Análise do funcionamento de uma unidade de ensino
sobre Energia Nuclear com abordagem CTS
Thirza Pavan Sorpreso
[email protected]
Unicamp
Maria José P. M. de Almeida
[email protected]
Unicamp
Categoria do Trabalho: I Formação de Professores
Referencial Teórico
O referencial utilizado, a Análise de Discurso (AD), pressupõe a não
transparência da linguagem, exigindo a análise do funcionamento discursivo,
considerando que os objetos do discurso têm seus sentidos produzidos sóciohistoricamente (Orlandi, 2007).
Neste trabalho nos valemos da noção de mecanismo ideológico, advinda da
AD, que de acordo com Pêcheux e Fuchs (1997) é responsável pela interpelação do
sujeito “de tal modo que cada um seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a
impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar” (p.166). Esse
mecanismo é construído discursivamente durante a história do indivíduo. Nesse
sentido, podemos afirmar que as teorias pedagógicas ou as diversas concepções
sobre a ciência e seu papel social, subjacentes aos processos de ensino vivenciados
pelos estudantes, interferem na construção e funcionamento de seus mecanismos
ideológicos e consequentemente em suas produções discursivas de sentidos.
Para compreensão dos discursos analisados nesta pesquisa utilizamos o
trabalho de Saviani (2008) como suporte para os significados da relação entre escola
e sociedade. Esse autor resgata historicamente algumas teorias pedagógicas que
fizeram/fazem parte do contexto educacional brasileiro:
• Teorias não-críticas: a escola é autônoma, sem condicionantes sociais e tem
papel decisivo na integração social dos indivíduos, é um instrumento de
equalização social;
• Teorias crítico-reprodutivistas: a escola é socialmente determinada e sua função é
a de reprodução das relações sociais;
• Teorias críticas: a escola é socialmente condicionada e, de forma limitada, pode
agir sobre o sujeito da prática social visando uma transformação das relações
sociais.
Já no que se refere às concepções de ciência e seu papel social observamos
que diversos artigos sobre a abordagem CTS consideram que há uma visão
socialmente hegemônica, criticada por esses trabalhos, de que a Ciência seria
produzida de forma neutra (Carletto e Pinheiro, 2010; Watanabe-Caramello et al.,
2010; Silveira e Bazzo, 2009; Auler, 2007; Santos, 2007; Linsingen, 2007; Silva e
Carvalho, 2009; Ricardo, 2007), como um retrato completamente objetivo da realidade,
e que as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade seriam lineares1.
1
Essa concepção linear é citada por Teixeira (2003) como sendo uma compreensão de que o
desenvolvimento científico gera desenvolvimento tecnológico e consequente desenvolvimento econômico,
proporcionando por fim desenvolvimento social.
1
Conforme aponta Almeida (2009) as prescrições e recomendações ao
professor, presentes em materiais para o ensino, pesquisas, documentos do governo,
etc. interferem na organização e planejamento do ensino. Assim, materiais e
planejamentos de ensino carregam, implícita ou explicitamente, elementos associados
à relação entre escola e sociedade, ciência e sociedade e consequentemente
influenciam a constituição dos mecanismos ideológicos dos estudantes. Mecanismo
que por sua vez interfere no processo de atribuição de sentidos que se desenvolve
durante a formação inicial de professores.
Unidade de Ensino
Estruturamos uma unidade de ensino que implicou em pesquisa bibliográfica
sobre a abordagem CTS e sobre a Física Nuclear realizada em materiais diversos.
Também implicou na adequação dos conteúdos revisados e sua abordagem ao
imaginário pré-suposto de nosso interlocutor, tendo como objetivo a formação
determinada pelos referenciais teóricos utilizados. A pré-suposição desse imaginário
foi estruturada com base em pesquisas anteriores realizadas pelas autoras deste
artigo ao atuarem como docentes na formação inicial de professores de Física.
A unidade desenvolvida na disciplina Conhecimentos em Física Escolar foi
iniciada com um questionário, com o qual pretendíamos que os estudantes de
licenciatura explicitassem algumas de suas concepções e expectativas. A unidade
estendeu-se durante 10 aulas e em um primeiro momento privilegiou-se a reflexão
teórica sobre a abordagem CTS. Foram desenvolvidas atividades de leitura, discussão
e realização de trabalhos escritos sobre textos associados à Física Nuclear e
abordagem CTS, dentre eles Souza Cruz e Zylberstajn (2001). Os estudantes de
licenciatura também realizaram uma análise da adequação de alguns materiais
didáticos à abordagem CTS.
Posteriormente privilegiou-se um trabalho mais associado à prática CTS que
incluiu uma aula ministrada pela pesquisadora sobre a Física Nuclear na qual
abordamos conteúdos pertinentes à compreensão da atual problemática social da
escassez de energia. Além disso, os estudantes planejaram e apresentaram uma
unidade de ensino que deveria contemplar elementos da Física Nuclear através da
abordagem CTS e dirigir-se a estudantes do Ensino Médio.
Todas as atividades realizadas foram digitalizadas ou registradas em vídeo.
Tais registros compõem nosso material de análise. Neste trabalho nossa preocupação
central refere-se à relação entre o mecanismo ideológico do sujeito e a atribuição de
sentidos em sua produção discursiva, assim realizamos análises dos discursos
produzidos por um dos estudantes, o qual identificamos pela sigla VL. O licenciando já
havia cursado todas as disciplinas do bacharelado e estava finalizando a licenciatura.
Análises e Resultados
No questionário inicial, ao ser indagado sobre quais seriam, em sua opinião,
os maiores problemas sociais da atualidade e se esses problemas teriam relações
com o Ensino de Física em Nível Médio, VL respondeu2:
[VL1] “O maior problema que ainda não resolvemos [...] a educação. O sistema
que está posto não oferece as mesmas oportunidades para todos. As nossas
escolas acabam perpetuando todos os outros problemas sociais.”
[VL2] “[...] De um modo geral, o currículo de Física é defasado (basicamente
contempla apenas a Física dos séculos XVII e XVIII), não dá conta, por exemplo,
2
O estudante de licenciatura será identificado pela sigla VL e cada um de seus depoimentos será
identificado por VL seguido pelo número de ocorrência do depoimento neste trabalho.
2
das novas tecnologias hoje possíveis e, portanto não colabora ou não promove a
inclusão tecnológica/digital de uma parcela significativa da população.”
No depoimento VL1 observamos um posicionamento não crítico sobre a
educação. O estudante considerou que a escola seria responsável por perpetuar todos
os problemas sociais. Além disso, ele atribuiu à escola a função de resolver o
problema da exclusão, não apontou os limites da escola na resolução desses
problemas e nem considerou a existência de condicionantes sociais sobre a escola.
Em VL2 observamos que o estudante admitiu relações entre os problemas
sociais e o Ensino de Física. Essas relações estariam associadas à omissão de
conteúdos necessários para a inclusão tecnológica/digital. Essa omissão de conteúdos
da Física Moderna e Contemporânea (FMC) vetaria a compreensão de artefatos
tecnológicos e consequentemente provocaria a exclusão tecnológica.
Observamos que há uma ênfase no caráter tecnológico em detrimento de
elemento sociais associado ao Ensino da Física.
Também perguntamos o que VL acharia se lhe fosse proposto abordar a
Física no Ensino Médio através de suas relações com a tecnologia e a sociedade e
como ele faria isso. Ele respondeu:
[VL3] “Acho que nesse caso a ideia seria contextualizar a ciência, no caso a
Física, tentando relacioná-la com o dia-a-dia do aluno. Tentar mostrar a ele como
a Física está presente na sua vida, nas suas atividades mais rotineiras”
Observamos que a ideia inicial do licenciando sobre a abordagem CTS é que
ela priorizaria o ensino através da relação entre as atividades rotineiras/do dia-a-dia
dos estudantes e o conteúdo escolar.
Durante o desenvolvimento inicial da unidade de ensino pedimos para os
estudantes que lesse o texto de Souza Cruz e Zylberstajn (2001) e após a leitura
escrevessem se utilizariam uma proposta CTS para abordagem da Física no Ensino
Médio. VL escreveu:
[VL4] “Eu não planejaria minhas aulas tendo em vista uma abordagem CTS. Acho
importante [...] a participação dos alunos, e quem sabe a discussão de algum tema
[...] noticiado nos meios de comunicação e despertado o interesse da classe.
Mesmo sabendo que nem todos os meus alunos pretendam uma vida acadêmica,
eu como professor não posso formar alunos de duas categorias: aqueles formados
numa abordagem tradicional e que contempla o currículo exigido nos vestibulares
e outro indivíduo que tenha uma ‘cultura geral’ em ciência, sem dominar seus
aspectos formais. Isso não quer dizer que eu acredite na abordagem
tradicional no Ensino de Ciências em detrimento da abordagem CTS. Mas o
que me deixa mais confuso é o fato de que a própria universidade, que pensa o
ensino e apresenta mudanças e soluções, seja a mesma universidade que
estagna a ciência que se ensina na escola básica. Parece audacioso o que vou
dizer, mas [...] precisamos primeiramente reformar a universidade para [...] daí
repensarmos o ensino de ciências na escola básica” (negrito nosso)
A negação à abordagem CTS associou-se ao comprometimento do
licenciando com um ensino que não fosse excludente (preocupação manifestada
anteriormente por VL), permitindo o ingresso de todos os estudantes no ensino
superior. Ressaltamos que essa consideração está associada ao significado particular
atribuído por VL à abordagem CTS, para ele essa abordagem não contemplaria o
currículo do vestibular, excluiria os aspectos formais e proporcionaria apenas cultura
geral. Salientamos que o texto lido não abarca esse tipo de significação para a
abordagem CTS, sendo então uma construção particular do licenciando.
Por outro lado, após o trecho em negrito VL declara-se confuso. Esta
confusão pode estar associada a uma concordância do estudante com as críticas
realizadas pelo texto ao ensino tradicional e com alguns elementos da abordagem
3
CTS. Observamos ainda que nesse depoimento, VL critica a estagnação da ciência
ensinada. Essa estagnação pode estar associada à omissão de conteúdos da Física
Moderna e Contemporânea, apontada anteriormente e associada à exclusão
tecnológica. A aproximação com a abordagem CTS pode estar associada à
consideração de VL de que assuntos tratados na mídia despertam o interesse dos
estudantes.
No final do depoimento observamos um posicionamento do licenciando mais
próximo de uma visão educacional crítico-reprodutivista, já que ele aponta elementos
externos que não só interferem na escola, mas que a determinam.
Também solicitamos, após a leitura do texto que os estudantes explicassem
como realizariam uma abordagem CTS de um conteúdo de sua preferência. VL
escreveu:
[VL5] “Ultimamente um tema muito recorrente nos meios de comunicação tem sido
a energia nuclear. Episódios como aquele envolvendo as usinas japonesas de
Fukushima chamam a atenção mesmo do publico não especialista, talvez pelo
imaginário coletivo que se criou nas últimas décadas sobre os malefícios desse
tipo de energia, tecnologia inaugurada pela explosão das bombas nas cidades
também japonesas de Hiroshima e Nagasaki e que pôs fim à Segunda Guerra
Mundial. [...] O fio condutor seria no sentido de desmistificar a energia
nuclear, mostrando seus usos bem sucedidos. [...]” (negrito nosso)
Novamente o licenciando associa a abordagem CTS à mídia e à motivação.
Nesse depoimento nota-se a tendência de VL em ‘proteger’, neutralizar a ciência, no
trecho em negrito.
Na aula seguinte à leitura e atividade escrita sobre o texto de Souza Cruz e
Zylberstajn (2001) foi realizada uma discussão sobre a abordagem CTS de forma
geral. Nesse momento inserimos a possibilidade de utilização da História da Ciência
em uma abordagem CTS argumentando que ela possibilitaria enfocar a produção
científica. Afirmamos que a introdução da História permitiria a evidenciação do caráter
humano e não neutro da produção científica, além da exploração das relações mútuas
entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Na aula seguinte foi realizada uma atividade em duplas pelos estudantes,
durante a qual eles analisaram a adequação de materiais didáticos à abordagem CTS.
Abaixo transcrevemos duas das análises de VL e seu colega ilustrando seus critérios
de análise.
[VL6] “De todos os textos lidos até o momento, este é o que mais trouxe, através
de figuras, exemplos retirados do quotidiano dos alunos. Explica força, por
exemplo, aludindo à ‘puxões, empurrões, arrastões’ ”
[VL7] “Parece que os textos que melhor se adaptam a uma abordagem CTS
ficaram para o final. Novamente um texto que mescla história da ciência e
elementos retirados do quotidiano do aluno. Um texto que humaniza e
‘contextualiza’ a ciência”
Não reproduziremos todos os trechos analisados, mas ressaltamos que
mesmo em outras análises foi recorrente a associação entre cotidiano, atividades
rotineiras e abordagem CTS; e associação entre História da Ciência, humanização e
referência a cientistas. A humanização significada pelos licenciandos compreendeu
elementos que teriam um caráter mais próximo do histórico, porém restrito à inclusão
de fotos, nomes de cientistas e datas importantes. Já a contextualização associou-se
com o cotidiano do aluno, por sua vez significado como atividades realizadas e objetos
utilizados diariamente.
Em aula posterior foi realizada uma apresentação na qual enfocamos o
problema da escassez de energia e a densidade de energia do ‘combustível’ nuclear
através de um enfoque CTS. Nessa apresentação foi reforçada a questão de que a
4
abordagem CTS não exclui o tratamento dos aspectos formais e matemáticos da
Física. Também foi abordada uma questão de vestibular associada à questão
energética, procurando romper com a consideração dos estudantes de que a
abordagem CTS impediria o sucesso nesses exames. Também resgatamos o
desenvolvimento histórico da Física Nuclear em seu contexto social. Para isso foram
utilizadas referências bibliográficas que enfatizavam tanto o caráter mais internalista
(ex. Martins, 1990) da produção científica quanto o contexto histórico mais social
dessa produção (ex. Goldsmith, 2002). Nas aulas seguintes os estudantes planejaram
as unidades de ensino com auxílio de questionários e de materiais sobre Física
Nuclear.
Após as aulas de planejamento os estudantes apresentaram as unidades de
ensino por eles preparadas, através de seminários. Transcrevemos e analisamos
alguns trechos da apresentação de VL:
[VL8]“[...] o meu desafio [...] tentar explicar para eles o funcionamento de uma
usina nuclear [...] Nas duas primeiras aulas é uma abordagem histórica [...] o que
me agrada nessa abordagem é [...] esse movimento de vai e vem da ciência [...]
ficaria já clara nessa primeira aula esse movimento de ida e vinda da ciência [...] A
segunda aula, ainda [...] histórica [...] seria comentar [...] essa polêmica
envolvendo Becquerel [...] que já comentaram aqui [...] Esses equívocos históricos
que acontecem [...] como já foi comentado aqui aquele artigo do Martins [...] e
também a preocupação de estar bem fundamentado [...]” (negrito nosso)
Em sua apresentação, VL ressalta a importância da abordagem histórica que
foi considerada por ele como algo que proporcionaria ao estudante a compreensão do
movimento da ciência. Provavelmente solução encontrada contra o ensino estagnado
da ciência, criticado no depoimento VL4.
No entanto, a história valorizada por VL seria mais internalista e não uma
história que abarcasse o contexto social. Por exemplo, ele faz referência a um artigo
de história internalista utilizado na apresentação sobre energia nuclear (em negrito),
mas não cita as referências com caráter mais externalista e social, também utilizadas.
Talvez isso esteja associado tanto à necessidade de uma abordagem cientificamente
‘rigorosa’ ou bem fundamentada, quanto à necessidade de neutralização da ciência,
isolando-a de elementos sociais.
No trecho a seguir observamos a preocupação do licenciando em abordar os
conteúdos pertinentes ao ‘problema’ que ele se propõe a ensinar, o funcionamento do
reator nuclear:
[VL9]“[...] vou tratar estritamente da Física necessária para explicar para os alunos
o funcionamento do reator nuclear [...] a física da fissão nuclear [...]Fusão eu
falaria mais a título de informação [...] aí nós já divagamos muito no tema, apesar
da minha tentação de divagar, mas é isso, aí já sai muito do tema, mas assim o
meu enfoque principal seria falar sobre a fissão [...] também existe um, da minha
parte, existe certo ranço de bacharel que está preocupado com Física e eu tenho
que me segurar nesse sentido de não tornar a aula muito maçante [...] bom eu
tenho que restringir ao máximo porque senão eu posso colocar muito conteúdo.”
Observamos indícios da interferência da abordagem CTS funcionando no
discurso do licenciando, já que a abordagem considera que o problema enfocado
organiza a seleção de conteúdos. Vale ressaltar, no entanto, que o foco escolhido pelo
licenciando (funcionamento do reator nuclear) não se configura por si só como um
problema social e nesse sentido ele se afasta da abordagem CTS. A preocupação do
licenciando com o conteúdo acompanha uma autocrítica sobre sua formação de
bacharel.
5
A ênfase no tratamento de um problema tecnológico e não social é apontada
no depoimento a seguir, no qual também observamos concepções de tecnologia como
aplicação da ciência:
[VL10] “[...] aula cinco é [...] pensar um pouquinho na engenharia de uma usina
nuclear [...] implantação de uma usina nuclear, a segurança, [...] a tecnologia [...]
Porque uma coisa é a ciência, mas para dar uma aplicação dessa ciência, tem que
gerar toda uma engenharia, pensar em tecnologia para que isso funcione na
prática. [...] Essas questões mais técnicas [...] que acaba sendo o objetivo de toda
essa unidade [...] tentar entender o reator e como funciona a usina nuclear.”
Na última aula da disciplina foi solicitado que os estudantes escrevessem
suas impressões sobre a disciplina. VL escreveu:
[VL12] “Nem sempre participativo nas aulas, mas atento para aquilo que era o
objetivo principal da disciplina: pensar o ensino de ciências, em particular, o ensino
de física sob uma nova perspectiva (CTS), tendo como meta objetivos que nem
sempre focalizam apenas o vestibular. Por exemplo, a necessidade de formar um
aluno com uma cultura geral em ciências [...] a disciplina trouxe outra abordagem
possível para o ensino de física que eu desconhecia[...].”
Observamos que VL retoma elementos explicitados no depoimento VL4: a
cultura geral e formação para o vestibular. Dessa vez ele considerou que a formação
cultural seria uma necessidade. Também nesse último depoimento ele considera a
abordagem CTS como algo possível no ensino de Física.
Em síntese, observamos que inicialmente o licenciando apresentou um
posicionamento não crítico sobre a relação escola-sociedade, enfatizou o caráter
tecnológico no que se referia à relação entre Ensino de Física e sociedade e associou
a abordagem CTS com inclusão de atividades rotineiras no Ensino de Física.
No início do desenvolvimento das atividades da unidade de ensino,
observamos indícios de que seu comprometimento com um ensino não excludente (ou
seu posicionamento sobre a relação escola-sociedade) interferiu na consideração de
que a abordagem CTS aumentaria a exclusão de alunos, impedindo-os de ingressar
no vestibular. Por outro lado, VL se aproximou da abordagem CTS ao considerar que
o ensino escolar seria estagnado e que assuntos abordados na mídia poderiam
interessar aos estudantes. Também observamos uma tendência constante de VL a
neutralizar a ciência.
Durante o desenvolvimento da unidade observamos que VL manteve a
associação entre a abordagem CTS e atividades rotineiras. VL acrescentou a
pertinência da História da Ciência aos significados que atribuía para a abordagem,
considerando que dessa forma promover-se-ia um ensino menos estagnado da
ciência. Porém observamos que provavelmente por interferência de suas concepções
sobre a relação ciência e sociedade, que privilegiaram uma visão de ciência neutra, VL
defendeu a utilização de uma história mais internalista em detrimento da abordagem
do contexto social de produção da ciência.
Observamos que a abordagem CTS interferiu na produção discursiva de VL
no que se referiu à seleção de conteúdos e na autocrítica sobre sua formação mais
voltada ao bacharelado do que à licenciatura. Apesar dessa influência CTS,
observamos que, no entanto, não foram problemas sociais que organizaram essa
seleção de conteúdos, mas um artefato tecnológico, o que se adequou à consideração
inicial do licenciando na disciplina de que o Ensino de Física deveria promover a
inclusão tecnológica.
Considerações Finais
6
Durante o desenvolvimento da unidade de ensino houve uma ressignificação
dos sentidos atribuídos por VL à abordagem CTS, mas não houve mudanças no
posicionamento do licenciando sobre o papel social da escola e da ciência. Para esse
licenciando, inicialmente, a abordagem CTS restringia-se apenas à cultura geral e ao
enfoque de atividades rotineiras, mas durante a disciplina foram acrescentados, a essa
produção de significados, os aspectos formais e históricos internalistas da Física.
Consideramos que esse vislumbre da possibilidade de utilização da história da ciência
internalista no ensino CTS teve importante papel nesses deslocamentos de sentido.
Esperamos com esse trabalho contribuir para a reflexão sobre a influência
das condições de produção histórico-sociais nos discursos enunciados no processo de
formação inicial de professores, em especial associados à abordagem CTS.
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