XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE GOIÁS: INQUIETAÇÕES E DESAFIOS
Brucce Sanderson Prado de Freitas
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Aluno do Programa de Voluntários de Iniciação Científica – PIVIC/UFG
E-mail: [email protected]
Monike Hyasmim Gomes Miranda
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas (ICB)
E-mail: [email protected]
Profa. Dra. Simone Sendin Moreira Guimarães
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Professora Adjunto I do Instituto de Ciências Biológicas (ICB)
E-mail: [email protected]
Prof. Ms. Rones de Deus Paranhos
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Professor Auxiliar I do Instituto de Ciências Biológicas (ICB)
E-mail: [email protected]
Resumo: A educação e a formação dos professores se constituem políticas públicas
endereçadas constituição da cidadania. Por mais mudanças que aconteçam na sociedade,
o professor sempre será imprescindível. Portanto, entendemos que além das discussões
sobre políticas públicas voltadas para a educação, das condições de trabalho do
professor e sua valorização profissional, a discussão sobre formação de professores
configura-se como uma das possibilidades para que possamos compreender a situação
da Educação Brasileira. A maior procura pelo curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas no turno noturno e as peculiaridades de seu público motivou a realização do
presente estudo na UFG. Pensando na importância dessa temática este trabalho tem por
objetivo discutir algumas ideias que os alunos do segundo e décimo períodos do curso
de Licenciatura em Ciências Biológicas - Noturno tem a respeito do processo de
formação em que estão inseridos na UFG. Para isso, foi elaborado e aplicado um
questionário semi-estruturado e os dados analisados de forma quantitativa e qualitativa.
Com base nos dados percebemos ainda que existem resquícios de uma concepção de
formação como acúmulo de técnicas e não uma atividade crítica; que os futuros
profissionais da educação ainda não recebem formação para atender algumas demandas
sociais (Educação de Jovens e Adultos, Educação Ambiental, Educação Indígena, entre
outros); e que o número de futuros professores que pensam que para ser professor é
necessário ter dom é pequeno. Finalmente é importante destacar a formação dos
professores de Biologia na instituição pesquisada precisa ser rediscutida para que possa
responder as expectativas e as necessidades da realidade que se apresenta.
Palavras-chave: Formação de professores. Licenciatura Noturno. Ciências Biológicas.
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Introdução
A educação e a formação dos professores se constituem políticas públicas
endereçadas constituição da cidadania. No Brasil tanto a Constituição Federal de 1988
quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB – Lei nº 9.394/96)
valorizam a educação como processo essencial para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho, e ressaltam a importância da formação de professores
nesse processo de valorização (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996).
A respeito da formação de professores, Veiga e Viana (2010), indicam que por
mais mudanças que aconteçam na sociedade, o professor sempre será imprescindível.
Portanto, entendemos que além das discussões sobre políticas públicas voltadas para a
educação, das condições de trabalho do professor e sua valorização profissional, a
discussão sobre formação de professores configura-se como uma das possibilidades
para que possamos compreender a situação da Educação Brasileira.
Segundo Pereira (2006), historicamente podemos perceber algumas diferenças
em relação às discussões sobre formação de professores durante as últimas décadas.
Essas discussões abordaram temas como dimensão técnica na formação de professores
(década de 70), o caráter político da prática pedagógica e o compromisso do professor
com as classes populares (década de 80) e compreensão dos aspectos microssociais,
destacando o papel do professor como agente-sujeito (década de 90 e início do novo
milênio).
Porém, a despeito da importância, ou relevância da Educação e da formação de
seus profissionais no nosso país, pesquisas apontam que a profissão professor é cada
vez menos procurada entre os jovens estudantes. No Brasil apenas 5,2% dos alunos que
realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2007, e já tinham
escolhido a profissão, queriam ser professores (BRASIL, 2009).
Sabemos que vários fatores estão envolvidos na pequena procura pela profissão,
porém, a valorização profissional é um aspecto relevante nessa discussão. Na
valorização, e consequentemente na desvalorização profissional docente aspectos como
o saber, a formação inicial e continuada, as condições de trabalho, o regime,
estabilidade e carga de trabalho, as condições físicas do local de trabalho, a organização
de carreira, autonomia profissional e participação democrática e ainda remuneração,
incentivos pecuniário, entre outros fatores (LUCE, 2011), podem influenciar na escolha
profissional.
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Percebemos também que o baixo salário e as más condições de trabalho são
algumas das razões da desvalorização da profissão docente. No Brasil, como em outros
países, em que “ter” é mais importante que “ser”, o valor de uma profissão é
determinado pelo piso salarial e pelo poder de compra. Entendemos que a valorização
profissional não se mede apenas pelo valor nominal do salário, se mede também pelo
resultado de lutas entre trabalho e capital (MONLEVADE, 2000).
Além desses aspectos relacionados ao contexto de atuação profissional, outro
ponto importante é a formação inicial desses professores. Os futuros professores vão
construindo sua identidade profissional, em boa parte, com base em sua história e sua
cultura, mas também subsidiados em práticas e modos de atuar, estabelecidos e
consolidados pela própria instituição escolar e muitas vezes a representação social
negativa da profissão de professor é repassada pelos próprios professores (LIBÂNEO,
2010). Por isso, a formação inicial se faz importante no processo de profissionalização,
essa não deve corroborar como os modelos postos para o ser e o fazer docente, muitas
vezes validados pelas representações negativas da profissão docente. Mais do que isso, a
nosso ver, a formação inicial se configura como um momento de questionamento desses
modelos, superando a perspectiva da reprodução.
Ao articularmos as ideias apresentadas acima com o contexto da formação do
professor de Biologia na Universidade Federal de Goiás – Instituto de Ciências
Biológicas (UFG – ICB), algumas perguntas nos inquietaram: quem são os estudantes
de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFG-ICB? Como eles se posicionam frente
a sua formação no curso escolhido?
O curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de
Goiás (UFG), foi criado na década de 1960, sendo oferecido prioritariamente no período
diurno. Somente a partir 1999, o Instituto de Ciências Biológicas passa a oferecê-lo no
período noturno. Entre os anos de 2008 – 2011, a procura pelo curso noturno foi maior
em relação ao diurno (UFG, 2010). Corroborando os dados, Brito (2007) em seu
trabalho, identificou que 54,2% dos estudantes de Licenciatura estão matriculados no
período noturno, 84, 5% trabalham e mais da metade são oriundos de escolas públicas.
A maior procura pelo curso de Licenciatura em Ciências Biológicas no turno noturno e
as peculiaridades de seu público motivou a realização do presente estudo na UFG.
A partir do contexto apresentado e dos problemas levantados, esse artigo tem
como objetivo discutir algumas ideias que os alunos do segundo e décimo períodos do
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curso de Licenciatura em Ciências Biológicas - Noturno tem a respeito do processo de
formação em que estão inseridos na UFG.
Metodologia
A metodologia utilizada foi composta da elaboração e aplicação um questionário
semi-estruturado baseado na estrutura VOSTS (Views on Science-Technology-Society),
produzido por Aikenhead y Ryan (1989, 1992), citados por Manassero y Vásquez
(2002). Esse questionário teve como objetivo identificar alguns dos significados que os
futuros professores atribuem à função docente. O instrumento se constituiu de três
blocos de perguntas geradoras, cada um contendo uma série de afirmativas, abrangendo
os seguintes temas: a escolha do curso pelos licenciandos (Bloco I); o processo de
formação profissional (Bloco II); e à carreira docente (Bloco III). Este questionário foi
aplicado aos alunos do 2º e 10º semestre do Curso de Ciências Biológicas –
Licenciatura noturno da UFG - Campus Goiânia. O recorte para este artigo será apenas
a análise das afirmativas “C”, “H” e “O” e do Bloco II. Essas afirmativas estão
relacionadas às percepções dos alunos sobre o curso escolhido, às atividades e
disciplinas curriculares desenvolvidas no mesmo.
As afirmativas constantes do questionário foram classificadas em Adequadas,
Plausíveis ou Ingênuas de acordo com os referenciais do trabalho (Quadro 1), o que
altera a pontuação, dependendo dessa classificação. Assim, uma afirmativa adequada
tem sua maior pontuação no grau de concordância 9, já uma ingênua tem sua maior
pontuação no grau de concordância 1. Segundo Guimarães e Tomazello (2004), com
esse tipo de instrumento é possível, entre outras coisas, diminuir a tendência que as
pessoas têm a responder para satisfazer as expectativas dos entrevistadores (na medida
em que os valores para cada questão são desconhecidos dos sujeitos).
Para o Bloco II foram elaboradas 22 afirmativas, sendo 11 adequadas, 4
plausíveis e 7 ingênuas segundo o referencial teórico adotado. Os questionários e os
termos de autorização para pesquisa foram entregue aos alunos dos semestres
pesquisados, a aplicação do instrumento aconteceu durante as aulas e os discentes
tiveram aproximadamente meia hora para responder.
Como esse trabalho se constitui em um recorte não será discutido o Índice Geral
para o Bloco II e a opção de analise dos dados obtidos foi à união de abordagens
quantitativas e qualitativas. Sabemos que o Brasil não possui uma tradição sólida na
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utilização de dados quantitativos em pesquisas educacionais. Contudo, números podem
ser muito úteis na compreensão de diversos dados relacionados ás pesquisas
educacionais, e a combinação destes tipos de dados com dados oriundos de
metodologias qualitativas, podem vir a enriquecer a compreensão dos resultados obtidos
com o instrumento proposto (GATTI, 2004).
Resultados e Discussões
Na análise inicial percebemos que 43% dos alunos do segundo semestre
indicaram que a Licenciatura não era a sua primeira opção de curso no vestibular. Já em
relação aos alunos do último semestre 23% fizeram a mesma afirmação. Tantos os
alunos do segundo, quanto os alunos do décimo período que não tinham o Curso de
Licenciatura como sua primeira indicaram cursos como Bacharelado em Ciências
Biológicas, Farmácia, Biomedicina, Medicina, Fisioterapia como as opções iniciais,
sendo clara a afinidade desses alunos com a área da saúde.
Como explicitado anteriormente, acreditamos que inúmeros fatores favorecem o
desinteresse pela profissão de professor. Entretanto, gostaríamos de acrescentar que
todos os outros cursos listados pelos alunos apresentam concorrência superior ao curso
de Licenciatura em Ciências Biológicas no vestibular.
Com base nesses dados, vemos que nem todos os alunos, já no inicio do curso,
tem interesse pela docência. Tendo como ponto de partida esse perfil, iremos apresentar
dados e discussões relacionadas às afirmativas escolhidas.
Afirmativa C) “A formação se constrói pelo acúmulo de cursos, conhecimentos e
técnicas.”
Nessa primeira afirmativa escolhida, classificada como ingênua, observamos
que existe uma diferença entre os dados obtidos com o segundo e o décimo período do
curso. Na Tabela I podemos verificar que cerca de 20% dos alunos do segundo semestre
marcaram alto grau de acordo com a afirmativa, em contraste com 42% dos acadêmicos
do décimo semestre.
Os dados obtidos indicam que apesar dos alunos do décimo semestre terem
vivenciado todas as disciplinas do curso, um número expressivo de estudantes, dentro
da amostra, acredita que a formação se dá por acúmulo de cursos e técnicas. O que
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podemos entender é que provavelmente o curso ainda contribui para reforçar essa
percepção. Segundo Nóvoa (1997),
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou
de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre
as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal (p.25).
Desta forma, a formação é sempre um processo inacabado, em constante
reformulação e inerente a história de vida dos sujeitos envolvidos. Ela exige de todos
reflexão e mudança na forma de (re)pensar os contextos nos quais estamos inseridos. É
necessário desenvolver este tipo de concepção nos futuros professores, pois como
formadores eles deverão entender que “quem forma se forma e re-forma ao formar e
quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 2010, p.23). Além disso,
compreenderem que a escola também é um espaço em que sua formação será
constituída, um local que colocará em xeque conceitos que foram aprendidos, o que
dará possibilidade para criação de novos conhecimentos, a partir de sua prática e
reflexão.
Como afirmam Veiga e Viana (2010), a formação de um profissional da
educação com um fazer acrítico e alienado é reflexo da formação de professores que
visa à habilitação rápida por treinamento e a quantificação resumida do conhecimento.
Outro aspecto a ser destacado é que os professores formadores muitas vezes
corroboram com a ideia de que a formação se dá apenas pelo acumulo de cursos e
técnicas, isso por que, os formadores de professores orientados pelo paradigma da
racionalidade técnica são os mesmo que poderiam oportunizar processos formativos
sobre uma nova visão (MIZUKANI, 2006)
Com os dados e referenciais aqui apresentados, vemos que apesar de existirem
vários trabalhos sobre a concepção de como se dá a formação, ainda observamos que
existem resquícios de ideais que a formação é o resultado do acúmulo de cursos,
conhecimentos, técnicas e não uma atividade crítica.
Afirmativa H) “Normalmente, durante a graduação os acadêmicos em
Licenciatura, não recebem formação necessária para atender as demandas da
sociedade tais como, Educação Rural, Educação Indígena, Educação de Jovens e
Adultos, Educação para Portadores de Necessidades especiais, Libras, entre
outras.”
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Na Tabela II observamos que a maior parte dos alunos do décimo semestre
concorda (83%), que durante a graduação os futuros professores não recebem formação
necessária para atender demandas da sociedade. Já no segundo semestre, apenas 30%
acredita que não irá receber esse tipo de formação.
Sendo ela uma afirmativa adequada, vemos que possivelmente os alunos
entram no curso sem saber o que ele é e quais as disciplinas que o compõe. Por isso
ainda esperam por oportunidades que discutam os temas apresentados na afirmativa.
Diferente do décimo semestre, onde os formando já tiveram contato com todas as
disciplinas que integralizam o seu curso, depondo que o curso em questão não tem se
atentado em abordar temas relacionados às demandas sociais apontadas.
Segundo o Decreto 6.755/09 e a resolução CNE/CP 1/2002, o profissional da
educação tem que atender as políticas de Educação Especial, a Educação Indígena, a
Educação do Campo, a Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, a educação das
populações em situação de risco e vulnerabilidade social, na atualização dos processos
metodológicos (tais como o uso de tecnologias da comunicação e da informação). Além
disso, “promover a formação na perspectiva da educação integral, dos direitos humanos,
da sustentabilidade ambiental e das relações étnico-raciais” (Decreto 6.755/09, Art. 3º,
Inciso VIII), e inserir “debates contemporâneos envolvendo questões culturais, sociais,
econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência”
(CNE/CP 1/2002, Art. 6º, 1º incisivo).
Porém a questão que fica é: em que momento essas discussões podem ser
inseridas nos cursos de formação inicial de professores considerando a importância
social dos temas?
Entendemos que existe pouca viabilidade na criação de várias disciplinas
especificas para todas essas demandas, isso porque a criação de muitas disciplinas além
de fragmentar ainda mais o currículo podem “inchar” os mesmos e aumentar de maneira
inviável o tempo de formação.
Uma alternativa para o desenvolvimento desses temas, em um currículo
disciplinar, seria a inserção dos mesmos em disciplinas já existentes. Na Biologia, por
exemplo, são muitos os conteúdos das áreas básicas, como genética, zoologia, ecologia,
estágios, onde essas discussões poderiam ser inseridas. Pensar em um currículo de
formação de professores que contemple os temas das demandas sociais pressupõe
envolver os professores responsáveis por essa formação na discussão da proposta
pedagógica do curso e traçarem juntos os caminhos para realizar a inserção desses
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temas. Essa atividade de pensar o projeto pedagógico no conjunto de docentes seria uma
forma de compartilhar com todos os professores formadores a tarefa de formar
professores (GUIMARÃES, 2011). Além disso, os currículos podem ser organizados
regionalmente no sentido de privilegiar a demanda mais significativa para a região.
Apesar dos documentos oficiais ressaltarem a importância da formação para
atender as demandas sociais, observamos que segundo os alunos, a formação inicial não
tem contribuído para a sua futura atuação profissional de forma a atender as
especificidades das demandas sociais no contexto da escola. Fato este comprovado se
observarmos as ementas das disciplinas do curso em questão (UFG, 2003). Nelas
percebemos que não há nenhuma disciplina específica para tratar dessas demandas com
a devida atenção ou a abordagem desses temas dentro de outras disciplinas.
Alternativa R) “Nas Licenciaturas as disciplinas pedagógicas deveriam ser
optativas, visto que saber dar aula é um dom.”
A tabela III nos revela que há uma diferença significativa entre o segundo e
décimo semestre quanto o grau de acordo dessa afirmativa. No segundo semestre, 20%
dos acadêmicos marcaram alto grau de acordo, enquanto apenas 8% do décimo semestre
marcou o mesmo grau. Porém, quando observamos também o grau de acordo médio
esse índice sobe para 60% no segundo período e 25% no décimo.
Embora os dados sejam satisfatórios, na perspectiva quantitativa, esta ideia de
dom ou vocação está inserida na cultura educacional brasileira há muitos anos. Essa
ideia de “sacerdócio” gera uma “semiprofissionalização” não sendo necessário um bom
curso ou uma boa formação para exercer a atividade. Segundo Guimarães (2009), o
discurso de professor como vocação é algo histórico, pois essa profissão era controlada
pela igreja, porém com o passar dos séculos tornou-se complexo exigindo mais
dedicação e conhecimentos específicos.
O fato de 75% dos alunos do décimo semestre não acreditarem na ideia de
vocação, pode ser atribuída ao fato de que já passaram por disciplinas na graduação que
discutem a formação docente. É importante que os professores em formação inicial
tenham consciência que ser professor é ser um profissional, algo que vai muito além de
um dom que foi dado gratuitamente, sem esforços.
Entendemos que essa percepção da profissão docente apenas como missão ou
vocação tem que ser superada, pois como qualquer profissão ser professor exige uma
formação adequada. De acordo com Tartuce et al (2010), essa concepção romantizada
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da profissão faz acreditar que esses elementos (dom e vocação) são suficientes para o
exercício desta o que não contribui para que a atividade docente seja considerada uma
profissão. Libâneo (1998) diz que é preciso tomar cuidado, pois passamos por um
momento de pessimismo em relação à profissão docente e “sem profissionalismo tornase cada vez mais inviável o ensino de qualidade”. (p.43)
Discutir a formação de professores e a profissão docente é uma tarefa que vai
além da organização curricular, que colocam disciplinas pedagógicas no decorrer do
curso, rompendo com a visão simplista do ato de ensinar e o racionalismo técnico que
caracteriza grande parte da formação profissional dos docentes. Faz-se necessário
discutir e modificar, também, o conteúdo curricular dos cursos de formação,
incorporando-se, nestes, estudos sobre a profissionalização do trabalho docente, a
natureza do conhecimento científico, o papel da experimentação no ensino de ciências,
o papel da ciência e da educação científica na sociedade, os fundamentos da elaboração
curricular, entre outros (ECHEVERRÍA et al, 2007). Assim, a discussão sobre a
profissão docente no curso de Licenciatura em Biologia deve ocorrer em todos os
momentos do curso, nas aulas de disciplinas específicas e pedagógicas, nos momentos
de pesquisa ou extensão.
Considerações Finais
A formação de professores faz parte, junto com outros fatores, da construção de
uma Educação de qualidade, portanto é de responsabilidade das Instituições de Ensino
Superior propiciar ao futuro docente uma boa formação. O que vem sendo observado é
que muitas vezes há pouco interesse das universidades pelas licenciaturas e dos alunos
pela carreira docente assim, no Brasil, o que se comtempla são professores com
carências profissionais para enfrentar os desafios da escola e as mudanças que estão
ocorrendo na sociedade contemporânea (LIBÂNEO,1998).
Com base nos dados aqui apresentados percebemos ainda que existem
resquícios de uma concepção de que a formação é o resultado do acúmulo de cursos,
conhecimentos, técnicas e não uma atividade crítica e autônoma, características
importantes na formação de um docente. Constatamos também que apesar dos
documentos oficiais ressaltarem a importância da formação para atender as demandas
sociais, os futuros profissionais da educação ainda não recebem a formação para atendê-
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las, sendo também necessárias discussões, pesquisas e adaptações curriculares com o
objetivo de incluir a discussão de problemas regionais.
Além disso, aparentemente o curso tem contribuído para o entendimento dos
alunos sobre alguns aspectos de sua futura profissão, sendo que o número de
licenciandos que pensam que para ser professor é necessário ter dom pode ser
considerado baixo.
Finalmente é importante destacar que a formação de professores é um ato
complexo e qualquer tentativa de mudança será sempre acompanhada de limites.
Percebemos que a formação dos professores de Biologia na instituição pesquisada
precisa ser rediscutida para que possa responder as expectativas e as necessidades da
realidade que hora se apresenta.
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ANEXOS
QUADRO 1: Classificação das afirmativas quanto ao tipo
Classificação das Afirmativas
Adequada (A)
A proposição expressa uma opinião apropriada sobre o tema, nos
aspectos teóricos, históricos e de aplicação prática viável.
Plausível (P)
Mesmo não completamente adequada, a proposição expressa alguns
aspectos apropriados.
Ingênuas (I)
A proposição expressa uma opinião inapropriada ou não plausível sobre
o tema.
(Adaptado: MANASSERO y VÁSQUEZ (2002, p.20)
TABELA I – Porcentagem aproximada do número de sujeitos do segundo e do
décimo período do turno noturno que assinalaram os graus de acordo baixo, médio
e alto na afirmativa C do questionário.
Afirmativa C) A formação se constrói pelo acúmulo
de cursos, conhecimentos e técnicas.
BAIXO MÉDIO ALTO
2º Período
50%
30%
20%
10º Período
8%
50%
42%
TABELA II – Porcentagem aproximada do número de sujeitos do segundo e do
décimo período do turno noturno que assinalaram os graus de acordo baixo, médio
e alto na afirmativa H do questionário.
Afirmativa H) Normalmente, durante a graduação os
acadêmicos em Licenciatura, não recebem formação
necessária para atender as demandas da sociedade
tais como, Educação Rural, Educação Indígena, BAIXO MÉDIO ALTO
Educação de Jovens e Adultos, Educação para
Portadores de Necessidades especiais, Libras, entre
outras.
2º Período
10%
60%
30%
10º Período
0
17%
83%
TABELA III – Porcentagem aproximada do número de sujeitos do segundo e do
décimo período do turno noturno que assinalaram os graus de acordo baixo, médio
e alto na afirmativa R do questionário.
Alternativa R) Nas Licenciaturas as disciplinas
pedagógicas deveriam ser optativas, visto que saber BAIXO MÉDIO ALTO
dar aula é um dom.
2º Período
40%
40%
20%
10º Período
75%
17%
8%
Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.002225
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