PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO URBANO EM CURITIBA: O
PROJETO DA OPERAÇÃO URBANA LINHA VERDE
Karlin Olbertz
Mestre em Direito do Estado pela USP
Advogada de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini
1. Introdução
A Prefeitura de Curitiba encaminhou projeto de lei (proposição nº
005.00179.2011) à Câmara Municipal para instituição de uma operação urbana
consorciada, denominada Operação Urbana Linha Verde.
A operação urbana consorciada é um instrumento de política urbana
previsto nos arts. 4º, inc. VI, “p”, e 32 e seguintes, do Estatuto da Cidade (Lei nº
10.257/2001). Sua utilização depende de previsão na lei do plano diretor do
Município interessado, bem como da aprovação de lei específica. No caso de
Curitiba, a utilização de operações urbanas consorciadas está albergada pelos
arts. 70 e seguintes do Plano Diretor (Lei Municipal nº 11.266/2004). O projeto
enviado para a Câmara refere-se justamente à lei que dará concretude à
Operação Urbana Linha Verde.
2. A definição do instrumento
A expressão “operação urbana” corresponde a um gênero de atuações
urbanísticas, que envolve diferentes modos de alteração da realidade do
espaço habitável, para sua reconfiguração (SILVA, José Afonso da. Direito
urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 367).
O Estatuto da Cidade (art. 32, §1º) apresenta um conceito de operação
urbana consorciada: “Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a
participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores
privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas
estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.
Os elementos desse conceito legal permitem o reconhecimento de
características e funções, que desde logo auxiliam na compreensão do tema. A
partir disso, é possível centrar a operação urbana consorciada nas noções de
intervenção urbanística, planejamento, ordenação e parceria público-privada.
Entretanto, esse conceito não é capaz de definir a operação urbana
consorciada como instrumento particular de política urbana. Por isso, em outra
oportunidade, propusemos conceito jurídico diverso: o de “empreendimento
urbano, capitaneado pelo poder público municipal e desenvolvido em parceria
com a sociedade civil, financiada no todo ou em parte pelas contrapartidas
decorrentes da execução de um plano urbanístico flexível, e traduzido num
procedimento urbanístico orientado cumulativamente à transformação
urbanística estrutural, à valorização ambiental e à promoção de melhorias
sociais numa determinada área do espaço habitável” (OLBERTZ, Karlin.
Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 71).
O conceito introduzido pelo Plano Diretor de Curitiba acrescenta
determinados objetivos àquele fornecido pelo Estatuto, consistentes (i) na
ampliação de espaços públicos, (ii) organização do sistema de transporte
coletivo, (iii) implantação de programas de melhorias de infraestrutura, do
sistema viário e de habitações de interesse social (art. 70).
3. O modo de intervenção
Tal como evidenciado no conceito acima proposto, a operação urbana
consorciada implica a realização de um plano urbanístico flexível, no qual os
índices e padrões de parcelamento, uso e ocupação do solo podem ser
negociáveis, dentro dos limites estabelecidos na lei. Ou seja, o regime
urbanístico anteriormente previsto para a área focalizada pela operação, que
era aquele do plano diretor e da legislação esparsa, será flexibilizado mediante
substituição por outro regime urbanístico – o do plano da operação.
A outorga pelo poder público de benefícios urbanísticos a interessados
(vale dizer, parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo de modo diverso
do até então permitido) é efetuada mediante recebimento de contrapartida.
Assim, por exemplo, o interessado em adquirir potencial adicional de
construção, para construir acima do coeficiente de aproveitamento até então
usual, pode solicitar ao poder público a concessão desse potencial, mediante
pagamento (dinheiro, obrigações ou bens).
Os recursos obtidos pelo poder público com a flexibilização do regime
urbanístico somente poderão ser investidos na área da operação (art. 34, § 1º,
do Estatuto da Cidade). Logo, as intervenções previstas no plano da operação,
tais como a construção de equipamentos públicos, serão financiadas pela
outorga dos benefícios urbanísticos. A vinculação da aplicação desses
recursos à operação mostra-se relevante sob a perspectiva da compensação
do impacto causado por esses benefícios – e.g. a outorga de potencial
adicional de construção tem o condão de destemperar a proporção entre
espaços públicos e privados. Na medida em que existe construção adicional, o
número de habitantes e usuários da área tende a aumentar, o que acentua a
demanda por equipamentos públicos. No âmbito da operação, melhorias e
inovações nesses equipamentos (soluções viárias, criações de áreas verdes,
escolas, postos de saúde, etc.) serão produzidas com os recursos obtidos.
No caso do projeto de lei da Operação Urbana Linha Verde, o benefício
a ser concedido pelo poder público consiste justamente no potencial adicional
de construção, definido como “a área construída passível de ser acrescida,
mediante contrapartida, em relação à área permitida pela legislação vigente...”
(art. 13, § 1º, do Projeto). Para tanto, está prevista a emissão certificados de
potencial adicional de construção (CEPACs), que se reverterão em direito de
construção adicional num lote específico.
Esses certificados são títulos mobiliários, que podem ser negociáveis em
bolsa ou entregues pelo Município como pagamento por obras de
urbanificação. De fato, no caso do Município de Curitiba, a intenção é negociar
4,47 milhões de metros quadrados de potencial adicional de construção em
16.886 lotes, mediante a emissão de 4,83 milhões de CEPACs, cujo preço
mínimo será de 200 reais (art. 14, § 2º, do Projeto). A estimativa do Município é
a de arrecadar entre 1,5 e 3 bilhões de reais.
4. A requalificação proposta
A operação planejada pela Prefeitura de Curitiba tem em vista a
requalificação urbana de setores relacionados à chamada Linha Verde, uma via
que realiza a integração Norte-Sul da cidade. O local corresponde à antiga BR
116, historicamente reputada como fator de segregação da população. Serão
22 bairros abrangidos. As obras e intervenções desde logo previstas no projeto
envolvem desapropriações, a conclusão e adequação da Linha Verde, a
implantação de áreas verdes e de espaços públicos para lazer e circulação, a
melhoria ambiental, a reurbanização das vias existentes, com implantação de
novas vias e ciclovias, a melhoria do sistema de coleta e destinação final de
esgotos e de drenagem, a construção de equipamentos públicos e a
implantação de mobiliário urbano (art. 3º do Projeto).
Mas o financiamento dessas obras e intervenções pode não se dar
apenas mediante aplicação dos recursos auferidos com a venda dos CEPACs:
isso porque o projeto de lei prevê a obtenção de verbas orçamentárias e de
financiamento (art. 3º, parágrafo único). Tal previsão não encontra obstáculo no
ordenamento jurídico, uma vez que não se exige que a operação seja
autofinanciável. Desde que tal seja a solução mais adequada ao
aproveitamento das oportunidades de realização da política urbana, é cabível
que a operação seja financiada diretamente por recursos do orçamento.
Outra característica da Operação Urbana Linha Verde reside na espécie
de tecido urbano que se pretende implantar na região. Trata-se a toda
evidência de proposta de verticalização ao longo da Linha Verde, com a
construção sobretudo de grandes edifícios residenciais e comerciais. Tal é a
conclusão que se pode extrair a partir da leitura do projeto, especialmente do
art. 5º. Lá está disposto, por exemplo, que o Pólo da Linha Verde (PÓLO-LV) e
o Setor Especial da Linha Verde (SE-LV) terão ocupação diferenciada de
média e alta densidade, com verticalização e altura livre (inc. I e II).
A amenização do impacto da verticalização acentuada nesses pontos
será efetivada mediante o estabelecimento de zonas de médias densidades e
verticalização limitada, de uso residencial (Zona de Transição da Linha Verde –
ZT-LV, Zona Residencial – ZR-4). Também a instituição de uma Zona Especial
Desportiva (ZED), em que se pretende “ocupação com predominância de uso
comunitário, habitação transitória e comercial, com verticalização limitada” (inc.
IV), servirá ao propósito de amenização, ao lado, evidentemente, da melhoria e
construção dos equipamentos públicos necessários.
Por outro lado, a Operação Urbana Linha Verde também se caracteriza
pela mistura de usos. O projeto é claro ao estabelecer que a operação terá
como objetivo “criar estímulos para a implantação de usos diversificados”,
“incentivar a mescla de usos” (art. 4º, inc. III e IV), o que se traduz na instituição
de zonas diversificadas. Tal objetivo é salutar e encontra fundamento nas
atuais concepções do urbanismo.
5. As dificuldades enfrentadas
Mas a aprovação do projeto de lei deve encontrar dificuldades. Primeiro,
é preciso considerar que o seu texto apresenta dispositivo (art. 9º) conferindo
discricionariedade ao Poder Executivo para estabelecer incentivos construtivos.
Nossa compreensão é a de que, ao tratar de “incentivos construtivos”, tal
dispositivo estaria se referindo aos benefícios urbanísticos de modificação do
parcelamento, uso e ocupação do solo e do subsolo. Ocorre que a definição
desses benefícios é matéria de reserva legal (art. 5º, inc. II, da Constituição).
O tema da delegação ao Poder Executivo da disciplina de índices
urbanísticos já foi apreciado pelos Tribunais Brasileiros. Um caso interessante
relacionado a operações urbanas passou-se em São Paulo: a Lei nº
11.773/1995, que dispunha sobre o programa “Direito à Moradia” e pretendia a
captação de recursos para construção de moradias à população residente em
favelas, mediante uma operação urbana, foi declarada inconstitucional pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo (ADIn nº 45.352.0/7-00). Nos termos do voto
do Desembargador José Osório (em agravo regimental), o anúncio da
Prefeitura de São Paulo constituiria “sinal irrecusável de que os critérios da Lei
de Zoneamento ficaram na alçada do executivo”. Eis o anúncio referido: “Quer
aumentar a área construída do seu imóvel? Quer aumentar a ocupação de seu
terreno? Quer instalar uma atividade não prevista pelo zoneamento? O
Programa Direito à Moradia resolve o seu problema”.
Também é necessário apontar uma dificuldade relacionada: trata-se do
disposto no art. 14, § 9º, do projeto, que confere ao Poder Executivo
discricionariedade para “emitir quantidade suplementar de CEPACs, desde que
a quantidade prevista no caput tenha sido integralmente alienada, existam
intervenções a serem realizadas no âmbito da Operação Urbana Consorciada
Linha Verde, e permaneçam disponíveis dentro de seu perímetro metros
quadrados de área construída adicional suficientes para a total utilização dos
novos CEPACS emitidos”. Tal emissão estaria subordinada tão somente à
análise do Grupo de Gestão da operação, e à aprovação pelo Conselho
Municipal de Urbanismo.
Ocorre que, tal como os demais benefícios urbanísticos, a quantidade de
CEPACs a serem emitidos deve ser estabelecida por lei. O plano diretor do
Município de Curitiba fortalece tal conclusão ao dispor que a lei da operação
deverá estabelecer “a quantidade de certificado de potencial adicional de
construção a ser emitida, obrigatoriamente proporcional ao estoque de
potencial construtivo previsto para a operação” (art. 74, § 3º, alínea “a”).
A terceira dificuldade diz respeito à ausência, no plano proposto, de (i)
programa básico de ocupação e intervenção na área, (ii) estudo prévio de
impacto de vizinhança e (iii) programa de atendimento econômico e social para
a população diretamente afetada. A exigência desses elementos encontra-se
no art. 33, inc. II, III e V do Estatuto da Cidade, bem como no art. 73, inc. III, IV
e V do Plano Diretor de Curitiba.
De todo modo, tais dificuldades podem ser solucionadas no curso do
processo legislativo.
Informação bibliográfica do texto:
OLBERTZ, Karlin. Proposta de desenvolvimento urbano em Curitiba: o projeto
da Operação Urbana Linha Verde. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e
Talamini,
Curitiba,
n.º
57,
nov.
2011,
disponível
em
http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].
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