O GLOBO ● RIO ● AZUL MAGENTA AMARELO PRETO PÁGINA 16 - Edição: 18/03/2012 - Impresso: 17/03/2012 — 10: 02 h 16 Domingo, 18 de março de 2012 O GLOBO . RIO DESLEIXO INSUSTENTÁVEL Emanuel Alencar [email protected] Rogério Daflon A [email protected] cidade que vai sediar a Rio+20, conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, em junho, recicla apenas 3% de seu lixo (252 toneladas das 8.403 geradas diariamente). A Comlurb tem participação mínima nesse percentual já diminuto: só separa 22,68 toneladas, ou 0,27%. Os outros 2,73% ficam a cargo de catadores autônomos ou de cooperativas. Com isso, o Rio — que há 20 anos foi anfitrião do maior encontro sobre meio ambiente da História — joga fora uma oportunidade de se equiparar a metrópoles como Berlim (Alemanha) e Tóquio (Japão), famosas por não desperdiçarem seus recursos naturais. Capitais europeias recuperam, em média, 40% de seus resíduos. Na série de reportagens “Desleixo insustentável”, que se inicia hoje, O GLOBO mostra por que os cariocas ainda não têm seu lixo reciclado. Os motivos são muitos, a começar pela incipiente coleta seletiva. Desde a sua implantação, em 2002, o serviço não deslancha. Poucos cariocas têm o privilégio de receber um caminhão de reciclagem da Comlurb em suas portas. Dos 160 bairros da cidade, apenas 41 são atendidos semanalmente, e, mesmo assim, de forma parcial — por falta de investimentos, a coleta só ocorre em algumas ruas. Hoje, ela apresenta um desequilíbrio entre as áreas do Rio. Está mais presente nas zonas Sul (40%) e Oeste (42%) e bem menos na Norte (18%). Segundo a Comlurb, não existe coleta seletiva em favelas, o que exclui da conta um contingente de cerca de um milhão de pessoas. — A Comlurb nunca promoveu uma campanha para que a população faça a separação de seu lixo — diz Sérgio Besserman, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável do município. Parceria de R$ 50 milhões Uma cidade que se lixa para a reciclagem zero na questão dos resíduos. Antes, tínhamos um aterro (de Gramacho) que poluía a Baía de Guanabara. Inauguramos o de Seropédica e implementamos outras ações importantes, como o decreto que exige reaproveitamento dos resíduos de todas as obras. Só agora poderemos começar a cobrar uma postura mais participativa dos cidadãos. O envolvimento da população europeia com o tema inspirou a nova legislação nacional de resíduos. A lei determina que os municípios brasileiros joguem em aterros somente o lixo orgânico, ou seja, não reciclável. A meta deve ser atingida até 2014. O engenheiro químico José Carlos Pinto, professor da Coppe/UFRJ, diz que a lei 12.305 traz avanços em termos de conscientização. Mas defende que é preciso ir além: — O Rio, por exemplo, é um dos grandes produtores de plástico do país. Mas as empresas daqui, ao contrário do que ocorre na Europa, não se responsabilizam pelo destino final desse material. Para ele, sem um comPaulo Nicolella promisso das empresas, é impossível fazer uma reciclagem à altura dos atuais desafios de sustentabilidade. — Hoje, esse mercado existe por iniciativas individuais, em que o serviço do catador é feito longe das condições ideais. Mercado cuja base é sustentada por uma relação de trabalho ligada à exploração — diz José Carlos. — Em países como Japão, Canadá e Alemanha, existe a figura do catador, mas a logística da coleta é tão melhor, que o catador, com boas condições de trabalho, tem um peso muito menor na cadeia. Sem as grandes empresas envolvidas nesse processo, não há como implementar um sistema eficiente. Rio só reaproveita 3% das 8,4 mil toneladas de lixo geradas diariamente; Comlurb separa apenas 0,27% ‘O caminhão desapareceu’ A falta de eficiência, na avaliação do chefe da Diretoria Técnica e Industrial da Comlurb, José Henrique Penido, é expli● A maior esperança da cada pela ausência de investimentos maciços dos prefeitura, por enquanto, três níveis de governo. está relacionada a um pro— Em 1994, chegamos a jeto que parece incapaz de ter 20 cooperativas de caresolver o problema. Assitadores nos bairros. Não nado no ano passado, um restou nenhuma. Reciclaacordo entre o município gem só dá algum dinheiro e o BNDES prevê a aplicapara catador de rua. E ferção de R$ 50 milhões para ro-velho só sobrevive pora construção de seis galque tem gato de água e de pões de triagem de mateluz. O preço do produto riais recicláveis. Em conreciclado acaba saindo trapartida, a prefeitura mais caro do que a matépromete colocar mais 15 ria-prima virgem. Sem pecaminhões em circulação, sados subsídios do goverexpandindo o serviço dos no, o sistema não vai funatuais 41 para 120 bairros. cionar — afirma Penido. Todos esses esforços, se — Não há mágica. A Alebem-sucedidos, devem manha gasta cinco bilhões ampliar a coleta seletiva de euros por ano para imem apenas 2%, elevando plementar um sistema efipara 5% o percentual de ciente. O povo alemão esreciclagem na capital. tá muito satisfeito. E quanPara a presidente da to ao Brasil? O país está Comlurb, Angela Fonti, a disposto a investir? prefeitura precisa atacar A advogada Leonor as causas que levam aos Amaral não percebe esta baixos índices de recicladisposição por parte do gem. Ela dá razão a Bespoder público. Ela lemserman, admitindo que a bra que a Comlurb cheComlurb nunca fez uma gou a fazer um “excelente campanha de incentivo à serviço” de coleta seleticoleta seletiva de lixo. va em sua rua, na Praça — A primeira causa é a Seca, em Jacarepaguá: própria falta de uma cam— Há quatro anos, o capanha maciça em prol da minhão chegava à nossa reciclagem, algo que farerua, e os vizinhos, ao vemos com recursos do BNrem esse serviço, também DES. A nossa coleta precise animaram. Começou a sa ser bem mais abrangenfaltar e passou a vir só de te também. A maioria das CATADORES SEPARAM o lixo reciclável na usina do Caju: coleta seletiva é feita em apenas 41 dos 160 bairros e, mesmo assim, parcialmente vez em quando, até desapessoas quer reciclar seu lixo, mas nossos caminhões não ção de Angela Fonti, pode ser refor- sem luvas dentro da usina do Caju. multiplicador no país. No caso do parecer por completo em dezembro Situações como essa levaram o Rio, essa necessidade aumenta do ano passado. Liguei para a Compassam em boa parte das ruas. E çado por medidas mais simples: — Nosso cronograma inclui pe- governo federal a cobrar uma ação por causa dos grandes eventos lurb, e me informaram que estavam precisamos tornar o mercado legal. Às vezes, moradores de um prédio gar o lixo orgânico e reciclável concreta dos municípios, exigindo que vêm por aí: a Rio+20, a Copa à espera de recursos para reimplanseparam seu lixo e, quando o nosso dentro das casas e dos prédios. que apresentem, até agosto, uma do Mundo e as Olimpíadas. A pre- tar o serviço em algumas ruas e excaminhão passa para pegá-lo, o lixo Os galpões vão melhorar as condi- p r o p o s t a d e a d e q u a ç ã o à l e i feitura tem até agosto para esta- pandi-lo. Mas o próprio funcionário reciclável já foi roubado. Os atra- ções de trabalho e dar um fim aos 12.305, que instituiu a Política Na- belecer metas concretas de reci- da ouvidoria me disse que a coleta vessadores ilegais precisam ser eli- atravessadores, que diminuem o cional de Resíduos Sólidos, apro- clagem — afirma Nabil Bonduki, seletiva é o patinho feio. ■ vada em agosto de 2010. A cidade secretário de Recursos Hídricos e minados — diz Angela. — E há uma ganho dos catadores. ● AMANHÃ: A experiência da Hoje, o reaproveitamento do lixo que não se enquadrar deixará de Ambiente Urbano do Ministério corresponsabilidade nessa história. do Meio Ambiente. reciclagem no exterior As empresas, por exemplo, como acaba dependendo fundamental- receber investimentos da União. O prefeito Eduardo Paes concorda — À semelhança de São Paulo e determina a Política Nacional de Re- mente da figura do catador. Muitos síduos Sólidos, precisam se engajar trabalham em condições precárias, Brasília, o Rio precisa dar uma que o Rio tem de dar o exemplo, mas O GLOBO NA INTERNET inclusive na Comlurb — repórteres resposta à questão da reciclagem, admite que o caminho é longo: nesse processo. GALERIA O passo a passo da coleta seletiva pelas ruas de Santa Teresa — Tivemos que sair do abaixo de Envolvimento este que, na avalia- do GLOBO flagraram trabalhadores porque ela terá um grande poder ●