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PERCURSOS DA ETNOGRAFIA: LOUCURA E IMAGINÁRIO DOGON 1
Denise Dias Barros*
Resumo: Com base em pesquisa de campo realizada entre 1994 e 1996 nas terras dogon,
sociedade negro-africana da República do Mali (África do Oeste), observa-se que a sociedade
dogon possui um léxico significativo vinculado à designação e à compreensão da loucura.
Possui, por outro lado, um conjunto de saberes organizados, exercido sobretudo por homens,
que se transmite de uma geração a outra dentro da linhagem paterna ou que se adquire,
principalmente, por revelação. Estes saberes referem-se ao uso de plantas, de minerais, de
processos rituais e de encantações que se articulam segundo as proposições e práticas
históricas dogon num processo constante de formação da pessoa-dogon e da sociedade. A
pessoa considerada louca poderá conhecer destinos diferenciados: será acolhida, tratada e
reinserida nas esferas das relações sociais, ou será tratada sem conseguir uma
reinserção total, permanecendo aos cuidados de um parente ou amigo. Ela
poderá, ainda, ser aprisionada em sua casa ou ser deixada errante, sendo nestes
casos encontrada nos mercados, nos povoados e nas estradas.
Palavras-chave: etnopsiquiatria, dogon, loucura, etnografia, África Negra.
Que Amba nos dê a noite boa
Aos ancestrais, masculinos e femininos
Que Amba nos permite levantar em paz
Aos quatro cantos da terra
Que Amba permita que o levantar do dia nos encontra em paz
Que Amba nos mostre o caminho
Amba sagu u Sagu !!!
Ant&melu Dara
O que significa wede-wede na sociedade dogon2? Loucura? Como se
organiza e que elementos participam de sua formulação? Como circula na
sociedade o conhecimento a respeito do que seja wede-wede? O que ocorre com
a pessoa que, rompendo a barreira do mal-estar em sua civilização, passa a não
ter suas atitudes, gestos, palavras toleradas pelos seus? Quais as possibilidades
que se abrem quando uma pessoa faz uma crise? Foram estas algumas das
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Artigo publicado na Imaginário n. 6, pg. 57-81, 2000 - ISSN 1413-666x
Doutora em sociologia pela FFLCH-USP. Professora do Centro de Docência e Pesquisa em Terapia
Ocupacional do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de
Medicina - USP. Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e da Memória (NIME) e do
Laboratório de Estudos do Imaginário (LABI), Instituto de Psicologia - USP.
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Nome pelo qual ficou conhecido o complexo cultural negro-africano que ocupa a região noroeste da
República do Mali, oeste da África.
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questões e inquietações que conduziram nossa busca da palavra dos diferentes
atores que contracenam, na vida cotidiana na sociedade dogon da República do
Mali.
A loucura é vista, neste estudo, como uma manifestação das formas e das
possibilidades do humano que é sapiens e demens, envolvendo esferas
complexas e inseparáveis da pessoa e da sociedade. Revela-se ao mesmo tempo
singular enquanto momento/acontecimento particular na vida de uma pessoa e
coletiva pois exige sentidos compartilhados. Não se trata de discutir o que ela é,
mas como é compreendida e vivida. O adoecer é uma das dimensões da
manifestação do enlouquecer e a medicina encara e aceita em si parte da
problemática da doença e do adoecer.
Estivemos no Mali, pela primeira vez, em 1993. Naquele ano, foram quatro
semanas de permanência no país, uma em Bamaco junto à Unidade Psiquiátrica
do Hospital Point G e três semanas no planalto dogon. Ali, realizou-se um
Seminário sobre Medicina Tradicional que reuniu notáveis da medicina originária
de várias regiões do país. O trabalho de campo que viríamos a desenvolver –
entre setembro de 1994 a agosto de 1996 – pode então ser acordado com a
Divisão Nacional de Medicina Tradicional.
Nas trilhas da pesquisa
Pela estrada que corta o planalto e une Bandiagara a Mopti, formas
caprichosas dos paredões rochosos erguem-se aqui e lá como se tivessem
desistido de continuar sua marcha. Entre formas insinuantes de árvores enormes
mergulhadas em horizonte aberto, surgem sorrisos em rostos negros. Chegar era,
então, poder participar de uma história milenar onde nada reivindica virgindade ou
inocência mas experiência e força.
No final das águas de 1994, iniciamos nossas atividades a partir da vila de
Bandiagara, período da colheita de uma estação relativamente boa onde as
chuvas não haviam decepcionado.
Para nós eram dias de adaptação delicada. Um sentimento de
estranhamento profundo, estar no-mundo não-mundo recobria-nos. As paisagens
cotidianas haviam sofrido uma enorme mudança de cores, sabores e odores.
Entre estranhamento e atração, entre ser outro e ser o mesmo fomos construindo
um lugar, uma existência, uma experiência.
Para aprender é preciso esvaziar-se, ensina Tierno Bokar através de
Hampate Bâ (1980). Este é o primeiro desafio e primeiro postulado do método
almejado mas insistentemente fugidio. O terapeuta precisa sair da sua proteção e
condição de normal absoluto, o pesquisador necessita, do mesmo modo, ativar
esse esvaziar-se para se colocar em condição de ouvir. Mas assumir uma postura
similar significa transformação pessoal, júbilo e dor, que não se conquista em
horas ou dias e, quando alcançada, permanece fugaz, sem garantias, exigindo
cuidados permanentes. Daí a importância do tempo, importância de adquirir tempo
interno e dar tempo ao outro para ampliar os sentidos, aguçar e transformar
percepções.
A casa que nos havia emprestado Piero Coppo ficava a uns quinhentos
metros da vila de Bandiagara entre dois baobás – na mata segundo nossos
amigos dogon. Avarandada e cheia do verde das árvores que criam um oásis na
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paisagem seca da maior parte do ano. Um poço garantia a água e um painel solar
com duas lâmpadas fornecia a luz e energia para o computador. Este foi durante
vinte e quatro meses a base dos trabalhos que se seguiriam. Nós fomos cada vez
mais longe (cobrindo grande parte da região de Bandiagara) e por períodos
sempre maiores.
Após um mês de estudo com um jovem dogon, as dificuldades fizeram
fracassar a idéia de aprender a língua de Bandiagara imediatamente.
Compreendemos que os dois projetos (pesquisa com área abrangente e
aprendizado da língua de Bandiagara, donno s<) eram naquele momento
concorrentes no emprego do tempo disponível. A decisão de realizar o estudo na
sub-região de Bandiagara onde convivem diferentes falas dogon (trabalhamos
com cinco delas) sacrificava a iniciativa. Assim a dependência de um bom
intérprete acentuou-se. Somine Guindo ficou conosco após tentativas diversas;
mostrou-nos muito. Ele próprio um terapeuta. Filho de Ankonj< K&n&, um
reputado especialista em tratar fraturas e luxações.
Depois de algumas visitas (que duravam, às vezes, dias) e com base na
leitura principalmente dos trabalhos de Piero Coppo, pudemos elaborar roteiros de
entrevistas no intuito de apreender as idéias e maneiras de conceber a loucura.
Um roteiro para os adivinhos e binu-kedu-n&, outro para os terapeutas dogon de
wede-wede (loucura).
Sem a possibilidade de compreender a língua, a proposta de uma
observação, a compreensão e participação nas conversas do dia-a-dia ficavam
prejudicadas ainda que fosse essa a postura que nos orientasse. Os limites
faziam-se impiedosamente presentes a cada momento. Aprendemos a aguçar os
sentidos, gestos, olhares, tom de voz, tudo era preciso para garantir alguma
comunicação. Com o tempo as saudações diárias, palavras chaves foram sendo
incorporadas mas a barreira lingüística permaneceu uma importante limitação
deste estudo. Optamos, então, por integrar entrevistas abertas como estratégia
complementar que permitiria maior rigor ao registrar algumas conversações,
transcrevê-las e traduzi-las. As entrevistas registradas foram transcritas
inicialmente em dogon (na expressão lingüística do entrevistado), seguia-se a
tradução literal de cada palavra para o francês e uma terceira tradução que
obedecia a estrutura de frase exigida pela língua francesa. O mesmo
procedimento foi utilizado para a transcrição dos contos.
O registro das informações foi negociado com cada uma das pessoas que
reagiam diversamente à proposição; todas estas entrevistas, porém, só
aconteceram após um período onde nos observávamos mutuamente. Algumas
pessoas demoraram vários encontros até sua permissão para gravar
conversações, fotografar ou filmar. A qualidade do vínculo que se estabelecia foi
um dos critérios de definição das áreas de estudo para a segunda fase da
pesquisa.
Durante a pesquisa a necessidade de uma reflexão sobre o que deveria ser
registrado e a melhor maneira de fazê-lo foi mostrando a complexidade do projeto
e suas múltiplas implicações. Intenções conscientes e não conscientes combinamse nisto que alia percepção pessoal e necessidade de rigor, transitando entre
ciência e experiência do belo e da emoção na busca de compreensão.
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A variedade nas formas de coleta não garante a apreensão complexa do
fenômeno que se quer compreender. A convivência mais prolongada insiste em
denunciar as ignorâncias da pesquisadora e insinua a complexidade do que se
quer tocar, ilumina e constrói sombras e nos transforma.
Os dois anos as atividades foram permitindo criar espaços de convivência.
Os objetivos traçados quando do projeto de pesquisa nortearam os primeiros
passos mas foram sendo redesenhados enquanto se descortinavam os espaços
de vida em meio dogon. No primeiro ano, o eixo fundamental girou em torno à
compreensão dos sentidos da loucura e dos destinos individualizados de quem
entra por estes (des)caminhos. Desta forma procedimentos diferenciados foram
utilizados:
1. Estudo bibliográfico e das pesquisas realizadas pelo Centro Regional de
Medicina Tradicional de Bandiagara.
2. Estudo sobre a terminologia utilizada para definir e descrever a doença mental,
loucura e fenômenos existenciais vinculados. Para isto, além da consulta aos
dados levantados pelos pesquisadores italianos (Coppo, Fiore, Pisani, Lionetti),
realizamos entrevistas abertas onde o roteiro definitivo foi sendo elaborado no
processo, após compreender as categorias básicas para aprofundá-las.
Fizemos, sempre em três pessoas (junto com o intérprete e o responsável pela
coleta das imagens que foram captadas sempre que permitidas) visitas
periódicas, que precederam e se seguiram a pelo menos um período de
observação quando buscamos nos introduzir e conhecer as atividades do
especialista em questão.
3. Coleta de contos sobre a loucura e temas correlacionados. As narrativas
populares significam um acesso à percepção do senso comum sobre loucura e
outras problemáticas psíquicas. Acreditamos que é no conjunto dos
fundamentos e de manifestação da cultura que deveremos interpretar o sistema
de sentido e as práticas vinculadas aos problemas psíquicos.
4. Entrevistas com doentes, familiares e terapeutas a fim de conhecer os
processos desencadeados a partir do aparecimento da problemática do
sofrimento psíquico.
5. Entrevistas com adivinhos e binu-kedu-n& (chefe totêmico), buscando conhecer
a terminologia e as problemáticas de natureza psíquica mas que não são
incluídas na classificação local de wede-wede (loucura), ligadas ao momento de
crise e mal-estar que motivam a busca de ajuda fora do âmbito familiar.
6. Documentação visual: fotográfica e videográfica. Fotografia e vídeo são aqui
instrumentos e suportes para apreensão do fenômeno e para sua compreensão
e transmissão. Sendo, desta forma, linguagens que dialogam e complementam
o texto escrito e a palavra apreendida pelo registro magnético, restituem a
vivacidade da experiência e reavivam a memória.
No segundo ano, os procedimentos visavam um aprofundamento de nossa
visão da sociedade dogon e, assim, definimos núcleos habitacionais para a
continuidade das atividades. O ano de 1996 caracterizou-se pelo estudo em
situações localizadas, notadamente, em Songô, Wendegelê, Kundu-Kikini.
Entretanto, fizemos entrevistas esporádicas e visitas aos pacientes, familiares,
terapeutas e adivinhos com os quais havíamos trabalhado no ano anterior e,
também, continuamos a coleta de contos.
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Seguindo a orientação de Hampâté Bâ, que enfatiza a necessidade de que
a cultura seja apreendida pela experiência, precisávamos ir além da busca de
informações (enquanto dados objetivados); era fundamental aprender as regras de
comportamento que guiam as relações e o dia-a-dia das pessoas. As diversas
fases dos trabalhos compõem um conjunto complexo de dados que não se
separam das impressões da vida cotidiana, das emoções e das relações
construídas num esforço de seguir os limites expressos nas máximas dogon:
“todos os dias a orelha vai à escola”, “a palavra não termina em um só dia” ou “o
saber é muito grande para uma só pessoa”. Segundo Hampâté Bâ, no mundo
africano, o intermediário, isto é, a mediação é indispensável. Entre o criador e a
humanidade existem intermediários, da mesma forma, em suas relações o
africano passa sempre por um intermediário, o irmão mais novo para se dirigir a
seu pai, solicitará a mediação de seu irmão mais velho, de sua mãe ou, ainda, de
sua tia. Se uma pessoa for a uma reunião, deverá encontrar alguém para que este
exponha, em seu nome, o motivo de sua presença. A palavra é o melhor dos
intermediários mas a palavra não aceita três coisas: ela não aceita ser
pronunciada antes do tempo, ela não aceita não ser pronunciada quando chega o
momento e ela não aceita ser pronunciada após o momento. Assim, diz-se que o
tempo está dentro do segredo de três. Esse pensamento triádico, avesso às
binariedades e às linearidades, constitui, em nossa visão, a base do pensamento
dogon (e talvez negro-africano); suas conseqüências são apreendidas com grande
dificuldade, permanecendo fugazes e escorregadias para a racionalidade
ocidental.
Trabalhar em equipe foi fundamental pois nos constringiu ao confrontação
da observação e a explicitação de objetivos e métodos, facilitando, ainda, uma
percepção mais abrangente. Um grande desafio foi afinar nossa comunicação de
forma que pudéssemos conseguir uma linguagem comum sobre a qual,
entretanto, era preciso discutir continuamente. Assim, as informações e as
interpretações são frutos de redes de interações multiformes. A pesquisa que
fornece a sustentação deste trabalho foi uma destas situações onde a
pesquisadora (se é que ela poderia existir) dissolveu-se parcialmente no jogo de
relações mediadas (entre informante, intérprete e pesquisador).
Terapeutas dogon
As entrevistas tiveram como objetivo central a apreensão das noções
fundamentais que compõem o universo de significação da problemática psíquica.
Ou seja, a terminologia empregada, as expressões, definições e classificação,
noção de pessoa, percepção da doença. Procuramos, sempre que possível,
gravar as entrevistas de forma a poder transcrevê-las e traduzi-las, produzindo um
documento a partir de cada encontro. Trabalhamos a partir de um roteiro de
entrevista, propondo temas e questões iniciais e deixando falar livremente o
entrevistado. Em encontros sucessivos procuramos cobrir os temas previstos.
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Coleta de informações sobre pessoas com problemas psíquicos
Tivemos a oportunidade de conhecer diversos pacientes (vinte casos
compõem nosso universo) com histórias de sucessos e insucessos de
tratamentos. Famílias que se ocuparam de seu doente conseguindo reinseri-lo
completamente, outras que gastaram o que tinham para buscar ajuda pelo seu
doente; outras ainda que nunca procuraram qualquer ajuda especializada, tendo
permanecido dentro da própria família os tímidos movimentos no sentido de tratar
a pessoa doente. Outros desistiram após algumas ou diversas tentativas, nesses
casos incorporando a diferença e buscando inserir a pessoa nas possibilidades de
que dispunham. Conhecemos pessoas abandonadas a si mesmas sem qualquer
amparo da família, permanecendo nos mercados de Bandiagara, onde
encontramos trinta pessoas com problemas psíquicos (levantamento realizado
entre maio e junho de 1995). Além destas vimos casos de pessoas presas em
suas casas, às vezes amarradas ou acorrentadas e, às vezes, aprisionadas por
amarras invisíveis que os impediam de sair.
As histórias dos doentes nos permitiram, ainda que lentamente, reencontrar
através dos traços deixados pelo sofrimento, os conflitos, as dificuldades criadas
pelas tensões que surgem no interior e que afetam a família e a sociedade.
Permitiram, também, reconstruir (ainda que parcialmente) as visões a elas
subjacentes e os mecanismos de negociação de conflitos e de solidariedade que
possibilitam soluções particulares. Esse processo foi indicando a importância da
realização de um estudo mais aprofundado sobre Songô, onde acompanhamos,
por quase dois anos, a vida de três doentes e vários outros de maneira pontual.
Coleta de narrativas (contos) sobre a loucura e fenômenos relacionados
O procedimento para a coleta de contos populares foi se desenhando na
medida em que nossa presença se fazia constante, permitindo uma aproximação
maior com algumas pessoas de cada localidade que visitamos. Pudemos verificar
que a prática de reunir-se e contar estórias mantém-se de forma desigual no
planalto dogon. Em alguns lugares, dedicar-se às narrativas perdeu sua dimensão
de atividade cotidiana, sendo considerada como algo que se fazia em tempos
idos. Por outro lado, tivemos a oportunidade de conhecer lugares onde se mantém
viva como atividade de lazer, momento de vivência coletiva, entre mulheres,
reunião dos camaradas de um mesmo grupo de idade, entre membros de uma
família.
Na magia e sugestão de uma reunião noturna os contadores criam e ao
mesmo tempo recriam contos aprendidos desde a infância, contos que percorrem
temáticas diferenciadas da existência.
Propomos que nos dessem contos onde houvesse personagens
considerados loucos, wede-wede gin& e, também, sobre o início do transe do binu
(manifestação de ancestral clânico) pois trata-se de um momento onde torna-se
necessário fazer a diferença entre o transe provocado pelo binu e manifestações
consideradas, por eles, como sinais ou sintoma de doença. Selecionamos 90
(noventa) narrativas. Procedemos de duas maneiras, através de roda de contos
onde a palavra é livre e distribuída pelos próprios participantes, e individualmente.
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Com base neste extenso material e na bibliografia, procuramos sintetizar a
seguir os elementos mais relevantes que integram, ao nosso ver, os itinerários da
loucura na vida cotidiana e no imaginário dogon.
Universo terapêutico dogon
Foram muitas horas percorrendo trilhas que, às vezes, desapareciam
transformando-se em espaços entre arbustos, areia e colinas onde as pedras
insistiam em caminhar enquanto passávamos. Parecia-nos inventar caminhos na
procura de retalhos de conhecimento de um velho sábio cuja palavra, sabíamos já,
não “termina em um único dia”. Permanecemos, assim, imersos numa
indeterminação de muitas faces.
Tudo no universo dogon é força, existindo zonas privilegiadas de
concentração das forças (lugares sagrados, residências de seres sobrenaturais e
lugares clânicos onde se faz os sacrifícios) e, ainda, pessoas que concentram em
si potências superiores que, desse modo, não são apenas sacras, mas também,
sacralizadoras. Não apenas modelos de unificação dinâmica, mas também
unidades dinamizadoras de coesão ou de ordem.
A pessoa deverá crescer, adquirir força e saber num processo que não
concebe rupturas mas confirmação entre os percursos pessoais e os da
sociedade. Nesse movimento, eventos específicos podem interferir colocando em
risco a integridade, portanto a saúde, da pessoa em seu equilíbrio dinâmico:
acidentes, doenças, enganos, intervenção de outros, transgressões. Por outro
lado, um ser pode aumentar ou diminuir sua força inclusive pela absorção das
forças vitais de outros seres.
Essa idéia de interferências ou influências entre os seres consiste em uma
característica do pensamento negro-africano, não estando presente apenas em
meio dogon. Ela reconduz a noção de forças vitais que, segundo Fábio Leite
(1982), é um dos elementos estruturadores de processos sociais, ligando-se, num
primeiro momento, à noção de energia fundamental que se estrutura e organiza o
universo cuja fonte é o preexistente. A noção de forças vitais está nas práticas
sociais, não permanece apenas no domínio da natureza, pode ser de ordem
histórica e é central para a compreensão dos conceitos de saúde e de
adoecimento.
Pode-se dizer, sem temer o paradoxo, que a personalidade do negro é
composta de um corpo, uma alma, um totem e uma pluralidade de nomes.
Seria difícil saber qual entre os quatro elementos possui um papel
preponderante. Na realidade, cada um representa à sua maneira um
aspecto do indivíduo: o corpo é a forma somática, a alma o dado metafísico;
o totem, o elemento cosmológico; o nome – que os une a todos com força e
coesão – o aspecto social (Thomas, 1973: 397).
O homem negro-africano (Leite, 1981: 1) constitui a síntese de elementos
vitais-naturais e sociais em processo permanente. Os elementos vitais naturais
compõem-se do corpo, princípio vital de animalidade e espiritualidade, princípio
vital de imortalidade. Este último está ligado à noção de destino ou de realização.
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É possível aperfeiçoá-lo pela ação da sociedade, sendo fortemente individualizado
e indestrutível. Os elementos vitais sociais são: nome (dar nome significa colocar
a palavra dentro da pessoa), socialização, iniciação e ritos funerários (permitem a
transformação da pessoa em ancestral).
O princípio vital de animalidade e espiritualidade é o que organiza a
animação do corpo; pode manifestar-se sob forma de duplo ou sombra, é
considerado imperecível. Uma característica desse princípio é sua capacidade de
individualizar-se, elemento dinâmico, podendo ter sua vitalidade aumentada ou
diminuída por fatores de autodomínio e de socialização, com capacidade de
transformação. Quando fragilizado, torna-se atingível pelos agentes
especializados na manipulação de duplos, os chamados comedores de almas.
Percebe-se, assim, que a noção de forças vitais constitui pedra basilar para
entender a noção de pessoa e as idéias sobre a doença, tratamento e processos
de cura em sociedades negro-africanas.
Desde sua concepção, a criança permanece alvo de inúmeros perigos, sua
sobrevivência é incerta. A morte de uma criança é preferencialmente lida como
um problema que recai de maneira imediata sobre a mulher mas atinge, de
maneira mais ampla, a família. Uma série de recursos destinada à proteção da
criança será utilizada. Desta forma, diferentes rituais destinados à sua proteção e
inserção ótima devem ser, segundo o sistema dogon, realizados. Atualmente
essas medidas de proteção são utilizadas de forma desigual com diferenças locais
relevantes. Elas foram em parte abandonadas, outras, transformadas ou
substituídas por ritos de origem muçulmana ou cristã. Ouve-se com freqüência
dizer que o mundo “estragou-se com a religião”, deixando as pessoas mais
expostas aos malefícios e aos infortúnios.
Saúde é percebida pelos dogon como “um estado de equilíbrio entre o
indivíduo e seu meio (visível e invisível, animado e inanimado), buscando a
participação plena e satisfatória do indivíduo na comunidade presente, passada e
futura do qual ele é membro... ela (saúde) deriva do equilíbrio entre imagem de Eu
e papel social efetivamente assumido” (Coppo, 1993: 67). A noção de saúde
confunde-se com o processo permanente de formação e socialização da pessoa
que se realiza na intercecção de três eixos. Um vertical que liga a pessoa aos
seus ancestrais, um horizontal que a vincula à comunidade e outro existencial
constituído através de percursos e elaborações particulares do Eu (Sow, 1977).
A doença é percebida como perturbação do equilíbrio que é preciso
reconstituir. As pessoas são múltiplas na pessoa e a terapia deve reencontrar uma
unidade nesta multiplicidade pois o adoecer é uma dispersão do todo. Deve-se
agir sobre diversos níveis para recompor a ordem: a purificação do corpo do
doente e a reparação da falta são condições necessárias para que um tratamento
possa ser eficaz.
Um sonho ou um acontecimento inesperado são portadores de mensagens
a serem decifradas e a adivinhação permite desvelar as marcas deixadas pelo
medo e a angústia, tecendo interpretações que apaziguam a dor e possibilitam a
cura.
Não um, mas diversos adivinhos são procurados a cada inquietação,
desentendimento ou diante de um desejo ou ambição. Em sua busca de sentido a
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pessoa permanece envolvida pela incerteza. Adivinhos, terapeutas e marabus3
acolhem todo tipo de ansiedade e vão contribuindo para sua elaboração.
São os códigos de conduta que darão os parâmetros entre normalidade e
anormalidade, isto é, os sinais que permitem entrever um possível sintoma de
crise e de infortúnio. A desordem pode ser o desrespeito aos códigos de conduta
interpessoais (gritar com mais velho ou interromper sua palavra, vestir-se
inadequadamente ou ficar nu em lugar público, roubar, agredir sem razão, fazer
medo nas crianças, fugir para a mata), violação de um pacto ancestral (penetrar
em lugar sagrado, transgressões alimentares), violação dos preceitos que regem a
conduta dos homens com a natureza visível (cortar árvore em lugar sagrado, falta
no cumprimento dos ritos de purificação da mata) e com os seres não visíveis que
representam um pacto de paz no compartilhar o espaço terrestre (penetrar em
locais onde vivem seres não visíveis como os y&b&n, jinnu sem pronunciar as
palavras de proteção). Podem ser, por outro lado definidos por sinais que sugerem
a presença de sintomas psicopatológicos (do ponto de vista da psiquiatria) como
incoerência verbal, mutismo e inapetência acentuada, negativismo, estereotipias,
agitação, insônia, alucinações visuais e auditivas (Coppo, 1988: 63).
É preciso ressaltar, entretanto, que estes sinais deverão ser confrontados
por um lado com a capacidade ou incapacidade da pessoa em manter suas
atividades cotidianas e, por outro, com explicações possíveis, coerentes com a
visão de mundo dogon. Assim o fato isolado de uma pessoa ver coisas ou seres
que os outros não vêm ou não ouvem significa apenas que ela está em contato
com os seres existentes mas não visíveis à maioria dos homens. Deste contato,
ela poderá tirar uma experiência negativa ou positiva. Se a pessoa tem medo (n&)
repentino poderá perder-se (seu kinde kindu escapa), deixando o caminho aberto
para que a doença entre; ela poderá conhecer, então, o diagnóstico de wedewede (loucura). Outro destino é, entretanto, previsto caso a pessoa consiga fazer
de sua experiência um fator positivo ao interpretar esse encontro ou episódio
dentro dos contornos que o universo cultural permite. Esta é a situação de
Maraetu, reputada adivinha que, após perder nove filhos, começou a se comunicar
com os seres não visíveis e isto permitiu a ela reencontrar seu lugar na sociedade.
No início pensou ser wede-wede, fez diversos tratamentos, rituais de purificação,
mas os próprios seres que a protegem disseram que seu caso não tinha
tratamento pois não se tratava de doença.
A loucura pode ser atribuída a diferentes eventos que não se excluem: ao
destino ou a um encontro com diferentes tipos de seres de sociedades não
visíveis ao homem mas com quem dividem o espaço terrestre. Muitas vezes,
ainda, a adesão à religião (islâmica ou cristã), a migração, a pobreza e eventos
graves de vida podem, para os dogon, desencadear crises ou desequilíbrio na
pessoa.
A manifestação da loucura pode ocorrer de diversas formas, desarticulando
a vida cotidiana e as relações sociais. Diante de uma experiência de crise, as
primeiras reações ocorrem, mais freqüentemente, no seio da grande família –
gin’na. É a partir da gin’na que nascem a solidariedade e a ajuda, mas também, a
rejeição e o abandono da pessoa que adoece pois quando uma crise individual
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Aquele que, entre os muçulmanos, dedica-se à prática e ao ensino da vida religiosa e à leitura do Alcorão.
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emerge, ela evoca a presença de conflitos nas relações entre os mais próximos.
Os recursos que são postos em ação pela família, amigos, adivinhos, marabus e
terapeutas tornam possível reconduzir a pessoa a si mesma e à sua coletividade.
Se uma pessoa é rejeitada pelo grupo doméstico, ela pode ser acolhida por
membros da família extensa, por amigos ou pelo próprio terapeuta. Em nossa
passagem pelas terras dogon, encontramos, também, pessoas deixadas
entregues à errância e à miséria.
Os adivinhos afirmam que devem sugerir um especialista – um j<nj<#-n& –
quando identificam um problema que escapa ao seu conhecimento como nos
casos de loucura (wede-wede). O terapeuta dogon é um especialista por possuir
um saber reconhecido que permite o tratamento de determinadas doenças ou
episódios. Ele conhece a farmacopéia pertinente, as palavras que dinamizam sua
ação terapêutica, ibi s<, recorre a sua sensibilidade e pode manejar de alguma
técnica de adivinhação ou de comunicação com os seres não visíveis (através de
sonhos ou vidência). Desta maneira deverá definir os contornos do mal, atribuindo
(ou confirmando) um nome e desvendando sua origem e caminhos para o
tratamento a ser seguido.
Em casos em que a doença (ou mal) seja considerada associada à
transgressão de proibições (taa), um primeiro nível de ajuda terapêutica forma-se
através do concurso de parentes. Trata-se, neste momento, de buscar apoio nos
conhecimentos do patriarca responsável pelos receptáculos de forças vitais
familiares. Muitas vezes, entretanto, faz-se necessário buscar ajuda fora do
mundo familiar.
Terapeutas
Pode-se dizer que a medicina originária dogon, inserida no processo sóciocultural que lhe deu origem, compreende um sistema onde diversos agentes
sociais concorrem, começando pelos conhecimentos familiares em geral e, em
particular, pelo patriarca chefe de gin’na.
Cada terapeuta concebe seu saber como um patrimônio a ser
cuidadosamente protegido dentro da linhagem ou do segmento de linhagem. O
filho mais velho deverá substituir de maneira plena as responsabilidades do pai
seja no tratamento de doentes, seja nos rituais e cuidados necessários à
manutenção das forças vitais de seu gelu (conjunto de elementos e materiais
sagrados e sacralizadores). Nas situações que tivemos a possibilidade de
conhecer, o saber é transmitido aos diversos filhos (às vezes mesmo as filhas e
netas) que se interessam e se aproximam do pai ou do avô, mas que poderão
exercer seu conhecimento apenas em caso da ausência do mais velho.
A aprendizagem poderá ser desigual entre os filhos e acontece por fases. A
observação é a base do aprendizado, seguida da realização de pequenas tarefas
pela criança ou jovem, o que o introduzirá lentamente numa esfera de saber que
assume os contornos da experiência. São gestos, seqüências dos rituais
terapêuticos e regras de comportamentos. O reconhecimento e coleta das plantas,
o conhecimento da palavra da cura (ibi s<), das encantações (que forneceram
parte das forças vitais para que o medicamento seja eficaz) cumprirão uma nova
etapa do aprendizado. O exercício do saber exige ser amadurecido e certas
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práticas dependem da idade e dos ritos iniciáticos, não podendo ser executadas
antes que o aprendiz tenha se tornado uma pessoa completa, madura (ind& pai).
Frente ao sofrimento, um primeiro nível de reações ocorre no seio da
família de onde se iniciam, sejam mecanismos de solidariedade e de ajuda, sejam
de rejeição da doença e/ou abandono da pessoa. Pode-se dizer que em toda
gin’na encontramos pessoas reconhecidas como capazes de fornecer
interpretações sobre a situação e providenciar as medidas consideradas
fundamentais, desde a coleta de plantas, fabricação e modo de administração de
medicamentos.
Na sociedade dogon convivem diferentes maneiras de ser terapeuta e as
formas das terapias são diversas com interfaces importantes com valores e
práticas islâmicas principalmente. Podemos distinguir como agentes da saúde os
adivinhos (almaga4, kundu-n&), os terapeutas (j<n-j<#u-n&), os vendedores de
plantas medicinais e objetos destinados aos tratamentos e rituais terapêuticos, os
encarregados de cultos e os guardiões de objetos ou lugares-receptáculos de
forças (altares) individuais ou de caráter ancestral (pertencendo, neste caso, a
uma linhagem ou a um segmento de linhagem, ou mesmo, a uma localidade).
Dependendo da natureza do mal ou da doença a tratar (se está ligada a
transgressões) podem intervir, além desses, uma pessoa de casta (artesão de
couro ou ferreiro), os aliados políticos e rituais mangu ou dama-ga5, sobretudo
para rituais de purificação do corpo6 e, também, o feiticeiro7 (dugu-n&). Outro
personagem que participa do universo terapêutico é o binu-kedu-n& que por sua
sensibilidade e participação simultânea no mundo dos homens e das sociedades
dos seres não visíveis pode adquirir conhecimentos específicos: vidência,
adivinhação e tratamento de doenças. O binu (enquanto expressão totêmica) não
é único e suas qualidades e força vital variam de maneira importante. Não
podemos deixar de mencionar o marabu que trata, utilizando o Corão, oferecendo
à população um recurso terapêutico e de proteção importantes.
O itinerário de busca da compreensão do mal e de sua reorientação não é
linear, mas, um processo dinâmico que envolve dor e o imponderável dos
caminhos humanos. É neste contexto que a busca de sentido integra o processo
terapêutico e o diagnóstico a terapia. A ordem e os papéis de terapeutas
(familiares e não) e adivinhos não devem ser lidos de forma estática, mas, como
um conjunto de possibilidades que podem ser utilizadas de múltiplas maneiras e
em seqüências diversas.
O que caracteriza a ação do terapeuta dogon está no conjunto de sua
intervenção: ritos, encantamentos, uso de vegetais, minerais e animais, a
autoridade e a qualidade da própria presença. Tudo isso sem cindir as dimensões
4
A etimologia da palavra proposta por Calame-Griaule é que almaga derivaria de álu mánga, literalmente
“petri l'indecision”, ou seja, acabar com a indecisão (1965: 430(3)). Outra explicação nos foi dada: alu
significaria aliança e manga, guardar nas mãos, ou seja, dar forma, criar.
5
Aliança de troça.
6
Caso de doenças de <mb<l< após romper com proibições ou negligência para com os ancestrais, wagun.
O ferreiro ou os parentes do doente devem pegar um pouco de sorgo e algodão e depositar tudo na mata
(Ankonj< K&n&).
7
A diferenciação entre feitiçaria e bruxaria proposta por Evans Pritchard não é evidente em meio dogon,
o feiticeiro pode ele mesmo atuar negativa ou positivamente.
12
existenciais da pessoa, os vínculos que estabelecem seu pertencimento a uma
família, aos ancestrais e, portanto, à sociedade e à história dogon.
Especialista por possuir um saber que permite o tratamento de doenças
determinadas, o terapeuta conhece, também, a farmacopéia pertinente e a palavra
que dinamiza sua ação terapêutica. Ele é reconhecido como aquele que tem o
poder de curar e recorre à sua sensibilidade, podendo manejar alguma técnica de
adivinhação ou de comunicação com os seres não visíveis. O terapeuta dogon é
um conhecedor dos mistérios da mata. Ele transita entre os espaços incultos e os
espaços socializados. A ele cabe reorganizar os fluxos das forças postas em jogo
no adoecer, na manifestação do mal e na desordem social e ancestral. Sendo
assim, é procurado sempre que algum fenômeno ameaça o desenrolar esperado
ou desejado dos acontecimentos.
Noções ligadas à loucura
Pudemos constatar, como já haviam descrito Coppo, Tinta e Mounkoro, que
a sociedade dogon possui uma terminologia vinculada à designação e
compreensão da doença mental (enquanto reconhecimento de um estado
patológico) e loucura (enquanto fenômeno humano). Adotar categorias
nosológicas significa, em meio dogon, “dispor de uma rede feita de laços
associativos móveis, que não se desenvolve verticalmente e hierarquicamente.
Entretanto, estruturando-se por analogia e por implicação mútua, atribui formas e
recobre de sentido, horizontal e transversalmente toda existência e, portanto, a
experiência. Atribui continuidade antes que descontinuidade, um sentido de
conjunto antes que uma organização hierárquica” (Coppo, 1994: 52).
Wede-wede, loucura, é classificada pelos dogon como uma das três
grandes doenças – junto com a epilepsia e a hanseníase (lepra) – segundo
pesquisa realizada em 16 localidades por Bamia (1991). Uma vez que uma
pessoa é assim diagnosticada, significa que se considera estar diante de uma
situação grave onde as possibilidades de recuperação podem diminuir
consideravelmente. Decorre daí o cuidado mesmo na utilização da palavra que
designa a doença que vem denominada, muitas vezes, de maneira metafórica.
Para definir uma situação considerada patológica (lul<), encontra-se terminologia
própria em diferentes linguagens dogon, trata-se de wede-wede, w&ze (donno s<);
keke (te#u kã); wezi& ou wezenin (t<r< s<); nokigu jonno (dogulu s<).
Além de wede-wede (donno s<), usa-se uma linguagem figurada, seja para
indicar a loucura (compreendida como uma doença grave) seja para indicar a
presença de uma problemática psíquica menos grave ou definitiva. Em outras
palavras, pode-se reconhecer uma situação de crise como nos exemplos a seguir:
a) ku kibeli ou ku k&w w< l< (cabeça incompleta); b) ky bilia d& (cabeça que se
inverte/ revirada); c) ku ginna w< (cabeça que se espalha, que se dispersa e se
divide).
Como noutras culturas negro-africanas, a doença é uma entidade que se
movimenta, isto é, sobe, desce, passeia, viaja, enfim, que age. Sendo assim, para
dizer que a pessoa ficou doente diz-se: lul< ku w< m<ra dambe, a doença montou
sobre sua cabeça; lul< won agi, a doença o prendeu; lul< ku m<n& da#a, a doença
sentou em sua cabeça. Em suas pesquisas sobre representação de doenças
13
contagiosas entre os dogon, Roberto Lionetti afirma que esta se constrói como
“imagem espacial da doença (contagiosa ou não) que faz dela uma realidade,
móvel e autônoma fortemente inscrita na geografia do espaço vivido” (1984: 4). A
doença má, ainda segundo o mesmo autor, move-se sem repouso até encontrar
uma pessoa vagando inadvertidamente à sua volta para, então, montá-la. Assim a
expressão correntemente utilizada de lul< yalà (doença que vaga/passeia) revela
um campo vasto de representações culturais, pois estar continuamente em
movimento é próprio da doença, do vento, dos seres não visíveis que dividem com
os homens o espaço terrestre, do kindi-kindu (ou kikinu), dos cães, dos ladrões e
malfeitores (bruxos). Além disso a expressão ind& yalà (pessoa que vaga/passeia)
é figura de linguagem utilizada para designar loucos, mendigos, prostitutas ou
homens que correm excessivamente (assim considerados) atrás das mulheres
(Lionetti, 1994: 4).
Mas, wede-wede (a loucura) não ‘monta’ em qualquer pessoa. Os dogon
consideram que as pessoas de cabeça leve ind& ku wey (donno s<) kunogoro
#&ru (te#u kã) dana wei (tommo s<), que expressam de forma marcante suas
emoções e têm medo facilmente, estão mais expostas aos perigos da doença
enquanto aquelas consideradas de cabeça pesada ku dogozo (donno s<), dana
dogodu (tommo s<) estão mais protegidas, menos expostas ao medo, n&, fator
desencadeador da crise. Sendo assim, raramente sofrerão de wede-wede. Essas
informações confirmam os dados colhidos por Lionetti a respeito das condições
propícias para a transmissão de doenças contagiosas.
A doença contamina mais facilmente a pessoa frágil. A resistência ou o
contágio explica-se com base em características pessoais ligadas à qualidade do
sangue, leveza/dureza da cabeça e medo. Em outras palavras, a doença pode
pegar (ind& lul< aga) mais facilmente a pessoa que possui sangue doce (ni &llu)
que é leve (ni wei) e cabeça leve (ku wei). O contrário ocorre se a pessoa possui
sangue amargo (ni gallu) que é pesado (ni dogod<) como descreveu Lionetti
(1994: 7-8). Estas condições individuais são consideradas hereditárias,
transmitidas de uma geração à outra, mas existem circunstâncias ou eventos de
vida que podem fragilizar (diminuição da força vital), deixando as pessoas mais
expostas às doenças.
Na loucura, momento de rompimento e de perda dos fatores de proteção, a
pessoa vê enfraquecida a relação entre seu kinde-kindu e seu corpo, perde $ama,
vê seu n<l< (caráter) comprometido, e suas relações (pessoal e social) dissolvemse, despedaçam-se.
Às vezes, a designação do problema psíquico respeita preferencialmente o
agente causal suposto ou o mediador da ação deste agente. É o caso dos termos
g&z& (vento); g&z& paz& (vento ruim); ogulum b&l&n (seres da mata); y&b&n
g&ze (y&b&n que viaja através do vento); y&b&n t&bili8 ou y&b&n lagi (apanhar de
y&b&n), y&b&n nindimi (que o y&ben assustou). O vento, g&z& (wewe em tommo
s<), foi alvo de investigações dos pesquisadores italianos, revelando-se como
categoria complexa com sentidos múltiplos; trata-se de uma mediação (um vetor
8
Além dos y&b&n, outros seres não visíveis podem agir, isto é, assustar, bater. Trata-se dos ginaji, jinu,
andumbunlun entre outros, sobre os quais apresentamos, neste relatório, uma discussão no item “ogulun
b&l&m lul<”.
14
segundo a linguagem médica) através da qual se movimentam doenças diversas e
os seres não visíveis que podem transmitir numerosas doenças (incluindo alguns
tipos de loucura) mas constitui, ela mesma, uma categoria independente.
Ainda que convivam, na linguagem corrente, as formas metafóricas de
wede-wede necessitam ser distinguidas de uma série que designações de
problemas que poderíamos chamar de psíquicos ou psicológicos que não são
considerados como wede-wede (por não possuírem a mesma gravidade) mas que
possuem um estatuto de doença. Servindo-nos das palavras de Piero Coppo, “não
encontramos classificações hierárquicas reciprocamente excludentes.... Existe um
modo de designar os fenômenos que se baseia na acumulação progressiva de
elementos qualificantes, cada um referindo-se a um repertório heterogêneo"
(1992: 105). Trata-se aqui, principalmente, da nomeação do agente em questão,
fazendo alusão à pessoa e não a uma doença enquanto entidade abstrata.
Encontramos quanto ao comportamento durante a crise, wede-wede ya
(mulher considerada como forma fria, kellu), wede-wede ana (wede-wede homem
considerado como forma quente, numo). Coppo afirma que esta tipologia está
ligada a idéia de gravidade do evento, sendo a forma ya menos efusiva porém de
tratamento mais difícil e a forma ana menos grave quanto ao prognóstico (Coppo,
1994: 53-4).
O sistema de classificação da doença mental à disposição dos especialistas
dogon, segundo a bibliografia disponível9 e nossa verificação de campo, permite
distinguir quatro principais categorias causais que revelam, em parte, sua
compreensão do problema da loucura. É importante assinalar que a classificação
que utilizamos é uma inferência dos dados recolhidos, não se trata de
sistematização fornecida diretamente pelos terapeutas. Esses, espontaneamente,
ao mencionar a tipologia dos problemas psíquicos preferem fazer alusão à
gravidade e ao comportamento do doente que à causa da doença, preferem
enumerar as causas que conhecem sem preocupar-se em agrupá-las ou
hierarquizá-las.
Terapias
Parece-nos difícil precisar os limites de um processo terapêutico uma vez
que a intenção que anima esta pesquisa tem sido a de apreendê-lo na
complexidade e dinâmica que caracterizam o humano e a vida. Onde começa a
terapia? No instante mesmo em que ações de ajuda têm lugar, quando inicia uma
ação especializada ou desde os primeiros sinais de manifestação da doença,
signo inteligível que deve principiar reações de solidariedade?
Não seria possível desconsiderar os caminhos que levam à busca de
sentido, o diagnóstico global da situação que pode ser dado por um familiar ou,
como ocorre freqüentemente, pela adivinhação. Além de fazer reentrar o mal em
um universo de sentidos conhecido, ele abre as portas para que a eventual busca
de um especialista seja bem sucedida. Dessa forma, acreditamos que todos os
processos interpretativos pertencem ao mundo do tratamento propriamente dito.
9
Ver a respeito da classificação das doenças em geral Roberto Lionetti, Barbara Fiore e, especificamente
sobre o campo psiquiátrico, ver obras de Piero Coppo nas referências bibliográficas.
15
O ação terapêutica parece ser, ela mesma, viva e em movimento
permanente. Trata-se de um projeto de reabilitação psico-social-natural-ancestral
que é desenhado a partir de diferentes ritos através dos quais as relações
familiares e comunitárias com a pessoa que sofre e a relação dos elementos que a
compõe serão redefinidas. A pessoa precisa reencontrar seu lugar na sincronia e
diacronia de sua existência.
A palavra é dotada de força intrínseca, sendo alvo de conhecimento e
manipulação, através dela os elementos constitutivos do objeto ou lugar sagrado
adquirem um momento dinâmico propício para a expressão/solução da
necessidade de quem a pronuncia, podem provocar o aumento ou diminuição das
forças do ser, transformando, por exemplo, um conjunto de plantas em
medicamentos. Sendo assim, ibu s< – a palavra que dá a vida – carregada de
qualidade de proteção pode atuar em várias situações da vida cotidiana (contra
inimigos, mal olhado, para atrair a aceitação quando da chegada numa localidade
estrangeira), contra a ação dos seres não visíveis (se são pronunciadas as
palavras corretas eles deixam a pessoa passar sem problemas caso se cruzem
pelo caminho).
O uso de plantas e elementos minerais e animais compõe também os
recursos terapêuticos. Os diferentes elementos são, ao mesmo tempo, recursos
(enquanto dotados de valor ou propriedades terapêuticas específicas) e mediação
(enquanto veiculadores de comunicação e fornecedores de significados
inteligíveis) da ação do especialista que age, por sua vez, no interior de
parâmetros compartilhados pela sociedade. O uso dos vegetais e animais
evidencia a qualidade da relação homem-natureza; da coleta à ingestão devem
ser obedecidos cuidados e regras que viabilizam e dinamizam a absorção das
forças dos elementos – vegetais, animais ou minerais – necessários à pessoa
debilitada.
Um conjunto de rituais integram a terapia. De um lado, os rituais
propiciatórios e de purificação e de outro, aqueles ligados à aplicação dos
medicamentos (fumigação, aspiração, ingestão). Após a cura do mal manifesto
uma série de medidas serão tomadas para que a doença não volte e para
agradecer o restabelecimento almejado: rituais de fixação da doença, rituais de
agradecimento e/ou de proteção.
O setting terapêutico envolve também os espaços da vida quotidiana da
pessoa em tratamento que pode estar aos cuidados do terapeuta e sua família ou
em seu próprio ambiente, alvos de ações de purificação e conselhos.
A palavra que se encerra
A dimensão social da doença é um problema fundamental para a sociedade
humana, envolvendo um desafio prático, pois é preciso encontrar soluções, e
teórico pois necessitamos explicar o que aconteceu, como se originou e qual é sua
história. Provoca, desta forma, uma busca de sentido que deve ser interpretada.
Interpretar não significa inventar um explicação, nem reduzir os fenômenos às
classificações, mas encontrar uma mediação entre a exigência do corpo que sofre
e as regras, institucionais e sociais, que presidem o processo da interpretação
(Augé, 1986). Significa cumprir um itinerário múltiplo pois a busca da saúde e de
16
alívio da dor e da angústia não é homogênea, mas, caracterizada por alternativas
diferenciadas.
As interpretações locais da doença necessitam conferir um significado a
tais episódios, correspondendo a um modo específico de pensar a realidade,
satisfazendo, ao mesmo tempo, as exigências do indivíduo. A interpretação deve
permanecer atenta ao adentrando no contexto local e o particular sem esquecer a
universalidade que é sua ânima, movendo-se igualmente entre o individual e o
social (Augé, 1986).
Dessa forma, os conceitos à disposição para a interpretação constituem um
mapa através do qual é possível se orientar. Os percursos trilhados durante a
pesquisa de campo e, posteriormente, na trajetória da reflexão e da escrita, não
nos conduzem a conclusões. Eles abrem caminhos e levantam questões, riscam
pegadas na densa civilização e visão de mundo dogon. As concepções vinculadas
à loucura e a seu tratamento revelam sua riqueza e complexidade quando
apreendidas no contexto e nas dinâmicas das práticas históricas das quais se
originam. A análise dos dados permite confirmar a existência de uma concepção
dogon da loucura, com: 1. um léxico significativo e relativamente rico em
expressões que necessitam ser ainda melhor estudadas; 2. um saber organizado,
exercido pelos homens, que se transmite de uma geração a outra dentro da
linhagem paterna ou que se adquire por revelação, cujos processos rituais
necessitam ser melhor conhecidos; 3. ainda que se conheçam transformações
importantes, valores ancestrais permanecem na base da busca de equilíbrio
pessoal-social, sendo vital compreender a maneira pela qual os homens
continuam seu diálogo com as sociedades dos seres invisíveis.
A compreensão do adoecimento deriva do conjunto das relações e de
características do momento de sua manifestação e reconhecimento social. As
interpretações do mal aparecem através de duas formulações divergentes mas
igualmente presentes. A doença como manifestação da vontade de Amba, que é
uma teoria de acobertamento e de pacificação, e a hipótese que liga a doença à
ação nefasta de agentes sociais fazem surgir uma noção baseada num conflito
que deve ser superado mas cujo caminho a sociedade atual não conhece. O que
tem sido posto em causa são, sobretudo, as alianças matrimoniais e o papel dos
homens jovens na estrutura de poder e de decisão dos destinos pessoais.
Outros fatores ou processos podem redefinir os limites e o sentido do bemestar e da saúde. O medo (n&) repentino pode levar a pessoa a perder-se a si
mesma (seu kinde kindu escapa) ou poderá tornar-se impura (contato com a
morte), deixando o caminho aberto para que a doença entre. É possível, neste
caso, que a pessoa consiga fazer de sua experiência um fator positivo ao
interpretar esse encontro ou episódio dentro de contornos sociais pertinentes. As
transgressões e a quebra dos códigos de conduta configuram-se, também, como
desordem. Trata-se, principalmente, do desrespeito aos códigos de conduta
interpessoais, da violação de um pacto ancestral, da violação das regras de
conduta dos homens nas suas relações com a natureza visível e, também, com
os seres não visíveis com os quais deve-se compartilhar o espaço terrestre.
A noção de saúde confunde-se com o processo permanente de formação e
socialização da pessoa.
17
Se, por um lado, a constituição da pessoa é trabalhada pela sociedade, por
outro, ela pode a qualquer momento (mesmo sem intenção) constituir-se em
expressão de contradições, antagonismos e transformações.
A loucura não é apreendida como mal de um corpo inerte a ser extirpado.
As proposições enunciadas pelos terapeutas, adivinhos, doentes e narradores que
conhecemos informam um sistema complexo de compreensão da problemática.
Nelas os nexos entre manifestação da loucura e sociedade, entre processos
terapêuticos e práticas ancestrais, entre real e imaginário, entre religiosidade e
organização social não podem ser separados para serem conhecidos. Do mesmo
modo, passado e futuro interpenetram-se no presente, pessoa e grupo
permanecem indissociáveis ainda que em relações ao mesmo tempo
complementares, concorrentes e antagônicas. Foi, sobretudo, esta maneira
dialógica de aceitar os desafios e os riscos e de tecer uma trama de interpretações
da loucura que procuramos reconstituir.
Abstract: A research that took place between 1994-96 among Dogon in Mali
Republic Showed the existence of significant lexicon to express madness and its
understanding.
Keywords: etnopsiquiatry, Dogon, madness, etnography, Black Africa.
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21
Quem são os dogon?
Encravada no coração saheliano, a República do Mali corresponde a um
vasto território de 1.240.192 Km2 de superfície, divide seus 6000 Km de fronteiras
com sete países: Algéria, Burquina-Faso, Costa do Marfim, Guiné, Níger, Senegal
e Mauritânia. Terras antigas onde sociedades negro-africanas têm vivido e
construído suas histórias.
A população dogon, estimada em 450 mil pessoas, representa cerca de
95% da região que ficou conhecida como país dogon. Instalados nas montanhas,
ficaram conhecidos na época colonial, principalmente na Europa, como habê,
nome utilizado pelos peul para referir-se aos negros em geral, ou seja, aos povos
por eles encontrados quando de sua chegada. Sua origem é exógena e composta
de ondas migratórias distintas. A primeira migração, de acordo com a tradição
oral, origina-se no Mandê (região situada no curso inferior do Níger), teria sido
entre 1230 e 1255, sob Sundjata, ou sob Congo Moussa (1307 e 1332), motivada
possivelmente por brigas familiares, fuga de caçadores de escravos, busca de
novos territórios para o plantio, entre outras. Os dogon, em seus relatos oficiais,
afirmam que ao saírem do Mandê (como outras populações ribeirinhas do Niger
médio) constituíam uma única togu (raça, família). A ocupação de novos territórios
ocorreu através de processos diferenciados, sendo a repartição dos clãs, segundo
alguns autores, inicialmente de quatro (jon, aru, ono e dommo). Os diferentes
autores parecem concordar que uma consciência de nação dogon constitui-se
entre os séculos XVI e XVIII, período em que seus habitantes sofreram com
guerras e pilhagens provocadas pelos Estados centralizados que se sobrepunham
naquele espaço.
A presença francesa inicia-se com um longo período de exploração a partir
de 1796. Entretanto, a presença militar estabeleceu-se a partir da criação do posto
militar em Bandiagara em 1893. A resistência dogon é persistente e enfrenta os
colonizadores até 1920. Trata-se de uma região agro-pastoril com predominância
da agricultura. Dessa forma as atividades econômicas definem-se a partir das
duas estações climáticas: uma de chuva, que cobre os meses de junho a
setembro, e outra de seca, de outubro a maio. A sociedade dogon é patrilinear,
viri-patrilocal e organiza-se com base em um sistema de linhagens exogâmicas
que se decompõem em segmentos e grupos domésticos. A família extensa é a
primeira unidade social que encontramos, a gin’na (casa-mãe) é constituída pelo
ancestral masculino, seus filhos, filhas e os filhos de seus filhos. A linhagem
organiza-se de forma piramidal pela autoridade do mais velho da geração mais
antiga.
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PERCURSOS DA ETNOGRAFIA: LOUCURA E