REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Prerrogativas dos Advogados Dois acontecimentos importantes merecem a atenção dos quatrocentos e pouco mil advogados brasileiros. Diz-se um número aproximado porque o próprio Conselho Federal da Ordem não tem recenceamento exato. Muitos morrem, outros se transformam em juízes, promotores públicos ou delegados de polícia. Alguns abandonam a profissão. Tomando-me como exemplo, tenho inscrição treze mil na O A B paulista. Não significa, entretanto, a existência de treze milhares lá atrás. Assim, conversemos com os quatrocentos e poucos mil. Fazendo contas discretas, uns sete mil, antes de mim, na Seccional paulista, já se encontram criando ou solucionando conflitos perto de Pedro (Sofre-se tanto na profissão que deve haver crédito para isso). Sou, portanto, um dos quatro ou cinco mil sobreviventes paulistas, o que me traz nostálgica sensação patriarcal. Mas não importa. Patriarca ou não, continuo brandindo o cajado na defesa das prerrogativas. Reporto-me, portanto, à última reunião do Colégio de Presidentes, concretizada em Pernambuco, e a simpósio específico programado pela Ordem dos Advogados do Distrito Federal. Enfatiza-se, nos dois conclaves, que inexiste possibilidade de transação (OU NEGOCIAÇÃO), daqui por diante, na proteção das prerrogativas dos advogados. O Estatuto vem sendo descumprido diariamente, dificultando-se sobremaneira o exercício da profissão. Há juízes malcriados, promotores públicos insolentes, delegados de polícia deseducados, todos desprezando os dispositivos estatutários concretizados exclusivamente para a proteção do direito de defesa, nunca referentes, portanto, ao indivíduo. Impede-se o defensor de examinar processos, exige-se-lhe o preenchimento de fichas para o manuseio de autos, cerceia-se-lhe a atividade em audiência, partindo-se para o processo-crime por calúnia, injúria, difamação, desobediência ou desacato, se e quando houver resistência a atitudes arbitrárias de autoridades espalhadas pela nação inteira. Não é possível, repita-se, a partir daqui, comportamento suasório dos advogados. O negócio, a transação, a humilhação, o encolher dos ombros enfim, são condutas prejudiciais a todos os inscritos na Corporação. Há, evidentemente, bons juízes e autoridades outras que tratam decentemente os advogados. Entretanto, se e quando não houver difusão de atitude severa destes últimos, acontecerá, logo mais, contágio venenoso a criar obstáculos insuperáveis à advocacia. Pretende-se, então, um mínimo de respeito à beca. Aliás, o desrespeito atinge, inclusive, a inverdade de informações prestadas pelo Poder Judiciário de Primeiro Grau, em São Paulo, aos tribunais provocados por habeas corpus impetrados em favor de advogados presos. Os cárceres reservados à prisão provisória desses profissionais são pestilentos. Não há sol, não há isolamento, há mistura com processados comuns e não existe, sequer, direito a consulta reservada com defensores. Apesar disso, os juízes responsáveis pela custódia informam que os pacientes se encontram em cela especial (e nem mesmo de cela especial se trataria, pois o Estatuto não foi derrogado pela lei nova). Então, de duas uma: ou os magistrados mentem (e um juiz não pode mentir), ou alguém mente por eles, levando-os de roldão. Na primeira hipótese, tem-se omissão dolosa; na segunda, caracteriza-se indesculpável negligência. De qualquer forma, assuma-se aberta posição ideológica tendente a reduzir ao máximo a atividade defensiva. Consegue-se tal desiderato, por via indireta, enlameando-se a beca em calabouços fétidos, quedando-se o juiz, quando provocado, em inércia plena, quando não engana o Segundo Grau, levando os tribunais a decisões equivocadas. Ressalte-se, apenas, arrendondando o raciocínio, que em muitas oportunidades, os próprios tribunais, enquanto provocados a resolver os insultos às prerrogativas, fingem não ver o que é preciso ver, desviando os magistrados contritamente o olhar. O exemplo, aqui, é meramente incidental. O Brasil tem, no mínimo, quatrocentos mil advogados. É um exército reduzido a frangalhos concretizados, inclusive, por conduta criminosa de responsáveis pelo ensino superior. Mesmo sendo assim, ainda podem os soldados usar a beca nos tribunais. A tribuna da defesa pode transformar-se em púlpito e gerar relação de causalidade avassaladora. Fazem-se assim as revoluções. Basta querer.