Publicado no Jornal Cidade Viva em Fevereiro de 2010 NASCEU ASSIM... Ao nascer, traçamos uma existência psicológica que se constrói de acordo com a nossa predisposição biológica, mas também com o ambiente que nos rodeia, em todas as suas dimensões. Somos uma espécie de encontro entre os estímulos circundantes e a forma pessoal como os sentimos, traduzimos e integramos. Deste processo resulta uma entidade própria, ou seja, percepcionamos, sentimos e relacionamo-nos com o mundo à nossa maneira. Com isto, no entanto, não podemos considerar que encontramos o mundo, porque o inverso é igualmente importante... o mundo também nos encontra, e condiciona. Fazemos uma espécie de jogo de forças até conseguirmos conquistar um lugar e um papel próprios na família, no grupo de amigos e depois na sociedade. A noção de lugar compreende, em grande parte, as expectativas que se tecem em torno de nós. Na verdade, tendemos a esperar de nós o que os outros esperaram de nós primeiro. Vejamos... Torna-se impossível para alguém considerar válidas as suas potencialidades, ou mesmo dar-se conta delas, se sempre duvidaram de si nos momentos decisivos e importantes da vida. A mensagem cristaliza-se quando acentua o negativo, a falha, o erro, que deste modo se torna sempre eminente na tomada de decisão ou na resolução de problemas. O exacerbar da dimensão do erro deriva frequentemente de uma generalização dos atributos negativos, pelo que a percepção do que se é capaz parece arrasada por fantasias catastróficas e derrotistas, ou por uma espécie de desesperança, na qual a crença desaparece. Se nada esperam de nós, o que há a perder? É nestas situações que as crianças se demitem da vida, como quem diz, banalizam as relações, os vínculos afectivos, os estudos, as conquistas, aceitam deste modo o vazio que as acompanha desde que as pré-determinações feitas em torno de si pelos demais anularam qualquer atributo próprio que pudessem desenvolver. Digamo-lo frontalmente... educar dá trabalho! Implica abnegação, gestão de muita frustração, persistência, tolerância, perseverança, firmeza, em suma, é uma tarefa desgastante porque requer investimento e disponibilidade afectivos permanentes. Importa pensar se a desistência de um educador face a um comportamento de uma criança é tão somente uma fuga à sua responsabilidade ou terão as crianças nascido assim... Serão elas más e difíceis desde pequeninas? Ou desinteressadas, rebeldes, fracas, ou pouco inteligentes desde sempre? Se bem que estas características possam ser observadas desde cedo o certo é que, tal como as flores, não crescerão se ninguém as regar. Toda a criança tem potencial. As crianças “com defeito”, só o são na percepção pré-concebida de quem as rodeia, que delas desistiu ainda antes de terem “nascido”. Aquelas que têm ficado aquém de si próprias, continuam a ter por desenvolver capacidades com certeza extraordinárias se alguém nelas acreditar. Antes que a criança se orgulhe de si e invista no mundo, ela procura o brilhozinho nos olhos de quem a cuida, por quem precisa de sentir-se amada, em quem pode confiar a sua existência. Paula Barbosa Psicóloga Clínica [email protected]