CICLOS DE ATUAÇÃO DO ESTADO NO ENSINO SUPERIOR (Artigo disponível no link http://www.santosjunior.com.br/index.php/artigos-e-opinioes) 09/01/15 Prof. Dr. Jair dos Santos Jr Doutor em Sociologia – IFCH/UNICAMP Diretor Presidente – SANTOS JR Consultoria Educacional (www.santosjunior.com.br) Após algumas palestras defendendo a argumentação que exporemos em seguida e atendendo alguns pedidos, decidimos organizar nossa hipótese sobre os ciclos de atuação do Estado no ensino superior neste artigo. Observando os períodos presidenciais desde a Era FHC pudemos identificar que existem quatro grandes ciclos de atuação do Estado na sua relação com o ensino superior, principalmente o setor privado, a saber: Ciclo Restritivo, Ciclo Expansionista, Ciclo da Regulação e, em vigor, Ciclo da Supervisão. Cada um desses ciclos não coincide exatamente com as gestões FHC, Lula e Dilma, mas estão diretamente correlacionadas com a forma como cada governo encarou o setor privado do ensino superior. Vejamos com mais detalhes cada período. Ciclo Restritivo Podemos definir este ciclo como o período anterior à Lei 9.9394/1996, quando da existência do Conselho Federal de Educação (CFE). Sua principal característica, como o próprio nome evidencia, está na dificuldade para a expansão deste segmento da economia. A aprovação de uma nova Instituição de Ensino Superior (IES) nesta fase era determinada pelo CFE, mas prescindia de uma regulamentação que incentivasse, ou mesmo, criasse oportunidades para o setor. Eram os tempos em que tínhamos poucas IES, poucos cursos, poucas vagas e uma demanda eternamente reprimida. Para se ter uma ideia, entre 1980 e 1995 o número de IES particulares variou entre 682 e 684 respectivamente. Sendo que nesse intervalo o ponto máximo foi de 696 IES em 1990 e o ponto mínimo de 592 em 1986. Ciclo Expansionista Este primeiro ciclo contemporâneo da educação superior teve seu início a partir das novas políticas educacionais e, principalmente, de desenvolvimento econômico com viés liberal, instauradas pela gestão Fernando Henrique Cardoso. O marco histórico deste momento pode ser identificado pela Lei 9.394/1996, que instituiu a nova LDB. Esta lei em si não trouxe todas as mudanças, pois várias delas já se tornaram efetivas com a Lei 9.131/1995 que substituiu o CFE pelo atual Conselho Nacional de Educação (CNE). Ainda assim, como elemento de marco simbólico, a nova LDB foi realmente decisiva para aquele momento do setor. A principal característica do Ciclo Expansionista foi a oportunidade para que novas IES, novos cursos e muitas, mas muitas novas vagas de cursos pudessem ser autorizadas. Nesse momento as antigas empresas educacionais tiveram que reaprender a conviver com a concorrência. Novos players significaram, por exemplo, uma relação de economia liberal em que a busca pelo cliente foi instigada, em vários cenários regionais, pela baixa de preços. Usando o mesmo balizador do número de IES particulares, experimentamos de 1996 a 2004 uma variação de 711 para 1.789 instituições, sendo que o movimento foi de crescimento em todos os anos. Mais do que a Era FHC, o que acompanhamos neste período foi o resultado da gestão do então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza. O resultado de sua passagem foi a estruturação do próprio MEC e dos organismos de controle e gestão da educação superior. O hoje temido INEP foi um dos órgãos que experimentou grandes mudanças nessa fase, com ampliação de importância e quadro funcional. Toda esta mudança foi operacionalizada pela então presidente do órgão, Maria Helena Guimarães de Castro. Dessa época herdamos o Exame Nacional de Cursos, inicialmente chamado de Provão e com o governo Lula chamado de Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). Foi também na gestão de Paulo Renato que foi efetivada uma política de avaliação das IES particulares, através, principalmente, do PAIUBE – Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras. Ciclo da Regulação Este pode ser considerado o ciclo da consolidação da expansão do ensino superior particular. Seu marco histórico pode ser representado pela Lei 10.861/2004 que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Foi esta lei que introduziu ou deu novo significado para algumas expressões, tais como, CPA (Comissão Própria de Avaliação), autorização de cursos, credenciamento de IES, reconhecimento, recredenciamento, ato autorizativo, PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional), Ciclo Avaliativo, etc. Este ciclo origina-se na Era Lula e teve como principais operadores os ministros Tarso Genro (2004-2005) e Fernando Haddad (2005-2011). Houve, neste ministério, um período vacilante com o Senador Cristovam Buarque (2003), que poucos resultados trouxe e, segundo o noticiário da época, foi demitido por telefone pelo Presidente da República. Vejamos que o marco simbólico foi na gestão de Genro, mas a atuação do Estado como agente regulador foi efetivada por Haddad. Enquanto com Paulo Renato tivemos uma ação de fomento para novas IES particulares, com Haddad o processo não chegou a ser de restrição, mas foi, objetivamente, de controle sobre a ação das empresas educacionais. Alguns que trabalham na área chegam a brincar com expressões como “O MEC regula até o respiro dos dirigentes das IES...”. Mas não há como negar a contribuição deste Ministro e sua equipe na regulamentação dos produtos e serviços do setor. Os cursos passaram a ter uma definição mais clara quanto à sua duração, carga horária, elementos constitutivos e outros aspectos similares. Outro elemento interessante foi o surgimento da categoria de centros universitários. A diversidade de agentes era (e é) muito grande e os parâmetros do que se ofertava carecia de regulamentação. O que entendemos é que esta regulação foi além do esperado pelas próprias empresas. A Lei 9.394 e a Lei 10.861 apresentavam para o setor a oportunidade de expandir sua atuação com um modelo de ação do Estado regulador. Entretanto, quando tivemos o advento do ENADE, do Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e do Índice Geral de Cursos (IGC), todos articulados como indicadores de desempenho das IES, o Estado deixo de regular e passou a intervir. E podemos usar a expressão intervenção, quando, por exemplo, o currículo dos cursos passa a ser determinado pelas Portarias de Conteúdos de Formação Geral e Formação Específica do ENADE que são republicadas a cada Ciclo Avaliativo. Até 2008 poderíamos dizer que as IES particulares tinham liberdade para definir os conteúdos de seus cursos, desde que obedecidos os parâmetros das Diretrizes Curriculares Nacionais e demais Resoluções CNE sobre a carga horária e duração. Até esta fase não era intervenção, mas regulação e parametrização dos produtos que eram ofertados. Mas quando se cria o CPC e IGC e se caracteriza como IES de qualidade aquelas que têm bom desempenho nestes, então o Estado está intervindo na natureza e conteúdo daquilo que o setor oferta. Considerando que para ter bom desempenho é necessário obedecer a conteúdos do ENADE expressos em portarias ministeriais, então não há mais liberdade nenhuma para as IES operarem. Mais do que isto, aquelas com indicadores insatisfatórios são consideradas publicamente, inclusive no discurso do titular do MEC, como de baixa qualidade. Não foi uma política restritiva, mas foi a exacerbação da regulação para o controle e intervenção do Estado. Em números, esta maior intervenção do Estado pode ser observada com o reflexo sobre o número de IES particulares. No Ciclo Expansionista vimos o crescimento exponencial, pois neste período do Ciclo da Regulação o número de IES particulares variou, entre 2005 e 2012 de 1.934 para 2.112. Há que se ponderar que nesta fase houve um movimento de fusões e aquisições, principalmente com o surgimento de empresas de capital aberto, as famosas SAs da educação superior. Contudo, em nossa análise, tais fusões e aquisições também receberam a influência do Ciclo, pois, na medida em que a atuação dos empresários da educação superior foi dificultada pela ação do Estado, gerando um fator adicional para as concorrências e consolidação que seriam naturais para o setor, houve uma estabilização no quantitativo total para este mercado. Ou seja, esperava-se um momento de consolidação do mercado de IES particulares após a expansão, mas a atuação do Estado serviu como marco para este processo que seria eminentemente econômico, mas ganhou uma intensidade maior com a intervenção do agente regulador. Complementarmente, o Ciclo da Regulação deixou outros legados não menos importantes. Foi neste que a educação a distância se consolidou entre as IES particulares e passou a ser operada como ação de mercado com intensidade. Os números são impressionantes, pois em 2004 eram 23.622 matrículas na modalidade e em 2012 alcançaram 932.226 alunos. A modalidade presencial também experimentou crescimento, variando de 2,9 milhões de matrículas para 4,2 milhões. Portanto, a atuação do Estado, somada à consolidação do mercado em economia liberal significaram a perda de aceleração de novos agentes e fusões entre estes, mas não impediram o crescimento de matrículas. Nosso argumento, deste modo, não está considerando o acesso da sociedade brasileira ao ensino superior, mas os impactos da atuação estatal sobre o empresariado, sobre o setor econômico. Ou seja, o Ciclo da Regulação permitiu que mais jovens tivessem acesso ao ensino superior ao mesmo tempo em que freou o crescimento de empresas no setor. Um dos elementos que corroborou com esta tendência foi a regulamentação da autonomia universitária. Com o surgimento dos centros universitários e definição para estes e universidades da liberdade para criar cursos e vagas, os mesmos agentes puderam expandir seus números de matriculados. No sentido do controle, outro grande legado deste ciclo foi a Portaria Normativa MEC Nº 40, publicada inicialmente em 2007, mas republicada com uma enormidade de novas abrangências em 2010. Esta peça da legislação educacional tem como objeto apenas regulamentar um sistema informatizado de trâmite de processos e documentos entre IES e o MEC, o e-MEC. Entretanto, ao definir os procedimentos, num atentado constitucional, ela estabelece limites, parâmetros e regula de forma clara e objetiva a ação das IES. Deste modo, muito mais do que o rito processual entre MEC e IES, a “Portaria Nº 40” se tornou peça chave do processo regulatório. Ciclo da Supervisão Pois bem, tratar de ciclos de expansão no governo FHC e regulação no governo Lula não são ideias totalmente inéditas, talvez tenhamos apenas organizados com um viés diferenciado. O que consideramos algo novo e pouco analisado até o momento é compreender a Era Dilma como o Ciclo da Supervisão. Seu marco histórico é entendido como o envio do Projeto de Lei (PL) 4.372/2012 pela Presidenta da República ao Congresso para criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior. Alguns podem considerar que a própria criação da Secretaria de Regulação da Educação Superior (SERES) já tenha instaurado o novo Ciclo, entretanto, na sua origem ela não tinha o novo viés que observamos. Por outro lado, em conjunto com o PL 4.372/2012, foi publicada a Portaria MEC 1.342/2012 que alterou o Regimento Interno da SERES, criando nela a Diretoria de Supervisão da Educação Superior (DISUP), com três coordenações responsáveis por uma política fiscalizatória sobre as IES, evidentemente com maior impacto para o setor privado. Sendo assim, não é a SERES que muda o ciclo, mas a adoção do termo “Supervisão” como elemento estruturante para acompanhamento das IES, através de órgãos específicos, tanto no PL 4.372 quanto na Portaria 1.342 que instaura, a nosso ver, este novo momento. Do ponto de vista da gestão, o então Ministro da Educação, Aloízio Mercadante e o primeiro titular da SERES, Jorge Araújo Messias, foram os responsáveis pela mudança estruturante. Outro elemento simbólico que nos evidencia o novo momento, com a saída de Messias da SERES para acompanhar o Senador Mercadante para a Casa Civil, quem assumiu a Secretaria foi aquela que respondia pela Diretoria de Supervisão, Marta Wendel Abramo. Ou seja, a ação fiscalizatória e de supervisão ganharam tamanha importância e significado para a ação do Estado sobre o ensino superior que o titular da principal Secretaria do MEC, que responde sobre o setor privado, veio da Diretoria de Supervisão da Educação Superior. Nesta Diretoria, Marta Wendel foi responsável, por exemplo, pela coordenação dos trabalhos de descredenciamento da Faculdade Alvorada de Educação Física e Desporto (Distrito Federal) e pelo intenso processo de descredenciamento da Universidade Gama Filho e do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro. Estas duas ações foram empreendidas com a aplicação da Política de Transferência Assistida, instaurada pela Portaria Normativa MEC Nº 18/2013. Por esta nova política, o MEC tem procedimentos claros para desativar cursos ou descredenciar IES e promover a transferências dos alunos para outras Instituições particulares, respeitados critérios que incluem desempenho no IGC e oferta de mensalidades em valores iguais ou menores. Mais um elemento, desde 2012, ao final do ano, quando temos a publicação dos resultados do CPC e do ICG, acompanham subsequentes medidas cautelares sobre as IES com indicadores insatisfatórios (1 ou 2 na escala que vai até 5). Destas medidas cautelares e outros casos em que o MEC entende que a IES incorreu em irregularidade administrativa, como por exemplo, deixar vencer um determinado ato autorizativo, são abertos processos administrativos, mediante Despacho da SERES. Nestes Despachos observamos que o texto versa como “... aplicação de penalidade de desativação do curso [ou descredenciamento institucional, conforme o caso], com possibilidade de convolação em redução de vagas [ou perda de autonomia universitária, suspensão de ingressos, sobrestamento de processos regulatórios, e outras, conforme o caso]...”. Portanto, o que se tem são processos de encerrar cursos ou IES, mas mediante a tramitação dos mesmos tais penalidades podem ser “suavizadas” para outra ação. Esta alteração da penalidade também têm critérios objetivos, que são publicados periodicamente notas técnicas com o que a SERES chama de “padrão decisório” para tramitação dos processos e procedimentos vinculados aos mesmos. Por todos estes elementos, e mais outros que os leitores poderão identificar para além de nossa percepção, não apenas por questões de marcos da legislação, mas principalmente pela forma de atuação dos titulares dos principais órgãos vinculados às políticas governamentais voltadas para a educação superior, podemos apresentar esta hipótese de que o marco da regulação foi substituído pelo marco da supervisão. E temos indícios para acreditar que no segundo mandato da Era Dilma este Ciclo da Supervisão tende a se intensificar. O primeiro elemento que corrobora com esta projeção se refere às mudanças nas Secretarias do Ministério da Educação. Enquanto SESU e SETEC sofreram alterações ao final de 2014 para 2015, a SERES, até este momento (janeiro de 2015) ainda continua com Marta Abramo. E mesmo que seja trocada a titular, o principal elemento a ser observado é o viés a ser dado pela nova equipe. Por exemplo, Mercadante foi para a Casa Civil e levou Jorge Messias consigo, mas Marta Abramo, com José Henrique Paim como Ministro da Educação, a supervisão se intensificou. O Ministro recém-empossado Cid Gomes, até o momento, não fez menções em discursos que evidenciem quais seus planos para a educação superior. Aliás, todo o seu discurso está voltado para a educação básica, principalmente o ensino médio. Tais citações estão no contexto do discurso de posse da Presidenta que fez menções claras à educação básica e profissionalizante como focos de atenção. Deste modo, há a possibilidade, aparentemente concreta, de que o staff do MEC voltado para o ensino superior permaneça e, junto com ele, seja mantido ou intensificado o Ciclo da Supervisão. Em termos de números de IES ainda não temos dados que permitam uma projeção segura. O último Censo da Educação Superior divulgado é de 2013 e neste podemos identificar uma pequena variação para 2.090 IES privadas (contra as 2.112 de 2012). Mas esta pequena queda e em apenas um ano não pode ser entendida como uma tendência segura para nossos argumentos. Ao mesmo tempo, temos outros dados como, por exemplo, o número de cursos que receberam medidas de supervisão pelo desempenho insatisfatório no Conceito Preliminar de Curso (CPC). Em 2012 foram 194 cursos penalizados e em 2013 outros 150. Destaque-se que são os cursos do ciclo avaliativo que fizeram o ENADE do ano anterior. Portanto, a cada Ciclo Avaliativo temos um novo conjunto de penalizações. Mas estamos ressaltando apenas os grandes agrupamentos de penalidades publicados por ocasião da divulgação do CPC, pois diariamente são publicadas no Diário Oficial da União medidas de supervisão para IES, cursos, mantenedoras ou entidades beneficentes. Outro fator que deve influenciar de forma determinante o Ciclo da Supervisão são as contas públicas para o segundo mandato da Presidenta Dilma. Deste o PL 4.372 (INSAES) observamos que o então Ministro Guido Mantega assinou o pedido de envio do projeto para a Presidenta junto com o Ministro da Educação, naquele momento, Aloizio Mercadante. O interesse da área econômica do governo federal neste projeto está nas taxas e sobretaxas sobre as IES particulares que passarão a desonerar os cofres da União para as atividades de avaliação, regulação e supervisão. Da mesma forma, entendemos que num ano anunciado pela nova equipe de ministros da área econômica como sendo de ajustes das contas do governo federal, acreditamos que medidas como as que estão previstas no INSAES voltem a despertar o interesse. O primeiro sinal da influência deste ajuste de contas no MEC já ocorreu na transição de governo. Em dezembro de 2014, no “apagar das luzes do primeiro mandato da Presidenta”, foram publicadas novas regulamentações sobre o Financiamento Estudantil (FIES) que alteraram os critérios de concessão do crédito e, principalmente, a forma de recompra para as IES resgatarem os valores das mensalidades financiadas. Estas medidas tiveram impacto direto nas IES particulares e até mesmo no mercado de ações, promovendo a queda acintosa dos valores de ações de empresas de capital aberto que atuam no segmento do ensino superior. Desta forma, o viés economicista que a gestão atual da Presidenta deve tomar certamente não significará um momento de “alívio” da atuação do Estado sobre o ensino superior. Ao contrário, a criação de organismos autônomos e autofinanciados, restrições no financiamento e concessão de bolsas estudantis, não para alunos, mas para as IES, devem ser ações atraentes para a nova gestão. Neste cenário, medidas de supervisão que restrinjam as IES, seus cursos e suas mantenedoras, devem certamente pautar a ação Estatal sobre o setor.