IV Seminário
Formação Continuada de Professores de Ciências
para o Ensino de Astronomia no Contexto
da Educação à Distância
Sérgio Mascarello Bisch
Observatório Astronômico
Departamento de Física
Universidade Federal do Espírito Santo
Enfocando, inicialmente, a questão da formação continuada de professores
de uma maneira ampla, no contexto da educação em geral, consideramos
que ela é, cada vez mais, necessária nos dias atuais, por vários motivos.
Além da razão evidente de corrigir falhas ou lacunas na formação inicial do
professor, destacamos mais dois:
– as características do mundo contemporâneo, globalizado, em que
vivemos, no qual mudanças e inovações culturais, sociais, tecnológicas
e científicas, com inevitáveis reflexos na educação, vêm ocorrendo em
ritmo acelerado;
– por características intrínsecas à própria profissão de educador: uma
pessoa que trabalha a formação e desenvolvimento de outras pessoas,
com a transmissão e transformação da cultura, e que, por isso mesmo,
necessita ela própria estar engajada num processo de permanente
atualização e desenvolvimento pessoal, profissional e cultural.
Por outro lado, dentro do ensino de Ciências, a Astronomia vem assumindo
um papel cada vez mais destacado. De acordo com recomendação dos próprios PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), um dos quatro eixos
temáticos nos quais deve-se organizar os conteúdos abordados em Ciências, no Ensino Fundamental, é justamente “Terra e Universo”. Essa ênfase
justifica-se pela importância histórica da Astronomia no desenvolvimento do
pensamento científico, por ilustrar de maneira exemplar que a ciência é uma
construção humana em permanente evolução, pela sua atualidade e importância na construção da visão de mundo dos estudantes e, portanto, na sua
atuação como cidadãos neste mundo, lembrando que a formação para a
cidadania, de acordo, mais uma vez, com os próprios PCNs, é considerado
o grande objetivo da educação no Ensino Fundamental.
De fato, ao que nos parece, a relevância da Astronomia no ensino atual
acha-se, em grande parte, relacionada à primeira razão geral, acima apontada, para a formação continuada de professores: o mundo globalizado e em
transformação acelerada em que vivemos, que faz com que estejamos liga1
IV Seminário
Formação Continuada em Astronomia
dos ao que ocorre em todo o nosso planeta, onde, por exemplo, questões
ambientais devem ser cada vez mais enfocadas numa perspectiva global,
onde inovações na tecnologia espacial e de observação do cosmos, com a
entrada em funcionamento de vários “super-telescópios”, vêm gerando resultados notáveis e de grande impacto, como, por exemplo, a construção da
estação espacial internacional que, após concluída, deverá tornar-se o terceiro astro mais brilhante do céu, a exploração de outros planetas do sistema solar ou a descoberta de outros sistemas planetários, além do nosso, ao
redor de outras estrelas. Estas questões põem em relevo a necessidade de
uma consciência da Terra como planeta e do contexto cósmico em que
vivemos, de sua importância para o próprio exercício da cidadania neste
mundo globalizado, cheio de novidades técnicas e científicas, consciência
esta que, forçosamente, deve ser pavimentada pela aprendizagem de conceitos básicos de Astronomia, nos níveis de ensino fundamental e médio.
Contudo, o ensino de temas de Astronomia nos níveis fundamental e médio,
tanto no Brasil como no exterior, em países desenvolvidos, não é isento de
problemas, ao contrário, embora abordando alguns fenômenos cotidianos e
familiares: o próprio planeta em que vivemos, dias e noites, as estações do
ano, as fases da Lua, os fusos horários; os conceitos e modelos científicos
que os explicam são bastante elaborados e abstratos, envolvem uma representação tridimensional e dinâmica dos fenômenos, uma geometrização do
espaço, a adoção de um referencial heliocêntrico fora da Terra, completamente diferente do referencial concreto, topocêntrico, em que nos encontramos, e uma articulação entre estes dois referenciais distintos. Isso faz com
que a aprendizagem das concepções científicas não seja nada trivial ou isenta
de dificuldades.
Com efeito, na pesquisa que desenvolvemos em nossa tese de doutorado,
onde investigamos a natureza do conhecimento relativo à Astronomia apresentado por estudantes e professores do ensino fundamental, constatamos
que este apresenta três traços gerais marcantes, extremamente freqüentes
nas representações dos estudantes e professores, e que devem ser superados para que ocorra uma aprendizagem efetiva: concepções ingênuas, que
consideram realidade o que é diretamente percebido pelos nossos sentidos
(por exemplo, que a Terra é plana, que a direção vertical é absoluta), um
conhecimento conceitual feito de chavões verbais e gráficos, extraídos dos
livros didáticos e reinterpretados de acordo com o senso comum, e uma
representação topológica (não geométrica) do espaço.
No que se refere aos professores nossa pesquisa foi feita durante a realização de um curso de extensão de Astronomia para professores do ensino
fundamental da rede pública do estado de São Paulo, com carga horária de
80 horas, que foi montado com base em nossa experiência anterior em ou2
IV Seminário
Formação Continuada em Astronomia
tros cursos de extensão para professores do ensino fundamental realizados
na UFES. No desenvolvimento das estratégias e atividades deste curso,
enfatizamos a observação direta do céu, a olho nu, a explicitação e crítica
das concepções prévias dos professores e o trabalho com modelos
tridimensionais.
Essa nossa experiência de formação continuada na área da Astronomia,
além de deixar patente que ela é extremamente necessária e urgente, dada
a carência de formação dos professores em serviço para o ensino de noções
básicas de Astronomia no Ensino Fundamental, nos permitiu extrair algumas outras conclusões gerais que devem balizar o nosso futuro trabalho de
intervenção. Pelo que constatamos, o trabalho de formação continuada deve
atacar em três frentes, buscando promover a superação das três características gerais presentes no conhecimento dos professores, identificadas em
nossa pesquisa: as concepções alternativas, o conhecimento livresco, feito
de chavões, e a representação não geométrica de espaço.
Para a superação das concepções alternativas é essencial o desenvolvimento de atividades que levem a uma crítica e relativização do próprio ponto de
vista, como a consideração, por exemplo, de como muda a direção vertical
conforme a posição na superfície da Terra, ou o aspecto dos objetos quando
variamos a distância até eles ou a direção segundo a qual os observamos.
Para a superação do conhecimento livresco, baseado em chavões verbais ou
gráficos presentes nos livros didáticos, é fortemente recomendável a adoção
de uma metodologia que inclua a realização de atividades práticas de observação sistemática do céu a olho nu, de um ponto de vista necessariamente
local, geocêntrico e a interpretação desta observações por meio da construção de modelos explicativos que devem ser criticados e comparados com o
modelo científico, heliocêntrico. Para a superação da noção topológica, não
geométrica de espaço, onde se consideram apenas relações de vizinhança,
ordem e envolvimento, é fundamental o trabalho com modelos tridimensionais,
onde se possa representar os movimentos dos astros e se inclua considerações geométricas de distâncias, ângulos, proporções e escalas reais. Quanto
a este ponto, da estrutura espacial e dinâmica do universo, uma estratégia
excelente seria a construção, em material simples (por exemplo, isopor) de
um modelo completo, esquemático, tridimensional de universo, com a Terra,
o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas, de acordo com o conhecimento
inicial dos professores, para posteriormente problematizá-lo e compará-lo
com o modelo científico.
Nunca trabalhamos com ensino a distância, mas percebemos que a
popularização da informática, dos meios de comunicação de massa e do
formidável acesso à comunicação e informação on-line, via Internet, que vem
transformando, de maneira irreversível, a cultura contemporânea, inevitavel3
IV Seminário
Formação Continuada em Astronomia
mente vem acarretando mudanças também na educação, na maneira como
as pessoas têm acesso ao conhecimento. No que ser refere à Astronomia,
por exemplo, existem sites com belíssimas imagens, obtidas com os melhores telescópios do mundo, boas animações, bons textos e hipertextos de
Astronomia, observatórios remotos, conectados diretamente à internet, ou
seções do tipo “pergunte ao astrônomo” em que dúvidas podem ser
esclarecidas pela internet. Há também excelentes softwares, inclusive gratuitos, que funcionam como planetários, ou seja, que são capazes de representar o céu como seria observado de qualquer ponto da superfície da Terra
e os movimentos que os astros nele descrevem. Evidentemente toda esta
nova tecnologia terá que ser assimilada e incorporada pelos educadores à
sua prática, representando novos recursos didáticos, os quais parecem especialmente talhados para atividades de ensino a distância. Sem dúvida,
bons cursos de Astronomia podem ser montados, e alguns já estão funcionando, desta forma, no exterior. Contudo, embora a incorporação desta nova
tecnologia seja um caminho sem volta, que tem méritos indiscutíveis, como
a possibilidade de atender uma clientela muito vasta, de acordo com nossa
experiência em formação continuada de professores do Ensino Fundamental, ao menos para a finalidade de uma formação continuada de professores
neste nível de ensino em Astronomia, na qual um dos grandes nós é a representação dos fenômenos no espaço tridimensional, chamamos a atenção
para o fato de que não se pode prescindir de atividades que envolvam este
tipo de visualização dos fenômenos, ou, de uma maneira mais básica, atividades que remetam à construção, pelos professores, de uma representação
geométrica do espaço tridimensional, onde a orientação de planos, a consideração das distâncias, ângulos e proporções seja incorporada. Este tipo de
atividade dificilmente poderá ser realizada de maneira tão plena, por exemplo, na tela de um computador, quanto ao se trabalhar como modelos concretos, feitos de material simples, para representação dos astros e seus
movimentos. Nossa sugestão, portanto, é de que não se prescinda deste
tipo de atividade, com material concreto, ao se planejar cursos a distância
para professores, nem tampouco de atividades de observação direta do céu,
pois não faria sentido ensinar Astronomia, num nível introdutório, como deve
ser no ensino fundamental ou médio, de uma maneira dissociada de uma
realidade tão atraente, bela e facilmente acessível a todos – o céu – e que é
o próprio objeto de estudo da Astronomia.
4
Download

Artigo - Sergio - ModeLab