LEITURA-PAIXÃO: O IMPACTO DE UMA SITUAÇÃO DIFERENCIADA Lucinea Aparecida de Rezende1 Estudantes de Ciências Sociais, em final da Graduação, foram indagados a respeito de como pensavam o exercício da profissão, para a qual se preparavam e na qual provavelmente ingressariam. A resposta dada por uma aluna, em nome da classe, foi: professora, a gente tem tido tantas coisas para ler, neste curso... é tanto “xerox”, que para dizer a verdade, não temos tido tempo para pensar. O impacto causado pela resposta recebida levou à pesquisa da leitura, na Graduação. O objetivo foi conhecer, num primeiro momento, o envolvimento do aluno com a leitura em geral. Em seguida, a leitura no âmbito acadêmico, especificamente. Os dados da pesquisa mostraram que: • Não há concentração maciça de referências de leituras dos alunos, em torno de uma obra específica, ao longo do curso. A exceção ficou por conta de apenas um autor, lido na primeira série. • Os livros tiveram exíguo número de indicações, na preferência de leitura dos alunos. As referências apontam, maciçamente, para fotocópias de partes de textos. No caminho que leva aos livros há poucos transeuntes. • Da mesma forma que a leitura de livros, a literatura é pouco mencionada, dentre os alunos. A poesia não foi lembrada por eles; apenas dois alunos citaram, dentre os autores lidos, Drummond, sem especificar se a referência era às suas poesias. • A média das citações expressa a pouca leitura de jornais e revistas. • As referências dos alunos estão centradas em “provas e avaliações”. Afirmações feitas pelos alunos, tais como: - “leio quando a teoria é interessante”, - “leio na imbecil situação de ser cobrada nas provas”, - “desejo esquecer tudo que li, depois que terminar o curso”, expressam a dicotomia “obrigatoriedade/prazer de ler”. 1 [email protected] 2 Ler ou pensar – uma escolha a ser feita na Graduação? Estudo de caso. Tese de doutoramento. Piracicaba: UNIMEP, 2002. 2 • As leituras são feitas em função do curso e apenas em alguns pouquíssimos casos, são referidas com paixão. • Menos da metade dos alunos dão indicadores que têm feito leituras mais elaboradas, estabelecendo um diálogo com o autor, aprofundando-se nas idéias expressas. • Na mesma proporção que no caso anterior, os alunos dizem estar insatisfeitos com seus jeitos pessoais de ler, qualificando-os como ruim e regular; pouco mais de 1/5 deles expressam a vontade de melhorar o desempenho na leitura. Há, várias vezes, quase um pedido de socorro, na manifestação da vontade de aprender a ler. • A totalidade dos quadros formados, a partir dos dados coletados, mostra que os graduandos lêem pouco, considerando-se um universo de textos que inclui jornais, revistas, literatura, livros e imagens em geral e a leitura internética. Dessa maneira, a leitura de mundo, com o auxílio da leitura de textos, é reduzida. • Quando foi pedido aos alunos para relacionarem os autores considerados essenciais, naquele curso, com os conceitos-chave que os identificam, o índice de acerto foi alto, variando de 98% a 77%, numa média de 90%, aproximadamente. Chegou a 100%, nas 4ªs séries. Esse quadro mudou significativamente, quando foi pedido aos alunos para escreverem o que essas idéias-chave expressam. O índice de acertos variou de 78% a 17%, numa média de 48%. Nas 4ªs séries, variou de 22,2 a 88,8%, no período matutino, numa média de 42,9% de acertos e de 14,3 a 42,9%, no período noturno, numa média de 22,9%. Esses dados demonstram que há conhecimento dos clássicos; porém é, em grande parte, um conhecimento superficial, não permitindo o cumprimento satisfatório da tarefa de apresentação argumentada das idéias dos autores. Diante desses resultados, constata-se que os graduandos precisam ser vistos na sua condição de não-leitores. Só assim, olhando de frente para essa questão, podemos tratála adequadamente. Isso requer, ao nosso ver, o entendimento de leitura no plural: “leituras”. Leituras múltiplas, que levem o(a) graduando(a) a gostar de ler. Se ele(a) aprende a gostar de ler, a leitura passará a mover-se por si mesma, ou seja, uma leitura levará a outra e, dessa forma, o aluno-leitor se retroalimentará de múltiplas leituras, inclusive a acadêmica. O fará não apenas como quem lê para trabalhos e provas a serem cumpridos, mas como quem dialoga com os textos, tratando-os como partícipes do seu construir do conhecimento - de si próprio e do mundo. 3 Pensando assim, foi elaborado este Projeto2, em desenvolvimento na Universidade Estadual de Londrina, que ora apresento: “Leitura-paixão: o impacto de uma situação diferenciada”. Os objetivos são: estudar leitura; oferecer aos estudantes múltiplas situações de contato (encontros pessoais e virtuais) com a leitura, através de leitores e leitores-escritores, criando e/ou fortalecendo hábitos de cultivo da leitura; verificar o impacto provocado nos alunos, em uma situação diferenciada da que ocorre em sala de aula, no que se refere à formação continuada do leitor e construir, coletivamente, uma obra-referência (livro) para professores, graduandos e pós-graduandos, sobre "leiturapaixão". PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Há duas situações específicas, que permitem, aos graduandos, aproximações com leitores assíduos. Uma delas é efetivada através de encontros pessoais, mensalmente. A outra é virtual, efetivada através de grupo de discussão sobre leitura, na Internet3. Há necessidade de contarmos com um grupo contínuo, que possa oferecer dados que permitam avaliar a influência dos eventos desencadeados na pesquisa, na vida do(a) estudante-leitor(a). Assim, numa das situações (presencial), dois grupos distintos fazem parte do projeto: um, fixo, de alunos pré-determinados, que são convidados a participarem de todos os eventos do projeto (grupo de referência básica, na Pesquisa). A outra parte do grupo é composta pelo público em geral, que varia quanto ao número de pessoas participantes, bem como no número de participações. O Projeto foi aberto a esse segundo grupo, como forma de oferecer espaço para outras pessoas participarem dos eventos, segundo o que acharem significativo, ainda que não o possam fazer 2 O projeto começou em março de 2003 e tem duração prevista para até março de 2005. Conta com outros professores do Departamento de Educação, de Artes, de Jornalismo, de Letras e Comunicação, além de escritores, críticos de cinema e outras pessoas, de diferentes segmentos sociais. Os alunos participantes, de graduações diversas e em diferentes séries, têm demonstrado especial interesse em relação ao Projeto. 3 http://br.groups.yahoo.com/group/leiturapaixao e [email protected] 4 assiduamente, ao longo de todo o Projeto. Por não terem participação contínua, as pessoas desse segundo grupo não farão parte da análise dos dados. Desejamos propiciar, tão somente, a tantos quantos queiram participar dos eventos, a oportunidade de fazê-lo, visando contribuir no aprofundamento/ampliação de suas leituras. Com esse objetivo, cada encontro de leitura constitui-se como um evento isolado. Busca-se colher informações acerca do impacto dos eventos nas leituras dos participantes do Projeto (grupo de referência básica, na Pesquisa= 24 alunos); quer seja o leitor iniciante, quer seja aquele que já fez da leitura uma opção definitiva e contínua em sua vida. Para tanto, à primeira sexta-feira de cada mês, uma ou mais pessoas são convidadas a falarem sobre uma leitura que tenham feito e as tenha deixado apaixonadas. Os convidados a participarem do Projeto, como palestrantes, têm, como ponto comum, o fato de serem leitores assíduos. São advogados, críticos de cinema, escritores (romancistas, poetas), fotógrafos, professores da área de artes, filosofia, linguagem, literatura, sociologia, dentre outras, e profissionais da área de comunicação. Os palestrantes têm duas opções, para suas participações, focalizando, no encontro do qual participam, a temática: “Uma leitura que me apaixonou” ou “Leitor: trajetória de uma paixão”. Acredita-se que, desta forma, a idéia "leitura-paixão" fica preservada e o(a) convidado(a) ou convidados(as) poderá(ão) se organizar como lhe(s) convier, da maneira mais segura para ele(a)/eles(as). As pessoas são consultadas, previamente; quando mais de uma delas tem a mesma obra como referência, participam juntas, da sessão que tem o tema comum. As obras não são pré-determinadas; podem ser do gênero romance, ficção científica, contos, científicos ou outros. O tempo de apresentação é de uma hora a uma e meia, no máximo. Os convidados - leitores e/ou leitores-escritores - são estimulados a contextualizarem a obra, identificando o autor e sua biografia e exporem as razões que o levaram a eleger a obra como "leitura-paixão". É estimulado o uso de fotos, slides, fitas de vídeo, projeções via Internet, ou outros recursos que possam contribuir na apresentação das idéias. Após a apresentação, há um tempo (de meia até uma hora) 5 disponível para comentários, perguntas e respostas dos presentes. Ao todo, cada encontro dura em torno de 2 horas, podendo estender-se até 2h30min. Os convites para as participações são feitos via rede de comunicação interna da UEL (email), chamadas na Rádio Universitária, cartazes e divulgação pessoal, nas salas de aula. Avalia-se o processo através de portfólios, com registro dos presentes a cada sessão, visto que parte do público é não-contínuo. Registra-se as entrevistas após cada sessão (perfil de acompanhamento), bem como respostas ao questionário de avaliação, ao final de cada evento. Em outra situação (virtual), os participantes contam com endereço de grupo de discussão sobre Leitura, na Internet4. Todos os participantes do Projeto são convidados a fazer parte desse grupo, tendo em vista a temática “Leitura” (Paixão pela leitura). Assim, mantém-se a possibilidade de trocas de informações sobre autores e obras diversas, bem como endereços de diferentes sites, que tratam da leitura, em enfoques variados. Num sistema de tele-leitura, são oferecidos subsídios aos acadêmicos, no campo da leitura (leitura enquanto visão de mundo, além de subsídios técnicos). Os dados obtidos através do grupo de discussão (Internet) são parcialmente avaliados (identificamos, continuamente, os assuntos recorrentes) e serão, ao final, cotejados com aqueles obtidos nas sessões de apresentações pessoais, focalizando-se a leitura. Serão avaliados de acordo com a contribuição oferecida para a formação do leitor e o aprofundamento de leituras. Buscar-se resposta, junto aos participantes do Projeto, à pergunta: “Qual o impacto provocado pelo contato com a leitura, durante o Projeto, no que se refere à formação do estudante, enquanto leitor?” A divulgação dos resultados obtidos na Pesquisa será feita através de artigo, a ser publicado na revista SEMINA, da UEL, e outras, com diferentes alcances de público. Tem-se, ainda, como alvo, a apresentação em Congressos, Seminários e Simpósios. É 4 Já está organizado, na Internet, espaço para essa atividade, através da formação de um grupo de discussão denominado “Leitura-paixão”. 6 solicitado, aos convidados, que ofereçam seus textos também por escrito, os quais serão publicados, ao final do Projeto, em forma de livro. IDÉIAS ACERCA DA LEITURA, QUE FUNDAMENTAM ESTA PESQUISA A palavra é para o compartilhar. Na palavra encontramos o outro, o autor. Quando o leitor vai ao encontro do texto – por vezes parece que o texto é que vai ao encontro do leitor5 - cria-se um campo de significação. Esse campo constitui-se no espaço e no tempo em que se dá esse encontro leitor-texto. Constituído o campo semântico, as palavras e/ou as imagens do texto passam a desfilar frente à consciência, à sensibilidade, à intuição e ao querer do leitor. À medida que o texto é “reconhecido” pelo leitor, a leitura é apreendida. O reconhecimento das idéias do autor pelo leitor ocorre, por analogia, como uma amostra de flores exposta ao público. As pessoas propõem-se a ver (cheirar, achar bonita, sentir, conhecer, reconhecer, tocar, embora essa última atitude não seja, por vezes, politicamente correta) as flores da amostra. Olham todas as flores e escolhem para si aquela que mais chamou a atenção, a que mais gostaram. Essa flor passa a ser não mais da amostra, mas dessa pessoa que a escolheu. Ela passa a fazer parte do jardim do seu ou da sua novo/a dono/a. Esse ou essa novo/a dono/a, por sua vez, arranjará a flor em seu jardim, conforme ele é organizado. Orquídeas iguais, por exemplo, pertencentes a dois diferentes donos, irão para diferentes jardins. Vão compor um cenário diferente, embora sejam flores e possam ser, aparentemente, iguais entre si. Assim é o mundo da leitura: as idéias presentes no texto são apreendidas de forma diferente, por diferentes pessoas. Passam a constituir um contexto (jardim) diferente para cada leitor. Acontecendo dessa forma a apropriação do texto pelo leitor, de que maneira lidar com a leitura em grupos de pessoas diferentes como, por exemplo, alunos, em uma situação de ensino? Como lidar, enfim, com grupos de pessoas em geral, tendo como eixo articulador das idéias a serem tratadas, o texto? Situação dessa natureza implica um 5 Por vezes nos chegam ao alcance dos olhos, alguns livros sobre os quais pensamos ser aquela a leitura que gostaríamos de fazer, ou necessitávamos, naquele momento. É comum, entre leitores assíduos, ouvirmos a afirmação: “parece que alguns livros vêm ao nosso encontro”. 7 ampliar do campo de significações de cada pessoa (leitor). Tomando a analogia da amostra de flores como referência, podemos dizer que ampliamos a amostra, apresentando mais e mais flores, até que cada pessoa encontre aquela que lhe fale à sensibilidade, ao seu conhecimento. Até que cada uma encontre a sua flor. Tratando-se da relação leitor-texto, até que o leitor encontre significado no texto lido. Tudo seria simples, não fossem as idiossincrasias. Cada pessoa com as suas diferenças, o seu jeito único de olhar o Mundo! O desafio, portanto, é oferecer a cada um, a cada uma, um leque de alternativas. O dizer da mesma coisa (leitura), de diferentes modos. A sedução do leitor por todos os possíveis caminhos do conhecimento – a sensação, o pensamento, a experiência, a intuição, na convivência com leitores ávidos! Como seduzir o leitor? Trazendo, para a situação de estudo, o texto escrito, mas também imagens (fotos, quadros, filmes, uso da rede www, a mídia), questões, possibilidade da troca de idéias entre as pessoas; entre elas, aquela que coordena a situação de leitura – professor(a), orientador(a) ou coordenador(a) de um grupo. A relação com o texto e com as múltiplas imagens, expressando idéias de diferentes pessoas, pode permitir a ampliação do campo semântico de cada um e de todos. Tem-se, dessa maneira, a leitura e suas diversas possibilidades: leitura do texto escrito, oral, digital, da imagem, constituindo, em bloco, um campo de significados – um campo semântico. Um dado a mais, uma referência feita de maneira diferenciada, o revelar de um encantamento (paixão) pelo texto de alguém, podem constituir o ampliar do campo semântico. Quanto mais rico, mais amplo for o campo, haverá maior chance de cada pessoa encontrar e/ou ampliar significação no/do texto escrito. Dizendo de outro modo, quanto maior o campo semântico criado, maior a possibilidade de um encontro sensível entre o autor - suas idéias, emoções, seu olhar para o Mundo – e o leitor. Por sua vez, o leitor, que apreende as idéias do autor (interlocutor) e as dimensiona em diferentes contextos, reconstrói sua visão de Mundo, num processo contínuo de conhecimento. Pensar a leitura por esse prisma representa o compartilhar de idéias com outros autores, que vêem a necessidade de estarmos lendo o Mundo a partir de múltiplos referenciais. Autores como Arduíno e Barbosa, que têm defendido a multirreferencialidade, propondo 8 • • • • uma leitura plural (de seus objetos); a partir de diferentes ângulos; em função de sistemas de referênciais distintos (o transbordamento-magma do objeto); não redutíveis uns aos outros (supostos, reconhecidos), ou seja, heterogêneos (Borba, 1998, p. 12-3). Ao tratarmos da leitura como leituras, relacionamos essa forma de ver à “multirreferencialidade”, como explicita Berger, citado por Borba (In: Barbosa, 1998, p. 17): ... Falar de multirreferencialidade significa colocar lado a lado os diferentes fatores que intervêem numa cultura e mostrar como o mesmo objeto, a mesma situação, podem ser lidos em campos de referências diferentes... O pensar múltiplas leituras pressupõe, também, a idéia de complexidade, defendida por Edgar Morin. Roger, em seus estudos sobre a obra de Morin, afirma: Nosso autor nos ensinou a situar-nos num espaço metodológico no qual separar e distinguir nunca é cortar; e unir e conjugar nunca é totalizar, mas sim pensar a globalidade junto com a retroatividade e a recursividade entre o global e o parcial. Efetivamente, trata-se de ‘pensar junto’ (Roger, 1999, p. 89). Essas idéias ficam ainda mais claras, quando Emile Roger escreve: Trata-se de pensar em movimento aquilo que a lógica clássica (conjuntista-identitária) pensa de maneira estática: a identidade; a unidade; o ser; o objeto; a estrutura; a sociedade; o homem (com todos os seus “apelidos” nunca conjugados: homo sapiens; animal racional; macaco nu; homo ludens; homo demens; homo patiens; homo ridens...) (Roger, 1999, p. 90). É nesse “pensar em movimento”, que podemos aprender a ser, fazer, viver juntos e conhecer, como propõe Morin (2000). Podemos considerar, ainda, no âmbito das idéias defendidas neste texto, as ponderações de Muniz Sodré: ... desde a segunda metade do século 19 tem-se podido assistir a uma espécie de complementaridade entre o jornalismo e as ciências sociais, com a narrativa romanesca no meio, explorando os saberes, os testemunhos e as condições de aparecimento da verdade. O romance realista vive de uma imbricação entre o real-histórico e a história interna à narrativa, por meio de referências verossímeis ou verdadeiras. Há formas novas de realismo (por exemplo, o deslocamento da verdade objetiva para subjetiva), mas de uma maneira geral as narrativas contemporâneas que pretendem fazer algum tipo de radiografia do real não se afastam muitos dos velhos procedimentos realistas. As biografias, os testemunhos de eventos marcantes, os livros-reportagens, os filmes 9 ancorados em incidentes ou fatos do real-histórico costumam ser, esteticamente, produtos do realismo.6 Vemos, assim, a concorrência de diferentes caminhos para a compreensão da realidade. Isso quer dizer que o pensamento científico, a idéia que vai além do senso comum, nas Ciências Humanas, são forjados no ir vir de um referencial a outro (multirreferencialidade) e de maneira complexa. Otavio Ianni, no texto “No limiar de um novo paradigma”7, nos oferece elementos de sustentação, para continuarmos defendendo “leituras”, no plural, na Graduação: Ianni (...) considera fundamental o diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento e aborda temas nos quais se debruça ultimamente com especial atenção, entre eles a globalização, a guerra no Iraque, a atuação da mídia, os rumos da ciência e a importância das linguagens derivadas das manifestações artísticas (entrevista de Ianni a Álvaro Kassab8, 2003). Para Ianni, na narrativa em Ciências Sociais há a preocupação em compreender as ações, as relações, os comportamentos, as instituições. (...) Nesse sentido, a narrativa nas ciências sociais está empenhada em captar o sentido ou os sentidos das ações, das relações, das tensões, dos conflitos sociais (mesma entrevista a Álvaro Kassab). Por outro lado, na narrativa, em Ciências Naturais, há o empenho em explicar, principalmente, em termos de causa e efeito. E continua, o autor: Mas dá para distinguir o que seria uma terceira forma, que poderíamos classificar de uma terceira cultura. A rigor, uso a expressão terceiro estilo de pensamento, que é aquele que por exemplo aparece nas artes - na literatura, na dramaturgia, na música, assim como na pintura e em várias outras linguagens artísticas. Descobrimos que o artista às vezes está metaforicamente trabalhando um dilema que todos os outros estão sentindo em outros termos, em outra linguagem (entrevista de Ianni a Álvaro Kassab9, 2003). É nessa linha de raciocínio que entendemos a afirmação de Chomski, como defendemos em tese de doutoramento10: 6 Muniz Sodré. Jornalista, escritor e professor-titular da UFRJ. Observatório da Imprensa - Matérias - 2603-2003.htm. IMPRENSA & CIÊNCIAS SOCIAIS. 7 JC e-mail 2255, de 08 de Abril de 2003. 8 Álvaro Kassab escreve para o Jornal da UNICAMP. O texto em foco trata da participação de Ianni, em 28/3/2003, no 'Seminário Unicamp'. O evento teve como tema central a produção do conhecimento. JC email 2255, de 08 de abril de 2003. 9 Álvaro Kassab escreve para o Jornal da UNICAMP. O texto em foco trata da participação de Ianni, em 28/3/2003, no 'Seminário Unicamp'. O evento teve como tema central a produção do conhecimento. JC email 2255, de 08 de abril de 2003. 10 Ler ou pensar – uma escolha a ser feita na Graduação? Estudo de caso. Tese de doutoramento. Lucinea Aparecida de Rezende. Orientação: Francisco Cock Fontanella. Piracicaba: UNIMEP, 2002, p. 144. 10 quando tratamos de ensinar/aprender Ciências, (...) a leitura a vir ao encontro dessa necessidade carece de ser a científica, sim, mas também aquela com a qual aprendamos mais sobre a vida e personalidade humanas: os romances, conforme evidencia Chomsky, um dos entrevistados de Horgan (1998), no livro “O fim da Ciência” (apud Rezende, 2003, p. 144). Langton11 (ibidem, p. 144), um outro entrevistado de Horgan (1998), evidencia o uso da poesia. “Há razões para o uso da poesia.” (...) A poesia é um emprego muito não linear da linguagem, quando o significado é mais do que apenas a soma das partes. E só o fato de haver no mundo muita coisa que é mais do que a soma das partes significa que a abordagem tradicional, isto é, caracterizar apenas as partes e as relações, não será adequada para entender a essência de muitos sistemas que gostaríamos de explicar. Isso não quer dizer que não se possa explicar o mundo numa linguagem mais científica do que a poesia, mas tenho o pressentimento de que no futuro haverá uma linguagem mais próxima da poesia na ciência.” (Langton, apud Rezende, 2002, p. 145). Coerente com esse modo de pensar, concluímos, como na tese de doutoramento, já citada: para situarmo-nos frente à complexidade do ser humano e do mundo, havemos de saber ler diferentes textos. Textos esses que podem ser utilizados a partir de diferentes meios de apresentação: escrito, digitalizado, imagético (a imagem poética, evocada em romances, poesias, música, contos, filmes, teatro, por exemplo; mas também o desenho, a gravura, a pintura, a fotografia). Esse último, relacionado aos textos escritos - científicos e literários, dentre outros (Rezende, 2002, p. 144-5). É assim, portanto, focalizando o processo ensinar-aprender, mediado pela leitura, que nos propomos a pensar e a lidar com ela, de maneira mais ampla, indo ao encontro do ser humano, visto em sua complexidade, na construção do conhecimento. Dessa forma, entendemos que a leitura poderá vir a fazer sentido, para o graduando. Percebida nesse contexto, represente a possibilidade de vir a fazer parte da vida dele, de maneira contínua, profícua e prazerosamente. Dizendo de outra forma, estamos procurando caminhos que nos levem à formação do estudante-leitor. 11 Langton, Cristopher. Pesquisador do Instituto Santa Fé. Pai-fundador da vida artificial. Um dos entrevistados de Horgan, no livro “O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico”, p. 250. 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Joaquim (org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar, 1998. BORBA, Sérgio. Aspectos do conceito de multirreferencialidade nas ciências e nos espaços de formação. In: BARBOSA, Joaquim (org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar, 1998, p. 10 a 19. HORGAN, John. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF : UNESCO, 2000. REZENDE, Lucinea Aparecida de Ler ou pensar – uma escolha a ser feita na Graduação? Estudo de caso. Tese de doutoramento. Orientação: Francisco Cock Fontanella. Piracicaba: UNIMEP, 2002. ROGER, Emilio. Uma antropologia complexa para entrar no século XXI: chaves de compreensão.In: PENA-VEJA, Alfredo; Pinheiro do Nascimento, ELIMAR. O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 89 a 106. PUBLICADO EM: Rezende, Lucinea Aparecida de. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO - Educação na América Latina nestes tempos de império. UNISINOS - Rio Grande do Sul – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro de Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em Educação, 3 a 5 de setembro de 2003. Número especial: ANAIS, acompanhado de CD ROM. N. 13, v. 7, julho;dez. de 2003. ISSN 1519-387X.