CODEVASF De: Programa de Desenvolvimento Florestal – Dartagnan Gorniski 15/12/09 À 7ª GRR Assunto: Impactos ambientais do eucalipto NOTA TÉCNICA Conceito: Com a implantação em 2004 e evolução do Programa de Desenvolvimento Florestal do Piauí, conduzido pela CODEVASF em parceria com o Governo do Estado, assim como a instalação da primeira indústria âncora deste programa – a Suzano Papel e Celulose – na região de Teresina em 2014, a sociedade piauiense iniciou um grande debate a respeito dos benefícios e malefícios ambientais que podem se originar do plantio em massa de eucaliptos na Bacia do Rio Parnaíba. Entendendo que a questão deve ser estudada sem motivações políticas ou ideológicas, a CODEVASF pesquisou literatura cientifica sobre o tema, principalmente no que diz respeito à interação entre a eucaliptocultura e a água. É possível verificar em meios como a rede mundial de computadores uma infinidade de artigos e textos sobre o eucalipto e outras espécies florestais com posições tão diametralmente opostas, colocando o setor florestal ora como o salvador do meio ambiente mundial, ora como o grande vilão. Ao verificar a fundo tais opiniões percebem-se rapidamente motivações ideológicas ou econômicas afetando o julgamento da questão. Considerando que a CODEVASF é uma empresa governamental idônea e que tem o objetivo de desenvolver sustentavelmente suas regiões de atuação, maximizando os efeitos positivos em todas as suas ações e minimizando seus efeitos negativos, iniciou-se uma busca por literatura igualmente idônea, que pudesse lançar luz ao embate. Para cada questionamento oriundo da sociedade existem uma gama de especialistas a serem pesquisados, portanto, dividiu-se as questões em tópicos, como segue: Consumo d’água Um dos fatores limitantes ao eucalipto no Piauí é justamente o consumo d’água. Como qualquer ser vivo, ele depende de uma quantidade específica de água para sua sobrevivência e crescimento, quantidade esta que foi mensurada em 900 mm de chuva por ano. Pode parecer muito, mas é interessante comparar com outras formas de vegetação, principalmente as nativas. A floresta atlântica consome 1200 mm de água, e a Amazônia chega a consumir 1500 mm. O cerrado apresenta uma situação curiosa. Várias pesquisas afirmam categoricamente que para o cerrado sobreviver é necessária uma precipitação mínima de 1.000 mm, porém no Piauí pode ser encontrada este tipo de vegetação em áreas com chuvas entre 700 e 800 mm. De toda forma o consumo de água do cerrado é muito semelhante ao consumo de água de um plantio de eucalipto, e com o desenvolvimento de pesquisas genéticas, a tendência é encontrar variedades que utilizem menos água. No sentido da produtividade, podemos verificar que em planos de manejo executados no Piauí e acompanhados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SEMAR, a produtividade máxima para o cerrado é de 15 m3/há/ano. Com o mesmo consumo d’água, plantios comerciais acompanhados pela CODEVASF chegam a produzir 35 m3/há/ano. Também comparado a outras culturas agrícolas o eucalipto demonstra mais eficiência, como pode ser visualizado na figura 1, retirada de um artigo técnico elaborado pela empresa STCP Engenharia de Projetos, baseado na compilação de dados presentes na literatura. 2500 2000 1500 1000 mm 500 0 Cana-deaçúcar Café Eucalipto Milho Feijão mínimo 1000 800 800 400 300 máximo 2000 1200 1200 800 600 Figura 1: Consumo de Água por Kg de Produto Um dos fatores que explica a menor necessidade de água é que a folhagem ou copa do eucalipto retém menos chuva do que as árvores das florestas tropicais, que possuem copas mais amplas. Por isso, nos plantios de eucalipto mais água de chuva vai direto para o solo (figura 2) enquanto que na floresta tropical nativa a água retida nas copas das árvores evapora-se diretamente para a atmosfera. Precipitação (P) Radiação Solar Transpiração Interce Evap P- I . ptação Solo Água no solo Drenagem (I) Profunda Lençol Freático Fluxo Superf . . Rocha de Origem Almeida e Soares 2003 Outro fator que pode ser considerado primordial para as condições climáticas piauienses é que o maior consumo ocorre na época de chuvas, quando o conteúdo de água no solo é elevado e suficiente para suprir os mananciais hídricos. Nos períodos em que o solo está mais seco, o consumo devido à perda de água pela transpiração é bastante reduzido. Isso pode ser comprovado em pesquisas realizadas por Almeida e Soares (2003), que afirmam que no período de déficit hídrico as árvores entram em processo similar ao de dormência pelo frio, reduzindo seu crescimento. Melo et ali. (1997) realizaram um estudo comparativo a respeito do comportamento das raízes de eucalipto plantado via semente e via estacas (clones). Uma interessante conclusão que estes pesquisadores chegaram foi que na área estudada, as raízes não ultrapassaram a profundidade de 1,4 metros, independente da origem do material. Outros estudos encontrados na rede mundial de computadores, alguns com rigor cientifico duvidoso, informam que a raiz de um eucalipto esporadicamente pode atingir até 2,5 metros de profundidade, mas que ainda assim, mais de 95% de suas raízes estão a um máximo de 80 cm. Com isso pode-se concluir que dificilmente o eucalipto irá alcançar o lençol freático, pois os únicos locais onde o mesmo se mostra tão superficial é nas proximidades de algum curso d’água, áreas estas protegidas por lei e destinadas á manutenção das chamadas Áreas de Preservação Permanente, onde é um crime a implantação de quaisquer culturas agrícolas, eucalipto inclusive. Se o eucalipto não atinge o lençol freático, a afirmação de que a espécie rebaixa o mesmo não possui quaisquer embasamento científico. Na realidade, conforme citado por Lima e Zakia (2006), uma floresta de eucalipto estimula a maior infiltração d’água no solo em detrimento do escoamento superficial, o que tende a elevar o lençol freático. Uma pesquisa muito interessante sobre a relação entre o eucalipto e a água foi conduzida por Aleinov et al (2009), onde a equipe formada por cientistas da NASA, Columbia University e outras instituições criaram um modelo climático que previa a implantação de um gigantesco reflorestamento de eucaliptos cobrindo boa parte do deserto do Saara. A escolha deste gênero se deu justamente pelo baixo consumo d’água em relação ao crescimento apresentado. Segundo o modelo, os primeiros anos de plantio deveriam contar obrigatoriamente com irrigação, mas devido à densa copada e ao processo de evapotranspiração, um plantio nessa grande escala iria alterar o regime de chuvas o suficiente para que o Saara passasse a receber anualmente algo em torno de 1000 mm de chuvas. Dificilmente um plantio (ou a soma de todos os plantios) no Piauí terá escala para afetar desta maneira as chuvas, mas a pesquisa acima é um indicativo de que se houver alguma alteração, será para aumentar a pluviosidade, ainda que de forma muito leve. Isso não irá afetar a vegetação nativa, afinal cerrado e caatinga sobrevivem bem a regimes hídricos bem mais ricos que o piauiense. Fertilidade do solo Aqui é interessante lançar alguns dados, largamente pesquisados e confirmados. Muitas pessoas comparam um plantio agrícola com um plantio florestal, e vendo a grande necessidade de adubos para a área agrícola, tende a achar que se não houver uma grande adubação para o eucalipto, o mesmo irá exaurir o solo. Afinal, como pode uma pequena planta como feijão, milho, ou outra qualquer consumir mais nutrientes que um eucalipto? Em primeiro lugar, quando plantamos culturas agrícolas, estamos interessados na maior parte das vezes nos frutos ou sementes. Utilizamos ainda materiais genéticos que favoreçam essa produção. E estes itens só são interessantes na alimentação humana e animal devido à quantidade de nutrientes contida neles. Ou seja, em um plantio agrícola nós retiramos da área plantada os grãos, que são fertilizantes transformados em nutrientes pelas plantas. Ainda é necessário lembrar que esta retirada ocorre anualmente, e as vezes, duas vezes por ano. Assim como num plantio agrícola, na área florestal os nutrientes concentram-se em sua maioria nas folhas e frutos, porém este material permanece na área para ser reincorporado no solo. Da área retira-se apenas a madeira, que é formada principalmente por uma reação química entre dióxido de carbono, presente no ar, e água, reação esta catalisada pela luz solar, através da fotossíntese. É daí que vem o coro dos defensores do eucalipto dizendo que a árvore fixa gás carbônico e reduz o aquecimento global. Então a grande parte dos nutrientes retirados por um eucalipto retorna ao solo, primeiro na ciclagem das folhas, durante o crescimento da árvore, e depois com o corte e reincorporarão do material no solo. Considerando que a madeira é parcialmente composta por água, alguém poderá questionar: mas então o eucalipto está consumindo água? Sim. Porém, como visto no tópico anterior, todo ser vivo consome água, e a quantia de água retirada é irrisória perto da quantia existente na área. Vamos aos cálculos: a produção esperada no Piauí é de 35 m3/há/ano. Como já explicado, boa parte dessa madeira é dióxido de carbono, mas vamos considerar que toda ela fosse água – teríamos 35 m3/há/ano de água, ou 35 mil litros de água por hectare, anualmente. Como também já vimos, o eucalipto só cresce em áreas com chuvas anuais de 900 mm. Isso é equivalente a uma quantia de 9.000.000 litros d’água por hectare, em um ano. Então o que se retira do região é menos de 0,4% do que a natureza fornece. De toda forma, retornando ao assunto solo, o eucalipto acaba por melhorá-lo. Em primeiro lugar porque o solo ficará no mínimo sete anos sem revolvimento, o que reduz drasticamente a erosão. Segundo porque as raízes promoverão a aeração do solo, e terceiro porque a camada de folhas mortas que cobrirá o solo e será incorporada se tornará matéria orgânica, aproveitável para futuros plantios – agrícolas ou florestais. O mito do deserto verde Monoculturas não são modelos ótimos de desenvolvimento agrícola, quando se considera o impacto ambiental. Isso é fato, e mesmo os fortes defensores do eucalipto se obrigam a admiti-lo. Algumas observações porém atenuam os impactos negativos causados pelo cultivo maciço. Um deles é o respeito à legislação ambiental. O Código Florestal de 1964 exige que propriedades localizadas no bioma cerrado fora da Amazônia Legal e em bioma caatinga tenham no mínimo 20% de sua área coberta por floresta nativa. O Estado do Piauí ampliou o percentual para 30%, quando se tratar de cerrado. A lei federal exige ainda a proteção de rios, nascentes, córregos e riachos no que foi denominado de área de preservação permanente (que contempla ainda outras situações, menos comuns no Piauí). Está garantido assim a existência de um mínimo de mata nativa e os respectivos corredores ecológicos. Desde que a legislação seja cumprida, logicamente. Grandes empresas são muito visadas neste quesito, e dificilmente um erro passará despercebido por muito tempo. Com isso pode-se afirmar e esperar que empresas do porte da SUZANO irão executar no mínimo o que a legislação pede. Devido ao alto custo de implantação, poucos proprietários rurais serão capazes de implantar seus plantios sem apoio financeiro. No Brasil não existe nenhuma instituição financeira que libere dinheiro para um projeto com problemas ambientais. A conseqüência de tudo isto é que a grande maioria dos plantios de eucalipto no Piauí já começa com o respeito à legislação, e conseqüentemente uma limitação à monocultura. Ainda há uma constatação simples: apesar de não fornecer alimento abundante à fauna, um plantio de eucaliptos pode servir como corredor ecológico em pequenas distâncias, pois fornece cobertura e proteção a pequenos animais, que em um cultivo agrícola ficariam expostos à predadores. Uma informação contraditória é de que nada cresce sob um plantio de eucaliptos. Contraditória pela existência de vários experimentos de agrosilvicultura bem sucedidos espalhados pelo país. O que ocorre é que o eucalipto é uma planta que exige sol pleno, não tolerando sombreamento, o que força o produtor a lançar mão de técnicas que evitem o surgimento de plantas concorrentes. Uma destas técnicas é plantar as árvores com um espaçamento denso, de cerca de 1000 arvores por hectare ou mais, fazendo com que suas copadas cubram todo o terreno rapidamente. Com uma cobertura plena, que ocorre entre 12 e 18 meses de idade, não existe luminosidade suficiente para o crescimento de plantas concorrentes, em sua maioria espécies que também não toleram a sombra. Quando o subbosque tiver luz novamente, as plantas tornarão a crescer. Caso não se utilizasse a técnica acima, os produtores de eucalipto seriam obrigados a utilizar uma quantia muito maior de herbicidas, o que poderia inviabilizar economicamente a cultura, além de agredir muito mais o meio ambiente. Bibliografia: Abraf. “Anuário Estatístico”, 2006. Aleinov, I; Ornstein, L; Rind, D. “Irrigated afforestation of the Sahara and Australian Outback to end global warning”. Climatic Change, 2009, p. 409-437. Almeida, A. C; Soares, J. V. “Comparação entre uso de água em plantações de Eucalyptus grandis e floresta ombrófila densa (Mata Atlântica)”. Revista Árvore, Viçosa, v. 27, n. 2, 2003. Chaves, R. “Espaçamento em eucaliptos”. ANAIS Conferencia IUFRO sobre Silvicultura e Melhoramento de Eucaliptos. EMBRAPA, Colombo/PR. 1997. Lima, W.; Zakia, Maria. “As florestas plantadas e a água”. Editora RIMA, 2006. Mello, S.L.; Gonçalves, J.L.; Oliveira, L.E.G.; Comercio, J; Jorge, L.A.; Serrano, M.I.P. “Características do sistema radicular em povoamentos de eucaliptos propagados por sementes e estacas”. ANAIS Conferencia IUFRO sobre Silvicultura e Melhoramento de Eucaliptos. EMBRAPA, Colombo/PR. 1997. Vital, M. “Impacto Ambiental de Florestas de Eucalipto”. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 14, N. 28, P. 235-276, dez. 2007.