fls. 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE MOGI DAS CRUZES FORO DE MOGI DAS CRUZES VARA DA FAZENDA PÚBLICA Av. Cândido Xavier de Almeida e Souza, 159, Sala 151 - Vila Patérnio CEP: 08780-912 - Mogi das Cruzes - SP Telefone: (11) 4799-8877 - E-mail: [email protected] DECISÃO 1002879-93.2013.8.26.0361 Ação Civil Pública - Flora MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES e outros Juiz(a) de Direito: Dr(a). Bruno Machado Miano Vistos. O MINISTÉRIO PÚBLICO PAULISTA ajuiza esta causa em face do MUNICÍPIO DE MOGI DAS CRUZES, do SEMAE e da SABESP, em razão de degradação ambiental provocada por conduta omissiva das rés, que deixam de realizar o integral tratamento de esgoto e permitem o lançamento do mesmo in natura em diversos corpos d'água existentes no Município de Mogi das Cruzes, como nas nascentes existentes no 'Residencial Morumbi', no Rio Negro, e no Córrego dos Corvos. Informa da existência de 'Plano Diretor de Esgoto Sanitário' desenvolvido pela Prefeitura de Mogi das Cruzes e pelo SEMAE, que prevê integral coleta e tratamento de esgotos em duas etapas, encerrando-se a primeira em 2025 e a segunda em 2040. Afirma a urgência de medidas que antecipem esse tratamento, à vista do periculum in mora. Invoca o art. 225 da Constituição Federal; o art. 208 da Constituição Estadual; a Lei Federal 6938/91 e a Lei Estadual 997/76. Lastreado nesses fatos, pugna pela antecipação parcial da tutela, "para que as requeridas obstem de imediato o lançamento de esgoto sem tratamento em qualquer curso d'água do Município de Mogi das Cruzes ou que componha a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê", sob pena de multa de cem mil reais por dia. Com a inicial (fl. 2/17), juntou documentos (fl. 18/139). Esse o relatório. Decido. I - Em 2002 foi aberto o Inquérito Civil nº 11, destinado à apuração de eventuais irregularidades no escoamento de esgoto, que estaria sendo lançado in natura no leito do rio Tietê (fl. 24/25). O SEMAE foi autuado e multado, no ano de 2002, por permitir o lançamento de esgoto in natura no leito do rio Tietê (Auto de Advertência nº 26000982 e Auto de Multa nº 26000503), cf f. 27. Processo nº 1002879-93.2013.8.26.0361 - p. 1 Este documento foi assinado digitalmente por BRUNO MACHADO MIANO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 1002879-93.2013.8.26.0361 e o código A10000000IRAZ. Processo nº: Classe - Assunto Requerente: Requerido: fls. 2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE MOGI DAS CRUZES FORO DE MOGI DAS CRUZES VARA DA FAZENDA PÚBLICA Av. Cândido Xavier de Almeida e Souza, 159, Sala 151 - Vila Patérnio CEP: 08780-912 - Mogi das Cruzes - SP Telefone: (11) 4799-8877 - E-mail: [email protected] No dia 23 de julho de 2003, foi ouvido no Ministério Público o sr. Celso Moreira Leite, Diretor Geral Adjunto do SEMAE, que àquela época, declarou: "(...) Estimo que a previsão para a solução do problema relativo ao tratamento do esgoto é de aproximadamente 08 (oito) anos." (f. 103). E oito anos, anoto, fez no dia 23 de julho de 2011, sem solução da questão. Em 2005 o SEMAE informou que as obras já tinham sido iniciadas, inclusive com verba federal liberada (f. 105). De se notar que eram as seguintes obras: a) construção de uma estação de tratamento de água; b) reforma e ampliação da estação de tratamento de água existente; c) construção de uma estação de tratamento de esgoto; d) implantação de 13.850 m de coletores tronco de esgoto; e) construção de oito (08) estações elevatórias de esgoto; f) implantação de 8.775 m de linhas de recalque de esgoto. A previsão para conclusão das obras era JUNHO DE 2007 (f. 109). Em novo depoimento, o Diretor Geral Adjunto do SEMAE afirmou: "Em julho de 2007 estará concluído integralmente o Projeto Mogi-Sanear que atenderá uma porcentagem de 65%. Isso significa a conclusão da primeira etapa do Projeto Mogi-Sanear. A segunda etapa do Projeto somente iniciará após a conclusão desta primeira etapa. A etapa de implantação de 8 km de linhas de recalque de esgoto também já foi concluída. O tratamento de esgoto referente à região de Brás Cubas será concluído em outro projeto de saneamento. Depois que a 1ª etapa deste projeto estiver concluída em 2007 teremos de colocar em operação a atual estação de tratamento para que depois do funcionamento possamos pleitear mais verbas federais para continuidade da ampliação do tratamento de esgoto no Município" (f. 113, sic. O negrito é meu.). O SEMAE refez sua previsão para conclusão da Estação de Tratamento de Esgoto, prometendo conclui-la em julho de 2008 – a partir de quando 78% do esgoto produzido no Município seria tratado (f. 122, itens 27 a 29). Segundo informes do Promotor de Justiça oficiante em 2009, o plano geral do SEMAE era a coleta de 100% dos esgotos gerados no município (f. 125, subitem 't'). Isso, repisese, em 2009. Em ofício datado de 2009, o Diretor Geral do SEMAE informou que os contratos com a Caixa Econômica Federal estavam em "fase final de conclusão", restando apenas obras complementares nas estações de tratamento de água e esgoto. Restavam, ainda, a finalização de algumas estações elevatórias e interligações de coletores tronco e linhas de recalque (f. 128, item '3'). Note-se, pois: em 2009 restavam algumas finalizações e obras complementares. Nada mais. Isso tudo, referente ao Inquérito Civil nº 11/02. De se ressaltar que também houve a instauração do inquérito civil nº 14/2004, destinado a apurar se a ETE (estação de tratamento de esgotos) do distrito de César de Souza Processo nº 1002879-93.2013.8.26.0361 - p. 2 Este documento foi assinado digitalmente por BRUNO MACHADO MIANO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 1002879-93.2013.8.26.0361 e o código A10000000IRAZ. Em 2002 foi publicada lei municipal autorizando o Executivo mogiano a captar recursos junto à Caixa Econômica Federal, para a realização das obras conducentes ao tratamento do esgoto (fl. 37/45). fls. 3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE MOGI DAS CRUZES FORO DE MOGI DAS CRUZES VARA DA FAZENDA PÚBLICA Av. Cândido Xavier de Almeida e Souza, 159, Sala 151 - Vila Patérnio CEP: 08780-912 - Mogi das Cruzes - SP Telefone: (11) 4799-8877 - E-mail: [email protected] estaria funcionando de forma inadequada, lançando esgoto in natura (fl. 257/260). A CETESB realizou, em 2005, vistoria na ETE de César de Souza, constatando que os esgotos provenientes dos conjuntos habitacionais H, I, J e K não estavam sendo tratados, mas sim sendo lançados in natura no Córrego dos Corvos (f. 273). Isso, no inquérito civil nº 14/04. Em 2012, o MM. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA instaurou outro inquérito civil (nº 14.1090.0000005/2012-4), destinado a apurar a degradação ambiental decorrente da ausência de coleta e tratamento integral de esgoto no Município de Mogi das Cruzes (fl. 145/147). No mesmo ano (2012), o SEMAE informou que trata 42,78% do esgoto de Mogi das Cruzes e, com as obras em andamento, terminará o ano tratando 46% do esgoto (f. 404, subitem 'd'). Seguiram-se demais peças de sobredito inquérito, com dados da CETESB, SEMAE, SABESP e reclamações de cidadãos mogianos. O problema trazido por esta ação é dos mais urgentes em nossas sociedades industrializadas. Afeta a qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Envolve um grande número de atores políticos e sociais. Traduz na necessidade do comportamento comissivo de todos, pois a omissão de apenas um já provoca desdobramentos numa cadeia causal infinda. Demais disso, o Meio Ambiente Saudável não é uma utopia, um princípio desprovido de conteúdo útil, um Valor inalcançável. É um direito. Não é uma promessa; é a própria Vida, a ser respeitada. E um direito que deve ser assegurado, garantido, conquistado, realizado por todas as esferas do Poder Público. Nesse passo, é preciso volver os olhos aos autos e verificar a atuação estatal. O Ministério Público do Estado de S. Paulo, desde 2002, tem acompanhado a situação do lançamento de esgoto não tratado nos cursos de água do Município de Mogi das Cruzes. A CETESB tem realizado inspeções e vistorias, autuando o SEMAE por sua atuação. Por sua vez, o Município e o SEMAE repetem que em alguns anos o problema estará resolvido. Inicialmente, em 2011; depois, em 2012. Agora, em 2030. Ocorre que em 2030 já será outra a cidade. Mais indústrias, novos bairros, Processo nº 1002879-93.2013.8.26.0361 - p. 3 Este documento foi assinado digitalmente por BRUNO MACHADO MIANO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 1002879-93.2013.8.26.0361 e o código A10000000IRAZ. Em fevereiro de 2004 afirmou o engenheiro Francisco Vieira de Moraes Barros Filho: "todo o esgoto sanitário produzido pelo conjunto habitacional será lançado "in natura" no meio ambiente, mais precisamente em um córrego que passa próximo do conjunto habitacional" (f. 262). fls. 4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE MOGI DAS CRUZES FORO DE MOGI DAS CRUZES VARA DA FAZENDA PÚBLICA Av. Cândido Xavier de Almeida e Souza, 159, Sala 151 - Vila Patérnio CEP: 08780-912 - Mogi das Cruzes - SP Telefone: (11) 4799-8877 - E-mail: [email protected] expansão da área urbana e, consequentemente, mais esgoto a ser tratado – tornando a meta fixada uma quimera, pois até lá novas áreas precisarão de cuidados. Note-se mais: nem mesmo o percentual de tratamento do esgoto tem sido cumprido pelo SEMAE. Em 2003, afirmaram que em oito anos a questão do esgoto lançado nos cursos de água estaria totalmente resolvida. Para julho de 2007, prometeram o tratamento de 65% do esgoto. Para julho de 2008, prometeram 78% de tratamento. E, até a presente data, menos de 43% do esgoto mogiano é tratado. Por tudo isso, não cabe mais procrastinação, sendo imperioso que as rés adotem, em noventa (90) dias, medidas destinadas a obstar o lançamento de esgoto sem tratamento em qualquer curso d'água do Município de Mogi das Cruzes. Note-se: a ordem ora emanada não é mais que a concretização do comando já inserto no art. 208 de nossa Constituição Estadual, a saber: "Art. 208. Fica vedado o lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido tratamento, em qualquer corpo de água." A norma está longe de ser programática. É auto-aplicável; contém uma ordem bem clara: não é possível lançar esgoto não-tratado em nossos rios, córregos, riachos e afluentes. Nem se diga que a decisão esbarra em questões de política orçamentária, pois é certo que os réus possuem numerário reservado para questões ambientais e de tratamento de água e esgoto. Demais disso, já vinham respondendo ao MP e à CETESB, não lhes opondo esse argumento. A questão, pois, passa a ser de execução preferencial, prioritária, se não pelo comando constitucional, agora pela decisão judicial. E ultimados os noventa dias, incidirá multa de cem mil reais por mês, a cada um dos réus, válida por 12 meses, quando os valores restarão consolidados como possível indenização. O modo para executar a ordem deve ser concatenado entre os réus, que estão livres para agir da melhor maneira para impedir o lançamento de esgoto in natura nos cursos de água deste Município. II - No mais, cite(m)-se os réus para responder, em 60 dias. III – Defiro, ainda, os requerimentos formulados a f. 16, b e c. Anote-se. IV – Intime(m)-se. Mogi das Cruzes, 29 de abril de 2013 Processo nº 1002879-93.2013.8.26.0361 - p. 4 Este documento foi assinado digitalmente por BRUNO MACHADO MIANO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 1002879-93.2013.8.26.0361 e o código A10000000IRAZ. Isso, diga-se, se os cursos d'água resistirem ao lançamento de esgotos não tratados.