acabei por me dedicar à doutrina verdadeira dos cristãos... - Que doutrina é essa? - Nós adoramos o Deus dos cristãos; esse Deus, nós acreditamos que é único, que desde a origem é o criador de todo o universo, das coisas visíveis e das invisíveis. Acreditamos que Jesus Cristo, o servo de Deus, é o Senhor, anunciado pelos profetas como o que havia de proteger a raça humana, mensageiro da salvação e senhor de toda a sabedoria. Eu, que sou apenas um homem, sou demasiado pequeno para falar dignamente da sua divindade infinita; reconheço que é precisa uma capacidade de profeta... Ora os profetas eram inspirados pelo céu, quando anunciaram a sua vinda ao mundo. O prefeito Rusticus perguntou: - Onde vos reunis?... Onde reúnes os teus discípulos? - Eu moro por cima de um tal Martinho, junto dos banhos de Timóteo. A todos os que quiseram ir lá ter comigo, comuniquei-lhes a doutrina da verdade. - Então tu es cristão? - Sim, sou cristão. O prefeito Rusticus disse a Chariton: - E tu, Chariton, também es cristão? - Sou cristão pela vontade de Deus - E tu, que és tu, Evelpisto? - Também eu sou cristão. Era escravo mas fui libertado por Cristo e partilho a mesma esperança, pela graça de Cristo. - Foi Justino que te fez cristão? - Fui sempre cristão e sê-lo-ei sempre... Sem dúvida que ouvia com prazer as lições de Justino; mas devo aos meus pais o ser cristão... Peon levantou-se e disse espontaneamente: - Eu também sou cristão. O prefeito disse a Lliberiano: - E tu, que tens tu a dizer? És cristão’ És também um ímpio? - Também sou cristão. Mas não sou um ímpio porque adoro o único verdadeiro Deus. O prefeito voltou a Justino: - Escuta-me, tu que dizer seres eloquente e julgas possuir a doutrina verdadeira. Se fores chicoteado, e depois decapitado, estás convencido que, depois, subirás ao céu? Imagina que lá receberás a tua recompensa? - Espero ter lá a minha morada se suportar tudo isso. E sei que a recompensa divina está reservada, até à consumação de todo o universo, a todos os que viverem desta forma... Não imagino, estou convencido, tenho disso a certeza. Actas do mártires Carpo, Pailo e Agatónica (séc. III) Ichtus, vol. 2 "Quem se pronunciar por mim diante dos homens, o Filho do homem pronunciar-se-á também por ele" ############ Martírio de Carpo ############ No tempo do imperador Décio, Óptimus era procônsul em Pérgamo; o bem-aventurado Carpo, bispo de Gados, e o diácono Papilo de Tiatira, ambos confessores de Cristo, compareceram diante dele. O procônsul disse a Carpo: - Qual é o teu nome? - O meu primeiro nome, o mais belo, é Cristão. O meu nome no mundo é Carpo. - Conheces os éditos de César que vos obrigam a sacrificar aos deuses, senhores do mundo, não é verdade? Ordeno-te que te aproximes e que ofereças um sacrifício. - Eu sou cristão. Adoro Cristo, filho de Deus, que veio à terra nestes últimos tempos para nos salvar e nos livrar das armadilhas do demónio. Não vou por isso sacrificar a esses ídolos. - Sacrifica aos deuses, como ordena o imperador. - Morram os deuses que não criaram o céu nem a terra. - Sacrifica como quer o imperador. - Os vivos não sacrificam aos mortos. - Então tu crês que os deuses estão mortos? - Certamente. E vê como: eles assemelham-se a homens mas estão imóveis. Deixa de os cobrir de honras; como eles não se mexem, os cães e os corvos virão cobri-los de esterco. - Basta sacrificar. Tem piedade de ti mesmo! - É mesmo por isso que eu escolho a melhor parte. A estas palavras, o procônsul mandou que o pendurassem... e lhe rasgassem o corpo com unhas de ferro... ############ Martírio de Papilo ############ Então o procônsul voltou-se para Papilo, para o interrogar: - És tu da classe dos notáveis? - Não. - Então quem és? - Sou um cidadão. - Tens filhos? - Muitos, graças a Deus. Uma voz na multidão gritou: - É aos cristãos que ele chama filhos! - Porque me estás a mentir, dizendo que tens filhos? - Repara que eu não minto mas antes falo verdade: em todas as cidades da província, eu tenho filhos que me foram dados por Deus. - Oferece um sacrifício ou então explica-te. - Desde a minha juventude que sirvo a Deus e nunca sacrifiquei aos ídolos; ofereço-me a mim mesmo em sacrifício ao Deus vivo e verdadeiro que tem poder sobre toda a criatura. E agora acabei, não tenho mais nada a acrescentar. Amarraram-no também ao cavalete onde foi rasgado com unhas de ferro. Três equipas de carrascos se sucederam sem que escapasse uma só queixa a Papilo. Tal como um valoroso atleta, encarava em profundo silêncio a fúria dos seus inimigos... O procônsul condenou os dois a serem queimados vivos... No anfiteatro, os espectadores mais próximos viram que Carpo sorria. Surpreendidos, interrogaram-no: - Porque sorris? O bem-aventurado Carpo respondeu: - Vi a glória do Senhor e rejubilo. Eis-me agora liberto; não conhecerei mais as vossas misérias. ############ Martírio de Agatónica ############ Uma mulher que assistia ao martírio, Agatónica, viu a glória do Senhor que Carpo dizia ter contemplado. Compreendeu que era um sinal do céu e imediatamente exclamou: - Esse festim está praparado para mim também... Eu sou cristã. Nunca sacrifiquei aos demónios, mas somente a Deus. De boa vontade, se for digna disso, seguirei as pisadas dos meus mestres, os santos. É esse o meu maior desejo... O procônsul disse-lhe: - Sacrifica e não me forces a condenar-te ao mesmo suplício. - Faz o que te parecer melhor. Quanto a mim, vim para sofrer em nome de Cristo. Estou pronta. Chegada ao lugar do suplício, Agatónica tirou as suas vestes e, alegre, subiu ao patíbulo. Os espectadores ficaram tocados pela sua beleza; lamentavam-na: - Que julgamento iníquo e que decretos injustos! Quando ela sentiu as chamas tocarem o seu corpo, gritou três ezes: - Senhor, Senhor, Senhor, vem em meu auxílio. É a ti que eu recorro. Foram as suas últimas palavras. Concílio Vaticano II Decreto sobre a Actividade Missionária da Igreja (Ad Gentes), § 23-24 Pronunciar-se por Cristo ao longo de toda a vida Embora a todo o discípulo de Cristo incumba a obrigação de difundir a fé conforme as suas possibilidades, Cristo Senhor chama sempre dentre os discípulos os que Ele quer para estarem com Ele e os enviar a evangelizar os povos (Mc 3,13-14)... Porém, ao chamamento de Deus, o homem deve responder de forma tal que, sem se deixar guiar pela carne e sangue (Ga 1,16), todo ele se entregue à obra do Evangelho. Mas esta resposta não pode ser dada senão por impulso e virtude do Espírito Santo. O enviado entra, portanto, na vida e missão d'Aquele que «a si mesmo se aniquilou tomando a forma de servo» (Fil 2,7). Por conseguinte, deve estar pronto a perseverar toda a vida na vocação, a renunciar a si e a todas as suas coisas (Lc 14,26.33), e a fazer-se tudo para todos (1Co 9,22). Anunciando o Evangelho aos povos, dê a conhecer confiadamente o mistério de Cristo, do qual é legado, de maneira que ouse falar d'Ele como convém (Ef 6,19), não se envergonhando do escândalo da cruz. Seguindo os passos do seu mestre, manso e humilde de coração, mostre que o Seu jugo é suave e leve a Sua carga (Mt 11,29). Mediante uma vida verdadeiramente evangélica, com muita paciência, longanimidade, suavidade, caridade sincera, dê testemunho do seu Senhor até à efusão do sangue, se for necessário. Alcançará de Deus virtude e força para descobrir a abundância de gozo que se encerra na grande prova da tribulação e da pobreza absoluta. Evangelho segundo S. Lucas 12,13-21. Dentre a multidão, alguém lhe disse: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo.» Ele respondeu-lhe: «Homem, quem me nomeou juiz ou encarregado das vossas partilhas?» E prosseguiu: «Olhai, guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens.» Disse-lhes, então, esta parábola: «Havia um homem rico, a quem as terras deram uma grande colheita. E pôs-se a discorrer, dizendo consigo: 'Que hei-de fazer, uma vez que não tenho onde guardar a minha colheita?' Depois continuou: 'Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens. Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te.' Deus, porém, disse-lhe: 'Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?' Assim acontecerá ao que amontoa para si, e não é rico em relação a Deus.» S. Basílio (cerca 330-379), monge e bispo em Capadócia, doutor da Igreja Catequese 31 Amontoar para si próprio ou ser rico com os olhos postos em Deus? «Que hei-de fazer? Vou aumentar os meus celeiros!» Porque eram as terras deste homem tão produtivas, se ele fazia tão mau uso da sua riqueza? É para mais intensamente se ver a manifestação da imensa bondade de um Deus que estende a sua graça a todos, «pois Ele faz que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (Mt 5,45) ... Eram estes os benefícios de Deus para com este rico: uma terra fecunda, um clima temperado, abundantes colheitas, bois para o trabalho, e tudo que assegurasse a prosperidade. E ele, que dava em troca? Mau humor, taciturnidade e egoísmo. Era assim que agradecia ao seu benfeitor. Esquecia que pertencemos todos à mesma natureza humana; não pensou que devia distribuir o que lhe sobrava aos pobres; não fez nenhum caso destes mandamentos divinos: «não negues um benefício a quem precisa dele, se estiver nas tuas mãos concedê-lo» (Prov 3,27), «não se afastem de ti a bondade e a fidelidade» (3,3), «partilha o teu pão com quem tem fome» (Is 58,7). Todos os profetas, todos os sábios lhe gritavam estes preceitos, mas ele fazia ouvidos de mercador. Os seus celeiros rachavam, muito pequenos para o trigo que lá se acumulava, mas o seu coração não estava satisfeito... Ele não queria desfazer-se de nada, mesmo não chegando a armazená-lo todo. Este problema incomodava-o: «Que hei-de fazer?» perguntava constantemente. Quem não teria piedade de um homem assim obcecado? A abundância tornava-o infeliz...; ele lamentava-se tal e qual como os indigentes: «Que hei-de fazer? Como alimentar-me, vestir-me?»... Observa, homem, quem foi que te cumulou de dons. Reflecte um pouco sobre ti próprio: Quem és tu? O que é que te foi confiado? De quem recebeste esse encargo? Porque fostes tu o escolhido? Tu és servo do Deus bom; tu estás encarregado dos teus companheiros de serviço... «Que hei-de fazer?» A resposta é simples: «Saciarei os famintos, convidarei os pobres... Vós todos a quem falta o pão, vinde possuir os dons concedidos por Deus, que jorram como de uma fonte». Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja Sermão 32: sobre o Salmo 149 “Ser rico aos olhos de Deus” Irmãos, examinai pois com atenção a vossa morada interior, abri os olhos e apreciai o vosso capital de amor, e depois aumentai a soma que tiverdes descoberto em vós. E guardai esse tesouro, a fim de serdes ricos interiormente. Chamam-se caros os bens que têm um preço elevado, e com razão. […] Mas que coisa há mais cara do que o amor, meus irmãos? Em vossa opinião, que preço tem ele? E como pagá-lo? O preço de uma terra, o preço do trigo, é a prata; o preço de uma pérola é o ouro; mas o preço do amor és tu mesmo. Se queres comprar um campo, uma jóia, um animal, procuras em teu redor os fundos necessários para isso. Mas, se desejas possuir o amor, procura apenas em ti mesmo, pois é a ti mesmo que tens de encontrar. Que receias ao dar-te? Receias perder-te? Pelo contrário, é recusando-te a dar-te que te perdes. O próprio Amor exprime-se pela boca da Sabedoria e apazigua com uma palavra a desordem que em ti lançava a expressão: “Dá-te a ti mesmo!” Se alguém quisesse vender-te um terreno, dir-te-ia: “Dá-me prata”; ou, se quisesse vender-te outra coisa qualquer: “Dá-me dinheiro”. Pois escuta o que diz o Amor, pela boca da Sabedoria: “Meu filho, dá-me o teu coração” (Prov 23, 26). O teu coração sofria quando estava em ti; eras presa de futilidades, ou mesmo de más paixões. Afasta-te delas! Para onde hás-de levá-lo? A quem o hás-de oferecer? “Meu filho, dá-me o teu coração”, diz a Sabedoria. Se ele for Meu, já não te perderás. […] “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento” (Mt 22, 37). […] Quem te criou quer-te todo para Si. S. Basílio (c. 330-379), monge e bispo de Cesareia em Capadócia, doutor da Igreja Homilia 31 Construir outros celeiros "Insensato, nesta mesma noite pedir-te-ão contas da tua vida e o que acumulaste para quem será?" A conduta do rico do Evangelho é tanto mais patética quanto o castigo eterno é rigoroso. Com efeito, que projectos congemina em seu espírito este homem que vai ser arrebatado do mundo dentro de tão pouco tempo? "Vou demolir os meus celeiros e construirei uns maiores". Quanto a mim, dir-lhe-ia de bom grado: Fazes bem porque eles merecem mesmo ser destruidos, os celeiros da tua injustiça. Com as tuas próprias mãos, destrói de uma ponta à outra tudo o que edificaste injustamente. Deixa que se desbaratem as tuas reservas de trigo que nunca saciaram ninguém. Faz deaparecer todo o edifício em que protegeste a tua avareza, tira-lhe o telhado, derruba as paredes, expõe ao sol o trigo que apodrece, tira da prisão as riquezas que aí estavam cativas... "Vou demolir os meus celeiros e construir uns maiores". Quando acabares de encher esses, que decisão tomarás? Vais demoli-los para construir outros ainda maiores? Haverá maior loucura do que atormentar-se sem fim, construir com afinco e afincar-se em destruir? Se quiseres, terás por celeiro as moradas dos indigentes. "Acumula tesouros no céu". O que aí for guardado "os vermes não o comem, a ferrugem não o estraga, os ladrões não o roubam" (Mt 6,20). Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Ninive, perto de Mossul, no actual Iraque Discursos ascéticos, 1ª série, nº 38 “Esta mesma noite virão pedir-te a vida” Senhor, torna-me digno de desprezar a minha vida pela vida que se encontra em Ti. A vida neste mundo é semelhante àqueles que formam palavras com letras, acrescentando-as, retirando-as e alterando-as a seu bel prazer. Mas a vida do mundo futuro é semelhante ao que está escrito sem o menor erro nos livros selados com o selo real, a que nada falta e a que nada há a acrescentar. Assim, pois, enquanto nos encontramos no seio da mudança, estejamos atentos a nós próprios. Enquanto temos poder sobre o manuscrito da nossa vida, sobre aquilo que escrevemos com as nossas próprias mãos, esforcemo-nos por lhe acrescentar o bem que fazemos e por apagar os erros da nossa primeira conduta. Enquanto estamos neste mundo, Deus não põe o selo, nem sobre o bem, nem sobre o mal. Apenas o faz no momento do nosso êxodo, quando termina a nossa obra, no momento em que partimos. Como diz Santo Efrém, temos de considerar que a nossa alma é semelhante a um navio preparado para o mar, que não sabe quando se levantará o vento; ou é semelhante a uma armada que não sabe quando soará a trombeta a anunciar o combate. Se isto diz do navio e da armada, que esperam algo que poderá não se realizar, quanto mais deveremos preparar-nos para a chegada brusca desse dia em que será lançada a ponte e aberta a porta para o mundo novo? Que Cristo, o Mediador da nossa vida, nos conceda estar preparados. Fénelon (l65l-l7l5), Arcebispo de Cambrai Sermão para a festa da Assunção Acumular para si mesmo ou ser rico aos olhos de Deus? Em qualquer idade, meus irmãos, em qualquer estado em que a morte nos apanhe, ela nos surpreende, ela nos encontra sempre em projectos que imaginam uma longa vida. A vida dada unicamente como preparação para ela, passa-se num profundo esquecimento do termo a que vai desembocar. Vive-se como se para sempre se vivesse. Não se pensa senão em deliciar-se a si próprio através de toda a espécie de prazeres, até que a morte pare subitamente o curso destas loucas alegrias. O homem sábio a seus próprios olhos, mas insensato aos olhos de Deus, inquieta-se de mil maneiras para acumular bens, dos quais a morte o vai despojar… Tudo nos devia advertir e tudo nos diverte….Depois do nosso nascimento , como que se edificaram l00 mundos novos sobre as ruínas daquele que nos viu nascer… Mas esperar a morte como realização das nossas esperanças é o que o cristianismo, mais claramente e fortemente nos ensina e, contudo, é o que ignoramos como se nunca tivéssemos sido cristãos… «Ó amável Salvador, que depois de nos terdes ensinado a viver, Vos dignastes ensinar-nos também a morrer, nós Vos suplicamos, pelas dores da Vossa morte, que nos façais suportar a nossa, com uma humilde paciência e a mudar esta dor que é imposta a todo o género humano, num sacrifício cheio de alegria e zelo. Sim, bom Jesus, quer vivamos, quer morramos, nós vos pertencemos (Rom l4, 8). Vivendo, ai de nós! Não estamos cá senão com o triste temor de não estarmos nem mais um momento depois. Mas morrendo, nós estaremos Convosco para sempre e Vós sereis também todo nosso, contanto que o último suspiro da nossa vida seja um suspiro de amor por Vós.» Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade "Um caminho fácil" “Que devo fazer?” Todos nós desejamos ser felizes e termos paz. Fomos criados para isso e só podemos encontrar a felicidade e a paz amando a Deus; o amor traz-nos a alegria e a felicidade. Muitas pessoas pensam, sobretudo no Ocidente, que viver fazendo o que lhes apetece os torna felizes. Eu penso que é mais difícil ser feliz na riqueza, porque as preocupações para ganhar o dinheiro e conservá-lo nos dissimulam Deus. De qualquer modo, se Deus vos confiou riquezas, fazei-as servir as suas obras: ajudai os outros, ajudai os pobres, criai empregos, dai trabalho aos outros. Não desperdiceis em vão a vossa fortuna; ter uma casa, honras, liberdade, saúde, tudo isso nos é confiado por Deus para o pormos ao serviço dos que são menos afortunados do que nós. Jesus disse: “O que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos, é a mim que o fazeis” (Mt 25,40). Por consequência, a única coisa que pode entristecer-me é ofender Nosso Senhor por egoísmo ou por falta de caridade para com os outros, ou fazer mal a alguém. Ferindo os pobres, ferindo-nos uns aos outros, ferimos a Deus. É a Deus que pertence dar e retirar (Job 1,21); partilhai pois o que recebestes, incluindo a vossa própria vida. Evangelho segundo S. Lucas 12,32-48. Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino.» «Vendei os vossos bens e dai os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói. Porque, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.» «Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar da boda, para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater. Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes! Em verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se ponham à mesa e há-de servi-los. E, se vier pela meia-noite ou de madrugada, e assim os encontrar, felizes serão eles. Ficai a sabê-lo bem: se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, não teria deixado arrombar a sua casa. Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais.» Pedro disse-lhe: «Senhor, é para nós que dizes essa parábola, ou é para todos igualmente?» O Senhor respondeu: «Quem será, pois, o administrador fiel e prudente a quem o senhor pôs à frente do seu pessoal para lhe dar, a seu tempo, a ração de trigo? Feliz o servo a quem o senhor, quando vier, encontrar procedendo assim. Em verdade vos digo que o porá à frente de todos os seus bens. Mas, se aquele administrador disser consigo mesmo: 'O meu senhor tarda em vir' e começar a espancar servos e servas, a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele servo chegará no dia em que ele menos espera e a uma hora que ele não sabe; então, pô-lo-á de parte, fazendo o partilhar da sorte dos infiéis. O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor, não se preparou e não agiu conforme os seus desejos, será castigado com muitos açoites. Aquele, porém, que, sem a conhecer, fez coisas dignas de açoites, apenas receberá alguns. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será pedido.» S. Cipriano (c. 200-258), bispo de Cartago emártir Da unidade, 26-27 "Estai preparados" O Senhor pensava no nossso tempo ao dizer: "O Filho do homem, quando voltar, encontrará fé sobre a terra?" (Lc 18,8) Vemos que esta profecia se está a realizar. O temor de Deus, a lei da justiça, a caridade, as boas obras, já ninguém acredita nisso... Tudo o que a nossa consciência havia de temer, se em tal acreditasse, não o teme, porque não acredita. Porque, se acreditasse, estaria vigilante; e, se estivesse vigilante, salvar-se-ia. Despertemos pois, irmãos, enquanto somos capazes. Sacudamos o sono da nossa inércia. Vigiemos observando e praticando os preceitos do Senhor. Sejamos tal qual Ele nos prescreveu que fôssemos quando disse: "Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar da boda, para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater. Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes!" Sim, permaneçamos em traje de serviço com receio de que, quando vier o dia da partida, ele não nos encontre embaraçados e imobilizados. Que a nossa luz brilhe e irradie de boas obras, que ela nos encaminhe da noite deste mundo para a luz e para a caridade eternas. Esperemos com cuidado e prudência a chegada súbita do Senhor a fim de que, quando Ele bater à porta, a nossa fé esteja desperta para receber do Senhor a recompensa pela sua vigilância. Se observarmos estes mandamentos, se guardarmos estas advertências e estes preceitos, as manhas enganadoras do Acusador não poderão destruir-nos durante o sono. Mas, reconhecidos como servos vigilantes, reinaremos com Cristo triunfante. Santo Efrém (cerca de 306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja Comentário do Evangelho ou Diatessaron «O Filho do Homem virá na hora em que não o esperareis» Para impedir qualquer questão indiscreta acerca do momento da sua segunda vinda, Jesus declarou: “Essa hora, ninguém a conhece, nem mesmo o Filho” (Mt 24,36) e, noutro momento, “Não vos pertence conhecer conhecer os dias e os tempos” (Act 1,7). Escondeu-nos isso para que vigiemos e que cada um possa pensar que tal vinda se produzirá durante a sua vida. Se o tempo da sua vinda tivesse sido revelado, tudo seria em vão: as nações e os séculos em que se produzisse não o desejariam. Ele bem disse que viria, mas não precisou em que momento; dessa forma, todas as gerações e todos os séculos têm sede dele. É certo que fez conhecer os sinais da segunda vinda; mas não revelou o seu termo. Na mudança constante em que vivemos, alguns desses sinais já tiveram lugar, outros já passaram, outros duram sempre. Com efeito, a sua última vinda será semelhante à primeira; os justos e os profetas desejavam-na; pensavam que teria lugar no tempo deles. Também hoje, cada um dos fiéis de Cristo deseja acolhê-lo no seu próprio tempo, tanto mais que Jesus não disse claramente o dia em que Ele apareceria. Assim, ninguém poderá imaginar que Cristo seja submetido a uma lei do tempo, a uma hora qualquer, Ele que domina os números e o tempo. S. Gregório de Nissa (cerca de 335-385), monge e bispo Homilia sobre o Cântico dos Cânticos «Com os cintos cingidos e as lâmpadas acesas» É para que o nosso espírito se liberte de todas as miragens que o Verbo nos convida a afastarmos dos olhos das nossas almas este sono pesado, para que não escorreguemos para fora das verdadeiras realidades nem nos agarremos ao que não tem consistência. Por isso Ele nos sugere uma atitude de vigilância, dizendo-nos: "Tendo os vossos rins cingidos e as vossas lâmpadas acesas"... O significado destes símbolos é bem claro. Quem está cingido pela temperança vive na luz de uma consciência pura, porque a confiança filial ilumina a sua vida como uma lâmpada. Iluminada pela verdade, a sua alma mantém-se livre do sono da ilusão, uma vez que nenhum sonho vão a pode enganar. Se cumprirmos isso, segundo as indicações do Verbo, entraremos numa vida semelhante à dos anjos... São eles, na verdade, que esperam o Senhor no regresso das núpcias e que se sentam às portas do céu com os olhos bem abertos, a fim de que o Rei da Glória (Sl 23,7) possa aí passar de novo, quando voltar das núpcias e regressar à beatitude que está acima dos céus. "Saindo de lá como um Esposo sai da câmara nupcial", de acordo com o texto do saltério (19,6), Ele uniu a si, como uma virgem, pela regeneração sacramental, a nossa natureza que se tinha prostituido com os ídolos, restituindo-lhe a sua incorruptibilidade virginal. Tendo já acabado as núpcias, uma vez que a Igreja foi desposada pelo Verbo... e introduzida na câmara dos mistérios, os anjos esperavam o regresso do Rei da Glória à beatitude que é própria da sua natureza. É por isso que o texto diz que a nossa vida deve ser semelhante à dos anjos, para que, tal como eles, vivamos longe do vício e da ilusão, para estarmos prontos para acolher a parusia do Senhor e, vigiando também nós às portas das nossas moradas, estejamos prontos a abedecer quando Ele voltar e bater à porta. Bem-aventurado Gerrico d’Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense 3º Sermão para o Advento “Vós não estais nas trevas para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão” (1 Ts 5, 4) “Prepara-te, Israel, para te encontrares com o teu Deus, porque Ele vai vir” (cf. Am 4, 12). E vós, também, irmãos, “estai preparados, porque à hora que menos pensais virá o Filho do Homem”. Nada mais certo do que a sua vinda, mas nada mais incerto do que o momento dessa vinda. De fato, pertence-nos tão pouco conhecer o tempo ou os momentos que o Pai, no seu poder, tem fixados, que nem sequer aos anjos que O rodeiam lhes é dado saber o dia ou a hora (Act 1, 7; Mt 24, 36). O nosso último dia virá também: é um fato muito certo. Mas quando, onde e como, isso é-nos muito incerto; sabemos unicamente, como já se disse antes de nós, que “para aos anciãos, ele já se encontra no limiar, enquanto para os jovens está à espreita” (S. Bernardo) … Esse dia não deveria apanhar-nos de surpresa, não acautelados, como um ladrão durante a noite… Que o temor, permanecendo em vela, nos tenha sempre preparados, até que a segurança se sobreponha ao temor, e não o temor à segurança. “Estarei atento, diz o Sábio, para não cometer pecado” (Sl 17, 24), já que não posso preservar-me da morte. Ele sabe, de fato, que “o justo, surpreendido pela morte, encontrará descanso” (Sb 4, 7; mais ainda, triunfam da morte os que não foram escravos do pecado durante a vida. Como é belo, meus irmãos, são só sentir-se em segurança perante a morte, mas também triunfar dela com glória, acompanhados do testemunho da própria consciência. Evangelho segundo S. Lucas 12,35-38. – cf.par. Mt 24,42-50 «Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar da boda, para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater. Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes! Em verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se ponham à mesa e há-de servi-los. E, se vier pela meia-noite ou de madrugada, e assim os encontrar, felizes serão eles. Santo Isaac o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossul no actual Iraque Discursos ascéticos "Mantenham as lâmpadas acesas" A oração que se oferece durante a noite tem um grande poder, mais do que a que se oferece durante o dia. É por isso que todos os santos tiveram o hábito de rezar de noite, combatendo a moleza do corpo e a doçura do sono e ultrapassando a sua própria natureza corporal. Também o profeta dizia: "Estou cansado de tanto gemer; todas as noites banho o meu leito com as minhas lágrimas" (Sl 6,7), enquanto suspirava no fundo de si mesmo numa oração apaixonada. E, noutro passo: "Levanto-me a meio da noite para te louvar por causa das tuas sentenças, tu que és o Justo" (Sl 118,62). Para cada um dos pedidos que os santos queriam dirigir a Deus com todas as suas forças, eles armavam-se com a oração nocturna e imediatamente recebiam o que pediam. O próprio Satanás nada receia tanto como a oração que se oferece durante as vigílias. Mesmo se são acompanhadas de distracções, não ficam sem fruto, a menos que se peça o que não convém. É por isso que ele trava sérios combates contra os que velam, a fim de os afastar quanto possível dessa prática, sobretudo se se mostram perseverantes. Mas os que se fortaleceram um pouco que seja contra as suas manhas perniciosas e saborearam os dons que Deus concede durante as vigílias e experimentaram pessoalmente a grandeza da ajuda que Deus lhes dá, desprezam-no completamente, a ele e a todos os seus estratagemas. São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja Sermão sobre o Cântico dos Cânticos, nº 17, 2 Vigiar no Espírito Santo Temos de estar vigilantes e atentos à obra da salvação que se realiza em nós, porque é com admirável subtileza e com a delicadeza de uma arte divina que o Espírito Santo realiza continuamente esta obra no mais íntimo do nosso ser. Que esta unção que tudo nos ensina não nos seja retirada sem que tenhamos consciência disso, e que a sua vinda não nos apanhe desprevenidos. Pelo contrário, convém-nos estar permanentemente atentos, com o coração totalmente aberto, para recebermos esta bênção generosa do Senhor. Em que disposições quer o Espírito encontrar-nos? “Sede como os servos que esperam o seu senhor, quando ele regressa das núpcias”. Ele nunca regressa de mãos vazias da mesa celeste, com todas as alegrias que esta prodigaliza. Temos, pois, de velar, e de velar em todo o momento, porque nunca sabemos a que horas virá o Espírito, nem a que horas voltará a partir. O Espírito vai e vem (Jo 3, 8); se, graças à Sua presença, nos mantemos de pé, quando Ele Se retira caímos inevitavelmente, mas sem nos magoarmos, porque o Senhor nos sustenta com a Sua mão. E o Espírito não cessa de comunicar esta alternância de presença e ausência aos que são espirituais, ou antes, àqueles que tem a intenção de tornar espirituais. É por isso que os visita de madrugada, pondo-os em seguida subitamente à prova. São Serafim de Sarov (l759-l833), monge russo Conversação com Motovilov «Velai orando continuamente» (Luc 21,36) Oh! Como eu gostaria, amigo de Deus, que nesta vida estivésseis sempre no Espírito Santo. «Eu venho em breve e trarei a recompensa para retribuir a cada um conforme as suas obras», diz o Senhor (cf Ap 22, l2). Que desgraça, que grande desgraça se Ele nos encontra sobrecarregados com os cuidados e penas deste mundo, pois quem pode suportar a sua indignação e quem pode resistir-lhe? Foi por isso que Ele disse: «Vigiai e orai para não cairdes em tentação» (Mat 26,41), ou dito de outro modo, para não serdes privados do Espírito de Deus, porque as vigílias e a oração dão-nos a sua graça. É certo que toda a boa acção feita em nome de Cristo confere a graça do Espírito Santo, mas a oração mais que qualquer outra coisa, estando sempre à nossa disposição. Vós teríeis, por exemplo, vontade de ir à igreja, mas a igreja está longe, ou o ofício terminou; teríeis desejo de dar esmola, mas não vedes o pobre, ou não tendes dinheiro; vós quereríeis permanecer virgem, mas não tendes força suficiente para isso, devido à vossa constituição ou aos embustes do inimigo, aos quais a fraqueza da vossa natureza humana não vos permite resistir; quereríeis, S. Maximiliano Kolbe (1894-1941), franciscano, mártir Conferência de 13/2/1941 «Conservai as vossas lâmpadas acesas» O que é preciso fazer para vencer a fraqueza da alma? Há dois meios para isso: o primeiro é o distanciamento de si próprio. O Senhor Jesus recomenda-nos que vigiemos. É preciso vigiarmos se quisermos que o nosso coração seja puro, mas é preciso vigiarmos em paz, para que o nosso coração seja tocado, pois ele pode ser tocado por coisas boas ou por coisas más, interiormente, ou exteriormente... portanto é preciso vigiar. Habitualmente, a inspiração de Deus é uma graça discreta: é preciso não a rejeitarmos...; se o nosso coração não estiver atento, a graça retira-se. A inspiração divina é muito precisa; tal como o escritor dirige o seu aparo, assim a graça de Deus dirige a alma. Tentemos pois alcançar um maior recolhimento interior. O Senhor quer que tenhamos o desejo de O amar. A alma que se mantém vigilante apercebese de que cai, e de que, só por si, não consegue lá chegar; por isso, sente a necessidade da oração. A súplica funda-se na certeza de que nada podemos fazer por nós mesmos, mas que Deus tudo pode. A oração faz falta para obter a luz e a força. Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade Something beautiful for God «Feliz do servo que o seu senhor , no regresso, encontra a trabalhar» Senhor muito amado, permite que eu possa ver-Te hoje e em cada dia, na pessoa dos teus doentes, e tratando-os, possa servir-Te. Se Te escondes debaixo da figura desagradável do colérico, do descontente, do arrogante, faz com que eu possa mesmo assim reconhecer-Te e dizer: «Jesus, a Ti, meu paciente, como é bom servir-Te.» Senhor, dá-me essa fé que vê claro e, então, a minha tarefa nunca será monótona, a alegria brotará sempre que eu atenda aos caprichos e responda aos desejos de todos os pobre em sofrimento. Ó Deus, pois que Tu és Jesus, o meu paciente, digna-Te ser também para mim um Jesus de paciência, indulgente para com as minhas faltas, levando em conta a intenção, pois que ela é amar-Te e servir-Te na pessoa de cada um dos teus doentes. Senhor, aumenta a minha fé, abençoa os meus esforços e a minha missão agora e para sempre. Evangelho segundo S. Lucas 12,39-48. Ficai a sabê-lo bem: se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, não teria deixado arrombar a sua casa. Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais.» Pedro disse-lhe: «Senhor, é para nós que dizes essa parábola, ou é para todos igualmente?» O Senhor respondeu: «Quem será, pois, o administrador fiel e prudente a quem o senhor pôs à frente do seu pessoal para lhe dar, a seu tempo, a ração de trigo? Feliz o servo a quem o senhor, quando vier, encontrar procedendo assim. Em verdade vos digo que o porá à frente de todos os seus bens. Mas, se aquele administrador disser consigo mesmo: 'O meu senhor tarda em vir' e começar a espancar servos e servas, a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele servo chegará no dia em que ele menos espera e a uma hora que ele não sabe; então, pô-lo-á de parte, fazendo o partilhar da sorte dos infiéis. O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor, não se preparou e não agiu conforme os seus desejos, será castigado com muitos açoites. Aquele, porém, que, sem a conhecer, fez coisas dignas de açoites, apenas receberá alguns. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será pedido.» S. João Crisóstomo (c.345-407), bispo de Antioquia e posteriormente de Constantinopla, doutor da Igreja Homilia 77 sobre S. Mateus «Estai preparados» «O Filho do Homem virá numa hora em que não pensais». Jesus diz-lhes isto para que os discípulos fiquem de vigília, para que estejam sempre preparados. Se lhes diz que virá quando menos O esperam, é porque quer levá-los a praticar a virtude com zelo e sem descanso. È como se lhes dissesse: «Se as pessoas soubessem quando vão morrer, estariam perfeitamente preparadas para esse dia». Mas o momento final da nossa vida é um segredo que escapa a cada homem. Eis por que o Senhor exige duas qualidades ao seu servo: que seja fiel, para que não atribua a si mesmo nada do que pertence ao seu Mestre, e que seja avisado, para convenientemente administrar tudo o que lhe foi confiado. São-nos pois necessárias duas qualidades para ficarmos preparados para a chegada do Mestre. Porque é isto o que acontece pelo facto de não sabermos qual o dia do nosso encontro com Ele: dizemos para connosco: «O meu Senhor tarda em chegar». O servo fiel e avisado não tem tal pensamento. Ó infeliz, por pensares que o teu Mestre se demora, imaginas então que ele não há-de vir? A sua vinda é certa. Porque não estás vigilante à sua espera? Não, o Senhor não está demorado: esse atraso só existe na imaginação do mau servo. S. Fulgêncio (476-532), bispo Sermão I, 2-3 "Servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (1Co 4,1) Para definir o papel dos servos que colocou à cabeça do seu povo, o Senhor diz esta palavra que o Evangelho nos transmite: "Qual é o administrador prudente e fiel que o senhor estabelecerá sobre o seu pessoal para lhe dar a seu tempo a ração de trigo? Feliz o servo a quem o senhor, quando voltar, encontrar procedendo assim"... Se nos perguntarmos que medida de trigo é esta, S. Paulo no-lo indica; é "a medida de fé que Deus vos repartiu" (Rm 12,3). Aquilo a que Cristo chama medida de trigo, Paulo chama medida de fé para nos ensinar que não há outra medida de trigo espiritual senão o mistério da fé cristã. Essa medida de trigo, damo-vo-la nós em nome do Senhor toda a vez que, iluminados pelo dom espiritual da graça, vos falamos segundo a regra da verdadeira fé. Essa medida, recebei-la vós dos administradores do Senhor todo o dia em que ouvis da boca dos servos de Deus a palavra da verdade. Que ela seja o nosso alimento, essa medida de trigo que Deus nos faz partilhar. Colhamos nela o sustento para a forma como nos conduzimos, a fim de obtermos a recompensa da vida eterna. Acreditemos naquele que se dá a si mesmo a cada um de nós para que não desfaleçamos no caminho (Mt 15,32) e que se reserva como nossa recompensa para que encontremos a alegria na pátria eterna. Acreditemos e esperemos nele; amemo-lo acima de tudo e em tudo. Porque Cristo é o nosso alimento e será a nossa recompensa. Cristo é o sustento e o reconforto dos viajantes que caminham; é a satisfação e a exaltação dos bemaventurados que chegam ao seu repouso. Evangelho segundo S. Lucas 12,49-53. «Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado! Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, Eu vo-lo digo, mas antes a divisão. Porque, daqui por diante, estarão cinco divididos numa só casa: três contra dois e dois contra três; vão dividir-se: o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra.» Santo Ambrósio (c.340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Tratado sobre S. Lucas 7, 131-132 «Vim trazer um fogo à terra» «Vim trazer o fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso». O Senhor quer-nos vigilantes, esperando a todo o momento a vinda do Salvador. […] Mas porque o ganho é magro e fraco o mérito quando é por temor do suplício que não nos deixamos cair na perdição, e porque o amor é o valor superior, o próprio Senhor inflama-nos no desejo de chegar a Deus, ao dizer-nos: «Vim trazer o fogo à terra». Certamente não é este o fogo que destrói, mas o fogo que produz a vontade boa, que torna mais valiosos os vasos de ouro da casa do Senhor ao queimar o feno e a palha (1 Co 3, 12ss), ao devorar as podres entranhas do mundo, amassadas pelo gosto do prazer terrestre, obras da carne que devem ser destruídas. Era o fogo divino que queimava os ossos dos profetas, como declara Jeremias: «Tornou-se um fogo devorador, encerrado em meus ossos» (Jr 20,9). Porque há um fogo que vem do Senhor, sobre o qual se diz: «à frente d’Ele avançará o fogo» (Sl 96, 3). O próprio Senhor é um fogo, diz ele, «que arde sem se consumir» (Ex 3,2). O fogo do Senhor é a luz eterna; neste fogo acendem-se as lâmpadas dos crentes: «Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas» (Lc 12, 35). É porque os dias desta vida são noite ainda que são necessárias as lâmpadas. É este o fogo que, segundo o testemunho dos discípulos de Emaús, o próprio Senhor pusera neles: “Não sentíamos o coração a arder, durante o caminho, enquanto Ele nos explicava as Escrituras?» (Lc 24,32). Eles ensinam-nos pela evidência qual é acção deste fogo, que ilumina o fundo do coração do homem. É por isso que o Senhor virá no fogo (Is 66, 15), para consumir os vícios no momento da ressurreição, para com a sua presença realizar os desejos de cada um de nós, e projectar a sua luz sobre as glórias e os mistérios. Dionísio o Cartuxo (1402-1471), monge Comentário ao Evangelho de Lucas, 12, 72 «Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou» (Jo 14, 27) «Pensais que vim trazer a paz ao mundo?» É como se Cristo dissesse: «Não penseis que vim dar aos homens a paz segundo a carne e segundo este mundo, uma paz sem regras, que lhes permitisse viver em harmonia no mal, e lhes garantisse a prosperidade neste mundo. Não, digo-vos, não vim trazer uma paz deste género, mas a divisão, uma boa e salutar separação entre os espíritos e mesmo entre os corpos. Assim, porque amam a Deus e procuram a paz interior, aqueles que acreditam em Mim estarão naturalmente em desacordo com os maus; separar-se-ão daqueles que tentam desviá-los do progresso espiritual e da pureza do amor divino, ou que se esforçam por lhes criar dificuldades.» Assim, pois, a paz espiritual, a paz interior, a paz boa é a tranquilidade da alma em Deus, e a boa harmonia segundo a justiça. Foi esta paz que Cristo veio trazer. [...] A paz interior, que tem origem no amor, consiste numa alegria inalterável da alma que se encontra em Deus. Chamamos-lhe paz do coração. É ela o começo e um certo antegosto da paz dos santos que se encontram na pátria, da paz da eternidade. Paz de Cristo, segundo Bento XVI Intervenção por ocasião da oração mariana do Ângelus CASTEL GANDOLFO, domingo, 19 de agosto de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção que Bento XVI pronunciou neste domingo, ao rezar a oração mariana do Ângelus, junto a milhares de peregrinos congregados no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo. *** Queridos irmãos e irmãs: Existe uma expressão de Jesus no Evangelho deste domingo, que cada vez chama nossa atenção e exige ser compreendida adequadamente. Enquanto se dirige a Jerusalém, onde lhe espera a morte na cruz, Cristo diz aos seus discípulos: «Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra contra nora e nora contra sogra» (Lc 12, 51-53). Quem conhece, ainda que somente um pouco, o Evangelho de Cristo, sabe que é uma mensagem de paz por excelência; o próprio Jesus, como escreve São Paulo, «é nossa paz» (Efésios 2, 14), morto e ressuscitado para destruir o muro da inimizade e inaugurar o Reino de Deus que é amor, alegria e paz. Como se explicam, então, suas palavras? A que se refere o Senhor quando diz que veio para trazer – segundo a redação de São Lucas – a «divisão», ou segundo a de São Mateus, a «espada»? (Mateus 10, 34) Esta expressão de Cristo significa que a paz que Ele veio trazer não é sinônimo de simples ausência de conflitos. Pelo contrário, a paz de Jesus é fruto de uma constante luta contra o mal. A luta que Jesus está decidido a enfrentar não é contra homens ou poderes humanos, mas contra o inimigo de Deus e do homem, Satanás. Quem quer resistir contra esse inimigo sendo fiel a Deus e ao bem, tem que enfrentar necessariamente incompreensões e, algumas vezes, autênticas perseguições. Por isso, aqueles que querem seguir Jesus e comprometer-se sem compromissos a favor da verdade, têm de saber que encontrarão oposições e se converterão, ainda que não o queiram, em sinal de divisão entre as pessoas, e inclusive dentro de suas próprias famílias. O amor aos pais é um mandamento sagrado, mas para ser vivido autenticamente, não pode ser anteposto nunca ao amor de Deus e de Cristo. Dessa forma, seguindo os passos do Senhor Jesus, os cristãos se convertem em «instrumentos de paz», segundo a famosa expressão de São Francisco de Assis. Não de uma paz inconsistente e aparente, mas real, buscada com valentia e tenacidade no compromisso cotidiano por vencer o mal com o bem (cf. Romanos 12, 21) e pagando o preço que isso implica. A Virgem Maria, Rainha da Paz, compartilhou, até o martírio da alma, a luta do seu Filho Jesus contra o Maligno e continua compartilhando-a até o final dos tempos. Invoquemos sua intercessão materna para que nos ajude a ser sempre testemunhas da paz de Cristo, sem rebaixar-nos a compromissos com o mal. [Tradução realizada por Zenit. © Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana] Pregador do Papa: nova e autêntica paz que Jesus traz aos homens XX Domingo do tempo comum Jeremias 38, 4-6.8-10; Hebreus 12, 1-4; Lucas 12, 49-57 Eu vim trazer a divisão à terra A passagem do Evangelho desse domingo contém algumas das palavras mais provocadoras pronunciadas por Jesus: «Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra contra nora e nora contra sogra». E pensar que quem diz essas palavras é a mesma pessoa cujo nascimento foi saudado com as palavras: «Paz na terra aos homens» , e que durante sua vida havia proclamado: «Bem- aventurados os que trabalham pela paz»! A mesma pessoa que, no momento de sua prisão, ordenou a Pedro: «Coloque a espada na bainha!» (Mt 26, 52)! Como se explica esta contradição? É muito simples. Trata-se de ver qual é a paz e a unidade que Jesus veio trazer e qual é a paz e a unidade que veio suprimir. Ele veio trazer a paz e a unidade no bem, a que conduz à vida eterna, e veio tirar essa falsa paz e unidade que só serve para adormecer as consciências e levar à ruína. Não é que Jesus tenha vindo propositalmente para trazer a divisão e a guerra, mas de sua vinda resultará inevitavelmente divisão e contraste, porque Ele situa as pessoas ante a disjuntiva. E ante a necessidade de decidir-se, sabe-se que a liberdade humana reagirá de forma variada. Sua palavra e sua própria pessoa trarão à luz o que está mais oculto no profundo do coração humano. O ancião Simeão o havia predito ao tomar Jesus Menino nos braços: «Este está colocado para queda e elevação de muitos em Israel, e para ser sinal de contradição, a fim de que fiquem ao descoberto as intenções de muitos corações» (Lucas 2, 35). A primeira vítima dessa contradição, o primeiro em sofrer a «espada» que veio trazer à terra, será precisamente Ele, que neste choque perderá a vida. Depois d’Ele, a pessoa mais diretamente envolvida neste drama é Maria, sua Mãe, a quem, de fato, Simeão, naquela ocasião, disse: «Uma espada te transpassará a alma». Jesus mesmo distingue os dois tipos de paz. Diz aos apóstolos: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não é à maneira do mundo que eu a dou. Não se perturbe, nem se atemorize o vosso coração» (João 14, 27). Depois de ter destruído, com sua morte, a falsa paz e solidariedade do gênero humano no mal e no pecado, inaugura a nova paz e unidade que é fruto do Espírito. Esta é a paz que oferece aos apóstolos na tarde da Páscoa, dizendo: «Paz a vós!». Jesus diz que esta «divisão» pode ocorrer também dentro da família: entre pai e filho, mãe e filha, irmão e irmã, nora e sogra. E lamentavelmente sabemos que isso às vezes é certo e doloroso. A pessoa que descobriu o Senhor e quer segui-lo seriamente se encontra com freqüência na difícil situação de ter de escolher: ou contentar aos de casa e descuidar Deus e as práticas religiosas, ou seguir estas e estar em contraste com os seus, que lhe jogam na cara cada minuto que dedica a Deus e às práticas de piedade. Mas o choque chega também mais profundamente, dentro da própria pessoa, e se configura como luta entre a carne e o espírito, entre o clamor do egoísmo e dos sentidos e o da consciência. A divisão e o conflito começam dentro de nós. Paulo o explicou de forma maravilhosa: «A carne de fato tem desejos contrários ao Espírito e o Espírito tem desejos contrários à carne; estas coisas se opõem reciprocamente, de maneira que não fazeis o que gostaríeis». O homem está apegado à sua pequena paz e tranqüilidade, ainda que seja precária e ilusória, e esta imagem de Jesus que vem trazer o desconcerto poderia indispô-lo e levá-lo a considerar Cristo como um inimigo de sua quietude. É necessário tentar superar esta impressão e perceber que também isso é amor por parte de Jesus, talvez o mais puro e genuíno. [Tradução realizada por Zenit] S. João-Pedro de Caussade (1675-1751), jesuíta O abandono à Providência divina “Porque não sabeis julgar o tempo presente?” Como é possível que estando continuamente a ser avisados de que tudo o que se passa neste mundo não é mais do que uma sombra, uma figuração, um mistério de fé, nos conduzamos sempre humanamente e pelo sentido natural das coisas, que é apenas um enigma? Caímos sempre na armadilha, como os insensatos, em vez de levantar os olhos e voltar ao principio, à fonte, à origem das coisas onde tudo é sobrenatural, divino, santificante, onde tudo é parte da plenitude de Jesus Cristo, onde tudo é pedra da Jerusalém celeste, onde tudo entra e faz entrar nesse edifício maravilhoso... A fé é a luz do tempo...; ela levanta o véu e descobre a verdade eterna (2Cor 3,16). Quando uma alma recebeu esta inteligência da fé, Deus fala-lhe através de todas as criaturas; o universo é para ela uma escrita viva que o dedo de Deus escreve incessantemente em frente dos seus olhos. A história de todos os momentos que passam é uma história santa; os Livros sagrados que o Espírito de Deus ditou são para ela ap enas o começo das instruções divinas. Tudo o que acontece e que não está escrito é para ela a continuação da escritura. O que está escrito é o comentário do que não está lá. A fé julga um pelo outro. Concílio Vaticano II Decreto sobre o Ecumenismo, 4 Discernir os sinais dos tempos Hoje, em muitas partes do mundo, mediante o sopro da graça do Espírito Santo, empreendemse, pela oração, pela palavra e pela acção, muitas tentativas de aproximação daquela plenitude de unidade que Jesus Cristo quis. Este sagrado Concilio, portanto, exorta todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem do trabalho ecuménico. Por «movimento ecuménico» entendem-se as actividades e iniciativas, que são suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. Tais são: primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e acções que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles; depois, o «diálogo» estabelecido entre peritos competentes, em reuniões de cristãos das diversas Igrejas em Comunidades, organizadas em espírito religioso, em que cada qual explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da vida de cada Comunhão. Então estas Comunhões conseguem também uma mais ampla colaboração em certas obrigações que a consciência cristã exige em vista do bem comum. E onde for possível, reúnem-se em oração unânime. Enfim, todos examinam a sua fidelidade à vontade de Cristo acerca da Igreja e, na medida da necessidade, levam vigorosamente por diante o trabalho de renovação e de reforma. Desde que os fiéis da Igreja Católica prudente e pacientemente trabalhem sob a vigilância dos pastores, tudo isto contribuirá para promover a equidade e a verdade, a concórdia e a colaboração, o espírito fraterno e a união. Assim, palmilhando este caminho, superando pouco a pouco os obstáculos que impedem a perfeita comunhão eclesiástica, todos os cristãos se congreguem numa única celebração da Eucaristia e na unidade de uma única Igreja. João Paulo II Carta Apostólica Novo millenio ineunte, 6/01/2001, § 55-56 (trad. © copyright Libreria Editrice Vaticana) Saber julgar os sinais dos tempos O diálogo interreligioso deve continuar. Na condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, como se prevê na sociedade do novo milénio, isso é importante até para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião que já cobriram de sangue muitos períodos na história da humanidade. O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz. Mas, o diálogo não pode ser fundado sobre o indiferentismo religioso, e nós, cristãos, temos a obrigação de realizá-lo, dando testemunho completo da esperança que há em nós (cf. 1 Ped 3,15)... Por outro lado, o dever missionário não nos impede de entrar no diálogo intimamente dispostos a ouvir. Com efeito, sabemos que a própria Igreja, diante do mistério de graça infinitamente rico de dimensões e consequências para a vida e a história do homem, jamais cessará de indagar, podendo contar com a ajuda do Paráclito, o Espírito da Verdade (cf. Jo 14,17), ao Qual compete precisamente a missão de guiá-la para a «verdade total» (Jo 16,13). Este princípio está na base quer do inexaurível aprofundamento teológico da verdade cristã, quer do diálogo cristão com as filosofias, as culturas, as religiões. Não é raro o Espírito de Deus, que «sopra onde quer» (Jo 3,8), suscitar na experiência humana universal, não obstante as suas múltiplas contradições, sinais da sua presença, que ajudam os próprios discípulos de Cristo a compreenderem mais profundamente a mensagem de que são portadores. Não foi porventura com esta abertura humilde e confiante que o Concílio Vaticano II se empenhou a ler «os sinais dos tempos» (Gaudium et spes, §4)? Apesar de ter efectuado um discernimento diligente e cuidadoso para identificar os «verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus» (§11), a Igreja reconhece que não se limitou a dar, mas também «recebeu da história e evolução do género humano» (§44). Esta atitude feita simultaneamente de abertura e de atento discernimento, iniciou-a o Concílio também com as outras religiões. Compete-nos a nós seguir fielmente o seu ensinamento pelo sulco aberto. S. Isaac o Sírio (sec. 7), monge em Ninive, perto de Mossoul no actual Iraque Discursos ascéticos, 1ª série, nº 2 “Vim trazer um fogo à terra” Violenta-te (cf. Mt 11,12), esforça-te por imitar a humildade de Cristo, a fim de que se inflame sempre mais o fogo que ele lançou sobre ti, esse fogo pelo qual são consumidos todos os apelos deste mundo que destroem o homem novo e que desonram as moradas do Senhor santo e poderoso. Porque eu afirmo com S. Paulo que “nós somos templos de Deus” (2Cor 6,16). Purifiquemos pois o seu templo, “como ele próprio é puro” (1Jo 3,3), a fim de que ele deseje aí permanecer; santifiquemo-lo, como ele próprio é santo (1Ped 1,16); ornemo-lo de todas as obras boas e dignas. Enchamos o templo com o descanso da sua vontade, como com um perfume, pela oração pura, a oração do coração, a qual é impossível de se adquirir entregando-se aos apelos contínuos deste mundo. Assim, a nuvem da sua glória cobrirá a tua alma, e a luz da sua grandeza brilhará em teu coração (Rom 8,10). Todos os que habitam na casa de Deus serão repletos de alegria e regozijar-se-ão. Mas os insolentes e os ignóbeis desaparecer ão sob a chama do Espírito Santo. Dionísio o Cartuxo (1402-1471), monge Comentário ao Evangelho de Lucas, 12, 72-74 Acender no coração dos homens o fogo do amor de Deus “Vim trazer fogo à terra”: desci do alto dos céus e, pelo mistério da Minha encarnação, manifestei-Me aos homens para acender no coração humano o fogo do amor divino. “E que quero se não que arda” – isto é, que pegue e se torne uma chama activada pelo Espírito Santo, que faça brilhar actos de bondade! Cristo anuncia a seguir que terá de morrer na cruz para que o fogo deste amor incendeie a humanidade. Foi, efectivamente, a santíssima Paixão de Cristo que valeu à humanidade dom tão grande, e é sobretudo a memória da Sua Paixão que acende uma chama nos corações fiéis. “Tenho de receber um baptismo”; ou seja: compete-Me e está-Me reservado, por especial disposição de Deus, receber um baptismo de sangue, banhar-me e como que mergulhar nas águas do Meu sangue derramado na cruz, a fim de resgatar o mundo inteiro. “E que angústia é a Minha até que tal se cumpra” – por outras palavras, até que Minha Paixão seja completa, e que Eu possa dizer: “Tudo está consumado!” (Jo 19, 30). São Siluane (1886-1938), monge ortodoxo Escritos «Vim trazer um fogo à terra» Ó humildade de Cristo, eu conheci-te sim, mas não te posso atingir. Os teus frutos são saborosos e doces porque não são deste mundo. O Senhor veio à terra para nos dar o fogo da sua graça no Espírito Santo. O humilde possui esse fogo e o Senhor concede-lhe essa graça. Mas numa alma desencorajada e aviltada, esse fogo não pode acender-se. Todos os céus se maravilham com o mistério da Encarnação: a forma como Ele, o Criador de tudo, desceu à terra para resgatar os pecadores! O orgulho e a vaidade impedem muitas vezes a alma de encontrar o caminho da fé. Eis um conselho para quem duvida e não crê: que ele reze assim: “Senhor Deus, se Tu existes, ilumina-me!” Por causa do seu humilde desejo e da prontidão em servi-lo, o Senhor iluminálo-á e ele sentirá na sua alma a presença de Deus; a sua alma saberá que Deus lhe perdoou e que a ama. Aquele que permanecer fiel à oração será iluminado pelo Senhor. Santa Faustina Kowalska (1905-1938), religiosa Diário «Lançar um fogo sobre a terra»: o dom do Espírito Santo (Act 2,3) Ó Espírito de Deus, Espírito de Amor e de Misericórdia, Que derramas no meu coração o bálsamo da confiança, A tua graça confirma a minha alma no bem, Dando-lhe uma força invencível; a constância! Ó Espírito de Deus, Espírito de Paz e de Alegria, Que reconfortas meu coração sequioso, Derrama nele a fonte viva do amor divino E torna-o intrépido na luta. Ó Espírito de Deus, o mais amável hóspede da minha alma, Desejo no mais íntimo ser-te fiel, Tanto nos dias de alegria como nas horas de sofrimento; Desejo, Espírito de Deus, viver sempre na tua presença. Ó Espírito de Deus, que inundas o meu ser E me fazes conhecer a tua vida divina e trinitária, Tu me inicias em teu Ser divino; Unida assim a Ti, tenho a vida eterna.