UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB – CAMPUS IV CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA: CULTURA URBANA E MEMÓRIA JOSÉ BENEDITO ANDRADE DE OLIVEIRA MEMÓRIAS DE PICADEIRO Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina JACOBINA – BAHIA 2012 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 JOSÉ BENEDITO ANDRADE DE OLIVEIRA MEMÓRIAS DE PICADEIRO Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em História: Cultura Urbana e Memória – UNEB, Departamento de Educação, como requisito para obtenção do título de Especialista em História. Orientadora: Prof.ª Ms. Cláudia Pereira Vasconcelos Co-orientador: Prof.º Ms. Reginaldo Carvalho da Silva JACOBINA – BAHIA 2012 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 OLIVEIRA, José Benedito Andrade de. MEMÓRIAS DE PICADEIRO. Histórias de vidas de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina. . (86 folhas) Orientadora: Prof.ª Ms. Cláudia Pereira Vasconcelos Co-orientador: Prof.º Ms Reginaldo Carvalho da Silva Monografia (Especialização) – Universidade do Estadual da Bahia- UNEB 1. Senhor Nilson e Dona Socorro; 2. Arte circense; 3. Circo-família. MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 JOSÉ BENEDITO ANDRADE DE OLIVEIRA MEMÓRIAS DE PICADEIRO Histórias de vidas de circenses do semiárido entre Senhor do Bonfim e Jacobina. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em História: Cultura Urbana e Memória – UNEB, Departamento de Educação, como requisito para obtenção do título de Especialista em História. Jacobina 09 de novembro de 2012 Orientadora ________________________________________________ Prof.ª Ms. Cláudia Pereira Vasconcelos ________________________________________________ Co-orientador: Prof. Ms Reginaldo Carvalho da Silva _________________________________________ Prof. Ms. Marcone Denys dos Reis Nunes Banca Examinadora MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 DEDICO ESTE TRABALHO Ao universo Vento Sol Aos palhaços... Meus antepassados; Por me acompanharem. Aos meus pais por proporcionarem a materialização de meu espírito. Aos meus irmãos e irmãs do passado, atuais e futuros. Aos meus filhos amados por comporem meu sentido espiritual. Aos meus sobrinhos e sobrinhas tão amados e amáveis. Aos meus avôs e avós, tios e tias, primos e primas confrades de sentimentos diversos. Aos amigos e amigas, amores de eterna impressão em minha alma. Ao grande mestre Biro. Aos colegas e parceiros de arte: Trupe do Benas, Núcleo Aroeira de Arte; As crianças, adolescentes, jovens e adultos, educadores, gestores e parceiros dos espaços em que atuei e atuo como artista/educador. MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 AGRADECIMENTOS À Escola Estadual Dr. Luiz Navarro de Brito, ao Colégio Municipal Osvaldo Pereira, ao Colégio e Grêmio estudantil Ernesto Carneiro Ribeiro, Escola o Pequeno Príncipe, a PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular (diocese de Senhor do Bonfim), Dueto Art’folia, Grupo Teatral Metamorfose, Grupo Teatral Almarte, Associação Ambiental de Saúde (Saúde – Bahia); Grupo teatral Cala a boca já morreu (Serrolândia – Bahia); Grupo de Artes Cênicas Condor (Jacobina – Bahia); Grupo Teatral Sei-Que-Mais-Lá, e Projeto Circo das Andorinhas (Andorinha – Bahia), Grupo Ato-Ação, Associação de moradores do bairro do Mutirão, Trupe de palhaças Bruta Cênica, Núcleo Aroeira de Arte (Senhor do Bonfim); Itingarte (Antonio Gonçalves – Bahia); Grupo Culturart (Campo Formoso – Bahia); ATUAR e Grupo Teatral Atua Cara Patacoadas Artísticas (Salvador – Bahia); Companhia de Artes Cênicas Rheluz e Grupo Teatral Caras de Tacho (Pintadas – Bahia); Aos Arte-educadores do projeto Arte pela educação na Bacia do Jacuípe, (Território Bacia do Jacuípe), ACLASB (Academia de Ciência, Letras e Artes de Senhor do Bonfim), UNEB – Universidade do Estado da Bahia, aos queridos amigos e confrades nesse universo de busca de saberes circenses: Jessica Vitorino, Reginaldo Carvalho e Cláudia Vasconcelos. Em especial, ao Palhaço Carobinha, Dona Socorro e a família Weverton Circo. MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 SUMÁRIO LISTA DE IMAGENS ......................................................................................... 8 RESUMO .......................................................................................................... 9 ABSTRACT………………………………………………………………………...…10 INTRODUÇÃO CHEGANÇA.................................................................................................... 11 O mastro da convivialidade .......................................................................... 11 CAPÍTULO I 1. CIRCO ........................................................................................................ 24 1.1 Lampejos da história... Um olhar sobre o circo no Brasil e no mundo.....23 1.2 Saberes e fazeres .................................................................................. 29 CAPÍTULO II 2. CIRCENSES – um riso na corda bamba e outras modalidades .................. 36 2.1 O Palhaço .............................................................................................. 36 2.2 Malabarismo............................................................................................ 40 2.3 Funambulismo.....................................................................................................42 2.4 Trapézio....................................................................................................44 CAPÍTULO III 3. E A MULHER NO CIRCO, O QUE É?...........................................................47 CAPÍTULO IV 4. FAMÍLIA, PÃO E ALEGRIA. ........................................................................ 57 4.1 Senhor Nilson e Dona Socorro............................................................... 57 4.2 “Filho de peixe...” Entre o brinquedo e o trabalho.....................................68 4.3 Vida itinerante, o circo da vida..................................................................71 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 79 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 82 ANEXO..............................................................................................................85 Família Weverton Circo.....................................................................................85 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 LISTA DE IMAGENS Figura 01 – Lembranças de minha infância - Candido Portinari........................19 8 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 RESUMO Com base na história oral e na etno-pesquisa, este trabalho pretende registrar as memórias do senhor José Nilson Rodrigues Barbosa, o palhaço Carobinha, e sua companheira, a senhora Maria do Socorro Campos da Conceição, artistas circenses do semiárido baiano que passaram por vários circos até a efetivação do Weverton Circo. Este trabalho visa mostrar a organização de um circo-família, uma modalidade circense descrita como quase extinta no país. As vivências do casal são relatadas por eles e seus filhos em uma narrativa emocionante que faz emergir as histórias de vida de uma família, podendo ser comparada com a de muitos outros circenses em outras partes do Brasil. O texto tem o intuito de focar a memória numa sorte de lembranças, prazeres e dores em busca de uma possível interface com a história do circo-teatro no semiárido baiano e em outras partes do país. A partir de uma investigação teórica, foi possível localizar em Silva, (2010 A) alguns registros sobre o circoteatro no semiárido baiano; em Araújo (1979) registros do teatro popular na Bahia e em Silva (2010 B) uma perspectiva do circo-teatro e circo-família no Brasil. Também se buscou em Bolognesi (2003) os registros sobre a história do circo, e em Bortoleto (2008) as especificidades da formação do artista circense. A metodologia que dá suporte a este trabalho embasa-se no estudo de caso (MARTUCCI, 2001) a fim de traçar experiências com as artes circenses. Palavras-chaves: Senhor Nilson e Dona Socorro; Arte circense; circo- família. 9 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 ABSTRACT Based on oral history and ethno-research this work aims to register the memories of Mr. José Nilson Rodrigues Barbosa, Carobinha the clown, and his mate, Mrs. Maria do Socorro Campos da Conceição, circus performers from Bahia’s semiarid who have gone through several circuses until the conclusion of Weverton Circus. This work aims to display the organization of a family-circus, a circus modality described as almost extinct in the country. The experiences of the couple are reported by them and their children in an emotional narrative that brings out the life stories of a family, and can be compared with many others in Brazil’s circus. The text aims to focus on the memory of several memories, pleasures and pains in search of a possible interface with the history of the circus-theater in Bahia’s semiarid and other parts of the country. From a theoretical investigation, was possible locate in Araújo (1979) registers of popular theater in Bahia and in Silva (2010) perspective circus-theater and circus-family experiences to bring to the Bahia’s semiarid. Also in Bolognesi (2003) were found registers of the circus history, and Bortoleto (2008) the specific training of circus artist formation. The methodology that supports this work is the case study (MARTUCCI, 2001) in order to draw experiences with the circus arts. Keywords: Mr. Nilson and Dona Socorro; Circus Art; Circus-family. 10 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 CHEGANÇA Começo... Tudo começou assim... Passou um circo na minha cidade e eu era criança, ai eu acompanhei o circo, com um tempo aprendi trabalhar ai eu passei a ser artista de circo, né?1. O mastro da convivialidade Lona colorida estendendo-se como um lençol gigante, música, crianças, gritaria, cantorias de palhaços. Basicamente é o que se vê quando artistas circenses apontam sua chegança às pequenas cidades. O circo quando dá sinal de fumaça liberta suas cores para as vermos brotarem da terra como um passe de mágica. A vida renasce naquele local e transmite emoções com encanto e beleza. Para muitos o circo é sinônimo de diversão; para outros, escolha, trabalho, dedicação, fonte de vida e de sonhos. Quem nunca foi seduzido por esses encantos? Quem nunca quis fugir para o circo ao se deparar com toda sua aura de mistério e sedução que cerca seus habitantes? Este trabalho faz referência aos pequenos circos de lona por acreditar que sua essência é o principal lugar de resistência dos indivíduos que valorizam a pessoa humana de uma forma mais rudimentar. Os pequenos circos têm seus alicerces nos sonhos pessoais dos artistas circenses e na vontade de superar as exigências burocráticas e as estratégias capitalistas comprometidas especificamente com os lucros. Se considerarmos as novas políticas econômicas na área cultural em que se pauta a economia criativa como possibilidades de desenvolvimento econômico para o país nos próximos anos, podem-se aqui justificar objetivos mais pragmáticos em si tratando de justificativas para se pesquisar sobre a história de pequenos circos. Porém, a intensão central neste trabalho é o compromisso histórico da sociedade com os 1 José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em Senhor do Bonfim, 27 – 06 – 2011. 2 O território é conceituado como um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a 11 sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 circenses enquanto agentes do desenvolvimento cultural mesmo diante das necessidades econômicas vigentes. Compreendendo que o estudo de elementos das artes circenses tornase um processo imprescindível da formação na contemporaneidade, fortalecendo sua produção artística/cultural e garantindo acessibilidade deste conhecimento, é que o presente trabalho delineia-se com o objetivo de registrar, a partir de uma revisão bibliográfica, observações e história oral, histórias de vidas de pessoas oriundas de famílias circenses da região localizada entre Senhor do Bonfim, no território de identidade Piemonte Norte do Itapicuru, e Jacobina, no território Piemonte da Diamantina2. Daí, este se constitui em um estudo de caso etnográfico da família de José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição no caminho do tornar-se artista circense que segue um rumo itinerante em dissonância com o atual panorama econômico e social, esquematizado pelo sistema vigente. O estudo de caso dessa família e empreendimento circense pode mostrar um campo a ser pautado futuramente no marco da sustentabilidade cultural e economia criativa na região supracitada. Contudo, o presente estudo pretende servir de registro e fonte para novas buscas visto que: O estudo de caso é aqui utilizado como uma das estratégias eleitas para a realização dessa pesquisa. Entende-se que este tipo de investigação, especificamente, de cunho etnográfico procura compreender e retratar a particularidade e a complexidade de um grupo natural ou microcultura, a partir dos significados subjetivos de seus atores, coletados em seu contexto ecológico, por meio de observação participante, entrevistas e narrativas escritas”. (MARTUCCI, 2001, p.14) Assim, a fala dos atores dessa história foi aqui interpretada de múltiplas formas, partindo da ideia de que eles constroem significados de maneiras diferenciadas e estão sempre abertos para a possibilidade de reinterpretações e mudanças. A ideia da pesquisa foi reunir memórias sobre as diversas experiências vividas pela família Weverton Circo, tendo como fontes principais 2 O território é conceituado como um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial. Disponível em http://www.seplan.ba.gov.br/mapa.php acesso em 11/11/2012. 12 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 os relatos orais, uma vez que a própria constituição dos saberes circense é consolidada por meio da oralidade como elucida Silva (2003, p.51): A forma da transmissão oral do saber circense fez desse mundo particular uma escola única e permanente. A diretriz desta aprendizagem determinou a formação de um artista completo, pois cada indivíduo fazia parte de uma comunidade cuja sobrevivência dependia de seu trabalho. Um ‘artista completo’ tinha a capacidade de desempenhar várias funções dentro do espetáculo, além de ter conhecimento (e prática) de mecânica, eletricidade, transporte; podia atuar como ferramenteiro, ferreiro, relações públicas e, por fim, armar e desarmar o circo. Saberes semelhantes foram socializados pela valorosa descrição oral dos entrevistados, sendo devidamente gravados, transcritos e analisados para formar, a partir da memória, a base desse trabalho. Compreendendo o sentido de memória a partir de Le Goff (1992, p. 419), vemos que A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. Há também uma pequena tentativa de interpretar os significados que esses atores dão ao seu mundo e às suas práticas, tal qual é o objeto da ciência social, como elucida (Chizzotti,1994, p.93 apud Martucci, 200, p.2): O objeto da ciência social é: ir buscar o significado que as pessoas dão ao seu mundo e às suas práticas, ou seja, a toda a soma total de objetos e dos acontecimentos do mundo cultural e social criados pelo pensamento de senso comum dos homens, vivendo numerosas interações sociais. Cabe aos pesquisadores identificar e descrever as práticas e os significados sociais (...), de compreender como elas se dão no contexto dos sujeitos que as praticam. Para alcançar resultados satisfatórios, garantir qualificação, respeito aos conhecimentos das pessoas pesquisadas e com o intuito de tratar as fontes, a exemplo das entrevistas, de forma coerente, procuramos referências entre os autores que escrevem sobre o circo, optando principalmente por pesquisadores que tenham vivências íntimas com o tema, como é o caso de Ermínia Silva (2010) autora do livro “Respeitável público... O circo em cena”, publicado pela Fundação Nacional das Artes (FUNART), em que relata, entre outras coisas, a metodologia que utilizou nas entrevistas feitas para o seu livro. Também podemos citar o trabalho de Roberto Ruiz (1987), “Hoje tem espetáculo? As origens do circo no Brasil”, onde o autor traz vários trechos de importantes 13 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 entrevistas feitas com um dos principais palhaços do Brasil, o inesquecível Benjamim de Oliveira. Nesta linha, podemos citar ainda a obra “Duas formas de teatro popular do recôncavo baiano”, do professor e pesquisador Nelson de Araújo (1979). A obra de Araújo encanta pela grandeza e compromisso com as produções artísticas de cunho popular e com os artistas criadores, descrevendo emocionantes entrevistas de artistas como o palhaço Maneira, nome artístico de Filomeno Santos, nascido em 1923 e atuante na área circense até a época da pesquisa feita por Nelson de Araújo, em 1975. Uma curiosidade percebida entre as pesquisas sobre palhaços é que Benjamim de Oliveira, Maneira e Carobinha acompanharam cada um em sua época, uma companhia de circo, e em seus relatos todos diz que o fizeram aos doze anos de idade. Seria a aura do circo a força lúdica que envolve crianças sensíveis ao campo da arte, fazendo-as se agarrar ao que para elas seja o mais próximo deste mundo de fantasia que é a infância? A escolha do tema relacionado às artes circenses surgiu com o desejo de descortinar as histórias de circenses do interior da Bahia, como a de José Nilson Rodrigues Barbosa, o palhaço Carobinha, um artista sertanejo que, como tantos outros circenses, deixaram a família em busca de suas realizações no mundo da arte. Carobinha morava na comunidade de Catuní município de Jaguararí, no semiárido baiano, quando resolveu acompanhar o circo da Senhora Salomé, o Circo-teatro Alan, no fim da década de 1970. Mais tarde encontrou-se com Dona Socorro, sua atual companheira, filha de circenses e com um legado de saberes que foram construídos por seus pais durante sua jornada pelo Nordeste brasileiro. Essas duas pessoas, esses dois artistas, abriram suas portas para falar de si, de suas lutas, sonhos e dificuldades, para falarem de suas vidas. Para compreendê-los, nos baseamos nos novos rumos da pesquisa em história, buscado fundamentação em Le Goff (1992, p.14): hoje, a aplicação à história dos dados da filosofia, da ciência, da experiência individual e coletiva tende a introduzir, junto destes quadros mensuráveis do tempo histórico, a noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos. O tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta. 14 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Compreendendo isso, adentramos na pesquisa procurando descortinar a vida privada desses atores a partir de suas próprias histórias e assim, passamos a entender algumas especificidades da vida do palhaço Carobinha (Senhor Nilson), de sua companheira Dona Socorro e um pouco da família Weverton Circo. O intuito foi registrar uma parte da história do circo no semiárido baiano, buscando peculiaridades desta região para entrelaçá-la ao elo da história do circo em outras partes do Brasil. Inicialmente tentamos entender como esta linguagem artística chegou ao país. Sobre isso, e de acordo com a tradição circense, Ruiz (1987) relata que já existiam experiências com as artes circenses antes do registro da primeira companhia estrangeira de circo chegar ao solo brasileiro: A tradição circense nacional afirma que o primeiro circo que nos chegou, foi por volta de 1830, era o Circo Bragassi, e que, no entanto, já existiam por aqui circos de pau-a-pique, feitos na base do improviso. (RUIZ, 1987, p.21) Percebendo a tradição circense no Brasil, torna-se mais urgente o estudo sobre esta linguagem coletiva em todo território nacional, para que um levantamento de informações possa contribuir com os fazeres artísticos em suas mais diversas linguagens. Acreditamos que uma contínua atividade produtiva no campo da arte servirá como suporte para o fortalecimento de outras modalidades que possam alavancar a cultura nacional e cada linguagem trabalhada estará fortalecendo a memória coletiva, transformado e criando tradição circense no Brasil, uma vez que a memória coletiva encontra seu lugar na tradição e, ao mesmo tempo, dinamiza as tradições, num processo semelhante ao que foi descrito com relação às lembranças no contexto dos quadros sociais. (SCHMIDT E MAHFOUD, 1993, p.293) Com o intuito de fortalecer a tradição torna-se necessário o registro desta história da cultura brasileira que é um reflexo de seu povo, que é a própria constituição desta gente mista, alegre e sedenta de arte. Para tanto, deve-se compreender que aqui se optou pelo conceito de tradição relacionado ao que diz: A tradição oral é a grande escala da vida, e dela recupera e relaciona todos os aspectos. Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas. Dentro da 15 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 tradição oral, na verdade, o espiritual e o material não estão dissociados. (BÂ, A. HAMPATÉ, 1982, p.183) Relacionar a oralidade ao estudo sobre a história do circo no Brasil é querer saber sobre a alma do povo brasileiro. Pesquisar histórias de vidas de circenses no semiárido baiano é querer compreender a jocosidade, o risível, a alegria dessa gente que sofre com as dificuldades, mas mantém o bom humor diante das agruras da vida. A maioria dos artistas deve pensar, escrever e serem sensíveis a isso. Albuquerque Júnior (2009) ao comentar sobre o teatro de Ariano Suassuna afirma: O teatro de Ariano encena um Nordeste teocêntrico, feito de vidas simples, primárias, risíveis e, ao mesmo tempo, em busca da transcendência e de encontrar respostas para a questão da ontologia do mundo, da vida. Um teatro em que a sociedade humana aparece como farsa, um espetáculo circense em que todos são palhaços. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009, p.189) Escrever sobre o circo, sobre pessoas, sobre famílias circenses no semiárido baiano, é buscar compreender as identidades desses lugares. É analisar as características em busca, se possível, de uma ontologia artístico/cultural do semiárido. A proposição de recortes, que produzem e elaboram pequenos desenhos de pessoas e de artes sertanejas, numa pintura que retrata particularidades que passam despercebidas, são, no entanto, de suma importância para a composição geral do painel circense nordeste/Brasil. Sem pretensão de generalizar um caso particular, mas entendendo que a história de um país é feita pelas histórias dos lugares e das pessoas que compõem esse todo, há possibilidade de realizar uma análise da relação entre o todo e as especialidades no campo dos conhecimentos referentes às artes cênicas, neste caso específico, sobre esta “gente de circo” Silva (2010 B). Os pormenores deste trabalho estão presentes nas palavras dos entrevistados, pois ninguém melhor do que eles para falarem sobre o que viveram e vivem cotidianamente. O Senhor Nilson (palhaço Carobinha) e Dona Socorro, falam de forma direta sobre suas experiências como circenses. Percebemos, na prosa de ambos, a poesia concreta do cotidiano principalmente quando relatam que, ao saírem do Circo-teatro Alan, tornaramse proprietários de seu próprio circo, que por sua vez, teve início com um pano 16 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 de roda3, dando continuidade a história tradicional dos artistas circenses. Aos poucos essa família vem construindo cada parte de uma estrutura profissional que mantém como circo-família, atuando desde Catuni, no território Piemonte Norte do Itapicuru, até as cidades do território de Irecê. Esse itinerário se mantém por mais de 30 anos. Senhor Nilson, (palhaço Carobinha), sua companheira Dona Socorro e toda família do Weverton Circo estão no centro do discurso e a intensão é darlhes voz e espaço para contar de si, como diria Fernando Pessoa (1994, p.155): “Por mim, escrevo a prosa dos meus versos”. Senhor Nilson conta de si dizendo: “(...) começou, tudo começou assim... Passou um circo na minha cidade e eu era criança ai eu acompanhei o circo, com um tempo aprendi trabalhar ai eu passei a ser artista de circo, né?”. Ele não pertencia à família tradicional de circo, mas mostra uma relação íntima com saberes pertencente a “dinastia circense” no sentido estudado por Erminia Silva4: (2010, p.25): Desde o final do século XVIII, na Europa Ocidental, grupos e formas de expressões artísticas diversas foram se constituindo e se identificando como circenses. Esses grupos, na sua maioria familiar, formaram o que se costuma denominar de “dinastias circenses” e iniciaram trajetórias para as Américas e uma parte do Oriente. Os circenses pesquisados levam uma vida itinerante, são pessoas que fazem dos lugares o seu lugar provisório, contudo, não se afastam do elo que os mantém firmes em seu propósito, a família. As entrevistas apresentadas por Dona Socorro são pertinentes para o entendimento dessa relação, no que tange à constituição destes saberes artísticos circenses “tradicionais” no Weverton Circo, pois tem muito da transmissão oral da mesma, por ser filha e neta de circenses, como também do desempenho do Senhor Nilson, um homem simples e um artista compelido em escrever sua própria história. As vivências da família Weverton Circo, nome adotado em homenagem ao segundo filho do casal, Ueverton Campos Barbosa (palhaço Fofoca), 3 Pano de roda é a denominação que os circenses usam para classificar a categoria de circo em situação inferior as companhias mais estruturadas. Trata-se de uma estrutura armada com madeira e rodeada de tecido sem cobertura. Neste espaço, o público fica em pé separando-se dos artistas por uma corda amarrada em piquetes fincados no chão. 4 Erminia Silva - Filha de Barry Charles Silva e Eduvirges P. Silva, quarta geração circense no Brasil. Doutora em História Social Unicamp pela Universidade Estadual de Campinas, Brasil (2003) Pesquisadora Colaboradora do Centro de Memória da Unicamp, Brasil. 17 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 lembram o modo de vida dos saltimbancos europeus da Idade Média e dos ciganos no Brasil Colônia. Conforme o Núcleo de Estudos Ciganos, a presença deste povo no Brasil é datada do primeiro século de colonização. Mas não há dúvida alguma que os primeiros ciganos que desembarcaram no Brasil foram oriundos de Portugal, e que estes não vieram voluntariamente, mas expulsos daquele país. Foi o que parece ter acontecido, por exemplo, já em 1574, com um certo João de Torres e sua mulher Angelina que foram presos apenas pelo fato de serem ciganos. Inicialmente João foi condenado às galés e Angelina deveria deixar o país dentro de dez dias, levando seus filhos. Alegando, no entanto, que “era fraco e quebrado, e não era para servir em coisa de mar e muito pobre, que não tinha nada de seu”, João pediu para poder sair do Reino, ou então que pudesse ir para o Brasil para sempre. (TEIXEIRA, 2008, p.15) Nota-se uma aproximação da etnia cigana com costumes relacionados a atividades artísticas, configurando uma justaposição dos circenses principalmente das pequenas companhias com o nomadismo cigano; aonde, ambas transmitem seus saberes através da memória e a história oral. O palhaço Benjamim de Oliveira relata em entrevista sua trajetória artística em que diz ter fugido do Circo Sotero e ter acompanhado um bando de ciganos, dos quais voltou a fugir posteriormente, pois seria trocado por cavalo (RUIZ, 1987, p.30). O Brasil também pode ser tomado como um lugar em que as artes circenses não estejam tão distantes na história, se olhada por este ponto de vista de aproximação do povo de etnia cigana com os artistas circenses. É importante frisar que o conhecimento, as habilidades e a necessidade de sobrevivência outorgam aos representantes da cultura popular a garantia da continuidade das manifestações artístico-culturais, e com o circo não é diferente. Torres (1998, p. 19) indica que “sempre houve ligação dos ciganos com o circo (...). No Brasil setecentos, há registros de padres reclamando dos ciganos que usavam estruturas semelhantes às de circo de pau fincado”. Os ciganos em suas andanças introduziam seus espetáculos nos lugarejos configurando um cenário que nos permite afirmar que “já havia arte circense no Brasil, obviamente não em um circo como se conhece hoje” (p. 20). Como este não é o principal foco deste trabalho, deixaremos estas inquietações para pesquisas futuras5. 5 Para saber mais sobre a história do circo ver BOLOGNESI (2003) e SILVA (2010) http://www.circonteudo.com.br/ ou “Respeitável público... O circo em cena”, disponível em http://www.funarte.gov.br 18 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Ressaltamos que isto aconteceu antes do que se convencionou chamar de circo moderno6 e da oficialização do ensino de arte com a chegada da família real ao Brasil em 1808 e fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em 12 de agosto de 1816 (BARBOSA, 2009, p.17), que trouxe um estilo voltado para o racionalismo técnico e que descaracterizava as manifestações artísticas de cunho mais populares intuitivas e com suas especificidades, caso em que os pequenos circos se enquadram. Contudo, compreender a existência de artistas populares atuantes anteriormente e pós-oficialização do ensino de arte no Brasil, servirá de apoio para se entender a exclusão de artistas circenses de pequenas companhias, que são possíveis herdeiros de uma arte que surge nas apresentações em feiras e praças públicas e que foi transmitida oralmente em âmbito familiar. Durante muito tempo, aqui e alhures, os pequenos circos eram recebidos com entusiasmo pelos moradores das pequenas cidades, ao mesmo tempo em que eram marginalizados pelos próprios artistas de teatro que enxergavam o picadeiro como ameaça para a estética do palco e o artista circense como reles criadores de trabalhos corporais sem muito aprimoramento estético e artístico. Essas visões hierarquizadas instigavam o preconceito, afastando os circenses de pequenas companhias do convívio social impregnando pelo determinismo burguês de impor costumes pautados no lucro. Assim, o circo moderno que surge nesta mesma esfera capitalista com espetáculo produzido para a aristocracia, passa através das trupes de pano de roda e pequenas companhias, a se aproximarem das camadas populares alheias aos códigos da cultural e estética aristocrática. Portanto, conhecer mais sobre as possíveis origens das artes circenses no Brasil, relacionando as vivências contemporâneas com fatos passados, nos coloca em outro patamar enquanto herdeiros de tradições em nosso próprio lugar. É o caso, mais especificamente no semiárido baiano, do circo como conhecemos hoje que aparece, por exemplo, em um artigo de Silva (2010), Circo-teatro no semiárido baiano (1911-1942), publicado na Revista Repertório: 6 Dupart (2010, p.20) explica essa expressão utilizada por muitos historiadores e estudiosos do circo. Alguns autores acreditam que essa denominação é referente à constituição do circo como espetáculo a partir de 1779, início da revolução industrial. 19 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 teatro e dança, da Universidade Federal da Bahia. Nesse artigo também se encontra uma análise do autor sobre o quadro Circo, óleo sobre tela, 60 x 73cm de Candido Portinari, em que o pesquisador propõe uma interface dessa obra com as possibilidades de andanças de companhias de circo pelo interior do Brasil. Ao conferir outras obras com o tema circo do próprio Portinari, percebese que nas imagens o circo aparece sempre distante dos centros, isso pode caracterizar a periferização do mesmo. Outro aspecto importante para análise é o fato dos circos, pintados por Portinari, possuírem apenas um mastro e a divulgação dos espetáculos serem feitas por um palhaço sobre o dorso de um jumento, o que pode indicar se tratar de pequenas companhias. Contudo, a leitura realista, abordando a questão físico-espacial, pode não condizer exatamente com boa parte da realidade do circo brasileiro na primeira metade do século XX, quando, sem rádio ou televisão, as companhias eram recebidas com entusiasmo, uma vez que o público estava ávido por novidades. A periferização representada, no entanto, pode ser simbólica, uma vez que essa “gente de viagem” sempre foi vista como diferente, estranha, talvez por isso tenha sido representada afastada da cidade, da vila, da vida sedentária e de costumes socialmente aceitos. Lembranças de minha infância – Candido Portinari. Óleo sobre tela 60 X 73, Rio de Janeiro, 1957. As pinturas também servem como registro e demonstram que estas companhias eram as principais influências para o desenvolvimento das artes 20 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 cênicas e circenses proporcionando a fruição destas linguagens para as camadas populares nos interiores do Brasil. Se o pintor recorreu a suas memórias de infância na fazenda de café em Brodosqui, interior de São Paulo, para retratar as pitorescas cenas circenses, ele não se distanciou da memória coletiva de tantos interiores do Brasil, inclusive dos diversos sertões, principalmente, onde se localiza o semiárido baiano no território de identidade Piemonte Norte do Itapicuru, na cidade de Jaguarari onde nasceu José Nilson Rodrigues Barbosa (Carobinha). O principal personagem desta história é fortemente influenciado por uma perspectiva de pensamento e vida poética, construída através das vivências e experiências com a arte e atuando como palhaço por onde anda, Senhor Nilson (palhaço Carobinha) em entrevista diz: Rapaz tem uns 30... 32 anos mais ou menos, que eu estou em circo. Porque eu comecei com meu circo em 1980. Já são mais de 30 anos né? É já vão para 32 anos que eu ando em circo batalhando na arte. (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). Quando Senhor Nilson afirma que labuta na arte há mais de trinta anos, é preciso pensar um conceito mais geral de arte. Sobre isso, Colli (2007, p.64) diz que “(...) é importante ter em mente que a ideia de arte não é própria a todas as culturas e que a nossa possui uma maneira muito específica de concebê-la”. Chaplin7 dizia: “quer me entender, veja meus filmes”. Para entender José Nilson Rodrigues Barbosa, sua arte e sua história é preciso conhecer o palhaço Carobinha. Porém, acompanhar a trajetória do artista circense é diferente de analisar uma produção cinematográfica! O espetáculo cênico tem curta duração e se encerra no picadeiro ou no palco e mesmo que reapresentado ou filmado, jamais será o mesmo que fora apresentado ao vivo. Esta particularidade na arte cênica exige esforço singular para quem se debruça sobre este intricado assunto. Como analisar as três décadas de experiências desenvolvidas por José Nilson Rodrigues Barbosa, para que, a 7 SCHICKEL, Richard. Vida e Arte de Charles Chaplin (Charlie: The Life and Art of Charles Chaplin, 2003) Direção: Richard Schickel Roteiro: Richard Schickel (roteiro) Gênero: Biografia/Documentário Origem: Estados Unidos Duração: 132 minutos Tipo: Longa-metragem. 21 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 partir daí, se tenha como analisar a produção circense do Palhaço Carobinha diante de tantas adversidades contemporâneas? As mesmas dificuldades apresentam-se quando se resolve introduzir um tema de pesquisa relacionado às artes circenses, no semiárido baiano onde o campo de pesquisas na área ainda é escasso? Esta e tantas outras perguntas nos fizeram buscar a figura do palhaço Carobinha como referência de produção e difusão de arte no semiárido baiano na década de oitenta e noventa do século vinte entre Senhor do Bonfim e Jacobina, mesmo não fazendo um recorte específico dentro dos padrões da historiografia, deixando que o tempo da memória dos entrevistados indique a tônica do discurso. E é por intermédio do método de pesquisa da história oral que buscamos algumas respostas. Assim, procuramos apresentar algumas modalidades das artes circenses para melhor embasamento das histórias de vidas de Senhor Nilson e Dona Socorro no capítulo 1, buscando alguns lampejos da história do circo no Brasil e no mundo, tendo como base teórica textos de pesquisadores da área das artes circenses trazendo ainda relatos, entrevistas e recortes sobre os saberes e fazeres na história deste campo das artes. O capítulo 2, “Circenses – um riso na corda bamba e outras modalidades”, contextualiza algumas linguagens e modalidades circenses escolhidas especificamente por serem números apresentados no espetáculo do Weverton Circo e estarem ligadas diretamente ao início da formação da companhia, dando maior atenção ao palhaço numa relação direta com Carobinha, mentor desta ideia. Em seguida, no capítulo três, “E a mulher no circo, o que é?”, apresentamos um pouco do papel da mulher no circo, fazendo uma referência forte à Dona Socorro para que, a partir de seu discurso, se possa fazer uma costura entre as análises da entrevista e a teoria que indica o quão complexo é a participação da mulher em um espaço ainda visto por parte da sociedade sedentária com descriminação e reserva diante de uma visão pudica e moralista. No capítulo quatro, A família, pão e alegria, procuramos demarcar o lócus, contextualizando entre o campo econômico, a relação do circo com as personagens pesquisadas, Senhor Nilson e Dona Socorro; a visão dos filhos do casal, também circenses; a vida itinerante; políticas públicas e perspectivas 22 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 futuras. Por fim, deixamos registrado o ponto de vista da militância no campo das artes circenses em uma tentativa de brado justificado pelas novas tendências políticas econômicas do país no campo das artes. 23 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 1. CIRCO 1.1 Lampejos da história... Um olhar sobre o circo no Brasil e no mundo. Das diversas áreas que compõem as artes cênicas, talvez a que mais se aproxime da integralidade humana seja o circo e sua constante circularidade renovando-se sempre, com toda sua poética, musicalidade, visualidade, performance, teatralidades e movimentos estonteantes. Podemos comparar os artistas circenses a atletas profissionais em dias de campeonato, mantendo entre ambos as devidas diferenças, mas não tão gigantescas, pois encontram entre o pódio e o picadeiro semelhanças sutis uma vez que os prêmios e as recompensas, os fracassos e/ou desesperos vêm acompanhados dos semelhantes e eufóricos aplausos ou vaias, ovações ou depreciação pública. Mas de onde vem isso? Desde quando a humanidade se expressa através dessa complexa e rica composição chamada circo? Importantes reflexões sobre o tema “a origem do circo”, podem ser encontradas em Bolognesi (2003): Poder-se-ia argumentar que as raízes do circo estariam postas no hipódromo e nas olimpíadas da Grécia antiga. No primeiro, porque os conquistadores gregos expunham os resultados de uma façanha bélica, exibindo os adversários vencidos e escravizados. Além desta exibição, os chefes dos exércitos traziam animais exóticos, muitos até então desconhecidos, como prova de bravura e testemunho das distâncias percorridas e das terras conquistadas. As olimpíadas, por sua vez, sob o signo do esporte, expunham os atletas em disputas acrobáticas, no solo, em corridas e saltos, ou em aparelhos que permitiam a evolução do corpo no ar, em barras e argolas. (BOLOGNESI, 2003, p.24). O artista circense e o atleta olham-se no espelho e veem suas origens enraizadas em costumes antigos, jogos e festividades cunhadas em princípios religiosos, rituais de fertilização, de culto aos deuses, homenagens a heróis e às guerras e a submissão de outros povos condenados à escravidão. Os divertimentos e jogos públicos eram a grande política pública do Estado romano. Ligavam-se diretamente aos ideais militaristas: o uso da força guerreira para subjugar povos, fazer escravos e conquistar terras. Os jogos – no anfiteatro, no estádio e no circo – não deixavam de ser a celebração das vitórias, aliados ao culto aos deuses. (BOLOGNESI, 2003, p.28) A história testemunha o cortejo dos vencidos vigiados pelos vencedores como espetáculos assistidos e registrados como origem de diversas 24 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 manifestações, sendo o circo uma das mais populares. É importante ressaltar que existem muitas distorções sobre as supostas origens de manifestações populares, a exemplo do circo. Muitos historiadores se fundamentam na busca de tornar arguciosas certas suposições. Em um dos primeiros trabalhos publicados sobre o circo no Brasil na década de 1980, Ruiz (1987, p. 14) assegura que, “Os pesquisadores afirmam que no ano 70 a.C., em Pompéia, já existia um enorme anfiteatro destinado à exibição de habilidades que, mais tarde, seriam caracterizadas como circenses”. Esta afirmação lembra a famosa política de pão e circo popularmente conhecida, que segundo Bolognesi, (2003, p.29): O ápice simbólico dessa política encontra-se na figura do imperador. Nero, por exemplo, no ano 66, vestiu-se como um auriga8 e conduziu pessoalmente um carro, celebrando a nova fundação de Roma e o início de uma idade de ouro. Porém, para não correr o risco de confusões, o circo no formato como se conhece hoje é bem mais novo. “Atribui-se ao suboficial da cavalaria inglesa, Philip Astley, a criação do circo moderno. Ele construiu um edifício permanente em Londres, em Westminster Bridger, chamado Anfiteatro Astley”. (BOLOGNESI, 2003, p.31). A partir desse período se começa a compreender o circo como um espaço fechado onde são apresentadas diversas habilidades, e segundo Erminia Silva, (2010, p. 46) A composição do espaço físico e arquitetônico, onde ocorriam as apresentações, era em torno de uma pista de terra cercada por proteção em madeira, na qual se elevavam, em um ponto, pequenas tribunas sobrepostas, semelhantes a camarotes, cobertas de madeira, como a maior parte das barracas de feira daquele período, acopladas a pequenos barracões. O resto do cercado era formado por arquibancadas ou galerias, bem próximas à pista. Este espaço, porém, foi construído de modo semelhante aos lugares já mencionados e aí também se adestravam cavalos e/ou ensinava equitação (Astley usava a pista para aulas, nos períodos da manhã, apresentando-se ao público à tarde). O formidável fenômeno de Philip Astley foi colocar estas apresentações em um espaço fechado, o que convenciona pensar a partir deste período em uma denominação para o circo como “circo moderno” onde na concepção de Astley o espetáculo era constituído de diversos exercícios de equitação. De 8 Entre os gregos e romanos, condutor dos carros de cavalo, cocheiro. 2012 25 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 acordo com a maioria dos pesquisadores o uso constante do cavalo no circo foi um dos motivos para o surgimento de outra denominação, no Brasil, o “circo de cavalinhos”. Com base nesses fundamentos, mas sem a intenção de aprofundar a questão, apontamos neste trabalho apenas algumas referências sobre as origens do circo. Existem muitas diferenças entre as atividades apresentadas no circo e anfiteatro romano que tinha propósitos político/sociais, como mecanismo de controle da população e o que ficou denominado como circo moderno, construído intencionalmente para promover divertimento mediante pagamento de ingresso. Assim, entendemos que as referências ao circo na antiguidade muito enriquece as buscas por compreensões ao que se convencionou chamar de “circo moderno”. No Brasil, durante o século XIX, o circo mantém a estrutura inicial com números acrobáticos, equestres, dança, teatro e palhaços. Esta divisão é apenas formal, pois os artistas não realizavam especificamente um ou outro, pois um mesmo artista era ao mesmo tempo trapezista, equestre, palhaço, além de se apresentar como músico, dançarino e ator nas representações teatrais. (SILVA, 2010, p.48) Aproximando as discussões para o Brasil, também se pode notar que apresentações populares eram feitas nas praças e feiras livres por artistas nômades ou sedentários que se apresentavam em espaços diversos. Mas, de acordo com Duprat, (2010, p.38) em 1842 foi à primeira vez que uma companhia circense utilizou a palavra circo em seu nome; ocorreu na cidade de São João Del Rei (Minas Gerais), com um espetáculo do ator Alexandre Lowande e sua esposa Guilhermina Barbosa. Deste modo, o que isso quer representar é que tais habilidades já aconteciam no Brasil, como foram mencionadas as contribuições dos povos ciganos desde o período setecentista com suas apresentações de prestidigitação, dança, música e teatro, inclusive em festividades da corte de D. João VI no Brasil oitocentista. Registros comprovam a chegada de diversos artistas no Brasil inclusive, comprova-se a presença de circense desembarcando no país apenas com suas famílias e muitos saberes na memória, pioneirismo fundamental para o desenvolvimento da linguagem circense entre os brasileiros. Sobre estas cheganças, Silva (2010, p.6) diz que: 26 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 A família Wassilnovich chegou ao Brasil na segunda metade do século XIX. Pedro Basílio desceu no porto de Salvador casado e com filhos. Quando foi registrar o nome em cartório, virou Silva. Chegaram como artistas, portadores de uma memória sobre processos de formação e capacitação, e com todo um saber arquitetônico existente na Europa. Como chegaram apenas com o corpo como instrumento de trabalho, para a memória familiar, eram saltimbancos, vindos do Leste Europeu. Além disso, trouxeram também um urso, para realizar o número que no linguajar circense chamavam de “dançar o urso”. Como o exemplo da família Wassilnovich, outras tantas companhias provavelmente se espalhavam por todo Brasil, apresentando-se e ensinando para seus descendentes as habilidades circenses que faziam parte de suas memórias artísticas e culturais. Para Silva (2010, p. 25), “no Brasil, a partir do início do século XIX, registra-se a presença de várias famílias circenses europeias, trazendo a “tradição” da transmissão oral dos seus saberes”. Criando também um forte intercâmbio cultural que contribuiu consciente ou inconscientemente com o desenvolvimento das artes circenses no país, apresentando-se do litoral até os mais remotos rincões do território nacional, tendo como base de referência de localização tanto as capitais dos estados como os polos regionais do interior, também grandes apreciadores das artes circenses. Assim supõe-se que o circo moderno chegou aos sertões nordestinos e no semiárido baiano. Fazendo um recorte mais preciso designadamente até o território Piemonte Norte do Itapicuru, lócus de estudo da presente pesquisa, encontramos poucos registros documentais sobre a presença de companhias circenses por estas plagas. Quem aponta algumas fontes documentais a partir de estudos em periódicos locais disponíveis no Memorial de Senhor do Bonfim, é Silva (2010 A), que mostra para o público interessado um importante artigo, fruto de sua pesquisa de mestrado e que desperta para novas descobertas a respeito das andanças circenses no semiárido baiano, mais especificamente na cidade de Senhor do Bonfim: De acordo com as fontes documentais disponíveis, pode-se afirmar que uma das primeiras lonas armadas em Senhor do Bonfim no século XX foi a do Circo Olimecha. O circo chegou à cidade em meados de setembro de 1911, mas não pôde estrear no domingo previsto ‘em virtude das trovoadas havidas nesse dia e do forte aguaceiro que caiu sobre esta cidade no momento em que devia começar o espetáculo, foi este transferido para quando melhorasse o tempo’. (SILVA, 2010, p.43) 27 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 O trabalhoso e indispensável registro supracitado nos é de grande valor historiográfico, uma vez que são raros os escritos sobre a passagem de companhias e artistas circenses no semiárido baiano em períodos historicamente longínquos para o presente estudo. Torna-se mais urgente o registro das memórias dos mestres e mestras da cultura popular, neste caso, dos herdeiros dos saberes construídos sob o sol escaldante dos dias quentes de verão debaixo das lonas e barracas improvisadas, e das noites frias de inverno em ambientes nada menos hostis. Sobre essas memórias encontramos na revista Rego do Gorila, um artigo escrito por Joelma Costa, cientista social, palhaça, diretora circense e fundadora da Associação de Famílias e Artistas Circenses - Asfaci. A autora afirma que: A pesquisa e o registro sobre a memória circense são relevantes por se tratar de tradição que tem a oralidade como principal forma de transmissão dos saberes. Neste sentido, o fomento aos trabalhos de memória e registro deve ser ampliado tendo em vista a urgência no recolhimento de informações e possibilidade de proporcionar melhor qualidade de vida aos nossos mestres que trazem consigo importantes acervos e devem ser recompensados somente por terem contribuído no enriquecimento de nossa história. Seu registro atrelado à perspectiva da memória e da identidade de circenses ilustra o elo indissociável que existe entre cultura e memória, sendo parte da constituição do patrimônio histórico cultural brasileiro. (COSTA, 2011, p. 54). Apesar disso, não foi fácil encontrar fontes documentais. Os mestres da cultura popular circense estão sendo levados em uma tendência de desaparecimento nas veredas do tempo. Grande parte das atuais gerações perecem alheias à gama de conhecimentos construídos por estes que dão sustentação aos costumes e aptidões artísticas aprendidas, mas que se perdem no imaginário popular como saberes adquiridos de fontes anônimas, contribuindo cada vez mais para que esses criadores sejam amaldiçoados ao anonimato. A presente pesquisa reflete o desejo de entender a formação artística/cultural do território Piemonte Norte do Intapicuru; uma necessidade de registrar as vivências, histórias e saberes dos artistas populares residentes nessa região. Isto é apenas um princípio, uma amostra de que assim como Sr. Nilson e D. Socorro, existem muitos outros atores, poetas, cantores, pintores, escultores, cordelistas e palhaços espalhados nos campos e nas cidades, em 28 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 contínuo processo de produção do que há de mais sensível na sociedade: a eterna arte. 1.2 Saberes e fazeres Cada um na vida tem Sua historia pra contá, Eu tenho a minha também, Calado não vou ficá. (Patativa do Assaré)9 Em geral, parte da formação dos artistas circenses está relacionada com as manifestações da cultura popular a qual esses sujeitos pertencem. No âmbito destes saberes, se não houver um processo continuado de transmissão mesmo que oral de suas histórias, hão de se perder e serem esquecidos pelo inexorável tempo. Se pensarmos por este ponto de vista, quem vai contar essa história? O circo faz parte de um conjunto de conhecimentos construídos através dos séculos, como a arte popular da rua, das feiras livres, das manifestações e folguedos de heranças ritualísticas de nossos ancestrais negros, indígenas, chineses, indianos, ciganos etc. Para tanto, deve-se pesquisar, nos mais diversos meios de comunicação e fontes documentais ou de memória, as raízes das diversas modalidades de circo que agregam uma enorme diversidade cultural. O circo segue na frente da marcha e vez por outra na história veremos que ele vem retomando o cortejo de desenvolvimento da humanidade. Para entendermos isso, podemos analisar a origem dos números apresentados como: a arte da prestidigitação cigana, os números de concentração e equilíbrios indianos, as acrobacias chinesas, a música latino-americana, agilidades e força de rituais tribais, a arte clownesca europeia e com mais evidência no Brasil, o humor brasileiro miscigenado, etc. Bolognesi (2003, p. 30-31) as descreve da seguinte forma: As aptidões circenses ganham um caráter espetacular porque nelas estão contidos os seguintes elementos: (a) a habilidade propriamente dita, quando o artista domina a acrobacia, o trapézio o equilíbrio, os truques de magia e prestidigitação, o controle sobre feras etc.; (b) a 9 Antologia poética, 2007, p.120. 29 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 coreografia, que confere às habilidades individuais ou coletivas um sentido na evolução temporal e espacial; (c) a música, que contribui para a eficácia rítmica dos elementos anteriores; (d) a indumentária, que completa visualmente o propósito maior do número; (e) a narração do Mestre de Pista, que se converteu em ingrediente especial para a consecução do tempo dramático, enfatizando os momentos da apresentação, o seu desenvolvimento, o clímax e o consequente desfecho. Os fazeres circenses complementa-se entre o picadeiro e a vida cotidiana. Os artistas revezam suas ações entre o lar e o trabalho; entre o trailer e o tablado. Aprender é repetir todas as noites os mesmos números, os mesmos exercícios no picadeiro. Ensinar é estar presente a todo o momento fazendo junto, respirando a mesma atmosfera. É estar vivendo num constante fazer/desfazer do clímax entre o cômico e o dramático tanto no picadeiro quanto na exposição diária da moradia vulnerável pela instabilidade do tempo e da cultura. A continuidade das atividades circenses depende, e muito, das estruturas administrativas dos estados e municípios, uma vez que os espaços para montagem da lona se tornam cada dia mais escassos e o tempo de permanência em cada cidade são ínfimos, obrigando os artistas estarem em constante itinerância gastando mais tempo se deslocando que aprimorando suas habilidades artísticas. Dessa forma, o desenvolvimento das artes e a aprendizagem entre os circenses das pequenas companhias mantém o mesmo rumo itinerante de suas vidas; entre o risco do acidente dentro ou fora do picadeiro e do esquecimento de números que não fazem sucesso nas praças sendo deixados de lado em decorrência de outros mais populares, como de suas próprias experiências artísticas. Sabemos que é comum o público fazer críticas aos espetáculos circenses das pequenas companhias. As pessoas vão ao circo para rir das mazelas expostas pelos palhaços e o trágico exposto nos poucos números de trapézio, equilíbrio e outros. Difícil é compreender que muitos artistas circenses aprenderam estes números desde criança e aprimoram a cada apresentação e que muitas vezes são obrigados a improvisar, apresentando cenas que agradem a plateia para garantir a bilheteria e consequentemente a sobrevivência de sua família. Quanto menos o público entende o circo, quanto 30 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 menos existam políticas de incentivo para esta arte milenar, mais difícil tornase a vida destes agentes culturais espalhados por todo território nacional. Os circenses revigoram a vida dos espíritos cansados pelo fardo social imposto inclusive pela educação formal. Ascender o lugar do circo na escola, por exemplo, é reconstruir o espírito lúdico com a presença do palhaço fortalecendo o desenvolvimento da cultura infantil. Pensar o circo na escola é promover segurança física alimentar10, intelectual e principalmente emocional que irão auxiliar os estudantes, de certo modo, a aprender na prática noções de cooperatividade, ao executarem atividades acrobáticas em equipe; solidariedade, ao apoiarem os colegas em exercícios de parada de mão; autoconfiança, ao trabalhar equilíbrio; estímulo e persistência no jogo de malabares; humanismo e alegria, ao construir seu próprio palhaço em um mundo onde todos têm o nariz vermelho e as brincadeiras nunca devem ser de mau gosto. O circo, em sua dualidade tragicômica, proporciona a humanidade o olhar sobre si mesmo, fazendo-nos compreender o outro a partir de nosso próprio sentir. Ao garantir na formação do educador um campo epistemológico que fundamente discussões dessa natureza, estaremos caminhando para a transdisciplinaridade e consequentemente, para a socialização dos saberes de diversos povos. Porque, como diz Silva (2010, p. 27): As memórias do ‘povo da lona’, daqueles que têm ‘serragem nas veias’, são pouco conhecidas. A importância desse registro parece ser evidente, tanto porque a produção da teatralidade circense fez e faz parte da constituição da história cultural no Brasil, quanto porque aqueles que estão dentro do circo não se dão conta daquela produção e nem mesmo das transformações que as gerações anteriores e eles produziram. O registro é importante, principalmente pela carência de materiais sobre o tema no semiárido, uma vez que os saberes circenses por aqui, ficam restritos às famílias circenses e as fragilidades dos programas governamentais não contribuem para o fortalecimento e permanência dos descendentes dessas 10 É importante frisar sobre o papel que uma alimentação saudável e balanceada representa na prática da atividade física (circo). A educação alimentar é uma das inúmeras temáticas que não priorizadas durante o processo formativo de indivíduos que passam pelas escolas brasileiras. Cabe ressaltar também a dependência de boa parte desses sujeitos da merenda escolar, essa deve estar também sempre atenta aos preceitos nutricionais básicos para se obter uma vida saudável. 31 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 famílias com os empreendimentos e conhecimentos produzidos por seus antepassados. A força da tradição aos poucos se esvai e tornam-se frágeis os laços que antes os uniam. Sobre as contribuições da tradição familiar circense, ao falar das relações familiares entre os Viana, Neves e Santoro, Andrade (2010) diz que: Não se pode deixar de assinalar o quanto a tradição familiar esteve presente e atuante entre os Viana, os Neves e os Santoro. A fusão de três irmãs e um irmão da família Santoro, com três irmãos e uma irmã da família Neves, não nos apresenta apenas como resultado perfeito de uma equação matemática, mas prova que no contexto circense, os laços que envolvem os familiares são sólidos, verdadeiros e duradouros. (ANDRADE, 2010, p. 339) Existem várias fendas em relação aos registros de famílias, companhias, trupes, pequenos circos, seus saberes e fazeres no semiárido baiano. São lacunas que precisam ser preenchidas, são pessoas que devem ser ouvidas para que possam dizer de si e contribuir com a diversidade de saberes acumulados durante suas andanças e assim, contribuir para o levantamento e registro de uma ontologia artístico/cultural do semiárido. Estudo que pode ser feito a partir das particularidades vividas e descritas por esses incansáveis criadores do improviso em cada praça onde se apresentam identificando com sutileza as almas sensíveis que são homenageadas com galhofas em seus espetáculos de natureza improvisacional. O circo agrega os mais diferentes sentimentos, onde o artista chega ao ápice da glória quando alcança seu maior objetivo ao concluir seu número. Não é diferente para o público que vibra e cria uma cumplicidade artística dentro da atmosfera do espetáculo, que se o artista errar o número apresentado, o público compartilha com fervor deste acontecimento. Estes saberes não são relevantes apenas para a formação dos circenses. As leituras referentes ao processo formativo em artes circenses são fundamentais nesta pesquisa, por se tratar de um trabalho voltado principalmente para um público interessado nos saberes desta área de conhecimento para possíveis aplicabilidades e desdobramentos no campo da educação. Para isso, é preciso conhecer mais sobre a história do circo e como esta linguagem se desenvolve e permanece presente na cultura brasileira. 32 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 As vivências com algum elemento das artes circenses na educação básica têm acontecido como recreativas, estando mais próximas da distração. Assim, percebemos também que esta linguagem é compreendida por alguns educadores como atividade de menor importância em relação aos outros conteúdos tidos como sérios e fundamentais para a vida social. Se se pensa assim de forma genérica em relação às artes, sobre o circo a coisa ainda é pior. A questão está na estruturação do sistema educacional. Para Barbosa (2008, p.17), “Não se pode conhecer a cultura de um país se não se compreender a sua arte”. Não se pode compreender a vida dos circenses sem conhecer a arte do circo. Assim como outras experiências e pesquisas feitas com famílias de pessoas de circo, no semiárido a forma de transmissão desses saberes segue o mesmo rumo itinerante citado pelas demais companhias. Aqui, as técnicas, saberes e conhecimentos também são passados de pai para filho no convívio diário com a linguagem no subir e descer da lona. Senhor Nilson, ao ser perguntado sobre o processo de formação na linguagem circense, em que foi sugerido que ele apresentasse um projeto nas secretárias de educação para promover oficinas em espaços formais ou não formais de educação, responde com propriedade: Eu nunca fiz oficina com crianças. Mas, sabe por que é que a gente não faz? Por causa dessa dificuldade; muitas vezes, organizar um grupo de crianças para fazer uma oficina no circo hoje é difícil. Porque as leis não permitem que menores trabalhem no circo. (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). E continua problematizando sobre o processo de preparação e formação dos próprios familiares, ao ponto que questiona as interpretações feitas pelas leis de proteção aos menores e descendentes de famílias circenses. Até com a família da gente... Escute uma coisa... Esses dias houve um debate lá em Brasília. Eles querem que o filho do artista ensaie, mas não trabalhe, segundo esta visão só é para trabalhar depois dos 18 anos, aí como é que vai aprender? Aí depois de 18 anos a gente já com os ossos tudo duro. Vai aprender mais com 18 anos? O filho do artista tem que começar a trabalhar nem que seja sem compromisso, né? Porque compromisso pra criança. Você sabe que não existe ter um filho pequeno e ter que impor que ele trabalhe toda noite, né? (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). 33 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 É possível observar que o Senhor Nilson tem uma analise muito contundente da importância da formação e permanência dos artistas circenses na arte. Ele compreende que é fundamental o processo de formação que deve ser feito com as crianças para permanência e continuidade das atividades circenses. A metodologia de ensino da arte circense vai sendo desenvolvida no decorrer do tempo, o que possibilita ao artista repensar a forma como aprendeu, criando, ao seu modo, novas formas de repassar para os mais jovens. Para Senhor Nilson: A obrigação é da gente tá ensinando, trabalhou em um lugar, deixa pra trabalhar em outra praça, mas se eles querem, então devemos deixar subir no picadeiro. Mas, tem que manter aquele compromisso de ensinar com 3, 4 anos em diante, para quando tiver com seus 12 anos já saber fazer muitas coisas. Com 18 anos não acredito que a pessoa aperfeiçoa número circense. A pessoa vai aprender uma contorção? Você acha que com 18 anos vai aprender? A pessoa vai conseguir mais enrolar a coluna pra poder fazer uma contorção? Não vai! A pessoa tem que tá ensinando desde novo. (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). Os circenses tem o compromisso de ensinar a seus filhos as artes que aprenderam com seus pais. A questão é que a sociedade sedentária não ensina a seus filhos que existem pessoas que tem uma vida itinerante e que os filhos dessas pessoas frequentam as mesmas escolas e seus direitos devem ser respeitados. A escola, por sua vez, precisa acabar o estranhamento com este público que chega de todos os lugares trazendo na bagagem muitas experiências de vida e que muito pode contribuir para o desenvolvimento humano. Garantir que a linguagem circense tenha notoriedade no currículo dos cursos de licenciatura em artes cênicas, educação física, música, letras e áreas afins, é instituir um saber que na prática será compreendido e absorvido como conhecimento. Para que isso aconteça, é necessário inserir os mestres circenses por serem importantes conhecedores de grandes segredos destas artes, e esta ruptura dentro das universidades terá, entre outros desdobramentos, um importante diálogo na construção dos conteúdos que comporá o material didático para se trabalhar nas escolas futuramente. Dentro dos afazeres circenses nas pequenas companhias ou trupes, os artistas populares aprendem a produzir suas próprias estruturas a partir de 34 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 suas necessidades, possibilidades e materiais disponíveis. Senhor Nilson, por exemplo, ao explicar como montavam o circo, descreveu uma forma artesanal e rudimentar para impermeabilizar os tecidos para cobrir a parte do circo destinada ao público. Eles compravam sacos de tecido de algodão que servia para embalar açúcar. Na época era um material barato e disponível no mercado, podendo ser vendido a preço popular, menor que o valor do ingresso para assistir ao show. Após descoser os sacos, eles reaproveitavam a linha e uniam as partes formando retângulos com mais de três metros; esticavam o tecido em um terreno ao ar livre e pintavam formando retângulos coloridos. A tinta era produzida com uma mistura de querosene, parafina líquida e um componente mineral utilizado como material de construção. Colocavam uma pigmentação de acordo com a cor desejada e pintavam o tecido duas ou três vezes, deixando-o estendido até que a parafina secasse e o tecido estivesse pronto para ser utilizado como lona. Um poste de madeira era fincado no centro do circo e servia de suporte para distribuir as partes da lona formando um semicírculo que servia para proteger a plateia enquanto os artistas continuavam trabalhando ao ar livre em dias que não houvesse chuva. Já a iluminação era feita com gambiarras cruzando de um lado a outro do circo. As informações prestadas por Senhor Nilson servem para instigar outras buscas sobre a história do circo nesta região, registrando experiências e saberes dos artistas circenses que permanecem na área ou não, mas que podem contribuir na elaboração de subsídios que sirvam como ensinamentos para a continuidade dos encantos da vida dessa “gente de circo”. 35 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 2. CIRCENSES – um riso na corda bamba e outras modalidades 2.1. O Palhaço Tratar de algumas modalidades circenses neste trabalho torna-se relevante por abordar um estudo de caso de uma companhia caracterizada como circo-família, da qual seu mentor aprendeu e aprimorou diversas habilidades para sustentar a sua atividade. O conceito circo-família foi construído por meio da abstração de elementos que, para os circenses – a fonte – constituíam matériaprima de seu modo de viver. A noção geral dada pelo conceito é a de um circo que se fundamentava na família circense. O conceito é complexo, constituído por meio da intermediação dos vários aspectos que conformam essa ideia de família circense. Esses vários aspectos – saberes, práticas e ‘tradição’ – já estavam presentes na formação do circo com a chegada das primeiras famílias no início do século XIX no Brasil.(SILVA, 2010, p.32) É necessário compreender que tipo de habilidades e números 11 artísticos era apresentado pelo palhaço Carobinha no início de sua carreira como circense que aos poucos se profissionalizava, bem como conhecer a base de sua formação para analisar se o seu caso, especificamente, pode ser caracterizado nesta estrutura de circo-família, que consiste em uma organização onde a tradição seja mantida e os ensinamentos passados para os descendentes. Circenses – proprietárias ou não. É a esse conjunto que denomino circo-família. Mas o circo-família só existiu até o momento em que estava fundamentado na forma coletiva de transmissão dos saberes e práticas, através da memória e do trabalho, e na crença e aposta de que era necessário que a geração seguinte fosse portadora de futuro, ou seja, depositária dos saberes. Transmitidos oralmente, o que pressupunha também todo um ritual de aprendizagem para fazer-se e tornar-se circense. (SILVA, 2010, p.33) A estrutura metodológica de sustentação do Weverton Circo fica a cargo da família circense de Senhor Nilson e Dona Socorro, incluindo a administração, método de formação dos circenses, orientação das crianças e preocupações com o futuro da companhia. O pequeno empreendimento de 11 Números: Qualquer atuação circense que requeira ou não o uso de aparelhos, individuais ou não. Os palhaços, embora nem sempre usem aparelhos, também executam um número. (SILVA, 2010, p. 44) 36 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Senhor Nilson visa o sustento de sua família e do próprio circo, o que é diferente de uma estrutura empresarial, onde o principal objetivo é o lucro gerado com a produção dos espetáculos. O modo adequado de tratar os aspectos econômicos referentes à inserção da criança no circo-famílias é situa-la no conjunto que articula a organização do trabalho e o processo de socialização/formação/aprendizagem. Deste ponto de vista, fica claro que a formação e a aprendizagem do circense deve ser entendida como a reprodução de um modo de vida. Procurar ‘perdas e ganhos’ neste processo é simplificar e reduzir a analise. O circo-família, tendo em vista sua singularidade, não transferia ou imputava às instituições escolares e de formação profissional a obrigação de qualificar seus componentes. (SILVA, 2010, p. 86) Ao supor que a companhia Weverton Circo pode ser caracterizada como sendo circo-família, resolvemos apresentar algumas modalidades que foram listadas por Senhor Nilson como sendo a gênese de seu show e a metodologia para fortalecer a equipe, como a cooperatividade na família e o desenvolvimento da autoconfiança em seu trabalho que desde o início encanta crianças, adolescentes, jovens e adultos, em espaços formais e não formais por onde tem passado mantendo a tradição. Ser tradicional é, portanto, ter recebido e ter transmitido, através das gerações, os valores, conhecimentos e práticas dos saberes circenses de seus antepassados. Não apenas lembranças, mas uma memória das relações sociais e de trabalho, sendo a família o mastro central que sustenta toda esta estrutura. (SILVA, 2010, p.25) O Senhor Nilson não nasceu em um circo e até os doze anos ele levou uma vida sedentária. Porém, após acompanhar o Circo-teatro Alan, ele não retornou para o seu antigo modo de vida, casou-se com uma filha de circense tradicional e mantem-se na vida itinerante com seus filhos e netos há mais de trinta anos, garantindo a continuidade dos saberes circense. O desenvolvimento da arte feita pelo Senhor Nilson e o crescimento do seu circo paralelo à constituição de sua prole, sendo intrínseca a transmissão e aprendizado de algumas destas modalidades para seus filhos não o caracteriza como sendo circo-família? Acreditamos que sim, pois entendemos que para os filhos de artistas circenses iniciarem na arte o pré-requisito básico é estar junto com sua família, é estar no circo e consequentemente o aprendizado é algo que acontece na prática diária, no repetido gesto de subir e descer a lona, 37 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 diante da necessidade básica da família de manutenção e permanência da arte circense. Porém, as questões ligadas à metodologia aplicada pelos pais na transmissão desses saberes artísticos ficam para outro momento, uma vez que requer aprofundamento e mais tempo para análise. Mas acreditamos que alguns desdobramentos podem ser feitos no sentido de aproximar os conhecimentos discutidos com o processo educativo a partir da leitura de algumas linguagens e modalidades circenses apresentadas na Companhia Weverton Circo. Dentre as várias modalidades circenses, foi escolhido dissertar sobre algumas linguagens como equilíbrio, manipulação de objetos e o ator de circo. Referimo-nos diretamente ao rolo americano, aos malabares e às entradas e reprises12 explorando o universo do palhaço brasileiro e a construção de personagens cômicas. Começando pelo último tópico citado, a comédia, se esclarece a priori que não será feita grande explanação sobre este intricado gênero dramático, uma vez que seria assunto para ser tratado individualmente em um projeto de pesquisa específico, dada a sua complexidade, já que neste caso, não há tempo hábil para aprofundar estudos sobre os primórdios da comédia desde Aristófanes na Grécia antiga até a atualidade, buscando compreender as mudanças desde as origens, baseando-se nos costumes dos komos etc. como bem afirma Berthold (2001, p. 120) A origem da comédia, de acordo com a Poética de Aristóteles, reside nas cerimônias fálicas e canções que, em sua época, eram ainda comuns em muitas cidades. A palavra ‘comédia’ é derivada dos Komos, orgias noturnas nas quais os cavaleiros da sociedade ática se despojavam de toda a sua dignidade por alguns dias, em nome de Dioniso, e saciavam toda a sua sede de bebida, dança e amor. Ao contrário do citado acima, o que se pretende tratar é sobre o papel do riso, escolhendo o palhaço como principal personagem a ser estudado e compreendido dentro do contexto da arte circense. Não tão visceral quanto as festas dionisíacas, mas sem perder a embriaguez poética da personagem de 12 Reprise ou entrada são termos usado para designar uma apresentação cômica de 15 ou 20 minutos, podendo estender-se a partir da intervenção com a plateia, em um jogo improvisado. (BOLOGNESI, 2003, p. 103) 38 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 cara pintada e riso provocador. É preciso entender o espírito lúdico do palhaço. Nesta busca por entendimento, encontramos algumas referências sobre o palhaço, em Bortoleto (2008, p. 53) quando discorrem sobre esta personagem dizendo: A abordagem que cada palhaço mostra nas suas expressões fisionômicas através da maquiagem, da riqueza de detalhes e técnicas presentes no repertório corporal de cada um deles, nos revela um norte para entendermos a linguagem... Estes conhecimentos como fonte de entendimento individual e coletivo na apresentação da linguagem no picadeiro são procedimentos de grande importância comumente conhecidos como os elementos técnicos dos palhaços que são as gags, cascatas e pilhérias. No entanto, é preciso conhecer mais sobre esta personagem tão importante para o desenvolvimento emocional do ser humano, já que o palhaço faz parte do imaginário na cultura infantil e a má condução na introdução dessa personagem neste período da vida humana pode acarretar problemas psíquicos sérios e que hão de acompanhar a pessoa por toda sua vida. Para conhecer mais sobre a origem do palhaço, pode-se adentrar na historiografia específica e encontrar referência em Berthold (2001) quando fala nas bases da commedia dell’arte, sobre a construção de personagens de cunho popular com uma extrema força interpretativa. Os cômicos dll’arte construíram um estilo próprio adaptado das apresentações das feiras, das manifestações de cunho carnavalesco e de outras manifestações populares. Esses alcançaram fama na Itália e em pouco tempo ocuparam Paris, onde viveram sua glória no século XVI. Segundo a autora: A comédie italienne atuou, nos anos de 1658-1673, no Petit Bourbon, depois no Hôtel Guénegaud, e mudou-se, após a fusão da tragédia e comédia francesas na Comédie Française em 1680, para a sala de espetáculos do Hôtel de Bourgogne. No Hôtel de Bourgogne, com suas veneráveis tradições, viveu os momentos de sua maior glória. E aqui, em 1697, ela própria cortou o fio de sua vida. Uma sátira insuficientemente dissimulada atacando Mme de Maintenon, a comédia La Fausse Prude (A falsa Pudica), à maneira de SaintSimon, provocou o fechamento instantâneo do teatro por Luís XIV. Os comediantes italianos tiveram de deixar Paris. (BERTHOLD, 2001, p. 358) Se analisarmos o impacto causado com a apresentação deste espetáculo, levando em consideração que na maior parte o texto era improvisado – em que os artistas se utilizavam do artifício de aproveitar a verve provocada pelo clímax da peça – perceberemos a capacidade que estas 39 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 personagens tinham diante do público em Paris, durante um período onde este era um dos maiores meios de divertimento e fruição artística. O impacto causou um pesar para o público ao ver os artistas de uma companhia - que a tantos fizeram ri e se emocionar durante os quinze anos, agora deixando uma herança na cidade, o que os fizeram retornar dezenove anos mais tarde já sobre a direção de Luigi Riccoboni em 1716 – serem expulsos. (BERTHOLD, 2001). Propomos um afunilamento intencional supondo uma aproximação dos cômicos dell’arte com os palhaços de picadeiro, principais mestres dos pequenos circos de lona tão comuns no semiárido baiano hoje, e analisando as personagens com características clownescas presentes no teatro Elisabetano em peças de Shakespeare e a origem dos mimos presentes nas farsas burlescas e rústicas no antigo império romano: O mimo desenvolveu-se originalmente no Sicília. Era uma farsa burlesca rústica, à qual Sófron deu forma literária pela primeira vez por volta de 430 a.C. Suas personagens são pessoas comuns e, no sentido mais amplo da mimese, animais antropomórficos. (Berthod, 2001, p. 136) A presença de cômicos nos espetáculos de comédia aos pouco delineia as personagens com carga grotesca que representa uma camada de pessoas simples da sociedade e este clown vai aparecendo e ganhando força dramática, ocupando espaço de destaque nos espetáculos, de acordo com Bolognesi: O clown, ou uma primeira caracterização dele, pode ser encontrado no teatro de moralidades inglês, da segunda metade do século XVI. Inicialmente secundário, aos poucos ele foi se definindo como personagem importante e passou a ser ‘obrigatório’ em todas as peças inglesas... A pantomima inglesa se desenvolveu a partir da commedia dell’arte. (BOLOGNESI, 2003, p. 62-63). Por sua vez, a aproximação do clown inglês versado de pantomimas derivadas dos mimos com os cômicos dell’arte foi se caracterizando aos poucos. O desenvolvimento da personagem que utilizava uma maquiagem baseada nas máscaras da comédia dell’arte, com o vermelho herdado do Arlequim e o branco do Pierrô, acontece com um ator inglês: “Essa transformação ocorreu no final do século XVIII e veio a se consolidar no XIX, especialmente através da criatividade de um ator inglês do teatro de variedades, Joseph Grimaldi (1778-1837)” (BOLOGNESI, 2003, p.63). 40 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 O ator que é considerado o criador do palhaço circense jamais ocupou um picadeiro de circo (BOLOGNESI, 2003). Sua formação se deve, especialmente, a uma grande bagagem herdada do avô, que viveu a personagem Arlequim na feira de Saint-Germain e o próprio pai que, além de também ter feito Arlequim como ator, era bailarino e professor de dança em Londres, aproximadamente em meados do século XVIII (BOLOGNESI, 2003). Essa personagem, após sintetizar sua base no teatro de variedades inglesas, vai se desenvolvendo e adquirindo importância nos mais diversos espetáculos, ao ponto de se eternizar como elemento principal no universo das artes circense. Naturalmente, ao alongo dos séculos ocorreram muitas mudanças e o palhaço foi ocupando espaço dentro da dramaturgia mundial. Tornou-se a principal atração no picadeiro. Nos pequenos circos é o palhaço quem ainda arrasta a plateia ávida por alguns momentos de riso e alegria diante de tantas adversidades contemporâneas em que as camadas mais empobrecidas encontram um lugar para escancarar momentaneamente suas bocas de sorriso falhado e expressões deprimidas diante da realidade. O espetáculo circense transforma as mágoas em alegrias. E a tristeza? Fica esquecida em baixo da lona! A intervenção brincante de um palhaço leva o tempo de uma vida para esquecer. Nilson sabe disso e sua personagem, o palhaço Carobinha, vem a trinta anos encantando pessoas de todas as idades por onde passa esta pequena companhia Weverton Circo. 2.2. Malabarismo A brincadeira que utiliza o corpo em diversos movimentos acrobáticos faz parte do universo lúdico infantil: pular, girar, pendurar-se, equilibrar-se em uma ou mais parte do corpo, como também atirar objetos para cima, subindo, saltando com ou sem proteção nos mais diferentes lugares. O desafio move o ser humano e isso se firma desde sua mais tenra idade, numa busca de se fazer presente em todas as ações cotidianas, nos espaços sociais ou em suas individualidades. Outra atividade que muito diverte crianças em todo mundo desde épocas imemoriais são os jogos que utilizam a 41 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 bola como brinquedo principalmente a modalidade malabarismo. Sobre esta, o pesquisador de artes circenses, Duprat (2010, p. 90-91) diz: Em muitas culturas, muitos xamãs ou pessoas dedicadas aos rituais religiosos utilizavam-se desta prática para atrair e convencer os demais de seus poderes sobrenaturais, um fascínio que ainda hoje é explorado no malabarismo. Na Europa, durante a idade média, os saltimbancos eram muitas vezes músicos, comediantes, ilusionistas e malabaristas. Desde o início do século 19 até meados do século 20 expande-se o malabarismo como uma arte própria. São os musicais e, principalmente, os circos, que oferecem em suas representações números de malabarismo de altíssimo nível. No circo esta é uma das modalidades mais fascinantes, onde o malabarista com seu carisma e habilidade conquista e encanta o público pela sua ousadia e rapidez em atirar para o ar e aparar objetos diversos com uma leveza impressionante, ou move-lo, mantendo-o em contato com seu próprio corpo animando-o de forma lúdica13. O malabarismo pode ser caracterizado por ser habilidoso, artístico, possível com qualquer material e por qualquer pessoa. Habilidoso, porque o malabarismo não é fácil. Não é preciso ter nenhum talento especial, mas sim habilidade adquirida pela prática. É uma possibilidade que só possuem os que passaram um bom tempo praticando; não existe maior mistério. (BORTOLETO, 2008, p. 40). O malabarismo constitui-se como um número circense muito comum principalmente em pequenos circos onde um ou outro membro da companhia começa a praticar essa modalidade com o intuito de enriquecer a programação da mesma. Também é comum os artistas circenses receberem um cachê artístico diferenciado de acordo com a quantidade de números, neste caso se o artista é polivalente e mantém uma produtividade artística favorável para a companhia, esse artista tem uma garantia maior de se destacar, consequentemente, esse fator irá melhorar sue próprio sustento e/ou da família, se for o caso. Importante frisar que o malabarismo não fica restrito ao picadeiro do circo, principalmente pela versatilidade que permite ao praticante, tanto nos materiais utilizados na prática da modalidade, quanto pelo espaço exigido para a demonstração do mesmo. Duprat (2010) apresenta uma definição que organiza os malabarismos nas seguintes categorias: “malabarismo de 13 Para maior entendimento, consultar Bortoleto (2008, p.39) Introdução à pedagogia das atividades circenses. 42 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 lançamento; malabarismo de equilíbrio dinâmico; malabarismo giroscópico e malabarismo de contato”. Cada uma dessas definições tem suas especificidades não sendo comum o mesmo malabarista dominar todas as linguagens com o mesmo afinco. Porém, é possível encontrar artistas dedicadíssimos que dominam duas ou mais linguagens com satisfatório desempenho para apresentações em shows de variedades ou em companhias de pequeno e médio porte. Destacam-se como casos excepcionais os artistas das grandes companhias circenses espalhadas pelo mundo. 2.3 Funambulismo Uma modalidade circense muito comum nos pequenos circos é o funambulismo, também conhecido como corda bamba. Este é um número que geralmente aparece na programação das pequenas companhias principalmente por ser um equipamento barato que pode ser adaptado em situações em que a companhia esteja passando por dificuldades e precise trabalhar em outros espaços fora do circo, como escolas, clubes recreativos, festas populares, festas particulares, etc. Este número circense era comum entre os artistas populares que andavam com pano de roda. Contudo, é um número perigoso criando uma situação tensa na plateia uma vez que o artista deve manter-se instável sobre um cabo ou corda a uma determinada altura do solo. Nos pequenos circos, chega a ser corriqueiro a apresentação deste número sem a utilização de nenhum equipamento de segurança, consistindo um risco ainda maior e que pode ser fatal para o funâmbulo. No entanto, a natureza própria desta modalidade instiga o público ávido pela conquista do sublime da finalização do número pelo artista, o que torna a apresentação muito mais rica do ponto de vista da estética circense. As modalidades citadas nesta parte do texto foram selecionadas especificamente por se tratar de práticas comuns no repertório do Weverton Circo. O equilíbrio no arame, o malabarismo e o palhaço mais especialmente, foram os números que garantiram a confiança do Senhor Nilson e que o 43 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 encorajou a se arriscar na corda bamba de sua própria vida, equilibrando-se entre a leveza do palhaço Carobinha e a tensão do malabarismo sobre o arame frouxo durante as apresentações nos mais distantes rincões destes sertões da Bahia. Segundo o próprio Nilson, em momentos críticos da bilheteria de sua pequena companhia, ele chegou a apresentar seu número de funambulismo, em que o artista equilibra-se e faz diversas evoluções sobre um arame a certa distância do solo (DUPRAT, 2010, p. 119). Senhor Nilson apresentou-se mesmo estando com um braço quebrado. Ele havia sofrido um acidente em uma apresentação. O circo estava em uma comunidade rural carente de qualquer assistência médica oficial. Ele contou que na noite anterior havia caído da corda bamba e mesmo assim precisava manter o espetáculo: Rapaz... Quando a gente tá na arte né? Não pode desistir não, ainda mais se não tiver apoio de lugar algum... Foi assim... Eu caí do arame e não tinha assistência médica... Como é que vai ter? Lá no meio da caatinga. Longe! Eu tinha que trabalhar... Eu estava com uma febre que eu ficava tremendo ali... Ficava deitado assim perto do pano de roda, em um colchão; quando era minha vez de entrar eu ia e alguém me ajudava subir no arame; fazia o número e depois voltava para o colchão. E foi assim até melhorar. (José Nilson Rodrigues Barbosa, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Aqui, percebemos a força de vontade mantida pela necessidade real de garantir ao público a qualidade do espetáculo, sem o prejuízo estético do número de funambulismo e o compromisso com sua família. Porque era com a garantia da bilheteria que ele cobriria despesas básicas, as quais incluíam os próprios remédios e alimentação. Ao se tentar analisar as complexidades das pessoas que vivem de forma itinerante, precisa-se acuidade nas reflexões não correndo o risco de vitimizar ou marginalizar estes sujeitos que constroem seus itinerários pensando em uma perspectiva de vida diferente da maioria das pessoas sedentárias. Nilson, naquele momento não deixaria suas atividades circenses mesmo sabendo dos riscos que corria com um sistema de saúde precário ou mesmo com a ausência deste. Os circenses sabem os riscos que correm. Mas a persistência que os move em direção a seus sonhos está além das preocupações aparentemente determinantes para o encerramento das atividades circenses. A capacidade de emocionar vai adiante do carro da razão (grifo nosso). 44 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 2.4 Trapézio14 Os artistas circenses das pequenas companhias se arriscam em diversas modalidades aumentando suas possibilidades, variando entre um e outro número. O trapézio é uma modalidade dentro da área das acrobacias aéreas15 e também faz parte do repertório do Weverton Circo. Nilson conta que muitas vezes quando saía para “dar show” pelas comunidades rurais, eles procuravam entre os moradores do povoado uma casa que tivesse uma sala grande com a cumeeira alta. Na sala desta casa eles armavam o trapézio e separavam uma pequena parte onde delimitavam o picadeiro. Ali, durante a noite, sobre luz de candeeiro, eles apresentavam seus números e seguiam viajem a pé até arrumar algum dinheiro para pagar o transporte do circo para outro lugar. Segundo Bortoleto (2008, p.157) “não há registros precisos de quem inventou, nem de onde surgiram as primeiras experiências artísticas com o trapézio, tampouco de como ele foi introduzido no contexto circense”. Já Duprat (2010, p.72) diz que “o trapézio é oriundo do grego trapezion, pequena tábua. Consiste em uma barra de madeira ou de metal, ligadas a duas cordas, um aparelho extremamente simples”. Quando perguntada sobre a forma das apresentações nestes espaços, delimitação do picadeiro e desenvolvimento dos números artísticos, Dona Socorro exemplifica com a apresentação de trapézio: Não era nada fácil viu... Veja bem, a gente ficava apertadinho assim... As pessoas em cima. Quando o trapezista apresentava o número, era engraçado (...). Ele vinha pra cá e todo mundo saí para os lados; ele ia pra lá e o povo voltava para seus lugares (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Dona Socorro refere-se ao movimento que o trapezista faz embalançando o corpo sobre o aparelho para dar impulso e fazer as evoluções pertinentes a este número de acrobacias aéreas. Importante perceber que Dona Socorro começou falando exclusivamente do trapézio. Isto pode ser um indicativo do fascínio provocado por este número circense. Talvez a alusão feita com a possibilidade de voar, de alguma forma faça o público experimentar 14 Para maiores entendimentos sobre a modalidade trapézio e suas técnicas, consultar Bortoleto (2008, págs. 157-177) 15 Modalidades aéreas são aquelas que permitem exibições aéreas, ou seja, sem contato duradouro do artista com o solo. (BORTOLETO, 2008, p. 157). 45 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 a sensação de confronto com o perigo e a realização do sublime em que o artista desafia e vence a morte numa apresentação artística. O que faz do trapézio um grande número circense. Na entrevista aparecem as dificuldades enfrentadas pelos artistas que improvisam seus números em qualquer espaço. Uma necessidade movida pela preocupação com o sustento de sua equipe e continuidade das atividades circenses. Muitas vezes estas apresentações eram feitas em bares, associações, clubes ou até mesmo em uma sala de alguma casa, como foi citado por Dona Socorro. O importante é apresentar, fazer o show e voltar para o circo e assim seguir em busca de uma praça16 melhor. A gente deixava o circo longe; tinha época que a gente deixava e dizia: ‘Ah nós vamos deixar o circo aí e vamos sair pra dar show!’ Aí saía dando show em outros salões. A gente chegava ao lugar; arrumava um salão para trabalhar e apresentava duas, três noites depois vinha buscar o circo. Nessa época ainda era o pano de roda; a gente levava o pano de roda; armava, dava mais dois espetaculozinhos aí as praças começavam a ficar ruim novamente e não arrecadávamos o dinheiro do transporte. Deixava o circo novamente e passava mais para frente, sempre andando a pé e eu sei que com esse negócio nós vivemos muitos anos. (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Armar o circo em uma praça ruim, nem sempre era uma opção, mas uma imposição das circunstâncias. A trupe seguia para um povoado, montava o pano de roda e tentava trabalhar, porém, as incertezas da vida itinerante muitas vezes lhes colocavam à prova, e uma vez instalados em um lugar que não gerasse uma renda mínima para custear a viagem, eles eram obrigados a procurar alternativas e isso implicava no transporte do circo, o que nem sempre era possível por questões financeiras. Daí, eles caminhavam de povoado em povoado, próximos ao local onde deixavam o circo de pano de roda. O peso da lona e dos equipamentos necessários para a montagem do circo impossibilitava as saídas. Era necessário apresentar seus espetáculos em outros espaços para arrecadar algum dinheiro para transportar o circo e garantir um sustento básico. Estes eram os principais motivos que obrigavam o deslocamento a pé. 16 Definir o roteiro de viagem implicava ‘preparar’ as cidades de destino: fazer a propaganda, escolher roteiro, reservar as acomodações necessárias, entrar em contato com as autoridades locais. Este movimento é até hoje realizado e denominado ‘fazer a praça’. (SILVA, 2010, p.69) 46 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Muitas vezes percorrendo a pé, andando cerca de vinte, trinta quilômetros ou mais, estes artistas viveram a década de oitenta passando por muitas dificuldades. Senhor Nilson, Dona Socorro e seu irmão Assis seguiam seu caminho. Dona Socorro com as trouxas na cabeça, um filho no ventre, outro nos braços; Nilson com um filho no ombro e as malas na mão; Assis empurrava uma bicicleta, único transporte carregado de equipamentos e utensílios para os shows. A descrição, de longe, parece uma pintura de Portinari, mas trata-se de um quadro real em que as personagens não fazem parte da ficção artística com verossimilhança da realidade. É a descrição de uma crueza poética feita por testemunhas vivas dos fatos ocorridos e que hoje, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, sabem o quanto já foi conquistado na vida circense. A companhia Weverton Circo tem percorrido várias trilhas no cenário baiano, agregando sonhos e parcerias e florescendo as artes circenses, não medindo esforços para tal, a exemplo de sua participação no documentário 17 Profissão Palhaço, curta metragem da cineasta Paula Gomes. O circo também já foi inclusive premiado em edital do Ministério da Cultura intitulado Prêmio Carequinha de estímulo ao circo, sendo contemplados com uma lona nova. Hoje a companhia conta com uma estrutura básica de um empreendimento de economia criativa, em atividade no estado da Bahia, mais especificamente nos territórios lócus desta pesquisa. 17 GOMES, Paula. Profissão Palhaço. Produtora: Plano 3 filmes. Doctv, realização: Governo do Estado da Bahia, TVE, Bahia, 2009. 47 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 3. E A MULHER NO CIRCO, O QUE É? ...Vejam só e há quem diga Que o palhaço é No grande circo apenas o ladrão Do coração de uma mulher... (Antônio Marcos)18 A música de Antônio Marcos faz lembrar um antigo verso da chula de palhaços (de domínio público) citado abaixo e que instiga as reflexões sobre o papel da mulher no circo. Andrade (2010, p.308) afirma que: Todos que se debruçaram sobre esse intrigante mundo do circo são unânimes em afirmar que aquela quadrinha tão conhecida de qualquer criança tinha lá seu fundo de verdade, quando ecoava nos ouvidos da população temerosa (E o palhaço o que é? Ladrão de mulher...). Muitas vezes, a visão machista e preconceituosa de grande parte da sociedade sedentária tenta escamotear a compreensão sobre a capacidade e a liberdade que a própria mulher tem em querer seguir o rumo itinerante do circo. Cabe aqui uma quadra mais contemporânea de autoria de Oliveira (2009) apresentada pelo palhaço “Gurdurinha” (sic) no espetáculo de circo-teatro Tem Folia no Meu Quintal, (2009): Diferente me responda E o palhaço o que quer? Verdadeira sapiência, Ser roubado por mulher. No entanto, a carência de trabalhos acadêmicos referindo-se ao tema da mulher no circo caracteriza-se como uma lacuna a ser preenchida de forma sutil e poética como o próprio gênero feminino suscita. Contudo, dissertar sobre a mulher, não implica dizer que ao se referir a sua sensibilidade se deva anular ou menosprezar suas lutas, conquistas e referências. Nota-se, no entanto, que alguns pesquisadores mantêm um esforço para garantir o registro de fontes recolhidas com o auxílio de colaboradores, sendo muitos deles herdeiros destes saberes circense. A esse respeito Silva (2010, p.84) diz que: O papel da mulher na relação familiar circense difere do papel feminino exercido numa sociedade não nômade. Ela, desde que 18 Antônio Marcos Pensamento da Silva (São Paulo, 8 de novembro de 1945 — São Paulo, 5 de abril de 1992) foi um ator, compositor, humorista e cantor brasileiro. 48 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 nascia, era preparada para realizar uma atividade, que requeria mais que o cumprimento de sua jornada de trabalho ‘como mãe e doméstica’: ela seria uma artista de circo à noite. Observamos que o papel assumido pela mulher no universo circense desde o fim do século XIX exige muito mais força de vontade e esforço para dentro do padrão vigente: ser capaz de cuidar das “prendas do lar” durante o dia e apresentar-se como artista circense à noite. Em alguns lampejos Auguet (1974, p. 27 apud BOLOGNESI, 2003, p.45) diz que: No ambiente do século XIX, o circo reservou à mulher um lugar de destaque, e a graça feminina, nos exercícios da Alta Escola, associou-se aos movimentos do cavalo. O mito da criatura frágil foi testado diante da força instintiva do animal. Mais do que a graça, o espetáculo circense explorou e conciliou o erotismo com os ‘fantasmas os mais etéreos da sensibilidade romântica’. Até o momento, nos territórios supracitados, pode-se dizer que os trabalhos de pesquisa sobre o papel da mulher e as relações de gênero no circo ainda não são suficientes ou inexiste, principalmente em relação a estudos do cotidiano de mulheres artistas de circo. Também é notório que os estudos de gênero na historiografia são muito recentes. Segundo Soihet (1997 apud VASCONCELOS 2007, p. 13) O desenvolvimento dos estudos de gênero está intimamente ligado às inovações teóricas e metodológicas no campo das pesquisas historiográficas. Ao abrir espaço para novas temáticas – não se restringindo apenas àquelas que enfocam as mulheres como participante do espaço público como trabalho, política, educação e direitos civis. – estes novos estudos focalizam espaços alternativos relacionados ao cotidiano, tais como a família, a maternidade, os gestos, a sexualidade e o corpo, entre outros. Ao perceber no campo da historiografia, bases que fundamentam estudos desta natureza, passa-se a entender que produzir um trabalho tendo como objeto de investigação a história de vida de uma família circense, existe ali a preocupação em destacar o papel da mulher nesse contexto. Mas ao analisar essas histórias de vida através dos discursos de cada membro da família é preciso estar atento para não cair na armadilha romântica de pensar que as mulheres circenses são sempre vistas/estudadas como artistas, como musas inspiradoras, ingênuas e fáceis de serem ludibriadas por palhaços conquistadores que as iludem e as roubam das famílias para viverem em 49 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 castelos de lona aquecidas durante o dia e resfriadas à noite neste belo cenário que é o sertão. Certa acuidade é necessária para tratar da presença feminina no circo, que, diga-se de passagem, se a vida para o homem circense dentro dos padrões culturais vigentes tem as suas complexidades, para a mulher talvez seja muito mais difícil, sendo um aspecto em que se agrega maior valor pelas suas conquistas. Silva (2010, p.85) faz uma melhor explanação sobre isso quando diz que: A mulher não desempenhava somente o papel de artista. Ela, apesar do regime patriarcal, fazia parte de um coletivo, em que todos — homens, mulheres e crianças — executavam as atividades. Diferente do que se observa hoje, à mulher circense do período analisado neste estudo não cabia exercer o papel de partner19, ela não podia ser simplesmente coadjuvante. Da mesma forma que os homens não eram “apenas” artistas, as mulheres circenses eram componentes vitais de todo o processo de constituição do que nesse estudo se entende por tradição no circo-família. No caso do presente estudo vamos adentrar a realidade de uma mulher de circo que muito tem contribuído para o desenvolvimento das artes circenses nos territórios Piemonte Norte do Itapicuru, Portal da Diamantina e Irecê. Uma mãe cuidadosa e preocupada com a união de sua família, Dona Socorro não é apenas uma artista circense, ela é uma herdeira da arte popular desenvolvida no nordeste, e foi com as vivências que se tornou bailarina, mestre de cena, atriz, contrarregra e bilheteira nos circos por onde andou até o amadurecimento em sua própria companhia, Weverton Circo. Esta mulher de um metro e sessenta, aproximadamente, cabelos pretos com traços de descendência indígena, ao ser questionada sobre suas vivências e a relação com a família no circo, nos laureia com suas memórias de infância ao falar sobre a presença feminina no circo no contexto do semiárido baiano, tendo como referência sua própria mãe: Minha mãe era bailarina. Trabalhava, cantava, era contrarregra também, da parte das mulheres, para entregar as roupa para as artistas trabalharem. Era responsável pelo guarda-roupa; tomava conta, lavava. Tinha época também que quando o dono do circo pagava, ela lavava roupas, cozinhava para muitos... Para os artistas solteiros, ela cozinhava também. Minha mãe batalhava muito (...) 19 No circo o termo é usado como parceiro de cena, geralmente como apoio para o outro artista que assume o papel principal. 50 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Percebemos que a entrevistada apresenta a mulher circense do semiárido inicialmente como artista, para depois falar de outras atividades aparentemente prosaicas. Contudo, se observarmos com mais atenção, compreendemos outros fatores referentes ao trabalho feminino no circo quando Dona Socorro diz: “Tinha época também que quando o dono do circo pagava, ela lavava roupas, cozinhava para muitos”. Inês Conceição, a mãe de Dona Socorro, assim como muitas mulheres de pequenas companhias circenses existentes no semiárido, desempenhava cotidianamente várias tarefas no circo. Além das atividades artísticas, as tarefas comuns ou socialmente definidas como feminina. Por um lado há um avanço, mas por outro a mulher é submetida a uma dupla jornada de trabalho. A beleza poética do picadeiro ofusca o esforço não menos importante dos serviços secundários? O homem circense divide as tarefas domésticas com suas companheiras? Todos são orientados desde criança à solidariedade com a família ajudando nas tarefas simples do dia a dia ou apenas as circenses recebem este encargo? Para responder estas e outras questões, será necessário um trabalho mais aprofundado tendo um objetivo específico voltado para este foco. No entanto, as análises das entrevistas indicam que além do convívio com sua própria família, as mulheres circenses ainda desempenham alguns serviços para terceiros como fora citado acima, a fim de complementarem a renda familiar. Com base na entrevista concedida por Dona Socorro, notamos que mesmo mostrando sua capacidade de auxiliar de diversas formas na manutenção de suas famílias e do sonho de permanecer juntos em busca da felicidade, a mulher circense no semiárido ainda não se libertou deste lugar de submissão ao homem. Muitas vezes sem aprofundar nesse assunto e movidas pelos sonhos iniciados por uma paixão pelo artista ou pela arte circense, estas artistas se submetem aos mais diversos trabalhos. O exemplo de Inês, mãe de Dona Socorro ajuda elucidar a questão. Ela tinha 16 anos de idade e casou-se com o palhaço Baratinha em Catolé do Rocha, no estado da Paraíba, na primeira metade do século XX, entrando na vida circense a partir deste 51 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 momento e assumindo responsabilidades de artistas e trabalhos socialmente tidos como femininos. Dona Socorro fala sobre o encontro dos pais: Meu pai armou o circo lá no norte, minha mãe era nortista, minha mãe é paraibana, Catolé do Rocha. Ele armou o circo lá e eles se conheceram; depois casou lá mesmo. Ela não queria nem sair, o pessoal dela não queria permitir o casamento. Mas, fizeram o casamento religioso. Porque ela só é casada no padre. A partir daí, ela acompanhou e viveu 45 anos no circo com ele. (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Muitas vezes o casal circense convive por muitos anos superando as dificuldades da vida itinerante juntos. Aos poucos um vai aprendendo com o outro e surge uma nova vida construída a partir de cada dimensão do cotidiano. Analisando cuidadosamente o caso de Inês Campos da Conceição, vêse que as mudanças ocorridas ao longo do tempo, muitas vezes muda o rumo das coisas e a vida ganha outro itinerário. Após a separação, o pai de Dona Socorro acompanhou outro circo e segundo a ela, sua mãe construiu e coordenou o próprio circo. Dona Socorro conta que sua mãe, Dona Inês, acompanhou o circo por amor ao palhaço Baratinha. Passaram muitos anos juntos e após a separação ela permaneceu na arte criando e administrando seu próprio circo. Percebe-se que o amor conjugal não superou as dificuldades, mas o amor pela arte circense a fez permanecer durante anos no circo. Inês Campos da Conceição acompanhou o circo aproximadamente na metade da década de 1950. Compreender o contexto social deste período histórico em que as questões de gênero não estavam em evidência no cenário das lutas por igualdade de direitos, supõe que tanto esta mulher circense como tantas outras, enfrentaram preconceitos ao assumir corajosamente deixar uma vida sedentária junto a sua família para se arriscarem na itinerância da vida circense. Aprofundamento no estudo sobre gênero será fundamental para se entender este período e o sistema vigente na época por que A partir do gênero pode-se perceber a organização concreta e simbólica da vida social e as conexões de poder nas relações entre os sexos; o seu estudo é um meio ‘de decodificar e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana’(FILHO, 2004,p.136) Compreendendo este contexto, será possível analisar as relações de poder, sabendo até que ponto as mulheres circenses do período analisado 52 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 assumiam suas responsabilidades como artista, mãe, esposa, educadora, além dos trabalhos socialmente entendidos como de obrigação feminina, e qual o posicionamento dos seus companheiros diante destas tarefas. Outra coisa que se pode analisar é o fato de os artistas populares desenvolverem sua arte e aprenderem lições a partir das vivências cotidianas mesmo percebendo as dificuldades enfrentadas pelos seus pares. O amor ao cônjuge move primeiro o desejo de liberdade junto da pessoa amada. Porém, quando este amor que é transformado a cada dia no convívio e existência com a arte, pode tornar-se incondicional. Dona Socorro lembra: Minha mãe viveu muitos anos de circo! Ela e meu pai andavam em circo, como a gente no início; depois ela criou um circo pra ela... Bem, mas, antes da separação eles andavam no circo de outras pessoas. Um dia eles decidiram: ‘Vamos fazer nosso próprio circo’. Começaram com um pano de roda e andaram muito com o circo, antes de a gente crescer... Nós ainda éramos pequenos, quando o circo deles acabou nós já estávamos grandinhos. Foi na época que ele inventou esse circo de mato, querendo andar de novo. A gente fez a mesma coisa muitos anos depois. (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Observamos que Dona Socorro fala de parar de andar com circo e viver uma vida sedentária para em seguida retornar para a vida itinerante. É muito comum os artistas circenses, principalmente os das pequenas companhias, resolverem para de andar com o circo por uns tempos. Isto acontece durante períodos difíceis, quando a economia do país passa por mudanças bruscas dificultando a circulação da moeda entre as camadas mais populares, público alvo dos artistas populares e das pequenas companhias circenses. Algo bastante curioso pode ser observado na entrevista quando Dona Socorro se refere a uma outra modalidade circense: circo de mato. Em nenhum registro analisado até o momento essa nomenclatura foi citada. Conforme Silva (2010, p.120) Como não saíam dos vários países europeus armados em pavilhões e, não encontrando no Brasil circos estruturados onde podiam trabalhar, os artistas imigrantes desenvolveram adaptações às realidades locais, de modo a sair das praças para se apresentar em espaços fechados nos quais pudessem cobrar ingressos, tendo como referência o conhecimento técnico da estrutura física de um circo que traziam da Europa. Pelos relatos, as primeiras formas de apresentação, em recinto fechado, são denominadas de circo de tapa-beco, circo de pau a pique, circo de pau-fincado e circo americano (o mais conhecido atualmente). 53 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Até o momento, não existe registros que descrevam a modalidade circo de mato, sendo esse, uma particularidade desta família circense. Mais uma comprovação da criatividade e persistência do artista. Uma vez que a dificuldade os obriga a parar, perdendo inclusive o pano de roda, ainda assim o amor pela arte, o sentido pulsante da vida artística os ajuda a encontrar uma saída para permanecer atuando. De acordo como o que foi narrado por Dona Socorro, o circo de mato foi uma forma que seu pai encontrou para voltar a atuar. Ela conta que eles aproveitavam o oitão de uma casa como base, depois retiravam madeira e galhos para fechar as outras partes formando um retângulo. Separavam uma pequena parte para ser o picadeiro e as pessoas pagavam o ingresso e ficavam em pé para assistir o espetáculo. A iluminação deste espaço rudimentar era feita da seguinte forma: retiravam murundus20 de cupins na natureza, colocavam trapos de pano e óleo reaproveitado que eles conseguiam em alguma oficina e construíam tochas para iluminação dos espetáculos. Era assim que durante algumas noites eles trabalhavam até juntar dinheiro e retornar para a vida itinerante prestando serviço em novos circos ou mesmo nas companhias já conhecidas. Percebemos que se dedicar a uma vida comprometida com atividades artísticas não é fácil e que o artista precisa superar dificuldades aparentemente impossíveis para uma pessoa comum. Esta reflexão leva-nos a pensar na força de uma mulher sertaneja que deixou a família, casou-se com o palhaço Baratinha e seguiu seu próprio destino em busca de aventuras e sentido na vida circense. Assumiu este modo de vida e ‘tocando em frente’, constituiu família, aprimorou sua arte e produziu artisticamente durante muitos anos no semiárido baiano e, segundo Dona Socorro, chegando mesmo a construir quatro circos. A mãe de Dona Socorro mora hoje na cidade de Jacobina, Bahia. Uma artista idosa com muitas lembranças sobre a vida itinerante, testemunha viva da memória da arte popular em nossa região. Mais uma fonte para a história do 20 Murundu é um tipo de micro relevo em forma de pequena elevação, geralmente arredondado, muitas vezes apresentando solo e vegetação diferentes da área circundante. A comunidade vegetal e as características abióticas de um campo de murundu em Uberlândia, MG. (RESENDE, 2004, p.1) 54 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 circo e uma memória que aos poucos se perde com as mazelas do tempo. Ainda sobre sua mãe Dona Socorro diz: (...) Trabalhava, aprendeu a trabalhar, dançar. Número quase ela não levava não, ela só fazia mais era dançar ou era cantar, que ela cantava, que naquela época que as mulher dançava em circo sempre cantava primeiro pra poder dançar rumba, aquelas rumba, dançava (...) (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) Aqui se pode pensar no fato de que as pequenas companhias de circo não tinham equipamentos de som, o que exigia dos artistas muitas habilidades. Pode-se imaginar um público de um povoado de pé em um cercado de mato no oitão de uma casa assistindo uma jovem cantando uma música acompanhada apenas por um cavaquinho tocado pelo palhaço Baratinha que mantinha a música instrumental enquanto a bailarina Inês Campos da Conceição dançava rumba. Tudo isso num contexto em que o preconceito com a mulher circense e, principalmente, das pequenas companhias de circo sempre foi muito grande, devido à ignorância e ao olhar machista por parte da sociedade, ainda presente na contemporaneidade. No entanto, existem na história do circo no Brasil, mulheres que fazem e outras que fizeram suas histórias marcando uma época, aliando o talento artístico à organização administrativa do circo-família, chegando a alcançar grande respeito e prestígio no país. O estudo de caso feito sobre Arethusa Neves em São Paulo citada por Andrade (2010) em sua tese de doutorado pela USP traz essa referência: Tudo leva a crer que Arethusa Neves gozava de grande prestigio junto aos que exerciam o poder constituído por onde quer que o circo Arethuzza se apresentasse. A maior prova disso é que em dois momentos, 1924 e 1932, quando o país se viu na iminência de uma guerra civil, a Revolução de Isidoro e a Revolução Constitucionalista, ambas eclodidas em São Paulo. Arethusa, nesses tempos de conflito armado, obteve salvo conduto parta deslocar-se pelas estradas sem ser incomodada. (ANDRADE, 2010, p. 317) O caso de Arethusa Neves pode se diferenciar da experiência da mãe de Dona Socorro em aspectos econômicos e estéticos de sua época, por conta das diferenças regionais e do período histórico em que atuavam, porém, no que se refere à importância e a forte presença da mulher no universo circense é possível fazermos alusões. 55 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Dona Socorro ao ser perguntada sobre sua família responde entusiasmada; é possível notar um sorriso encantador: “o nome da minha mãe é Inês Campos da Conceição e o nome do meu pai Euclides Rosa, conhecido como Baratinha e o meu nome é Maria do Socorro Campos da Conceição”. Ela é uma mulher corajosa, com quarenta e poucos anos de idade, traço étnico indígena e um espírito jovial. Confiante em seu trabalho e na herança de saberes adquiridos com os pais e experiências próprias construídas ao longo desses anos de vida itinerante. Seu entusiasmo torna-se mais evidente ao falar da infância no circo: Todos nós éramos pequenos, e eu sei que era uma dificuldade muito grande; mas, a gente achava bom; a gente era feliz com isso; eu mesmo gostava; tenho até saudade daquele tempo. Por que era um tempo em que nós éramos novos, a gente não pensava em probleas... Na infância, né? Perto do pai, perto da mãe. (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) São relatos que identificam o indivíduo com a linguagem e com ensinamentos referentes à realidade vivida por estes atores sociais. Pessoas que desde sua mais tenra idade aprendem a defender de forma consciente e com paridade o seu papel como circense, diante de um estilo de vida andante e o labor próprio do artista. Os circenses convivem diretamente com várias pessoas, levam uma vida que a exposição pública torna-os vulneráveis, obrigando-lhes a construir uma postura que lhes garanta o respeito ao trabalho e a proteção à família. (...) mas também as roupas não eram do jeito de hoje, era uma sainha mais ‘coisadinha’(sic), assim (faz gesto indicando babados); fechadinha; as roupas eram mais compostas. Ela trabalhou de dançarina e ele trabalhava de palhaço. Ela ‘mestrava’21(sic) cena pra ele. Sei que viveu foi muitos anos de circo, andava em circo, depois aí ela botou um circo pra ela. Chegou a construir quatro circos. (Maria Socorro Campos da Conceição, entrevista concedida em 27/06/ 2011) As famílias de artistas circenses estão sempre muito vulneráveis por conta da vida itinerante, o que os obriga manter o controle muitas vezes com uma educação mais rígida do que as famílias tradicionais. A postura moral que 21 Mestre de cena no circo é o artista que faz a relação entre o artista e o público, tanto pode apresentar o número como participar do mesmo. ‘Mestrear’ cena com o palhaço no linguajar circense é fazer parte da piada criando a situação cômica para que o desfecho seja dado pelo cômico. 56 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 as filhas dos circenses precisam manter é uma forma dos pais se sentirem mais seguros por onde passam, uma vez que o encantamento do público masculino pelas artistas, e vice-versa, seja em certa medida comum. O receio da visão da sociedade por onde passam, contribui para o crescimento do preconceito contra os circenses e talvez seja uma das causas da imposição moral. Por outro lado, a própria disciplina imposta pelos métodos de aprendizado da arte e as referências éticas pode ser a gênese de um costume que impõe uma postura moral para a mulher circense. Ao pensar o papel da mulher na família no início do século XX, incluindo aquelas que já desenvolviam uma atividade produtiva fora do lar, verifica-se que a mulher circense era portadora de uma tradição que pressupunha que iria tornar-se uma profissional da arte. Seu corpo e mente eram preparados não somente para ser mãe ou para trabalhar em uma atividade diferenciada, mas também para atuar num picadeiro e, no futuro, nos dramas encenados nos circosteatro.(SILVA, 2010, p.84) Estes são alguns aspectos que aproximam a mulher artista no picadeiro, (aparentemente reservada), uma livre) vez da que mulher os circense números na família apresentados (aparentemente por elas são cuidadosamente pensados pelos circenses para que não haja desrespeito às famílias por parte do público, nem prejuízo artístico gerado a partir de reservas morais que comprometam a estética do espetáculo. As entrevistas feitas com Dona Socorro mostram que as mulheres circenses tem manifestado intensa produtividade artística, ao mesmo tempo em que mantém uma acuidade com a família. Elas são contorcionistas, bailarinas, equilibristas, palhaças, bilheteiras, mestres de cena, ao mesmo tempo em que são mães, educadoras, esposas, cozinheiras, namoradas, conselheiras, enfermeiras etc. A busca de um equilíbrio entre as mulheres e seus companheiros no circo-família em nossa região se reflete nos depoimentos de Dona Socorro, que fala de manter o negócio tendo como princípio o cuidado e a honra da família. Trata-se de uma difícil construção, um entranhado pensamento entre a liberdade artística e a moral imposta pelo sistema vigente. Existe uma preocupação em não vulgarizar o trabalho da mulher circense tampouco atravancar a qualidade estética dos espetáculos, o que para 57 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 as mentes aparentemente sensíveis dos artistas não representa problemas, mas para a sociedade pudica e machista pode significar desrespeito e afronta. 58 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 4. FAMÍLIA, PÃO E ALEGRIA. Tinha momentos que eu pensava que estava fazendo tanta coisa importante, né? Trabalhando, agradando o público; eu gostando também... Mas, no fim das contas, não fica quase nada registrado, né? (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011.) . 4.1 Senhor Nilson e Dona Socorro No semiárido baiano, mais especificamente na região de Senhor do Bonfim no Piemonte Norte do Itapicuru; Jacobina, no Piemonte da Diamantina e território de Irecê, a família Weverton Circo tem atuado há mais de três décadas, desde a saída de seu fundador José Nilson Rodrigues Barbosa (Palhaço Carobinha) com apenas 12 anos de idade da casa dos seus pais. Senhor Nilson, como é mais conhecido, saiu do povoado de Catuní, município de Jaguarari, Bahia, no ano de 1977. O garoto José Nilson Rodrigues Barbosa integrou-se a companhia de Circo-Teatro Alan22, que provavelmente desembarcou do trem na estação ferroviária de Catuní, armou sua lona para “fazer a praça” naquela localidade e conseguiu agradar o público com seus espetáculos. Se pensarmos que as referências das artes cênicas provavelmente chegam aos povoados e distritos do país por intermédio dos pequenos circos, poderemos supor que foi este espaço de picadeiro que encantou o atual palhaço Carobinha. Um entusiasmo que faz emergir suas memórias de picadeiro, fazendo-o lembrar de que desde aquela época sua vida tem se caracterizado pela luta diária de levar para as camadas mais populares da sociedade o entretenimento através dos espetáculos circenses e, depois de ter constituído sua família, o aprimoramento, manutenção e memória da arte que aprendeu para garantir também sua luta pela sustentabilidade. 22 O Circo-Teatro Alan era formado por artistas de Minas Gerais do qual ele lembra de Suely suposta filha do Casal Paulo e Salomé proprietários do mesmo circo. (Josenilson Rodrigues Barbosa. Entrevistado 27/06/2011) 59 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Para compreender mais sobre essa história, precisamos conhecer seus criadores e, necessariamente, ter ciência de que as entrevistas não dão conta de toda complexidade das histórias de vidas das pessoas, e menos ainda, da vida de atores sociais culturalmente ativos, que vivem cotidianamente a itinerância, como é o caso desta “gente de circo”. Contudo, esse método de coleta de dados pode ajudar em algumas descobertas favoráveis à pesquisa, principalmente com a utilização da oralidade como fonte histórica. Indo direto ao ponto, percebemos que durante a entrevista concedida na cidade de Senhor do Bonfim, Bahia, no dia 27 de junho de 2011, Carobinha buscou na memória o nome de alguns lugares por onde andou e atuou com o Circo-Teatro Alan. Este foi o circo que encantou o menino José Nilson. Uma paixão que o fez sair de sua casa na microrregião de Senhor do Bonfim, mesmo com tão pouca idade e se envolver na vida artística tornando-se circense, popular e conhecido na região demarcada no mapa acima. Dono de uma memória formidável, Senhor Nilson, fala de si, de suas experiências, do encontro com sua companheira Dona Socorro e ambos falam dos filhos, dos artistas circenses com os quais se relacionaram, das políticas públicas para o povo de circo e suas expectativas para o futuro. Ao se lembrar das primeiras experiências no Circo Teatro Alan, ele fala do encantamento de um menino ao viajar de Catuni onde morava e passar por vários povoados e cidades circunvizinhas até tomar rumos mais distantes: Eu acompanhei eles, daqui, nessa região; aí fiz essa região toda, fiz Juacema, fiz Gameleira, fiz Ponto Novo, fiz Caldeirão Grande, fiz é... Paraíso, Cachoeira Grande, Batata, Ourolândia, Umburana, Lagoa Trinta e Três, Gameleira do Jacaré... Subimos para o sertão de Irecê... (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). Para um garoto morador em uma zona rural de uma pequena cidade, isso representa muito mais que uma simples aventura. Foi uma realização em sua vida que se tornou seu sentido de existir. Ele seguiu como ajudante até o dia em que resolveu pintar a cara em uma matinê. A experiência foi suficiente para que a magia acontecesse e o jovem se transformasse em um artista malabarista, equilibrista em arame e palhaço, aprimorando sua personagem e seus números na complexa e fabulosa “universidade da vida” itinerante de circo. 60 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Dona Socorro vem de uma família circense. Seu pai, Euclides Rosa (o palhaço Baratinha) natural do Rio Grande do Norte e sua mãe, Inês Campos da Conceição, natural de Catolé do Rocha, Paraíba. A história de seu pai em parte assemelha-se à de Sr. Nilson. Aos poucos D. Socorro vai falando sobre sua família. Essas informações são valiosas para o registro das histórias de vidas de circenses no semiárido baiano, uma vez que pouco ou quase nada se sabe por fontes oficiais e registros assegurados à existência e importância dos pequenos e médios circos na Bahia. A relevância em tratar sobre a origem dos familiares está em buscar a gênese dessa história para compreender os fundamentos que estão ligados ou não à tradição circense, comparando-os cronologicamente com as fontes que tratam do circo no Brasil. Com este propósito, aos poucos se conhece a história de vida de Dona Socorro, seus familiares e suas experiências como circense que muito se assemelham com as de seu companheiro. As parecenças artísticas e talvez as histórias de vida sejam as fontes de ligação do casal Nilson e Socorro. O pai de Socorro assim como Sr. Nilson, acompanhou um circo quando ainda era menor de idade. Ambos aprenderam no dia a dia a prática de se tornar circense. Dona Socorro nasceu no circo e, em suas andanças com sua família, conheceu Nilson no Circo-Teatro Alan. O mesmo circo em que se reencontraram tempos depois, unindo-se como cônjuges. Ele diz à sua companheira: “... Eu vim conhecer você aqui no Paraíso23, ali já tinha tempo que eu estava no circo...”. Continua: ...Eu conheci Socorro, muito antes da gente fazer circo juntos, ela já trabalhava no circo e a mãe morava em Jacobina. Na época nós éramos novos, nós não nos olhávamos, com interesse de amor, de coisa. Aí com um tempo, foi com um tempo que deu certo, né? A gente se encontrar... (José Nilson Rodrigues Barbosa (palhaço Carobinha), entrevista concedida em 27 – 06 – 2011). Aqui, ao fazer um aparte, para provocar uma reflexão sobre a vida itinerante dos circenses, na qual podemos perceber muitos códigos próprios dessa linguagem artística. Nilson e Socorro se conheceram no circo e nele permanecem até o momento desta pesquisa. No plano concreto pode-se dizer 23 Paraíso é um povoado do município de Jacobina, Bahia e fica a 330 quilômetros da capital Salvador. Jacobina possui uma população de 79.247 habitantes, senso 2010 IBGE, disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Visitado 29/10/2012 61 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 que Socorro nascera no circo por decisão de seus pais, e Nilson ao circo se juntou por decisão pessoal. Os artistas circenses vivem histórias semelhantes e muitas vezes se encontram nas andanças e mantêm uma comunicação entre si, sendo possível saber se aqui ou alhures uma ou outra família passa por dificuldades ou conquistam espaços produtivos para a linguagem, mantendo um cuidado com a praça trabalhada para não dificultar a próxima companhia que venha passar por ali. Após sua experiência com o Circo-Teatro Alan, Carobinha e Socorro resolveram sair e criar sua própria companhia formada por afinidades e parentesco. A trupe criou um pano de roda e passou a atuar nas praças por onde viajava com o antigo circo. O grupo cresceu e atualmente é a família Weverton Circo, que mantém o mesmo itinerário, tendo como endereço fixo a cidade de Jacobina no território do Piemonte da Chapada Diamantina, mas a predominância do trajeto segue prioritariamente do Piemonte Norte do Itapicuru até o território de Irecê. As regiões que compõem os territórios citados acima mantêm um complexo regional no semiárido baiano com determinados polos econômicos, como: o comércio geral e festas juninas em Senhor do Bonfim, pedras preciosas e indústria de exploração mineral em Andorinha e Campo Formoso, exploração de ouro e festas populares em Jacobina, comércio geral e agricultura em Irecê. Uma região rica e com vasto campo a ser explorado em vários aspectos da economia. Portanto, uma região propícia ao deslocamento de atividade itinerante em busca de público pagante para os espetáculos oferecidos pelos artistas. A visualização do mapa ajuda a pensar no trajeto realizado pelos circenses que hoje formam o Weverton Circo e que circulam pelos territórios supracitados. Um itinerário conhecido por eles desde o período mais remoto, quando do ingresso do patriarca da família na vida circense até os dias atuais como agentes de seu próprio empreendimento artístico/cultural. Quando perguntado sobre o início de suas atividades como circense, o senhor Nilson, (o palhaço Carobinha) respondeu: “Setenta e sete parece, setenta e sete pra setenta e oito”. 62 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Pela resposta incisiva de Sr. Nilson, concluímos que reativando a memória é a maneira como estes conhecimentos referentes à cultura circense permanecem e são passados na família. Os artistas populares dos circos de pequeno e médio porte repetem praticamente as mesmas ações todos os dias. Essa reprodução os obriga a memorizar saberes específicos dessa linguagem. Seus filhos aprendem diariamente estas lições e guardam a memória de seus antepassados circenses, ensinando a seus descendentes. Veremos que a entrevista com Senhor Nilson e Dona Socorro mostra a importância da memória individual e coletiva24 para fortalecer os registros de fatos ocorridos e períodos de cada acontecimento desta vida itinerante. Se observarmos o diálogo dos entrevistados, perceberemos a forma como estes conhecimentos são preservados diariamente pela oralidade, através das histórias contadas pela família circense. Ainda sobre a entrada na companhia Circo-Teatro Alan, D. Socorro tentou contribuir temendo confusão de datas: - Foi não Nilson... - Foi, quando eu acompanhei foi... Foi no tempo que tinha saído aquelas ‘combezinhas’... Foi quando eu acompanhei em 1977... Depois é que eu conheci você aqui no Paraíso.(José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Senhor Nilson refere-se ao início de seu relacionamento com Dona Socorro e também relembra as cidades e povoados por onde passou. A memória se entrecruza entre os momentos que para ele foram de grande importância para continuidade de seus anseios e sonhos. Primeiro nos povoados e cidades próximas a Jaguarari, lugar onde registra sua naturalidade, em seguida nos povoados e cidades próximas à microrregião de Senhor do Bonfim. ”Eu acompanhei, eu acompanhei por aqui, fui até... Passei por Jaguarari fui até Juacema, fiz Santa Rosa de Lima, Gameleira...”. Aos poucos Nilson vai desenhando o trajeto por onde passou quando ainda era apenas uma criança, em seguida pré-adolescente e a cada dia afastando-se mais de seus familiares e de Catuni, distrito de Jaguarari, onde até então morava, mas 24 A memória coletiva propriamente dita, é o trabalho que um determinado grupo social realiza, articulando e localizando as lembranças em quadros sociais comuns. O resultado deste trabalho é uma espécie de acervo de lembranças compartilhadas que são o conteúdo da memória coletiva. (SCHMIDT e MAHFOUD, 1993, p. 291) 63 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 por outro lado, aproximando-se mais da vida circense. Hoje a família se encontra pelo menos uma vez por ano quando o Weverton Circo faz a praça na terra natal deste artista. Inicialmente muitas mudanças começaram a acontecer, principalmente quando o Circo-Teatro Alan passou a receber as influências de outras realidades do estado da Bahia e a escola dos picadeiros foi ensinando ao jovem aprendiz lições com muitas palavras novas. Foi na prática que ele aprendeu o que é: argolão, lona, espia, estaca, pano de roda, empanados de picadeiro, mastro, morto, mastaréu, etc. Estas palavras foram se misturando com outras tantas do linguajar popular, transformando-se mais tarde em gags, jargões, pilhérias, chistes que são usadas no dia a dia na construção da atmosfera circense. A escola do artista José Nilson se estende por um território amplo e diverso, e seus professores não estão limitados a uma sala de aula convencional, ao contrário, eles mostram diariamente e na prática, como desempenhar seu aprendizado circense. Para nortear o discurso, podemos analisar que pouco mais de 300 km unem e separam os municípios de Jaguarari e Irecê. Uma distância propícia para a fruição de diversos elementos da cultura popular. Saberes que contribuem com mudanças sutis, percebidas na linguagem, nos hábitos diários, na maneira de ser deste povo ímpar e paradoxalmente distinto, que forma as populações dos sertões baianos. Essa é uma gente que o garoto José Nilson aos poucos começou a conhecer nas suas andanças e ao passar por vários lugares, como ele mesmo afirma: “Batata, Ourolândia, Umburanas; aí subimos lá pro sertão, Gameleira do Jacaré e fui para Irecê. Alagadiço, Gameleira, aquele Angical, subindo para lá, ficamos lá no sertão um bocado de tempo para lá. Ia até Jussara voltava, o circo quase todo ano tava em Jussara, eles armava... Trabalhei mais Seu Paulo25 umas três vez em Jussara. Jussara, São Gabriel... .(José Nilson Rodrigues Barbosa entrevista em 27/06/2011) Aos poucos estas cidades que outrora poderiam ter sido estranhas aos ouvidos de José Nilson, começam a fazer parte de seu repertório e de seu imaginário. Aquelas pessoas não lhe pareciam mais estranhas e os risos e sofrimentos se assemelharam aos seus e de outros tantos, nos lugares por 25 Seu Paulo era o companheiro de D. Salomé, ambos proprietários do Circo-Teatro Alan. 64 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 onde passou e começou a atuar no Circo-Teatro Alan como acrobata, funâmbulo e palhaço. A relação com a companhia Circo-Teatro Alan foi duradoura, isso pode ser percebido pelo tempo em que o garoto José Nilson viveu com estas pessoas. Ele confirma a permanência no referido circo e ratifica incisivamente sem interromper suas lembranças quando é questionado a respeito do ingresso neste circo, a quem o mesmo pertencia e por onde andaram: “É! São Gabriel, Presidente Dutra, eles gostava muito de tá por ali por aquela região (...) Iniciei neste circo. Era o mesmo circo de Dona Salomé”. Durante a entrevista, Dona Socorro continuou com seus afazeres domésticos, no entra e sai do ônibus que serve de casa. Em seu interior uma cozinha improvisada, camas de acampamento e alguns bancos. Ela preparava o almoço, lavava e pendurava panos em um varal improvisado. No entanto, não deixou de prestar atenção no assunto e volta e meia ela aparecia para contribuir com a conversa. Sobre o Circo-Teatro Alan ela diz: - Mas ele não existe mais não. - Tem o pessoal deles né? Mas tudo morando... Morador... Acabou! Não existe mais não. Acabou-se. .(José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Quando Dona Socorro refere-se a morador, ela fala das pessoas que encerraram as atividades itinerantes e passaram a ter uma residência fixa em alguma cidade, passaram a ser sedentárias. É o caso da filha dos proprietários do Circo-Teatro Alan, de quem José Nilson Santos Rodrigues e Maria do Socorro Campos da Conceição lembraram no decorrer da entrevista realizada em 27 de junho de 2011: - Tem a Suely... - Que mora em São José do Rio Preto. - Tem a Suely que é filha do dono do circo, ela trabalhou muito tempo com a gente depois que eles deixaram de andar com circo, ela... Aqui, mais uma vez Senhor Nilson mostra o quanto à relação com as pessoas do Circo-Teatro Alan foi duradoura. Carobinha afirma que uma filha dos proprietários daquele circo conviveu muito tempo no Weverton Circo após a extinção daquele circo. 65 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Dona Socorro sabe a importância dos registros documentais para a memória do circo e aproveitando o momento da entrevista, ela tentou garantir que este material possa ser guardado e cuidado para que não desapareça junto com a memória dos circenses. E foi pensando na valorização dessa atividade artística que ela falou dos dramas circenses26 indicando fontes para se encontrar estes registros: Eu vou te dar até o e-mail dela, para você entrar em contato com ela, para ver se ela tem os dramas, pra ela passar pra você, vai ser melhor assim, porque ela tem... Ela deve ter os dramas tudo guardado lá. Que ela antigamente escrevia os dramas naquele livrão sabe? (Maria do Socorro Campos da Conceição, 27/06/2011) Mais uma vez, se pode perceber a relação dos saberes passados através da convivência familiar. Os entrevistados lembram o nome de uma descendente do Circo-Teatro Alan, uma senhora de nome Suely, filha do dono do circo e que, provavelmente, possui os dramas apresentados que compunham os espetáculos daquela companhia. Um indício de que a senhora Salomé também estava preocupada com a continuidade da arte dramática no circo é que, segundo Dona Socorro: A finada Salomé uma vez que eu fui lá, ela disse: - Socorro eu vou te dá esses dramas. Agora que você tá com o circo e eu vou te dá, porque uma hora você quer formar um drama, aí você, já tem os seus dramas tudinho aí... (Maria do Socorro Campos da Conceição, 27/06/2011) Quando D. Salomé afirma que vai passar para D. Socorro os textos dos dramas, ela está confiante de que o “espetáculo não pode parar”, e que alguém a quem ela confia um cabedal de saberes saberá dar o devido valor a estes conhecimentos. Entretanto, isso não aconteceu até o momento da pesquisa e D. Socorro não apresentou nenhum arquivo, livro ou até mesmo um velho caderno que sirva como documento e registro. Os saberes do Circo-Teatro Alan não estão apenas nos supostos registros ou prováveis textos, hoje na guarda dessa filha do casal Paulo e Salomé. Eles aparecem especialmente na fonte viva que é a própria Suely, uma artista criadora, que segundo o relato do casal entrevistado, mantinha uma constante produção dramatúrgica. Em uma sutil pilhéria Carobinha cita a 26 Peças de teatro encenadas no circo. 66 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 produção poética de Suely dizendo que: “Tem vez que ela escrevia muito. Suely, comendo arroz e... que ela comia um arroz cru danado”. A memória emocional veio à tona, os olhos dos artistas entrevistados brilharam e o sorriso ecoou no espaço vago fazendo com que o palhaço Fofoca (Ueverton Campos Barbosa), o filho mais velho do casal, colocasse a cabeça pra fora da janela do ônibus para saber da novidade. As lembranças são generosas e Dona Socorro continuava emocionada e, sem perceber, misturou o passado e o presente. As lembranças trouxeram imagens de várias personalidades masculinas e femininas do mundo circense e do convívio do casal. Ao falar sobre outra antiga conhecida e artista circense, o casal o fez de forma tão visceral que nem percebeu que se tratava de alguém que já faleceu: - Outro também que pode ter muito drama guardado é Finada Raimundinha. Dona Raimundinha mora aonde? - Dona Raimundinha mora em... - Todos Velhos de circo viu? E ela é poeta, faz poesias... Dentro de cinco minutos ela faz uma poesia - Ela mora... Como é o nome dessa cidade... Aquelas cidades ali pra baixo.. Ibicoara... Ela mora em Ibicoara... - Redenção. É em Redenção. Ambos falam - Raimundinha. - É a mulher do Finado... É... - Essa escrevia drama. - Ela escreve drama essa daí. - Eu não sei hoje, que ela deve esta bem velhinha, mas ela escrevia o drama... - Uma cabeça que eu vou dizer, viu... - Ela escrevia drama, escrevia... Poema... - Ela fazia uma música assim, bem ligeirinha assim pra qualquer... Dentro de cinco minutos ela fazia uma música, é boa pra fazer essas coisas... - Fazia... Ela fazia poesia imediatamente pra uma pessoa assim ela fazia... - Ela faz tanta poesia bonita, não é Nilson? Que ela fazia... Ela declamava aquela poesia da carta do Baralho, declamava aquela... Um bocado... Tanta poesia, do cachaceiro... Menino olhe... Linda... Quando ela entra... Ela trabalhava no circo só pra fazer isso, ela apresentava as poesias. Cada poesia linda, linda, linda, finada Raimunda... Dona Raimunda... (José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Contudo, vemos que as lembranças do passado e as vivências do presente se misturam na memória dos entrevistados. Não fica claro se o marido, o qual eles não conseguem lembrar o nome, ou mesmo a mulher, Dona Raimundinha, estão vivos. Mas o registro é importante mesmo com esta forma de contar de si e de suas experiências de forma não linear, já que nosso 67 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 maior interesse nesta pesquisa é fazer um registro etnográfico para possíveis e futuras pesquisas na área de artes circenses. Quiçá um dia, possa existir um censo cultural para que sejam registradas todas as pessoas que contribuem com seus feitos artísticos. Se esta possibilidade se concretizar, o sistema educacional deve ser reformulado para que a produção de tais conteúdos sirva como referências na construção dos saberes culturais de cada lugar. E com isso, talvez seja possível visualizar as proporções da influência circense na formação cultural das pessoas. Será que poderíamos perceber como cada família circense pode contribuir com sua diversidade de saberes em cada localidade por onde passa? Seria possível analisar qualitativamente as contribuições de artistas circenses, a exemplo do palhaço Carobinha e Dona Socorro nesta parte do semiárido baiano na contemporaneidade? Infelizmente, estes exemplos ainda precisam ser provocados para que se possa pensar no valor artístico do circo. Desta forma, o valor de atividades lúdicas e de pessoas sabedoras de conhecimentos empíricos com forte base na cultura popular como são os casos dos artistas populares, principalmente os brincantes dos folguedos e da gente de circo de pequeno e médio porte, permanecem desassistidos e excluídos pelos mecanismos burocráticos vigentes. Seguir esta linha de raciocínio é querer impulsionar a discussão sobre o papel do artista popular no campo da cultura. Porque o objetivo dessa pesquisa, que tem como atores principais um casal de artistas circenses, é buscar e provocar o levantamento e diagnóstico de como estas famílias atuam e vivem há muitos anos nas cidades por onde passaram e continuam passando. O caso do Senhor Nilson e Dona Socorro é como o de muitos outros artistas populares. A família Weverton Circo, assemelha-se a muitas outras famílias circenses no Brasil e o que se deseja é melhorar a condição de vida destes atores sociais que desempenham um papel fundamental mantendo o espírito lúdico e fortalecendo a alma humana. Portanto, são os próprios fundadores do Weverton Circo que analisam os problemas vividos por eles e citam outros tantos artistas ativos que passam por problemas semelhantes. Questões como periferização dos circos, 68 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 dificuldades de localização de terreno adequado para armar a lona, falta de planejamento urbano na adequação do espaço destinado ao circo – quando existe este espaço na cidade, falta de estrutura hidráulica e elétrica nos espaços etc. Quando são questionados sobre quais as maiores dificuldades encontradas na vida itinerante de circo, o casal não demora em descrever com propriedade e cita, entre tantos outros, os mais graves: - Terreno, também tem horas que a gente chega assim eles não ajudam. Quando o terreno é sujo eles deixam... Pensa que a gente é bicho, é animal e bota pra lá. E tem hora que a gente tem que pagar o terreno, o alvará, a gente paga, é o direito nosso pagar. Se sente até bem também a gente pagar, porque tá em nossos direito. Agora eles podiam dizer: - Não, já que tem aquela área ali, vamos limpar, para quando o circo chegar tá tudo limpinho. Tem criança né? Eles não fazem isso, aí isso aí tudo é ruim pra gente que trabalha no circo. Sobre também água, é um momento ruim quando a gente chega. A gente... É difícil. A gente vai às casas, quer ajudar na água, “ah não vou dar água”. Também Circo Fulano de Tal... (Maria do Socorro Campos da Conceição, entrevista, 27/06/2011). Aqui, Dona Socorro fala um pouco da relação do circo com os poderes públicos municipais. Um relato que reflete com muita propriedade o drama vivido por estes artistas, por estas famílias que levam suas vidas contribuindo com o desenvolvimento artístico e a formação cultural nas comunidades por onde passam. Os terrenos espremidos nos bairros mais periféricos forçam uma relação com os moradores que, em sua maioria, são solidários com os novos visitantes. Como não existem na maioria das cidades espaços reservados para os circos, é uma prática comum dos circenses compartilharem com os moradores locais a água. Contudo, caso o circense não cumpra o acordo com o morador local, sua ação decerto vai refletir negativamente com os próximos grupos ou companhias circense que chegarem ao local: - Porque também tem muitos circos que eles passam já fazendo a ruindade com os outros que vem atrás. Você chega, combina aquilo direitinho e quando vão embora não fazem o que eles tem que fazer. Porque eles têm que manter a responsabilidade, se eles arrumaram a água, paguem. Porque vem outro atrás e precisa e aí... Os moradores não querem arrumar, né não? Aí é por isso que é ruim. Se chegasse ao terreno, já tivesse água encanada da prefeitura, o circo já chegasse e já encontrasse tudo isso aí, para nós artistas era fácil para a gente viver; mas, tem muito coisa que é muito difícil para circo ainda. Mas uma hora, a Deus querer, eles vão ver que a gente tem... Eles dependem da gente... Que nós também somos eleitores, todo mundo de circo! Eles sabem que a gente vota, eles sabem que eles dependem da gente. (Maria do Socorro Campos da Conceição, 27/06/2011) 69 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Dona Socorro explica em poucas palavras como funciona o sistema da administração pública e a organização das companhias circenses. A experiência adquirida durante os anos de vida itinerante é suficiente para garantir uma leitura de mudo mais consistente, uma visão da vida mais confiante em uma fala segura de quem tem ciência de seus direitos enquanto mulher, artista e cidadã. 4.2 “Filho de peixe...” Entre o brinquedo e o trabalho. Eu perdi a mocidade Com os pés sujos de lama Eu fiquei analfabeto Mas meus filho criou fama Pelo gosto dos menino Pelo gosto da mulher Eu já ia descansar Não sujava mais os pé Os bichinho tão criado Satisfiz o meu desejo Eu podia descansar Mas continuo vendendo caranguejo Gordurinha27 Família no circo A família de José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição, fotos de apresentações no Weverton circo, em anexo na pagina 85. Até o momento da pesquisa contava com uma filha, três filhos, três noras, quatro netos e um sobrinho. A tabela abaixo descreve maiores detalhes sobre estas pessoas que amam sua arte e seguem seu itinerário aprendendo a cada dia um número novo e fazendo das artes circenses seu modo de vida: Nome Data nascimento José Nilson Rodrigues Barbosa 17/04/1962 Naturalidade JaguarariBahia Escolaridade 2º ano do ensino Fundamental Atividade/função Palhaço (Carobinha)/ Administrador Membro da família Pai 27 MACEDO, Waldeck Artur (Gordurinha) foi um compositor, cantor e radialista baiano. Nasceu em Salvador, Bahia, 10/8/1922; faleceu no Rio de Janeiro-RJ 16/1/1969. http://www.dicionariompb.com.br/gordurinha 70 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Maria do Socorro Campos da Conceição 22/06/1962 ArapiracaAlagoas Teçalha Campos Barbosa 29/10/1981 Barra do Mendes-Bahia Ueverton Tarlei Campos Barbosa 16/03/1983 JacobinaBahia Ueliton Campos Barbosa 10/04/1986 André Campos Barbosa Jeferson da silva 06/05/1987 11/10/1997 Daniele Almeida Pereira 19/10/1991 Maria de Fátima Barreto de Oliveira 18/12/1986 Noélia Pereira Silva 14/02/1989 2º ano ensino Fundamental Bilheteira Mãe 5º ano do ensino Fundamental Corda indiana/ Adestradora/ Bailarina Filha de Nilson e Socorro 5º ano do ensino Fundamental Palhaço/ Locutor/ Facas Filho de Nilson e Socorro JacobinaBahia 5º ano do ensino Fundamental Equilibrista/ Palhaço/ Dublador JacobinaBahia 4º ano do ensino Fundamental Trapezista/ Giro/ Palhaço Filho de Nilson e Socorro 2º ano do ensino Fundamental Contorção/ Escadete/ Rola/ Duplo trapézio Sobrinho de Socorro 7º ano do ensino Fundamental Rumbeira/ Dubladora/ Mestre de Cena Esposa de Ueverton 6º ano do ensino Fundamental Rumbeira/ Dubladora Esposa de André 7º ano do ensino Fundamental Rumbeira Esposa de Ueliton JacobinaBahia São GabrielBahia Mulungu do Morro-Bahia São GabrielBahia Kauan Oliveira Barbosa Palhaço Andreia Silva Barbosa kailane Oliveira Barbosa Fátima Ketlen Campos Barbosa Pereira kauane Oliveira Barbosa Kauan Oliveira Barbosa 22/05/2.000 20/07/2005 18/09/2004 Mulungu do Morro - Bahia Ibitiara-Bahia Xiqui-XiquiBahia 2º ano do ensino Fundamental Força Capilar 2º ano do ensino Fundamental Bailarina/ Força Capilar Filho de Nilson e Socorro Filho de Ueliton e Noélia Silva Filho de Ueliton e Noélia Silva Filha de André e Maria de Fátima Filha de Teçalha Filha de André e Maria de Fátima Filho de André e Maria de Fátima Analisando o quadro acima, refletimos sobre a seguinte questão: os filhos dos circenses são obrigatoriamente circenses? Uma pergunta difícil de responder. Quem não é circense, ao integrar este modo de vida aos poucos se torna de circo. Da mesma forma que quem vive no circo um dia pode deixar de ser circense uma vez que ser circense é um modo de vida e não uma condição natural ou étnica. Em muitos momentos quando os entrevistados falavam sobre algum conhecido circense ou até mesmo pessoas de suas famílias, eles 71 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 diziam: “estão todos morando!” Isso quer dizer, pessoas que eram circenses, do ponto de vista itinerante, e que passaram a ser moradores com residência fixa em alguma cidade podendo ou não continuar sendo circenses mesmo com uma vida sedentária. Ao conversar com Teçalha, Ueverton, Ueliton e André, filhos de Senhor Nilson e Dona Socorro, eles são unanimes em falar do gosto pela vida itinerante e que sabem muito das dificuldades iniciais dos pais mais por narração dos mesmos ou por testemunho de tios do que através de vivências propriamente ditas. Ueverton (palhaço Fofoca) diz: As dificuldades que nós enfrentamos hoje são muitas. Nada comparadas com as que nossos pais viveram. Mas, hoje não é fácil não. O respeito pelo circo é muito pouco e falta muito apoio, projetos voltados para pessoas de circo mesmo. A gente viaja de uma cidade para outra, levando alegria para as pessoas e isso é o que satisfaz. Mas tem os filhos, escola, uma moradia melhor... Tem que pensar nisso também. (Ueverton Campos Barbosa, 27/06/2011) Na visão do palhaço Fofoca, o circo é importante e os circenses precisam de maior apoio do poder público. Em seguida ele fala das contribuições que o circo pode dar para a sociedade: Veja só... Se a gente tivesse apoio, a gente poderia armar o circo aqui em Senhor do Bonfim e ficar durante um bom tempo com uma escolinha de circo. A gente poderia ensinar nossa arte para as crianças e afastar elas das ruas, das drogas... Poderia fazer parceria com a escola e nossos filhos também teria mais apoio nas escolas. Mas, não tem como a gente ficar parado porque nosso trabalho é esse. (Ueverton Campos Barbosa, 27/06/2011) Vemos com isso, que as políticas públicas no campo da arte-educação, no que diz respeito às modalidades circenses, estão muito distantes de se tornarem realidade diante do sistema educacional vigente. E pior que isso, é que os mestres da cultura popular - e o circo não é exceção - começam a envelhecer, deixar os circos e aos poucos esta memória vai desaparecendo do convívio social. A preocupação de Teçalha está mais ligada ao processo educacional, quando ela diz: Eu fico preocupada com a formação das crianças... A gente sabe que é de direito colocar elas na escola. A gente coloca, mas o que se aprende é pouco. As professoras diz que agente tem que ensinar em casa... Mas a gente não sabe ensinar. Como é que vai ensinar se a gente também foi pouco a escola... O melhor é que tivesse professor que acompanhasse o circo. (Teçalha Campos Barbosa, 27/06/2011) 72 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 O processo pedagógico não é uma tarefa fácil e a criança que não é estimulada não aprende com facilidade. O que se pode perceber é que as crianças circenses têm vivências dinâmicas que fazem parte de seu cotidiano e que fica difícil se adaptarem às regras do sistema educacional. A escola precisa ser mais lúdica para todas as crianças, incluindo as circenses. Ueliton, o quarto filho do casal de circenses, tem passado por momentos difíceis no circo. Na cidade de Senhor do Bonfim ele perdeu o filho menor em um atropelamento. Mais uma crueldade da periferização do circo. O circo estava montado no bairro Bonfim III perto da BA 131. As crianças foram atravessar a pista e o filho de Ueliton foi atropelado e faleceu no local. Aqui cabe uma crítica contundente à administração pública do município, uma vez que a criança atravessou a estrada para fazer necessidades fisiológicas em terreno baldio que fica no lado oposto de onde o circo estava armado. Se houvesse estrutura física com rede de esgoto e banheiros para atender as necessidades básicas dos circenses esta tragédia poderia ter sido evitada. A comoção da sociedade, dos moradores do bairro e do poder público local não se compara à dor dos pais e familiares. O circo ficou em luto e a alegria exposta no picadeiro camufla a falta do pequeno artista que morreu por falta de investimentos que garantam um terreno em local seguro com estrutura de água, energia elétrica, rede de esgoto para que as companhias circenses sejam mais bem recebidas com garantia e segurança para as crianças e que seja uma prioridade. Ueliton diz: Em muitos momentos eu tenho vontade de sair do circo. Procurar outra atividade para ganhar a vida. Mas, desde criança que eu faço isso... Fazer o que também? A gente vê tanta gente desempregada, vai ser mais um procurando emprego... Aqui pelo meons, nós fazemos o que gostamos de fazer. (Ueliton Campos Barbosa, 27/06/2011) Muitas vezes o circo é uma opção para os circenses, outras vezes vivese dele por falta de opção. O circense precisa acordar todos os dias e reafirmar seu compromisso com sua própria vida e com sua gente. Independente do rótulo, o mais importante a se discutir é que o circense é um ser humano com limitações e necessidades, competências e direitos porque as dificuldades não são poucas, como não são para ninguém em nenhum outro espaço ou em nenhuma outra atividade. 73 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 4.3 Vida itinerante, o circo da vida Valsa dos Clowns Em toda canção O palhaço é um charlatão Esparrama tanta gargalhada Da boca para fora Dizem que seu coração pintado Toda tarde de domingo chora Abra o coração Do palhaço da canção Eis que salta outro farrapo humano E morre na coxia Dentro do seu coração de pano Um palhaço alegre se anuncia (Chico Buarque)28 Dificilmente paramos para refletir sobre os obstáculos que essas pessoas enfrentam diariamente, sobre as dificuldades e os pesos que carregam constantemente. Muitas vezes não pensamos nos seres humanos que são e que se escondem por trás das inúmeras máscaras personificadas no dia a dia, na luta fiel para conquistar seus anseios, como bem aborda a música do mestre Chico Buarque. Contar histórias sobre a vida itinerante de circenses não é uma tarefa fácil, quem nos conta é o Sr. Nilson e Dona Socorro. O casal fez questão de reunir suas memórias para compartilhar conosco, possibilitando a construção de um registro sobre uma história de circo do semiárido baiano. Essa história vem sendo reproduzida através das palavras que discorrem sobre as experiências vivenciadas, as dificuldades enfrentadas, as opiniões construídas e sobre os saberes que foram preservados e repassados por essa família durante seu percurso. Esses são exemplos de circenses que viveram e se doaram por amor a arte do circo. O caminho que o circo segue em sua trajetória histórica é sempre narrada e construída apontando inúmeras dificuldades, sob diversos aspectos. Afinal de contas, viver uma vida itinerante é se submeter às instabilidades cotidianas, é empreender uma jornada artística coletiva e não solitária, é andar 28 BUARQUE, Chico e LOBO, Edu – Valsa dos clowns. In: O grande circo místico, Rio de Janeiro, Som Livre, 1983, CD. 74 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 de uma cidade para outra à procura de espaço e de público, que a priori não se sabe onde encontrá-lo. Outras dificuldades como a dependência do público e a inflexibilidade das autoridades municipais, são barreiras que atrapalham os pequenos circos em suas andanças restringindo os terrenos da cidade, e mais do que isso é pagar para receber um alvará e não contar com as condições básicas necessárias para as devidas instalações do circo. Sabe-se pouco sobre as dificuldades que é se deslocar de praça em praça sem possuir um meio de transporte que suporte toda a estrutura física do circo, em que a pesada lona é apenas uma parte. Vale ressaltar, que essas dificuldades são comuns à maioria dos pequenos empreendedores circenses brasileiros. Aqui, o casal que deu luz ao Weverton Circo, narra um pouco sobre as suas particularidades que, de certo modo, estão embutidas no contexto social do circo de um modo geral. Uma das falas do Senhor Nilson traduz um pouco essa realidade difícil: Quando o circo era pequenininho tinha vez que a gente se apertava, que tu sabe que a vida da gente é cheia de problemas né? Cheio de altos e baixos, quando a gente tá começando principalmente. Começando pode dizer que não tem nada, né? (José Nilson Rodrigues Barbosa entrevista em 27/06/2011) Como dito anteriormente, depois de terem se encontrado e firmado um relacionamento sério no Circo-Teatro Alan e após terem passado uma longa temporada naquele lugar aprendendo e vivenciando as artes circenses, Sr. Nilson e Dona Socorro decidiram montar o seu próprio circo. Como afirma Dona Socorro, foi a partir daí que surgiram os momentos de maior dificuldade, mas eles foram alertados pelo pessoal do circo-teatro antes de realizarem esse intento: Uns diziam: ‘- Vá não, ser dono de circo não presta não’... Como na época mesmo que nós decidimos fazer o nosso: ‘ - Ei, vá não! - Vocês vão sofrer... Vocês vão sofrer tanto no meio deste mundo. Outros diziam: ‘- É ruim demais ser dono de circo’. Mas, a gente saiu só com a cara e a coragem, eu e Nilson. Nós saímos coma cara e a coragem mesmo; saímos fechando. Nós fazíamos era fechar beco mesmo, porque nós não tínhamos circo... .(Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Destinados a enfrentar o mundo afora, o casal seguiu seu destino com a cara e a coragem como afirma D. Socorro. Como eles ainda não tinham um 75 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 circo próprio, no caso a lona, tiveram que arranjar outros meios para garantir seu espaço de apresentação, o que os identifica enquanto circenses. Desta feita, passaram a utilizar madeira de sisal e seus próprios cobertores emendados para improvisar esse espaço. Sr. Nilson ao falar sobre sua trajetória classifica esse seu primeiro circo como “pano de roda”, uma prática muito comum nos interiores brasileiros, conforme explica o professor Nelson de Araújo (1979, p.14) sumário e carente, destituído de mastro e cobertura, o “pano de roda” é o ramo mais aventureiro de toda organização à qual pertence. Sobre este assunto Dona Socorro nos fala: A gente não tinha circo. Então, tirava madeira... Era pau de... Sisal e botava lá pra fazer o redondo, quando era de noite; a gente botava umas cobertas que a gente usava para se enrolar; porque tinha uma parte que não tinha o pano... Aquele plástico preto era a lona que a gente tinha. Aí a gente emendava com as cobertas. Quando terminava o show; tirava de novo para a gente se enrolar, com aquelas cobertas. No outro dia, tornava a emendar de novo, botava de novo, até quando... Nós fizemos uma sociedade com um rapaz e a mulher dele; compramos uns paninhos, começamos a comprar aos poucos. Depois ele pegou uma briga com a mulher, decidiu ir embora e nos vendeu a parte deles. Nós continuamos, batalhando com este material e aos poucos fomos estruturando o circo e nisso estamos até hoje. (Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Com o circo de pano de roda ambos batalharam durante muitos anos. Nessa época Senhor Nilson e Dona Socorro tiveram sua primeira filha, Teçalha Campos Barbosa (dançarina e domadora) e logo depois o primeiro filho Ueverton Campos Barbosa (Palhaço Fofoca e locutor – O nome do circo é em sua homenagem). As dificuldades29 eram tantas que não sobrava dinheiro para pagar um transporte para deslocar o circo para outra cidade. Houve épocas, como conta Dona Socorro, que o circo foi carregado até em carro de boi: “Nós colocávamos o material em cima e ia atrás caminhando a pé”. Nesses momentos a ideia da coletividade, da parceria e cooperação era de extrema importância para o fortalecimento da trupe. O circo na frente no carro de boi e nós com um bocado de bagagem assim... Uns meninos levavam uma bolsa, outro levava outra e ia caminhando. Assim a base... Uma légua, duas légua; a gente ia para 29 Para melhor entendimento das dificuldades enfrentadas pelos circenses na Bahia, consultar a página 14 da cartilha Bahia de todos os circos, produzida pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia em 2010 e que apresenta, entre outras coisas, uma relação de despesas básicas nas pequenas e médias companhias de circo. 76 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 os lugarzinhos pequenos. A gente enfrentava nessa época, era uma vida muito difícil. Hoje em dia, não, hoje em dia já tá melhor, né? O tempo vai passando a gente vai se aperfeiçoando, vai adquirindo alguma coisa na vida... .(Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Em outras passagens Dona Socorro comenta que a família não tinha condições de levar o circo com eles, dessa forma, era necessário deixá-lo em determinado local e seguir em frente. Com tamanha dificuldade e com os filhos ainda pequenos esses artistas seguiam seu trajeto “dando show” em outros espaços, até conseguirem alcançar melhores condições para enfim retornar e buscar o circo. Eles eram obrigados a se deslocarem andando a pé até as localidades mais próximas do povoado aonde a trupe chegava. Não era uma tarefa fácil para quem levava consigo filhos menores, Dona Socorro gestante, em outros momentos amamentando. Deslocavam quilômetros sem auxilio algum carregando os materiais necessários para a apresentação do show e em muitos casos nem isso foi suficiente. Com a carência de apresentações por falta de um número quantitativo de público para prestigiar os espetáculos, houve também a necessidade de arranjar outros meios e modos de garantir a sobrevivência. Dona Socorro, uma mulher muito esperta, como ela mesma diz, e com bastante saberes adquiridos com a experiência de vida, conta que nesses momentos difíceis ela procurava trabalhar com outras coisas. Fazia consertos em diversos utensílios em troca de algumas moedas ou de qualquer outra contribuição que a pessoa pudesse oferecer. Sobre os momentos de dificuldades que enfrentavam quando “a praça esta ruim”, Dona Socorro discorre: Olhe teve uma época que quando a ‘praça estava ruim’ mesmo. Veja só: nós chegamos numa região e a coisa estava difícil... Toda vida fui uma pessoa muito esperta, eu trabalhava e arrumava... Não dava arte não... Eu arrumava umas vasilhas para eu consertar, que sempre eu consertava estas coisas: sombrinha, guarda-chuva, panela de pressão qualquer coisa neste nível. Com isso eu arrumava o dinheiro... Eu fazia qualquer trabalho digno. Nunca fui de pegar no que é alheio, nunca gostei e nem incentivei meus filhos. Não aceito e não aprovo. Consertava guarda-chuva... Quando as pessoas não tinha o dinheiro eles diziam: ‘- Oh eu vou lhe dar um quilo de açúcar’, eu dizia: ‘- Eu quero’; ‘- um cozinhado de feijão?’; ‘- Eu faço! - Em troca disso aí eu faço, porque eu preciso, eu vou comprar!’ não é? No lugar que a gente chegava era muito difícil, eu dizia: ‘- com isso aí eu faço!’ E ali, aquela temporada daquele tempo ruim, a gente passava aquelas dificuldades depois chegava à outra ‘praça’ arrumava, dava dois, três espetáculos melhorzinhos e ia passando... .(Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) 77 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Percebemos que o caso do Weverton Circo não é diferente de tantas outras companhias de pequeno porte que possuem enorme dependência do público em todos os lugares que chegam para apresentar seus números e habilidades. A bilheteria deve cobrir os custos do deslocamento, permanência e saída da companhia de uma praça para outra. Quanto menor o público, mais dificuldades estes circense enfrentaram para manter a equipe e os espetáculos. O circo é uma presença marcante no imaginário de todo brasileiro nascido até o início dos anos 80, quando a televisão alavancou em definitivo seu poder junto ao público, esvaziando as tendas circenses dos centros urbanos. (ANDRADE, 2006, p. 15) Atualmente os artistas circenses necessitam bastante da criatividade em suas apresentações. É preciso inovar. Mas ser inovador não é uma tarefa fácil, principalmente diante de um mundo tecnologicamente avançado. Contudo, faz-se necessário lembrar que a fome diária não espera e as necessidades básicas urgem obrigando os artistas a avançarem adaptando seus números de acordo com a realidade do local para que chamem a atenção do público. Apesar de todo esse desenvolvimento tecnológico que afastou os espectadores das lonas, o circo ainda resiste e encanta, garantindo sua permanência nos espaços urbanos. As dificuldades vivenciadas por essa família circense beiram também outros aspectos que estão intrinsecamente ligados ao preconceito social. Ainda no século XIX, no auge da modernidade quando houve a institucionalização de algumas práticas corporais, em que se atribuiu a elas ideais de caráter higiênicos, ordenativos, disciplinadores e metódicos, o circo passou a não ser o melhor lugar para se frequentar (SOARES, 2005). De acordo com essa ideia burguesa, todas as práticas corporais que se apresentavam em ambientes abertos, feiras, ruas, circos em que acrobatas, contorcionistas, bailarinas, equilibristas, funâmbulos, palhaços, “gigantes e anões” despertavam o interesse do público no que se refere aos usos do corpo, eram vistas como perigo e ameaça, pois o universo gestual próprio do circo havia uma total ausência do caráter utilitário. Essa imagem foi fortemente demarcada e reflete também no Brasil até os dias atuais. Ainda segundo Soares (2005, p. 24): 78 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Esta inteireza não cabia na sociedade cindida, fundada e erigida pelo pensamento burguês. A atividade física fora do mundo do trabalho devia ser útil ao trabalho. A atividade livre e lúdica, encantatória do acrobata devia ser redesenhada no imaginário popular. Em seu lugar e a partir daquele universo gestual, nasceriam as ‘séries de exercícios físicos’, pensados, exclusivamente, a partir de grupos musculares e de funções orgânicas, a serem aplicados com finalidades específicas, úteis, e não como mero entretenimento. Ainda hoje as imagens que foram construídas acerca dos artistas circenses tem dificultado bastante o trabalho artístico. Muitas famílias quando chegam a determinados lugares a fim de apresentar seu trabalho, são barradas e, de certo modo, mal recebidas. A maioria das autoridades políticas nega, muitas vezes, um terreno ou qualquer outro espaço urbano para que a família possa armar o circo a fim de desenvolver seu digno trabalho. - A maior dificuldade... - A maior dificuldade que a gente encontra, só quando a gente chega assim em praça que os prefeitos ficam medindo distância pra gente armar o circo, né? ‘É... porque não vai dar, que agora você passa em outro período’. E aí tem hora que a gente vem até em fase de... Que a taxa financeira tá pouca, né? Com pouco dinheiro... - Para se deslocar para outro lugar. - E eles também não ajudam, poderiam dizer: ‘ - Não dá para vocês ficarem na cidade desta vez! Mas, eu vou ajudar vocês com um alguma coisa e vocês vão pra outra cidade assim mais na frente um pouco, vou dar um óleo uma coisa assim qualquer para vocês se deslocarem. Mas, isso não acontece, não ajuda, faz é desajudar, porque já que não dá o local pra gente armar ele tá desajudando a gente, né? Aí a gente fica com aquela dificuldade, eu acho isso. É muito difícil. .(José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) Outra reclamação oriunda dessas famílias quando se instalam nessas cidades é a falta de um terreno apropriado, limpo, com saneamento básico, água potável, etc., na verdade é o mínimo que deveriam oferecer para abrigar esses grandes cidadãos do mundo. Dona Socorro critica os métodos utilizados por muitas prefeituras no tocante à falta de incentivo e apoio às artes circenses e fala que tipo de política pública deve ser adotada para um melhor funcionamento dessa linguagem artística, mostrando o quanto os pequenos circos brasileiros têm sido marginalizados, ficando à mercê de uma atenção especial, o que raramente é encontrada. Entendemos que algumas medidas já foram iniciadas pelo poder público. Já existem inclusive, alguns programas do governo federal via Ministério da Cultura. Mas o circo urge por políticas para o fortalecimento das companhias, 79 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 de incentivo às famílias com atendimento específico em questões de saúde, alimentação, educação formal das crianças e adultos. Precisa ser criado um sistema que em dez, quinze anos no máximo os circenses adultos sejam alfabetizados, concluam a educação básica e o ensino superior. É preciso pensar na criação de uma universidade itinerante de circo, onde de forma modular o corpo docente visite os circos, socializando e contribuindo com os artistas/alunos. Este curso deve atender a pré-requisitos relevantes para o fortalecimento e aprimoramento do circense: 1º) Aperfeiçoamento nas disciplinas circenses; 2º) Administração da produção cultural e da economia criativa; 3º) Formação artística nas diversas áreas cênicas, música e educação física; 4º) Área pedagógica com ênfase na licenciatura. O Brasil aponta para um novo rumo na economia, aproveitando o que tem de mais rico em sua cultura que é a criatividade. Essas medidas precisam ser pensadas em caráter de urgência para que o campo da cultura se fortaleça e direcione quais são os meios que vão garantir a sustentabilidade cultural e melhor aproveitamento das linguagens criativas no campo econômico. O governo do Estado da Bahia iniciou de forma tímida algumas medidas de apoio às companhias de circo e aos circenses lançando editais que contemplam as artes circenses. Porém, são muito irrisórias diante da complexidade e diversidade de circenses espalhados por todo estado. - O governo da Bahia eles tem que olhar que o circo existe, o presidente da república também tem que olhar que o circo existe, porque eles... Eles têm uma votação muito grande de... - De gente de circo... - De gente circense, eles têm. Uma votação muito grande de todos os circos. - Não é nem pouco... - Então eles têm que olhar que o circo existe como qualquer empresa existe, né? - Que nós que somos pessoas de circo existimos como qualquer um morador, qualquer outra pessoa... - Nós temos que ter nossos direitos no banco, pra fazer empréstimo para melhorar nosso circo e investir em nosso trabalho. .(José Nilson Rodrigues Barbosa e Maria do Socorro Campos da Conceição entrevista em 27/06/2011) O Senhor Nilson diz que o desenvolvimento de seu empreendimento de circo está em consonância com as novas tendências econômicas que o país começa desenhar. Ele sabe que ampliar seu negócio é garantir melhor 80 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 qualidade dos serviços prestados às comunidades em geral. Deste modo, é preciso pensar uma linha de crédito que contemple as demandas deste público, com juros baixos e isenções de algumas taxas, principalmente para os proprietários das pequenas companhias. A questão cultural no país precisa ser pauta das discursões nos mais diversos espaços formais ou não formais. Tendo como base das discursões a diversidade cultural, a riqueza de detalhes em cada linguagem, seus desdobramentos e melhores meios de aproveitamento desta riqueza, para fortalecer a cultura brasileira contribuindo de forma significativa com a economia, distribuição de renda e desenvolvimento social do país. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa no campo cultural mais especificamente na área circense constitui-se em uma tarefa muito mais difícil quando se tem como objetivo registrar as memórias de pessoas oriundas dos referidos objetos analisados dentro da pesquisa etnográfica. A carência de material para estudo obriga o pesquisador a entrar em um campo empírico e fazer registros por meios diversos de coleta de dados que nos servem presentemente e para futuras análises, tudo com a devida imparcialidade mesmo diante de buscas com características afins, uma vez que pesquisamos o que faz sentido para nós e nossos pares. Adentrar neste campo de estudo em que se pretende abrir as cortinas da vida privada das pessoas pesquisadas é introduzir um olhar estranho, externo à vida íntima desses atores e suas famílias. A ação requer uma conquista de confiança e uma reciprocidade de respeito entre as pessoas estudadas e o pesquisador e isso é possível com delimitação do tema e objetivos que devem ser úteis para ambos, e maior no sentido de prestar um serviço público registrando parte da memória cultural de uma região para que sirvam de subsídio para estudos futuros sobre o tema dentro do contexto estudado. Tentoamos de forma breve discorrer sobre a história do circo, no intuito de situar o leitor dentro do contexto, indicando alguns autores que tratam do assunto. A intensão do texto neste sentido é preparar o terreno para identificar 81 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 a linguagem cênica de forma diversa. Possibilitando uma análise sobre os primórdios desta arte conhecidas hoje como circense. Dentro desta busca, foram citados alguns autores que indicam possíveis origens do espetáculo circense na antiguidade até a concretização do que se passou a denominar como circo moderno. O primeiro capítulo também procura aproximar as leituras de autores que apontam os povos ciganos como primeiros criadores e divulgadores da arte circense europeia no Brasil e indica algumas leituras que apontam quais famílias desembarcaram no país com o intuito de desenvolver as artes circenses em solo brasileiro. No capitulo 2, procuramos mostrar alguns fazeres circenses explorando especificamente as modalidades de equilíbrio, acrobacias aéreas e o palhaço, por serem linguagens trabalhadas no circo pesquisado e ainda tratamos no capítulo 3, de um tema muito delicado e importante que é a questão da mulher no circo, tentando analisar sua participação enquanto profissional das artes e sua dupla jornada de trabalho como mãe, esposa e doméstica. Por fim, no capítulo 4, o texto mostramosa o principal objetivo deste trabalho feito sobre o Weverton Circo, que é provocar novas buscas para comprovar que o Senhor Nilson e Dona Socorro vêm mantendo a mais de trinta anos a modalidade de circo-família. Estes dados são úteis para mudar os registros que apontam esta modalidade circense como não existente no cenário nacional. A partir da entrevista concedida pelos artistas desta família, registramos a quantidade de seus membros, analisando seus depoimentos e possibilitando que outros pesquisadores façam comparações e tirem suas próprias conclusões sobre os inscritos na historiografia do circo e sobre o conceito de circo-família. A análise das memórias de Senhor Nilson e Dona Socorro, permitem conhecer suas histórias de vida, de maneira que a confiabilidade dos fatos narrados por eles garantam o registro de acontecimentos artísticoculturais que indicam que no semiárido baiano ainda residem células desta modalidade circense. Contudo, estas buscas teriam sido muito mais difíceis ou até impossíveis sem a colaboração direta dos envolvidos a quem devemos mencionar especialmente as pessoas de Senhor Nilson e Dona Socorro, depoentes e 82 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 parceiros nesta escrita a partir de suas narrativas e disponibilidade em relatar suas memórias sem limitação das mais diversas lembranças; toda família do Weverton Circo, em especial à Teçalha Campos Barbosa pelos tantos e-mails e recados fazendo uma ponte entre os registros escritos e as contribuições de Dona Socorro, relembrando frases, fatos, nomes de pessoas e endereços a serem pesquisados. Nesse texto fica claro o quanto os pequenos circos brasileiros têm sido marginalizados, ficando a mercê de uma atenção especial dos poderes públicos. Reconhecemos que algumas medidas já foram iniciadas e que já existem alguns programas do governo federal, mas o circo urge por mais políticas para o fortalecimento das companhias. Não é fácil trilhar estes caminhos abertos pelos circenses. É necessário muito mais que talento. O elemento fundamental é a alegria com que se caminha. Mas para quem acompanha os passos largos de um palhaço sabe que para fazer sorrir é preciso entender a dor, porque ela é o sentido da alegria. Quem sofre quer sair do sofrimento, quem chora quer sorrir e quem sente dor quer alegria... O palhaço anda léguas incansavelmente em sua alma de menino arteiro, e suas tristezas remonta-se a cada rosto pintado derramando gargalhada em faces ingênuas e infantis mesmo sendo em corpos adultos. É preciso fazer ciência com a mesma intenção clownesca, deixando derramar pelas linhas histórias costurada com fios de sonhos, para tecer um lençol de lembranças e proteger a memória de picadeiro nas vidas de crianças e adultos circenses espalhados por todo Brasil. 83 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JÚNNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. 4 Ed: Cortez, São Paulo 2009. ANDRADE, José Carlos dos Santos. O Espaço Cênico Circense. 2006. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006. ANDRADE, José Carlos dos Santos. O teatro no circo brasileiro - Estudo de caso: circo-teatro pavilhão Arethuzza. 2010. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010. 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Dançarinas: Teçalha, Fátima, Andréa e Noelia . 88 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012 Kauan, filho de Ueliton 89 MEMÓRIAS DE PICADEIRO: Histórias de vida de circenses do semiárido baiano entre Senhor do Bonfim e Jacobina José Benedito Andrade de Oliveira – UNEB 2012