REGE, REGE, REGIMENTO! Todo começo é involuntário. Deus é o agente. O herói a si assiste, vário E inconsciente. (Fernando Pessoa) Lembro-me bem daqueles começos. O início da organização do ensino na FEPEVI foi um tanto (como diria?) informal, além de involuntário, é claro. Deus agia, com certeza. A secretaria geral da fundação, a quem competia controlar currículos, horários e essas coisas, parecia não ter, nem organização, nem controle sobre o que se desenrolava ao seu redor, em especial sobre os regimentos. Regulamentos e regimentos são normas sagradas que garantem o bom andamento de qualquer organização e a boa distribuição da justiça interna, o bom desempenho do Direito Educacional. Ao entrar na FEPEVI tive um baque ao ver como esses documentos internos eram tratados. Estávamos em plena “festa do caqui”. Nunca consegui encontrar os originais dos regimentos de cada uma das duas faculdades; havia várias cópias, isto sim, de vários regimentos, todas incrivelmente diferentes. Talvez fossem esboços, tentativas, ou retratassem mesmo alguns dos primeiros passos da instituição. Quem tentasse aplicar o Regimento ficava na dúvida cruel: - Será que este é o verdadeiro? Será que este está em vigor? Assim íamos levando, aplicando ora um, ora outro, conforme a conveniência. Ora, o regimento é uma peça fundamental, engloba todas as diretrizes que alunos e professores devem seguir. Para pôr um fim àquilo, o Mansueto me chamou e determinou: - Vai a Florianópolis, à Delegacia do MEC, que lá eles têm uma cópia do regimento que realmente está em vigor. Pega uma cópia. Engoli a ordem pensando: como chegar àquela bendita repartição pública e declarar com todas as letras que não sabia a qual regimento obedecer? O que diria dona Edite, tão competente e tão sisuda? Entendi logo que não havia saída, o jeito era ir em busca da tão sonhada e desconhecida peça jurídica. O coração ia apertado. Ela não pode desconfiar. Mas, e se começar a fazer perguntas? Imaginava já um fiasco difícil de evitar. A missão havia sido dada a Garcia, era preciso encará-la. Durante toda a viagem ia tentando imaginar uma forma simpática e sorrateira de solicitar as cópias, sem que tal pedido levantasse as suspeitas da bondosa senhora. Tijucas ia ficando para trás e nenhuma idéia genial assomava em minha mente confusa. O fusquinha gemia no asfalto em direção à capital, lá onde estava a possibilidade de meu primeiro fracasso. A ponte Hercílio Luz surgiu imponente e abraçou-me com tentáculos de ferro, as ruazinhas estreitas da antiga Florianópolis se sucediam, uma a uma e, de repente, lá estava ele, o prédio do MEC, duro, misterioso e inacessível. Diante do prédio, a imagem do Mansueto não me saía da cabeça: Vai, pega uma cópia! Mesmo hesitando, comecei a subir a escadaria. A espera na ante-sala foi curta e, em segundos, lá estava dona Edite, uma senhora de meia idade, por quem tinha o maior respeito; parecia uma deusa no dia do julgamento, por detrás de uma grande mesa escura, os óculos acavalados na ponta do nariz, o olhar curioso e inquiridor, a voz sempre meiga. – Sim... Pois não... As palavras empastaram na garganta. Uma pigarreada forçada, um trejeito constrangido e disparei à queima roupa, com súbita gagueira: - Boa tarde, dona Edite, eu gostaria de obter uma cópia dos regimentos da Faculdade de Direito e da Faculdade de Filosofia de Itajaí... cópias. na... - Como? Disse ela franzindo os cenhos por cima dos óculos. Tive um calafrio. - O senhor quer uma cópia... - Sim, eu preciso... a senhora sabe como é... - Como é? Mesmo sabendo que a mentira tem pernas curtas, sapequei: - Dona Edite, eu fui pego de surpresa, saí às pressas e vim para Florianópolis sem as - Sei... - Professora, eu só preciso tirar uma fotocópia dos regimentos para poder apresentar - Ora vamos ver. E abriu um largo e enigmático sorriso, que me deixou na dúvida (ou na certeza, não sei bem, até hoje), de que ela havia sacado minhas segundas intenções. Bem, se sabia, ou não, eu realmente não sei. Só sei que ela se levantou rapidamente, dirigiu-se a uma sala contígua, esgueirou-se por uma escadinha de madeira, espichando-se para alcançar a caixa-de-passarinho no alto da prateleira. De repente ela surgiu na porta com os dois regimentos nas mãos, passando um paninho para tirar o pó dos documentos. Parecia mentira, mas lá estavam os objetos de meu desejo. Por um momento imaginei que todos os meus problemas estavam resolvidos, até que dona Edite sentenciou: - Essas cópias pertencem ao MEC. O senhor não pode levá-las. - Professora... - São documentos importantes. - Eu sei, dona Edite, eu só queria poder tirar uma fotocópia de cada um deles para apresentar na... - Bem, onde o senhor vai tirar as cópias? - Ali... logo ali na frente há um xerox... - Está bem, não se demore. Estendi a mão já mais confiante e apanhei os dois pequenos opúsculos datilografados. Um grande berro ecoou dentro de mim, resumindo meu triunfo: (- Mansueto, peguei!). O paletó mirrado me constrangia e, andando de costas, balbuciei: - Com licença... Saí rapidamente, um pouco vexado com a situação e, enquanto descia a ruela não podia deixar de sorrir e pensar no momento em que, já de volta à FEPEVI, me apresentaria ao diretor geral e diria: - Aqui estão as cópias! Prof. Jonas Tadeu Nunes (ex-colaborador da Univali)