PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Teoria dos precedentes judiciais e a força vinculante da jurisprudência no Novo CPC
RENATO PESSOA MANUCCI
Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS.
Professor Universitário
Advogado
1. Introdução. 2. Definição e abrangência do precedente. 3. A jurisprudência como fonte do
direito. 4. Precedente e motivação das decisões judiciais. 5. Alteração/superação do precedente
e eficácia retroativa. 6. Força vinculante da jurisprudência no novo CPC. Conclusão. Referências.
1. Introdução
O presente ensaio inspira-se no intrigante modelo processual brasileiro de precedentes judiciais,
dotado de peculiaridades próprias, fato que suscita inúmeras divergências doutrinárias. Nesse
contexto, o novo Código de Processo Civil (doravamente denominado tão só “NCPC” ou “CPC de
2015”), instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, trouxe para o ordenamento jurídico
inúmeras novidades e ressuscitou o debate sobre o tema.
Consequentemente, as inovações exigirão dos intérpretes e aplicadores do Direito uma releitura
dos precedentes judiciais, tendo em vista a tradição de nosso ordenamento jurídico e as
perspectivas futuras, sendo indispensável a compreensão dos contornos inerentes ao instituto
Logo, este estudo pretende verificar a amplitude da força vinculante da jurisprudência no CPC de
2015, comparando suas disposições, sempre que possível, com os preceitos legais correspondentes
previstos no Código de Processo Civil vigente (doravamente denominado tão somente “CPC
vigente” ou “CPC de 1973”).
2. Definição e abrangência do precedente
O precedente deriva da decisão judicial que, apreciando determinado caso concreto, tem potencial
para orientar o julgamento posterior de casos semelhantes, constituindo verdadeiro paradigma.
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Trata-se de fenômeno que permite a aplicação da norma jurídica produzida no bojo do provimento
judicial a casos análogos futuros, privilegiando a razoável duração do processo, a integridade e
coerência da jurisprudência, além da isonomia no tratamento dos jurisdicionados.
Entretanto, a sua aplicação pressupõe a correta identificação da ratio decidendi (ou holding). Com
efeito, “[…] embora comumente se faça referência à eficácia obrigatória ou persuasiva do
precedente, deve-se entender que o que pode ter caráter obrigatório ou persuasivo é a sua ratio
decidendi, que é apenas um dos elementos que compõem o precedente”1, localizado na
fundamentação da decisão.
Como se nota, não é toda a parte da decisão judicial que contribui para a formação do precedente,
restringindo-se a sua fundamentação, de onde se extrai a norma jurídica que consubstancia a tese
jurídica adotada no julgamento do caso concreto, a qual pode ser aplicada a outras situações
análogas. Exemplifica Fredie Didier Jr. et al:
O art. 1.102-A do CPC permite o ajuizamento de ação monitória a quem
disponha de "prova escrita" que não tenha eficácia de título executivo.
"Prova escrita" é termo vago. O STJ decidiu que "cheque prescrito" (n. 299
da súmula do STJ) e "contrato de abertura de conta-corrente
acompanhado de extrato bancário" (n. 247 da súmula do STJ) são exemplos
de prova escrita. A partir de casos concretos, criou "duas normas gerais" à
luz do Direito positivo, que podem ser aplicadas em diversas outras
situações, tanto que se transformaram em enunciado da súmula daquele
Tribunal Superior. Note que a formulação desses enunciados sumulados
não possui qualquer conceito vago, não dando margem a muitas dúvidas
quanto à sua incidência.2.
Outro exemplo é extraído das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (doravamente
denominado tão só “STF”), em controle concentrado de constitucionalidade. Nesse sentido,
estabelece o Enunciado 168 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “os fundamentos
determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado
pelo STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os
órgãos jurisdicionais”.
Não obstante, nem toda argumentação constante da fundamentação integra o precedente judicial.
Existem passagens da decisão que apenas indicam a posição do julgador sobre aspectos
prescindíveis para o deslinde da controvérsia, não compondo obviamente o precedente. Trata-se
do denominado obter dictum, que não integra a ratio decidendi, mas sinaliza a posição do órgão
jurisdicional sobre a mencionada questão, podendo no futuro constituir holding em outro
julgamento.
1
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e
Antecipação de Tutela. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 427.
2
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 428.
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3. A jurisprudência como fonte do direito.
Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro é de tradição romano-germânica, sendo
fortemente influenciado pela civil Law, concepção em que prepondera a força da Lei escrita,
emanada de órgão competente cujos representantes são eleitos pelo povo. No entanto, as
reformas processuais que se iniciaram nos anos noventa e se intensificaram até culminar com a
edição do NCPC, gradativamente romperam a referida concepção, aproximando cada vez mais o
Direito brasileiro do sistema de commom Law, de tradição anglo-saxão.
Dentre as inovações, destacam-se a instituição das Súmulas Vinculantes e da repercussão geral,
incluídas no texto constitucional por obra do Constituinte Derivado (Emenda Constitucional
45/2004 – Reforma do Poder Judiciário) e regulamentadas pelas Leis 11.417/2006 e 11.418/2006,
bem como a improcedência prima facie que se operou mediante a inserção do art. 285-A no CPC
vigente; todos exemplos de precedentes vinculantes positivados no ordenamento jurídico, típicos
do sistema de commom Law.
No entanto, o ordenamento jurídico pátrio não adota um sistema puro de precedentes vinculantes,
razão pela qual, a teor do Enunciado 315 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “nem
todas as decisões formam precedentes vinculantes”.
Logo, existem precedentes vinculantes e persuasivos: aqueles são de observância compulsória pelo
magistrado, que deve aplicar a tese jurídica firmada no precedente para julgar a lide submetida a
sua apreciação, ao passo que estes (persuasivos) não constrangem o juiz a sua adoção, que
somente os aplicará se convencido de sua adequação ao caso concreto.
A propósito, Cássio Scarpinella Bueno adverte:
O que, pelo menos tradicionalmente, relacionava-se, muito mais, como
característica das estruturas de outros ordenamentos jurídicos
(catalogadas em geral como pertencentes à família da common law, como
a Inglaterra e os Estados Unidos), tem passado a ser também característica
do direito brasileiro mais recente e isto não quer significar que o direito
brasileiro, de tradição, pertencente à família da “civil law”, tenha
abandonado suas origens. Muito pelo contrário. Aqui, a exemplo das
considerações que ocuparam os números anteriores, a tendência, posto
ser inequívoca, é de adaptação do direito para as necessidades atuais do
mundo contemporâneo.3.
Não se pode negar, portanto, a existência de um microssistema de precedentes no ordenamento
jurídico pátrio, dotado de características próprias, consagrando-se a jurisprudência como
importante fonte do direito. No mesmo sentido, leciona Humberto Theodoro Júnior:
Diante, principalmente, do prestígio que o direito moderno vem
dispensando à força normativa das decisões judiciais, por meio das
súmulas vinculantes e do encargo conferido aos tribunais de preencher in
concreto os conceitos vagos (conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas
3
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do Direito
Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, 164.
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gerais), cada vez mais utilizados pelo legislador, impossível é recusar à
jurisprudência a qualidade de fonte do direito.4.
A par de tal realidade, Fredie Didier Jr. et al, amparado no princípio da segurança jurídica, já
sinalizava:
[…] O dever de o tribunal uniformizar a jurisprudência, evitando a
propagação de teses jurídicas díspares acerca de situações de fato
semelhantes. O respeito aos precedentes garante ao jurisdicionado a
segurança de que a conduta por ele adotada com base na jurisprudência já
consolidada não será juridicamente qualificada de modo distinto do que se
vem fazendo; a uniformidade da jurisprudência garante ao jurisdicionado
um modelo seguro de conduta presente, na medida em que resolve as
divergências existentes acerca da tese jurídica aplicável a situações de fato
semelhantes.5.
Não por outra razão que o art. 926, caput do CPC de 2015 determinou que “os tribunais devem
uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
4. Precedente e motivação das decisões judiciais
A fundamentação das decisões judiciais constitui verdadeiro dever do magistrado e direito
fundamental do jurisdicionado, expresso no inciso IX do art. 93 da Constituição Federal
(doravamente denominada tão somente “CF”), sendo uma decorrência do devido processo legal.
Com efeito:
A regra segundo a qual toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob
pena de nulidade (art. 93, IX, CF), precisa ser redimensionada na mesma
proporção em que precisamos redimensionar a importância da motivação
de uma decisão. Considerando que a eficácia normativa do precedente
judicial é hoje uma realidade inexorável no nosso sistema jurídico, bem
como que, em um sistema de precedente, a motivação é a pedra de toque,
núcleo mesmo - até porque é nela que está o precedente -, é
imprescindível exigir maior qualidade na fundamentação dos atos
decisórios.6.
4
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II: Processo de Execução e
Cumprimento da Sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 49ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 157.
5
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 447.
6
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 447.
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Coerente com esta realidade, o legislador do CPC de 2015 entendeu por bem elencar em rol
exemplificativo7 as hipóteses em que a decisão judicial não se considera fundamentada, valendo
conferir o teor do § 1º do art. 489 in verbis:
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,
sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de,
em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.
Complementa o § 2º do art. 489 prescrevendo que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve
justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão”.
As novas regras obrigam o magistrado a explicitar as razões pelas quais não acolhe a tese
sustentada por uma das partes, superando entendimento dominante que é no sentido de que o
juiz não é obrigado a enfrentar todos argumentos deduzidos pela parte. Cuida-se, portanto, de
mais uma passagem do novo diploma processual que enfatiza a necessidade de observância do
princípio do contraditório pelo magistrado e realça a importância da função extraprocessual da
fundamentação.
Nesse cenário, Eduardo Cambi e Renê Francisco Hellman, em artigo sobre o dever de
fundamentação do magistrado, ressaltam que “o tratamento dado ao contraditório já nas
primeiras linhas do novo Código de Processo Civil tem efeito direto na motivação da decisão
judicial, porque se enfatiza o caráter dialógico do processo e a compreensão de que a decisão deve
decorrer do diálogo entre todos os sujeitos processuais”8.
Portanto, a fundamentação deve ser encarada “[…] de modo mais contundente, entendendo-se
como adequado não qualquer fundamento exposto pelo órgão jurisdicional, mas sim aquilo que se
reputa como fundamento útil para a solução do caso e para a perfeita identificação do
precedente”9.
Nesse sentido dispõe o Enunciado 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “as hipóteses descritas no §
1º do art. 489 são exemplificativas”.
8
CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Precedentes e Dever de Motivação das Decisões Judiciais no
Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo nº 241, mar. 2015, p. 427.
9
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 448.
7
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De fato, o precedente é formado à luz das especificidades do caso concreto, “[…] por isso, aliás, a
importância da fundamentação exigida pelo § 1º do art. 927, máxime quando interpretada, como
deve ser, em conjunto com os incisos IV e VI do § 1º do art. 489 […]”10.
5. Alteração/superação do precedente e eficácia retroativa
A orientação dominante em determinada época, com a evolução social, pode ser revista,
acarretando a consequente alteração do precedente, fato que enseja dúvidas sobre a possibilidade
de aplicação retroativa do novo posicionamento. O princípio da segurança jurídica, em tese,
impede que se atribua efeito ex tunc a nova orientação, preservando-se os atos praticados sob a
vigência do precedente. Esse foi o entendimento externado pelo STF no julgamento do RE
637.485/RJ11, publicado no informativo 673 sob a rubrica “Prefeito itinerante” e segurança jurídica,
oportunidade em que o Pretório Excelso ressaltou que “em situações nas quais alterada a
concepção longamente adotada, seria sensato modular os efeitos da decisão, em face da
segurança jurídica”.
Adequado o entendimento jurisprudencial, pois “no mínimo é provável que os particulares, leigos,
confiando na informação proporcionada pelos peritos em Direito, venham a tornar medidas e
propor determinados negócios jurídicos com base naquele direcionamento”12.
O legislador do CPC de 2015 incorporou a referida concepção e prescreveu expressamente no § 3º
do art. 927 que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode
haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
Por outro lado, determinadas circunstâncias podem levar à superação do precedente, seja em
razão da perda de sua força vinculante (overruling), seja pela limitação do âmbito de incidência do
precedente (overriding).
Overruling é a técnica através da qual um precedente perde sua força
vinculante e é substituído (overrule) por outro precedente […] Assemelhase à revogação de uma lei por outra. Essa substituição pode ser (i) expressa
(express overruling), quando um tribunal resolve, expressamente, adotar
uma nova orientação, abandonando a anterior; ou (ii) tácita (implied
overruling), quando uma orientação é adotada em confronto com posição
anterior, embora sem expressa substituição desta última - trata-se de
hipótese rara […]
A decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de
motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a
justificação complementar da necessidade de superação do precedente […]
É necessário distinguir o overruling do overriding. Há overriding quando o
tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em
função da superveniência de uma regra ou princípio legal. No overriding,
10
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 572.
STF, RE 637.485/RJ, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1º.08.2012.
12
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 464.
11
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portanto, não há superação total do precedente, mas apenas uma
superação parcial. É uma espécie de revogação parcial.13.
A nova legislação aumenta a segurança na modificação do precedente ao permitir a convocação de
audiências públicas durante a discussão da alteração da jurisprudência, além de exigir
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da
proteção da confiança e da isonomia (art. 927, §§ 2º e 4º, NCPC).
6. Força vinculante da jurisprudência no novo CPC
Antes da superveniência do NCPC, Cássio Scarpinella Bueno já alertava que o pensamento
contemporâneo suscita a discussão a respeito do “[…] valor normativo que assume, no direito
brasileiro, as decisões jurisdicionais em geral, mais ainda aquelas provenientes dos Tribunais
Superiores, assim entendidos, para o direito processual civil, o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça”14.
O CPC de 2015 parece que seguiu esta tendência ao estipular no art. 927 que os juízes e tribunais
observarão, além das decisões do STF proferidas em controle concentrado de constitucionalidade e
dos enunciados de súmula vinculante, os acórdãos proferidos em incidente de assunção de
competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário
e especial repetitivos, bem como os enunciados das Súmulas do STF em matéria constitucional e
do Superior Tribunal de Justiça (doravamente denominado tão só “STJ”) em matéria
infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Elucidativa, a respeito, a lição de Cássio Scarpinella Bueno:
O caput do dispositivo, ao se valer do verbo “observar” conjugado no
imperativo afirmativo insinua, não há porque negar, que não há escolha
entre adotar ou deixar de adotar as diferentes manifestações das decisões
jurisdicionais estabelecidas em seus cinco incisos. Não serão poucos,
destarte, que verão nele a imposição de caráter vinculante genérico
àquelas decisões e, nesta exata proporção, haverá espaço para questionar
se este efeito vinculante é, ou não, harmônico ao “modelo constitucional
do direito processual civil”, fora das hipóteses em que a própria
Constituição o admite, como ocorre, diga-se desde já, nos incisos I e II(e só
neles) […] A preocupação é ainda mais evidente ao se analisar as diversas
hipóteses de cabimento de reclamação nos incisos do art. 988 e , no inciso
IV daquele dispositivo, verificar seu uso para “garantir a observância de
enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento
de casos repetitivos ou incidente de assunção de competência.15.
13
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 02 …, p. 456-458.
14
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do Direito
Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, 164.
15
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código …, p. 571-572.
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No mesmo sentido, o Enunciado 314 do Fórum Permanente de Processualistas Civis estabelece que
“as decisões judiciais devem respeitar os precedentes do Supremo Tribunal Federal, em matéria
constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional federal”.
Não obstante, Pedro Lenza entende inconstitucional a inserção de outras hipóteses de vinculação,
especificamente previstas nos incisos IV e V do art. 927 do NCPC, pois “essas regras de vinculação
não poderiam ter sido introduzidas por legislação infraconstitucional, mas, necessariamente, por
emenda constitucional a prever outras hipóteses de decisões com efeito vinculante, além daquelas
já previstas na Constituição”16.
De outro lado, existe entendimento no sentido de que a nova Codificação não generalizou a força
vinculante da jurisprudência, restringindo seu espectro de incidência às hipóteses taxativamente
previstas no texto constitucional. Isso porque o art. 988 do CPC de 2015, que versa sobre as
hipóteses de cabimento da reclamação, não incluiu no seu âmbito de aplicação as decisões que
deixarem de aplicar verbete de súmula da jurisprudência do STF ou do STJ. Dessa forma, o não
cabimento de reclamação demonstra que somente as matérias contempladas no dispositivo legal
em comento são de observância obrigatória17.
Seja como for, “a estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de
seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários” (Enunciado 316 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis). Deveras, a ausência de estabilidade e coerência da
jurisprudência produz efeito inverso do pretendido, na medida em que contribui para a
proliferação de decisões contraditórias e, por conseguinte, vulnera a segurança jurídica.
Conclusão
Aos poucos a característica predominante do Direito brasileiro vem cedendo espaço para o sistema
de commom Law, típico dos países de tradição anglo-saxão. De fato, a valorização dos precedentes
vinculantes tem ganhado espaço no cenário jurídico atual, razão pela qual é possível concluir que o
ordenamento jurídico brasileiro adota um modelo sui generis, porquanto mescla características da
civil Law e da commom Law.
O CPC de 2015, nesse contexto, repetiu inúmeras regras consagradas na legislação em vigor,
acrescentando alguns melhoramentos, especialmente aqueles ligados aos critérios para a
modificação e superação do precedente. Outrossim, a nova Codificação ampliou a força vinculante
da jurisprudência ao impor a obrigatoriedade de observância dos enunciados de Súmulas do STF,
em matéria constitucional, e do STJ, em matéria infraconstitucional, além da orientação do
plenário ou do órgão especial aos quais estiver vinculado o magistrado.
Para a efetividade da nova sistemática, que se bem compreendida valorizará a isonomia e a
razoável duração do processo, é indispensável que os Tribunais mantenham a jurisprudência
estável, íntegra e coerente, pois, do contrário, os magistrados poderão não aplicá-las, ao
fundamento de que a situação concreta deduzida em juízo merece outra solução (distinguishi).
16
LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidade do Novo CPC/2015. Revista Consultor
Jurídico, 13 de março de 2015. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenzainconstitucionalidades-reclamacao-cpc>. Acesso 16 mar. 2015.
17
DAVID, Tiago Bitencourt. Novo CPC não obriga juízes a se vincularem a entendimentos de STF e STJ. Revista
Consultor Jurídico, 11 de abril de 2015. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-abr-11/tiago-david-cpc-naovincula-juizes-sumulas-stf-stj>. Acesso em 13 abril 2015.
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Referências
BRASIL. Superior Tribunal Federal. RE 637.485/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes. Diário de Justiça
Eletrônico. Brasília, 21 maio 2013.
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Precedentes e Dever de Motivação das Decisões
Judiciais no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo nº 241, mar. 2015.
_______________________. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral
do Direito Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
DAVID, Tiago Bitencourt. Novo CPC não obriga juízes a se vincularem a entendimentos de STF e
STJ.
Revista
Consultor
Jurídico,
11
de
abril
de
2015.
Disponível
em
<http://www.conjur.com.br/2015-abr-11/tiago-david-cpc-nao-vincula-juizes-sumulas-stf-stj>.
Acesso em 13 abril 2015.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 02: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão,
Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014
LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidade do Novo CPC/2015. Revista
Consultor Jurídico, 13 de março de 2015. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-mar13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc>. Acesso 16 mar. 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método,
2011.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II: Processo de Execução e
Cumprimento da Sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 49ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.
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