Lauren DeStefano
Delírio
PA R A A M A N D A L - C ,
Que see aventura à chuva com toda a cor
coragem.
AGRADECIMENTOS
Mais uma vez, vejo-me perante a tarefa impossível de agradecer a um
grupo de pessoas fantásticas, mas aqui vai:
Obrigada à minha família, que passou esta história de mão em mão,
telefonando-me e enviando-me mensagens, e ao meu pai, que não está presente mas cuja imagem se sobrepõe a todas as coisas boas que aconteceram
ao longo da feitura deste livro.
Obrigada a Harry Lam por não me deixar enveredar pelo caminho
mais fácil, a Allison Shaw por ouvir a história ao telefone, ao volante e sentada em restaurantes, a Amanda Ludwig-Chambers, que derramou lágrimas sobre estas páginas e a Andrew O’Donnell, que sabe umas coisas de
tarô. Obrigada àqueles que acederam aos meus pedidos de «por favor, por
favor, por favor leia e diga-me o que pensa» e que, depois, me ofereceram
as suas críticas honestas. Obrigada aos meus antigos professores do Albertus Magnus College, que continuam a incentivar-me.
Os meus agradecimentos em triplicado à minha editora, Alexandra
Cooper, por compreender a minha linguagem errática e por tornar mais
forte cada página desta história. Obrigada a Lizzy Bromley, cujas capas
originais desta trilogia enaltecem e levam as pessoas a ler o que eu escrevi.
Obrigada à equipa da Simon & Schuster Books for Young Readers pela
paixão e por acreditar na história de Rhine. Obrigada mais uma vez e sempre à minha agente, Barbara Poelle, que abriu todas as portas e desbravou
todos os caminhos para que eu pudesse entrar neste mundo e partilhar as
minhas histórias.
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CAPÍTULO
1
Corremos com os pés encharcados e com o cheiro do mar agarrado à
pele gelada.
Rio-me e Gabriel olha para mim como se estivesse maluca. Estamos
ambos sem fôlego, mas consigo dizer sobre o som distante das sirenes:
– Conseguimos.
As gaivotas sobrevoam-nos, impassíveis. O Sol desce no horizonte,
incendiando-o. Olho para trás uma vez e vejo os homens a puxar o barco
em que fugimos para terra, à espera de encontrar ocupantes, mas certa de
que descobrirão apenas os papéis dos rebuçados que encontrámos dentro
dele e que nos souberam pela vida. Abandonámos a embarcação antes de
chegarmos a terra e nadámos o resto do percurso.
Os nossos pés emergem do mar como fantasmas que vagueiam pela
praia. Gosto da ideia de sermos fantasmas de países submersos, exploradores de um outro mundo, no passado, regressados do mundo dos mortos.
Chegamos a um afloramento rochoso que forma uma barreira natural
entre a praia e a cidade e escondemo-nos nele, ouvindo os homens a gritar
uns aos outros.
– O alarme deve ter sido disparado por um sensor quando nos aproximámos de terra – digo, consciente de que fora muito fácil roubar o barco.
As pessoas gostam de proteger o que lhes pertence. Eu própria montei uma
data de armadilhas em minha casa.
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– Que acontece se nos apanharem? – pergunta-me Gabriel.
– Eles não querem saber de nós. Aposto que alguém pagou uma boa
maquia para que o barco lhe fosse devolvido.
Os meus pais costumavam contar-me histórias de pessoas uniformizadas que mantinham a ordem, mas não acreditava nelas. Como é possível
manter a ordem no mundo com alguns uniformes apenas? Agora só há
detectives privados empregados pelos ricos para lhes localizarem coisas
roubadas e seguranças que mantêm as esposas presas em festas luxuosas.
E os Colectores, claro, que patrulham as ruas à procura de raparigas para
vender.
Deixo-me cair na areia de barriga para cima. Gabriel agarra-me numa
mão trémula.
– Estás a sangrar – diz.
– Olha – replico, olhando para o céu. – Já se vêem as estrelas. – Ele
segue-me o olhar e o pôr do Sol ilumina-lhe o rosto, tornando-lhe os olhos
mais brilhantes do que nunca, mas a expressão continua ansiosa. Crescer
numa mansão deixou-o permanentemente oprimido. – Está tudo bem –
acrescento, puxando-o para que se deite ao meu lado. – Deita-te aqui ao pé
de mim a olhar para o céu.
– Estás a sangrar – insiste com o lábio inferior a tremer.
– Não te preocupes que não morro.
Gabriel prende-me a mão nas dele. O sangue escorre-nos devagar pelos
pulsos abaixo. Devo ter raspado a mão por uma rocha ao rastejar para terra.
Enrolo a manga para que o sangue não me estrague a camisola branca que
Deirdre me tricotou. O fio está incrustado de pérolas e diamantes – as
minhas últimas riquezas como dona de casa.
Para além da aliança, claro.
A brisa que sopra do mar e a roupa molhada deixam-me enregelada.
Precisamos de encontrar um sítio para ficar, mas onde? Sento-me, olho
em volta e só vejo areia e rochas, mas parece-me descortinar ao longe uns
edifícios e um camião numa estrada. Anoitece. Dentro em breve os Colectores vão começar a patrulhar a área com os faróis apagados. O sítio parece
ser o ideal para eles porque não vejo candeeiros e as vielas entre os prédios
devem estar cheias de raparigas.
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Delírio
Gabriel, claro, mais preocupado com o sangue, tenta ligar-me a mão
com um pedaço de alga, o que me faz arder o ferimento por causa do sal,
mas não ligo. Ontem, a esta hora, era noiva do Governador e tinha irmãs-esposas. No fim da minha vida o meu corpo acabaria como os das que
morreram antes de mim, numa maca na cave do meu sogro, onde faria sabe
Deus o quê, mas agora sinto o cheiro do sal, ouço o mar, vejo um caranguejo a subir pela duna acima e mais qualquer coisa. Rowan, o meu irmão,
está algures por aqui e nada me impede de ir ter com ele.
Pensava que a liberdade me excitaria – e excita – mas também estou
aterrorizada. Uma sequência de «ses» ensombra-me a esperança.
E se ele não está lá?
E se alguma coisa corre mal?
E se Vaughn nos encontra?
E se…
– Que luzes são aquelas? – pergunta-me Gabriel. Olho para onde
aponta e vejo uma roda gigante a girar, iluminada.
– Nunca vi nada parecido – respondo-lhe.
– Deve estar lá alguém. Vamos – diz ele, ajudando-me a levantar
e puxando-me pela mão ferida, mas eu digo-lhe:
– Não podemos. Não sabes o que é aquilo.
– O que fazemos, então?
– O que fazemos? O plano era fugirmos, o que conseguimos, e agora
é irmos ter com o meu irmão, um desejo que transformei em romance ao
longo dos meus taciturnos meses de casamento, que se tornou um produto
da minha imaginação, uma fantasia, e o pensamento de que em breve estarei com ele até me deixa tonta de alegria.
Pensava que conseguiríamos, pelo menos, chegar a terra secos e em
plena luz do dia, mas ficámos sem combustível e está cada vez mais escuro.
E aqui é tão seguro como noutro sítio qualquer. Aquelas luzes, pelo menos,
por mais esquisitas que sejam, sempre a girar…
– Está bem – respondo-lhe –, vamos ver o que aquilo é. – A alga, tão
bem atada que até tem piada, estancou-me o sangue, Gabriel, a pingar,
cheio de areia e com os cabelos castanhos emaranhados, ainda e sempre à
procura de uma certa ordem, de alguma lógica, pergunta-me por que razão
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sorrio enquanto caminhamos e aperta-me a mão quando acrescento: – Vai
correr tudo bem, vais ver.
O ar de Janeiro está em fúria, enchendo-me os cabelos encharcados
de areia. As ruas estão cheias de lixo e só um candeeiro está aceso. Gabriel
rodeia-me os ombros com um braço e eu não chego a perceber se quer
consolar-me ou se quer consolar-se a si próprio porque, entretanto, sinto
um nó no estômago. O medo aproxima-se.
E se aparece uma daquelas carrinhas cinzentas?
Não se vêem casas, apenas um prédio de tijolo que deve ter sido um
quartel de bombeiros há meio século, com as janelas entaipadas e mais
algumas coisas em ruínas que eu não consigo ver bem o que são. Mas juraria que há gente nas vielas.
– Parece tudo tão abandonado – observa Gabriel.
– É engraçado, não é? Os cientistas pensavam que iam resolver os
problemas todos e, quando começámos a morrer, abandonaram-nos num
mundo a apodrecer.
Gabriel faz uma careta de desdém ou de piedade, não sei bem.
O rapaz passou a vida quase toda numa mansão onde não era mais do que
um criado, mas onde, pelo menos, as coisas eram limpas e razoavelmente
seguras, exceptuando a cave. Este mundo dilapidado deve ser um choque
para ele.
Uma música bizarra, oca e barulhenta, acompanha a roda iluminada.
– Talvez seja melhor voltarmos para trás – diz Gabriel assim que chegamos à cerca de arame que a rodeia, para lá da qual se vêem tendas iluminadas por velas.
– Para trás para onde? – pergunto-lhe, a tremer de tal maneira que mal
consigo pronunciar as palavras.
Gabriel abre a boca para dizer qualquer coisa, mas o meu grito
interrompe-o porque alguém me agarra por um braço e me empurra através de uma abertura na cerca.
Só consigo pensar: Outra vez não. A ferida da mão recomeça a sangrar,
o punho dói-me porque entretanto dei um murro em alguém e ainda estou
a esbracejar quando Gabriel me empurra. Desatamos a fugir, mas somos
apanhados por gente que sai das tendas e que me agarra pelos braços, pela
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Delírio
cintura, pelas pernas e até pelo pescoço. Sinto a pele dos dedos engelhada,
levo uma cabeçada e fico tonta, mas continuo a defender-me. Gabriel grita
por mim, mas não vale a pena. Somos arrastados na direcção da roda iluminada, onde para além da música se ouve uma velha a rir.
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Primeiro Capítulo