UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR AROLDO BUENO DE OLIVEIRA BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS MARÍLIA 2012 AROLDO BUENO DE OLIVEIRA BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. MARÍLIA 2012 Oliveira, Aroldo Bueno de Boa-fé nos contratos bancários / Aroldo Bueno de Oliveira – Marília: Marília: UNIMAR, 2012. 216p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Direito da Universidade de Marília, 2012. 1. Boa-fé Bueno de. 2. Contratos 3. Sistema Financeiro I. Oliveira, Aroldo CDD – 342.234 AROLDO BUENO DE OLIVEIRA BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília UNIMAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação da Prof.(a) Dr.(a) Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. Aprovado em: _____/____/2012. _________________________________________________________________ Coordenação do Programa de Mestrado em Direito Considerações _______________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Dedico este trabalho à Giselle e Emanuel, minha família, forças propulsoras de meu crescimento humano, intelectual e profissional. aos meus pais Jair e Laura, pelo constante incentivo. à Maria Helena Halgreen Gonçalves, in memorian. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, na pessoa de Seu Filho, que sempre me mostrou o bom caminho e me capacitou de condições físicas e mentais para realizar este trabalho. Agradeço à intercessão da “Senhora de Aparecida” e do “Cavaleiro da Capadócia” nesta minha jornada, conjuntamente meus pais Jair e Laura, pelas orações e pelo conselho que até hoje me impulsiona: “Vai estudar meu filho, pra ser alguém na vida!”. Agradeço ao meu filho Emanuel pelo torcida e compreensão. A minha esposa Giselle pelo amor e companheirismo incondicional neste longo caminho em busca deste objetivo. Dizer que te amo muito é pouco!!! Agradeço aos meus professores de Direito da UNOPAR – Campus Bandeirantes, que de um dia pro outro se transformaram em companheiros de mestrado, pelo incentivo: Diomar e Vanessa, Nelson, Altair, Silvio, José Carlos, Claudia, e de modo especial a Lucinéia de Souza Gomes Moreira e Sandra Marí de Carvalho Pereira, a “Sandra da Biblioteca” pelo incansável empenho. Agradeço aos funcionários da UNIMAR aqui representados pelo pessoal da Secretaria do Mestrado Érica e Augusto; aos Professores Lourival, Marlene, Paulo, Rita de Cássia, Walkíria, Ruy de Jesus e Adriana pela convivência e ensinamentos na fase de créditos, e de modo carinhoso e especial à professora Maria de Fátima, pelas “intervenções salvadoras nas aulas” e pela parceria nas atividades curriculares e extracurriculares. Agradeço aos professores de minha banca examinadora Dr. Lourival José de Oliveira, Dr. Nelson Borges e Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer pelas sugestões apresentadas. O artista tem razão quando fala que “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”; pois o “sabor” das conquistas e o tempero da vida são eles que nos proporcionam. Entre todos os que me acompanharam neste processo, ouso aqui representá-los em duas pessoas e uma Confraria: Doviglio Furlan “Neto”, Tiago Benedito Negreiros de Oliveira “Bean” e aos componentes da “Caverna do Dragão” que durante o transcorrer deste processo, tiveram papel fundamental. Finalmente, e de modo especial, agradeço à Professora Doutora Jussara Suzy Assis Borges Nasser Ferreira, minha orientadora, crítica e amiga, que desde a nossa primeira conversa não teve dúvidas em se juntar a mim nesta Odisséia proporcionando por meio de seu brilhantismo e sapiência ímpar, condições para atravessar as tormentas que existiram com perseverança e, finalmente, chegar ao ‘porto’: a conclusão deste trabalho. Bancare/garantir, fides/fé, Treu/financiar, confiar, credere, acreditar/crer, glauben, segurar/seguro/assegurar. Sim, efetivamente esses quatro contratos, essas quatro operações, essas quatro atividades econômicas, esses quatro serviços colocados à disposição dos consumidores no mercado brasileiro têm um elemento em comum que os domina: fides, de fidelidade, de acreditar, de assegurar, de crer, de confiar no outro! Boa-fé é um pensar refletido, é o pensar no outro, no mais fraco, no parceiro contratual, nas suas expectativas legítimas, é lealdade, é transparência, é informação, é cooperação, é cuidado, é visualização e respeito pelo outro. Claudia Lima Marques BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS Resumo: O avanço do comércio negocial tem suscitado no Sistema Financeiro a criação de várias figuras contratuais para atender à diversidade de negócios originados na esfera produtiva que, invariavelmente, necessitam de crédito para sua viabilização. Entretanto, no âmbito contratual, necessário se faz verificar qual a real importância e alcance do princípio da boa-fé. Pretende-se nesta pesquisa estudar a boa-fé do no direito contratual brasileiro no plano dos Contratos Bancários, dos diversos operadores do Mercado Financeiro e sua atuação no mercado de crédito, bem como consequências do abuso do direito e ausência de fiscalização; apresentar-se-á análise da atuação dos organismos responsáveis pelo controle do conteúdo contratual sob a ótica deste axioma principiológico. Justifica-se o estudo do tema pela sua importância diante das novas tendências do direito contemporâneo, levantando o interesse de intérpretes de diversas áreas de atuação da dogmática jurídica, uma vez que será argüida questão de grande importância na consecução e manutenção do direito das partes, influenciando principalmente na intenção real da manifestação de vontade e seus efeitos no mundo, seu efetivo resultado naturalístico. Como metodologia será adotado o método indutivo e dialético, com pesquisa documental e bibliográfica. Estudar-se-á ainda seus princípios formadores, sua evolução histórica, a natureza jurídica do instituto, sua valoração nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, bem como a dinâmica dessas relações, sob o prisma do Direito Econômico, da atuação da boa-fé do início até a extinção do processo negocial, dentro dessa nova ordem hermenêutica de justiça contratual. Palavras-chave: Boa-fé. Contratos. Sistema financeiro. GOOD FAITH IN CONTRACTS WITH BANKS Abstract: The progress of trade negotiations has raised the financial system to create various contractual figures to meet the diversity of business originated in the productive and invariably need credit to make it viable. However, under a contract, it is necessary to determine what the real importance and scope of the principle of good faith in this context. The aim of this research was to study the good faith of the Contract Law of the Brazilian Bank Contracts in the plan, the various operators of the Financial Market and its role in the credit market, as well as the consequences of abuse of rights and lack of supervision; present will analyze the performance of bodies responsible for control of the content from the perspective of this contract principiológico axiom. It is appropriate to study the subject because of its importance in the face of new trends in contemporary law, raising the interest of interpreters several areas of legal dogmatics, since it will be argued issue of great importance in achieving and maintaining the right of the parties, affecting mainly the real intention of the manifestation of will and its effects in the world, ie its effective naturalistic outcome. The methodology will be adopted the inductive method and dialectical, with bibliographical and documentary research. Study will further its principles trainers, its historical evolution, the legal nature of the institute, its valuation in the areas of doctrine and jurisprudence, as well as the dynamics of these relations through the prism of the Economic Law, the action of the good faith of the early until the termination of the negotiation process within this new order of justice hermeneutic contract. Keywords: Good faith. Contracts. Financial system. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade ANDIF Associação Nacional dos Devedores de Instituições Financeiras ANFIN Agência Nacional de Finanças e Investimentos ANMM Associação Nacional dos Mutuários e Moradores BACEN Banco Central do Brasil BB Banco do Brasil BGB Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão) BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH Banco Nacional de Habitação BRASILCON Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CC Código Civil CCom Código Comercial CDC Código de Defesa do Consumidor CEF Caixa Econômica Federal CF Constituição Federal CFPB Consumer Financial Protection Bureau CJF Conselho de Justiça Federal CMN Conselho Monetário Nacional CNJ Conselho Nacional de Justiça COPOM Comitê de Política Monetária COSIF Confederação Nacional do Sistema Financeiro CVM Comissão de Valores Mobiliários DPJ Departamento de Pesquisas Judiciárias FEBRABAN Federação Brasileira de Bancos FED Federal Reserve – Banco Central do EUA IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MNI Manual de Normas e Instruções – BACEN MP Medida Provisória PIB Produto Interno Bruto PLS Projeto de Lei do Senado PROCON Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia SFH Sistema Financeiro de Habitação SPC Secretaria de Previdência Complementar STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça SUSEP Superintendência de Seguros Privados TJ-GO Tribunal de Justiça de Goiás VRG Valor Residual Garantido v.g. verbi gratia = por exemplo LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Comparativo da Taxa Média Anual Brasil, EUA, CEE ...................................... 129 Figura 2 – Comparativo Taxa Anual Real Brasil e outros países ......................................... 130 Figura 3 – Relação de Processo onde ocorreram Correção da Taxa Remuneratória pelo STJ........ ................................................................................................ ........... 153 Figura 4 – Listagem dos Cinco Maiores Setores por Percentual de Processos ..................... 154 Figura 5 – Gráfico de Percentual de Processos e Quantitativo dos Polos Passivo e Ativo.... 154 Figura 6 – Listagem dos Cinco Maiores Setores por Percentual de Processos – Justiça Federal .............................................................................................................. 155 Figura 7 – Listagem dos Cinco Maiores Setores por Percentual de Processos – Justiça Estadual............................................................................................................. 156 Figura 8 – Evolução da Participação do Setor Público no Total dos Ativos dos Bancos ...... 171 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Histórico de Legislações do Sistema Financeiro Nacional .................................. 97 Quadro 2 - Organização do Sistema Financeiro Nacional ..................................................... 99 Quadro 3 - Competências e Atribuições do Conselho Monetário Nacional ......................... 100 Quadro 4 - Rol de Setores Econômicos e suas Agências Reguladoras................................. 170 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14 1 1.1 1.2 1.2.1 1.2.1.1 1.2.1.2 1.2.1.3 1.2.2 1.3 1.4 1.4.1.1 1.4.1.2 1.4.1.3 TEORIA GERAL DO DIREITO NEGOCIAL ................................................ 17 A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA PRINCIPIOLÓGICO .................................... 18 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL ...................... 21 Princípios Clássicos ............................................................................................. 22 Autonomia privada............................................................................................... 23 Força obrigatória das convenções ....................................................................... 26 Relatividade dos efeitos contratuais ..................................................................... 27 Crise da Principiologia Clássica ........................................................................... 28 PRINCIPIOLOGIA PÓS-MODERNA ................................................................. 32 MUTAÇÕES PRINCIPIOLÓGICAS DO DIREITO CONTRATUAL ................. 36 Função social do contrato .................................................................................... 38 Equilíbrio econômico ........................................................................................... 40 Boa-fé .................................................................................................................. 42 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA BOA-FÉ, HERMENÊUTICA NEGOCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA ...................................................... 46 ORIGENS DA BOA-FÉ ...................................................................................... 46 Instituto da Boa-fé no Direito Romano e Canônico............................................... 47 Direito Germânico e Alemão ................................................................................ 54 EVOLUÇÃO DA BOA-FÉ NO DIREITO BRASILEIRO ................................... 58 Do Período Colonial ao Código Beviláqua ........................................................... 58 A Constitucionalidade da Boa-fé na Carta Política ............................................... 62 A Atuação da Boa-fé no Códex Consumerista ...................................................... 63 A Aplicação da Boa-Fé no Código Civil .............................................................. 64 HERMENÊUTICA NEGOCIAL ......................................................................... 66 Cláusulas Gerais .................................................................................................. 67 Cláusula Geral da Boa-fé ..................................................................................... 71 SEGURANÇA JURÍDICA .................................................................................. 74 2.1 2.1.1 2.1.2 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.3 2.2.4 2.3 2.3.1 2.3.2 2.4 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.5.1 3.5.2 CONTRATOS BANCÁRIOS E O PROCESSO NEGOCIAL ......................... 80 TEORIA ECONÔMICA DO CONTRATO.......................................................... 80 DIREITO BANCÁRIO ........................................................................................ 92 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – HISTÓRIA, LEGISLAÇÃO E ESTRUTURA ..................................................................................................... 95 FUNÇÃO SOCIAL, CONTRATOS BANCÁRIOS E PROCESSO NEGOCIAL ...................................................................................................... 104 EFEITOS DA MASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS E AUSÊNCIA DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS ............................................................................ 114 Abuso do Direito ................................................................................................ 114 Cláusulas Abusivas nos Contratos Bancários...................................................... 116 3.5.3 3.5.4 Endividamento e Superendividamento ............................................................... 124 Onerosidade Excessiva dos Contratos Bancários e da Possibilidade de Revisão Contratual ............................................................................................ 128 4 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NO CONTROLE DO CONTEÚDO CONTRATUAL ....................................................................... 136 FORMAS DE CONTROLE DO CONTEÚDO CONTRATUAL ....................... 138 Controle Privado ................................................................................................ 139 Controle Administrativo ..................................................................................... 142 Controle Judiciário ............................................................................................. 150 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.......................................................... 157 Responsabilidade Pré, Contratual e Pós Contratual............................................. 160 DA POSSIBILIDADE DE AGÊNCIA DE REGULAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO .................................................................................................... 168 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.2 4.2.1 4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 177 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 182 ANEXOS .......................................................................................................................... 196 14 INTRODUÇÃO Os contratos bancários não são somente instrumentos de concretização dos negócios jurídicos celebrados no âmbito financeiro, mas meios de concretização de políticas econômicas de Estado ensejando uma constante necessidade de regulação e intervenção, razão do enorme contingente de pessoas que são atingidas nestas celebrações nos inúmeros setores produtivos de nossa economia de mercado. É inconteste a importância dessa relação contratual na sociedade, – para empresas e consumidores –, tornando-se um dos pilares do Capitalismo, tanto em âmbito nacional como no comércio internacional. As atividades financeiras e bancárias ocupam um papel realizador de políticas econômicas e governamentais, inferindo nos seus contratos uma função social relevante dentro destas, como mecanismo capaz de instrumentalizar e regular a vida em sociedade. A escolha do tema para pesquisa ocorreu em vista do axioma da boa-fé ser a base principiológica de novos deveres especiais de conduta existentes durante a vigência de toda relação contratual (lealdade, cooperação, sigilo, informação, proteção); aspecto primário a se observar na interpretação da manifestação de vontade dos agentes em sua razão finalista e por sua carga valorativa para os intérpretes que o aplicam. Dadas essas premissas, o problema que cumpre esclarecer é alcance e importância para o mercado financeiro da utilização desse princípio no âmbito das relações negociais e contratuais para alcançar os objetivos almejados pelo Sistema Financeiro Nacional, albergados em nossa Constituição. As hipóteses norteadoras partem da existência de uma interação simultânea e sem hierarquia dos novos princípios contratuais com o triplé principiológico clássico dentro do âmbito contratual; que as instituições financeiras resistem em se sujeitar ao princípio da boafé conforme disposto em nossa legislação e existem óbices dentro do setor estatal (executivo, legislativo e judiciário) para se para coibir os abusos ocorridos no âmbito dos contratos bancários. O presente estudo objetiva, no âmbito contratual, analisar se existe respeito por parte das Instituições Financeiras aos deveres de boa-fé impostos pela nossa legislação, doutrina e jurisprudência, ensejando sua responsabilização civil e possibilidade de intervenção Estatal. Por questões didáticas, a pesquisa foi dividida em quatro seções. Na primeira, a pesquisa apresenta o estudo da teoria geral do direito negocial, com uma análise principiológia clássica e pós-positivista dos negócios jurídicos, buscando em sua releitura evidenciar as principais transformações sociais e jurídicas, bem como os parâmetros para compreensão contemporânea do instituto. 15 Na segunda seção, mostra-se a evolução histórica do princípio desde a antiguidade delineando sua real importância nas relações negociais com uma releitura histórica do instituto na legislação pátria, conjuntamente com as principais inovações interpretativas que a teoria contratual vem experimentando, mediante o estudo do axioma da boa-fé, bem como o real alcance oferecido pela legislação e doutrina na análise do equilíbrio contratual pelo judiciário. Na terceira, inicia-se com análise da teoria econômica do contrato, mostrando o custo social que uma intervenção judicial acarreta no mercado consumidor, seguindo uma apresentação dos agentes responsáveis pela operacionalização do sistema financeiro no âmbito nacional; princípios éticos formadores das condutas mantidas entre as partes durante o desenrolar da relação contratual, finalizando com um rol de procedimentos abusivos adotados pelos agentes financeiros que, aproveitando-se da massificação contratual do setor, ocasiona o enriquecimento das instituições e uma situação de superendividamendo no mercado consumidor. Na quarta e última parte, demonstrar-se-á a aplicação do princípio no plano prático, nas formas de controle do conteúdo contratual utilizadas pelos institutos responsáveis, com as responsabilidades pela sua inobservância e com outra proposta de controle para esta nova ordem hermenêutica de justiça contratual. Metodologicamente utilizou-se pesquisa bibliográfica, como fichamento de fontes primárias e secundárias. A pesquisa foi documental e bibliográfica, sendo a documental extensiva a leis, decretos, resoluções e outros diplomas legais, cujos documentos poderão ser encontrados na rede mundial de computadores, especialmente nos sites oficiais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para abordagem do tema foi utilizado o método indutivo e dialético, processo mental pelo qual, partindo de dados particulares, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Indutivo porque se buscou uma conclusão para o tema em si, com base na análise das premissas postas durante o trabalho e, dialético, porque foram utilizadas comparações com outras instituições existentes, confrontando-as e utilizando-as como esteio para resultado. A realização de qualquer trabalho no campo do Direito deve proporcionar um resultado prático, demonstrando sua contribuição para sua evolução, que como ciência prática e efetiva produz efeitos na sociedade e também define os limites no plano normativo, para a vida harmônica das pessoas. O presente estudo anseia produzir em algum grau, efeitos positivos para agentes que firmam contratos neste setor, como nos diversos outros que agregam a economia nacional. A ideia de realizar uma dissertação abordando um tema muito explorado na doutrina 16 nacional e estrangeira se perfaz na proporção que, nos bancos acadêmicos, estuda-se a Teoria Geral dos Contratos no contexto de determinados tipos contratuais – não incluindo os Contratos Bancários –; assim, pela observação empírica sob a ótica econômica, visualiza-se a importância dos contratos bancários no cotidiano das pessoas (naturais e jurídicas) ao passo que, sob o emaranhado de leis e regulamentos existentes para a atividade financeira e bancária existe uma configuração contratual ímpar que deve ser objeto de estudo, descrição e regulação normativa, para harmonização dos pressupostos constitucionais e efeitos decorrentes das atividades financeiras e bancárias e nos negócios jurídicos praticados neste atual estágio da economia de mercado. Justifica-se também o tema proposto diante das novas tendências do direito contemporâneo, levantando o interesse de intérpretes de diversas áreas de atuação da dogmática jurídica, uma vez que será arguida questão de grande importância na sua consecução e manutenção contratual, influenciando principalmente na intenção real da manifestação de vontade e seus efeitos no mundo, seu efetivo resultado naturalístico. Por fim, não há maior interesse no mundo jurídico, que a determinação da eficácia e o alcance valorativo da manifestação de vontade das partes, levando em consideração a situação atual dos partícipes, o fim social do contrato e, principalmente, o controle da atuação jurisdicional na interpretação e aplicação do instituto da boa-fé objetiva, sempre em busca da almejada justiça contratual. 17 1 TEORIA GERAL DO DIREITO NEGOCIAL As mudanças ocasionadas no Direito Privado na atualidade são resultados das modificações provocadas pelo desenvolvimento do capitalismo no contexto social que atua e pelas desigualdades por ele impostas. Enquanto de um lado, assistimos à formação de grupos de poder econômico em sociedade de capitais, em cartéis, consórcios, trusts, de proporções sempre maiores, in contrário sensu, observamos a consolidação de associações e agrupamentos, irmanados no propósito de defender os interesses de toda uma coletividade. Tais interesses devem, conforme Salvatore Cascio, apud João Batista Vilella 1, ter sua tutela própria no direito privado, bastante amplo para compreender, ao lado da autonomia individual, também uma autonomia coletiva, mesmo porque esta é o meio pelo qual se desenvolve e se fortalece aquela. Ao Estado cumpre o papel de intervir para equilibrar este jogo de forças, lembra Pereira e Silva2, uma vez que é a “[...] única forma de a sociedade capitalista preservar-se, necessariamente mediante empenho na promoção da diminuição das desigualdades socioeconômicas”; impondo-se ao “Capital” respeitar os ditames de ordem social e econômica expressos no artigo 170 da Constituição Federal (CF). Ratificando, Castro y Bravo apud Ferreira denuncia a necessidade da intervenção estatal para coibir os excessos no ambiente negocial de então: Frente a sus abusos, ‘los particulares’ reclaman, porque lo necesitan, el apoyo del Estado, para que limite los excesos de la autonomía privada. De lo que resultan presiones, de un lado y de otro, que coinciden en disminuir el alcance de la autonomía privada pervive. Lo que puede explicarse por los encontrados intereses de las fuerzas sociales en lucha, por el valor mismo de las ideas de libertad e igualdad para la propaganda política, y, sobre todo, por esa necesidad interna que siente toda ordenación jurídica de justificarse en principios de Justicia.3 Vale salientar que estas novas concepções dentro deste contexto econômico, servem de pano de fundo para compreensão dos textos jurídicos e sua normatização. Da interpretação de fatos externos, insere o texto jurídico no “mundo da vida”, ensina Lênio Streck, parafraseando Eros Grau: 1 CASCIO, Salvatore Orlando. Il nuovo del diritto privato. Rivista di diritto civile, genn.-febb. 1964, p. 68-69 apud VILLELA, João Batista. Por uma nova teoria dos contratos. Rio de Janeiro: Revista Forense, n. 261, jan./mar. 1978, p.27-35. 2 SILVA, Reinaldo Pereira e. O mercado de trabalho humano. São Paulo: LTr, 1998, p.45. 3 CASTRO Y BRAVO apud FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria critica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, Londrina, v. 2, n. 1. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/ direitoprivado/artigos/Jussara_Ferreira_Teoria_Critica_Negócio_Jurídico.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2011.. 18 [...] faço uma distinção entre texto (jurídico) e norma (jurídica). Isto porque texto, preceito ou enunciado normativo é alográfico. Não se completa com o sentido que lhe imprime o legislador. Somente estará completo quando o sentido que ele expressa é produzido pelo interprete, como nova forma de expressão. A interpretação do Direito faz a conexão entre o aspecto geral do texto normativo e a sua aplicação particular: ou seja, opera sua inserção no mundo da vida. As normas resultam sempre de interpretação. E a ordem jurídica, em seu valor histórico concreto, é um conjunto de interpretações, ou seja, um conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é uma ordem jurídica apenas potencialmente, é um conjunto de possibilidades, um conjunto de normas potenciais. O significado (ou seja, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa.4 Assim se impõe a doutrina e, aos operadores do direito, um permanente controle e estudo da validade dos conceitos tradicionais, bem como da análise dos paradigmas existentes em prol dos interesses coletivos. No Direito dos Contratos existem pelo menos dois paradigmas que se confrontam: o paradigma liberal em que se defende a concepção clássica ou liberal e no paradigma do Estado Social, em que se defende uma concepção chamada moderna ou social do Direito Contratual. Conforme o paradigma vigente, no entendimento de Eliseu Jusefovicz5, o Direito desenvolverá a função de disciplina e harmonização dos interesses contrapostos do homem em sociedade, como também uma orientação pedagógica sobre o comportamento humano, orientando segundo determinado modelo. 1.1 A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA PRINCIPIOLÓGICO A Constituição Federal de 1988 consagra em seu corpo os princípios como vetores para aplicação e interpretação do ordenamento jurídico, a exemplo do inc. III do art. 1º e o inciso I do art. 3º. Cogente é o ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello sobre a importância do sistema principiológico para a harmonia do sistema jurídico, e as consequências danosas pela sua não observância: Princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondolhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. 4 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.18. 5 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.27-28. 19 Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo um sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas mestras que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.6 Imprescindível investigar os princípios contratuais para a compreensão do ordenamento jurídico e para aqueles que atuam no universo do Direito, uma vez que influenciam nas relações do Direito com a sociedade, afastando a rigidez da norma abrindo uma nova visão para o caso concreto, estabelecendo diretrizes para que o estudioso do Direito acompanhe e atenda necessidades sociais. A aplicação dos princípios no âmbito contratual demonstra a importância que os contratos para sociedade, definindo a socialização do direito contratual na modernidade, já que os princípios são normas e, como normas, implicam um dever ser. Em uma crítica ao atual modelo negocial, destaca Ricardo Luiz Lorenzetti a insuficiência do formalismo, bem como a materialização de um novo regramento contratual fundado em valores sociais: Ya que las reglas contractuales precisan de una valoración que tome en cuenta las particularidades del caso y los cambios socioculturales que se producen. La utilización de ‘cláusulas generales’, como la buena fe, el abuso del derecho, y de standards, como el de un ‘contratante razonable’, permite que tanto las partes, como el juez, como la doctrina, utilicen criterios nacidos de las costumbres, valores, etc. Hay un proceso creciente de ‘materialización’ de la regla contractual, diccho esto en el sentido de incorporar criterios de justicia material.7 Uma nova teoria contratual encontra-se em constante processo de formação, buscando uma interpretação criativa e construtiva do Direito. No contexto globalizado das economias, procura-se distanciar da obrigatoriedade e intangibilidade dos pactos enquanto mecanismo de garantia e liberdade do poder econômico, caminhando com a conjugação dos princípios, na busca do equilíbrio entre direitos e obrigações entre as partes. Irretocável é a ponderação de José Joaquim Gomes Canotilho sobre o assunto: [...] É também o mundo do globalismo e da arbitragem, da desestatização e da privatização da ordem liberal mundial da bolsa e do comércio. Poderá 6 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.817-818. 7 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos: parte geral. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2004, p.59. 20 ainda a ordem normativo-constitucional e dos seus respeitáveis valores da razão, e da pessoa e do progresso abarcar a desordem, a indeterminação, a globalização e o diferencialismo? O problema que se põe a qualquer jurista colocado no meio destes dois mundos é o de saber como resolver em termos juridicamente rigorosos e constitucionalmente não-capitulacionistas as questões da ponderação de direitos e bens através de uma balança que já não tem só dois pratos, antes digitaliza em termos reais interesses múltiplos e múltiplos interesses. De qualquer forma, e à laia de roteiro problemático, cremos que a epígrafe deste estudo exprime bem o punctum saliens da questão. A ‘constitucionalização do direito civil’ e a ‘civilização do direito constitucional’ não dispensam a abordagem de relevantes problemas metódicos com os da unidade de ordem jurídica, da autonomia do direito privado e do direito público, da interpretação do direito privado em conformidade com a Constituição, da aplicação imediata dos direitos fundamentais pelo juiz e da articulação da observância dos direitos fundamentais com a ordem pública.8 O ordenamento jurídico liberal manifesta-se como garantidor da ordem econômica existente, ao Estado pouco importando o risco de ferir a livre iniciativa, ou outros valores pontifica João Bosco Leopoldino Fonseca9. Hoje, a função do Direito neste cardápio principiológico, é de força prospectiva e impulsionadora em direção a vários valores importantes para a sociedade. Ao Estado, no papel de facilitador entre a legislação e a atuação privada, compete assumir a responsabilidade de viabilizar a atividade e iniciativa individuais com a força deontológica dos princípios positivados na ordem jurídica, colocando marcos e limites no capitalismo reinante. Neste sentido é o ensinamento de Ruy de Jesus Marçal Carneiro: É verdade, por outro lado, em existindo o exercício de uma economia liberal, nem por isto o Estado brasileiro permite que a palmeira vergue ao sabor do vento, pois é de sua obrigação colocar marcos e limites para que se evite a selvageria de um capitalismo sem ordem e sem freios, pois um dos princípios fundamentais já elencados, o da ‘dignidade da pessoa humana’, merece ser respeitado porque, a final, o que deve imperar é o bem-estar da coletividade mesma. Nesta trilha, pois, a ‘livre iniciativa’ deve ser desenvolvida como uma regra principiológica, para que o homem possa ser criativo e oferecer a sua inteligência e o seu talento em benefício da coletividade com a qual convive, trabalhando, sempre, envolvido não só com os aspectos financeiros e econômicos de suas empresas, mas, sim, que estas possam devolver a essa mesma sociedade, por conta dos lucros amealhados e por meio do pagamento de tributos, os quais deverão retornar como oferta de serviços 8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito civil?: a eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto (Org.); GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 108-115, p.114. 9 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.213. 21 públicos por meio de políticas governamentais próprias e adequadas em benefício de todos, tudo, porém, sem excessos ou abusos.10 Com relação ao Direito dos Contratos, encontra-se em processo de concretização a nova concepção, tarefa proposta ao Estado Democrático de Direito de assegurar a materialização conjunta da liberdade, da igualdade da justiça e de outros princípios que podem ser encontrados desde o preâmbulo constitucional. Assim, na aplicação dos princípios contratuais, considerar a Constituição será primordial para nortear a fundamentação e interpretação desses valores, em atendimento ao processo de constitucionalização que o Direito Civil enfrenta, como consequência do paradigma deste Estado Democrático de Direito. 1.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL O Direito Contratual é composto por princípios que desempenham importante função na formação dos contratos, servindo de base tanto à liberdade de contratar, como fornecendo segurança jurídica necessária às negociações. Estes não atuam somente na criação dos contratos, mas vigoram e orientam as relações negociais desde as tratativas até sua extinção. Entre os principais podemos elencar o princípio da autonomia privada, princípio da obrigatoriedade das convenções, princípio da relatividade dos efeitos, princípio da função social do contrato, do equilíbrio econômico e principio da boa-fé contratual. Apresentam-se como consequência natural do desenvolvimento e evolução do sistema mercadológico, orientam o funcionamento e aplicação da nova teoria contratual no ordenamento jurídico brasileiro. Anote-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, de dimensão social e jurídica imensurável, não foi aqui elencado como princípio fundamental do Direito Contratual, como anota Alexandre dos Santos Cunha: O princípio da dignidade da pessoa humana, não obstante a sua inclusão no texto constitucional é, tanto por sua origem quanto pela sua concretização, um instituto basilar do direito privado. Enquanto fundamento primeiro da ordem jurídica constitucional, ele o é também do direito público. Indo mais além, pode se dizer que é a interface entre ambos: o vértice do Estado de Direito. O seu reconhecimento, enquanto direito fundamental, leva a necessidade de uma série de dogmas civilísticos, em especial aqueles que 10 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Reflexões sobre a livre iniciativa como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e o estado democrático de direito. Disponível em: <http://www.diritto.it/pdf/ 26841.pdf>. Acesso em: 14 out. 2010, p.13. 22 constituem seu núcleo central: a autonomia, os bens, o patrimônio, a pessoa e a propriedade. 11 Essa não inclusão se deve à importância que ele revela, não somente à nova teoria contratual, mas a todo sistema normativo, sendo aqui considerado como princípio constitucional fundamental, antes de ser simplesmente contratual. A dignidade da pessoa humana deve ser observada nesta nova perspectiva constitucional civil que o Direito enfrenta, em que o indivíduo possui sua importância valorizada, em todos os ramos do Direito, – segundo caso concreto –, sob pena de se comprometer os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Essa orientação não afasta sua incidência no campo contratual, ao contrário, reforça sua aplicação; sua especificação como princípio fundamental do Direito Contratual poderia restringir e limitar sua importância, já que tem como fundamento primeiro a ordem jurídica constitucional. 1.2.1 Princípios Clássicos Na visão conceitual do Estado Liberal, o contrato e a propriedade eram os pilares pelos quais exerciam plena autonomia do indivíduo dentro das relações negociais, servindo de verdadeiro eixo do Direito Privado, tanto que os contratos eram sistematizados nos códigos, essencialmente em face do seu modo de aquisição de propriedade. Nesta concepção, eram considerados instrumentos de intercâmbio econômico entre os sujeitos do direito em que a vontade era ampla e absoluta. Salvo raras limitações da lei de ordem pública, o contrato tinha força de lei entre as partes contratantes. No ensinamento de Claudia Lima Marques12, o liberalismo oitocentista cristalizou a autonomia da vontade como dogma da teoria contratual, possibilitando às partes ampla liberdade de estabelecer deveres e direitos negociais. Basicamente, os únicos controles passíveis de serem feitos em relação aos contratos diziam respeito à aferição da existência ou vício de consentimento, à ilicitude e possibilidade do objeto e à adoção de forma, assim desde que prescrita em lei. Afora esses controles, o contrato era intangível e fazia lei entre as partes, não podendo os contraentes desvincular-se dos direitos e obrigações assumidos, salvo por força de novo acordo de vontades ou de eventos fáticos incontroláveis pelas pessoas, como a 11 CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: o conceito fundamental do direito civil. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.260. 12 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.44-48. 23 força maior , caso fortuito ou ainda, de aplicação da Teoria da Imprevisão. Todo sistema contratual limitou-se, subjetiva e objetivamente, à esfera pessoal e patrimonial dos contratantes, sustentando-se basicamente no tripé da teoria liberal dos contratos, quais sejam a autonomia privada, também chamada liberdade contratual; força obrigatória das convenções ou obrigatoriedade dos contratos e a relatividade dos efeitos contratuais. 1.2.1.1 Autonomia Privada Também conhecida como autonomia da vontade, preconiza que as partes podem convencionar o que desejam, e como querem, dentro dos limites da lei. Devem declarar sua vontade de forma livre, sem vícios e no sentido de contratação, qual seja de aceitação da oferta. Aborda o poder dos contratantes em estipular livremente seus interesses mediante acordo de vontades, provocando efeitos tutelados pela ordem jurídica envolvendo, além da liberdade de criação do contrato de fixar seu conteúdo, de escolher outro contratante e de contratar ou não. Sobre a ideia de autonomia de vontade, argumenta Claudia Lima Marques: A idéia de autonomia de vontade está estreitamente ligada à idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.13 Como a lei torna o cumprimento do contrato obrigatório, o legislador instituiu que, antes da formalização do ato contratual, os contratantes possuem plena liberdade para contratação. Assim, tal princípio consiste na faculdade do sujeito em modificar ou levar adiante seus interesses. Por esta razão, o art. 1322 do Código Italiano, que possui ao caput o título ‘autonomia contratual’, legislando no sentido de que as partes podem livremente determinar o conteúdo do contrato, dentro dos limites impostos pela lei. Em igual sentido o artigo 421 do códex civilista, profere que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Na obra de Silvio Rodrigues, encontra-se o seguinte esclarecimento: O princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam 13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.45. 24 às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade. 14 A massificação dos bens de consumo do sistema capitalista, origem da padronização contratual, representou a impossibilidade de liberdade de discussão do conteúdo dos contratos15. Neste ínterim, o interesse público, frente a essa nova postura no campo negocial, levou o legislador a determinar o âmbito de abrangência dessa vontade individual, limitada pelo princípio da função social do contrato, pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes e pela revisão judicial dos contratos, criando-se outro princípio: o de proteção do hipossuficiente, o economicamente mais fraco na relação, como anota Walter Brasil Mujali: O contrato, como qualquer instituto de direito privado, tem a função em vista do social. Ao contrário do que ocorrera antigamente, onde predominava o individualismo, o contrato é hoje parte integrante das relações jurídicas, econômicas e sociais. Por isso mesmo, nos contratos em que se impõe o interesse público é possível a introdução de cláusulas impostas pela Lei e pelo Estado. 16 A autonomia da vontade se engloba em dois momentos: na formação do contrato, em que o contratante possui a faculdade de optar ou não se adere ao contrato e o momento da eficácia dessa conduta, em que tal decisão possui característica de vincularidade entre as partes. Neste diapasão, existem duas ideias básicas subentendidas na expressão autonomia: a liberdade na contratação e vinculação dos seus efeitos, em momento posterior a ela. Ambas, hoje sofrem a prevalência do interesse público, seja pela intervenção do próprio Estado, seja por meio da legislação que se impõe a ela, ou por decisões judiciais que chegam a substituir a declaração de vontade. Por meio de artigo, Antonio Junqueira Azevedo17 explica a autonomia contratual sob três vertentes. A primeira, mais antiga, presa ao individualismo imediatamente anterior, que procura justificar a vinculação que surge para os contratantes por meio da própria vontade por eles manifestada: estão obrigados, porque assim o quiseram. O que se quis é justo. É o chamado dogma da vontade. Outro viés mais recente é baseado na Teoria Pura do Direito de 14 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3, p.15. 15 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.109., p.10. 16 MUJALLI, Walter Brasil. Sinopse do código civil: contratos. São Paulo: Imperium, 2006, p.123. 17 AZEVEDO, Antonio Junqueira. A liberdade de contrato: contratos típicos e contratos atípicos. Revista do Advogado, São Paulo, n. 8, p. 10-17, jan./mar. 1982, p.11. 25 Kelsen – vertente frontalmente discordada pelo autor. Por esse ângulo, que também pode ser utilizada por qualquer Estado totalitário –, é construída a crítica do dogma da vontade; é ela publicista ou estatizante; supõe que as partes criem, pelo contrato normas individuais, comandos concretos e que naturalmente, devem se enquadrar na hierarquia geral da legislação supra e infracoordenadas. É o próprio Estado, que outorga poder, ao particular, para se vincular; da mesma maneira que a Constituição outorga poderes ao Presidente da República, aos juízes, onde a lei fornece poder ao particular para realizar atos ou negócios jurídicos. Este, para o efeito de se autovincular, entra no órgão do aparelho estatal. A autonomia nada mais é que o poder, conferido pelo Estado, para cada indivíduo regulamentar seus interesses. Ela, sob esse aspecto de concessão estatal, não se distingue do poder (competência, jurisdição) dado a outros órgãos estatais. Contrapondo-se o viés kelseniano, Azevedo18 apresenta uma terceira posição, ao qual denomina social. Aduz que o negócio jurídico, mais especificamente o contrato, brota da sociedade, seja ela organizada ou não. O Estado não se confunde com sociedade e a autonomia da vontade é antes social que estatal. Povos primitivos, existentes até hoje ao redor do mundo, fazem pactos; em todos os povos primitivos, onde o Direito não está sequer separado da religião ou das normas costumeiras realizam-se transações comerciais, porque o elo contratual brota da realidade social, da necessidade das pessoas se relacionarem; independentemente de lei, as pessoas se vinculam por meio deles. Conclui-se que o contrato brota do meio social; ele, antes de ser jurídico-legal, é jurídico-social. Esta posição, fundada na sociedade e contrária à teoria pura do Direito, implica em tirar do Estado aquele poder de criar ex nihilo a autonomia privada; esta já viria da sociedade que pré-existe ao Estado. Haveria, então, um limite – o social – à própria atividade estatal. É inegável para o contrato nos tempos atuais, de acordo com o Estado Social Democrático de Direito, a necessidade de se submeter ao intervencionismo estatal para sair da esfera individualista e adentrar a do bem estar e de garantias dos direitos humanos. Entretanto, não é possível afastar os princípios clássicos que compõem seu âmago, uma vez que estes originam-se de uma pretensão, formando-se em princípio, pelas vontades livre das partes, ou, da autonomia da vontade. 18 AZEVEDO, Antonio Junqueira. A liberdade de contrato: contratos típicos e contratos atípicos. Revista do Advogado, São Paulo, n. 8, p. 10-17, jan./mar. 1982, p.11. 26 1.2.1.2 Força Obrigatória das Convenções No Direito Romano apenas o pacto feito de maneira formal seria considerado contrato. Entretanto, tal formalização era excessiva razão da falta de sintonia entre o acordo (pacto) e o contrato (contratus). Coube aos canonistas na era medieval consagrar este princípio de validade contratual – pacta sunt servanda –, princípio que o legislador preservou e ampliou, entre os séculos XVI a XIX, em vista da presunção da boa-fé dos contraentes e da lealdade recíproca. Na concepção clássica, o quesito vontade é fonte de legitimação da relação negocial, sendo a parte livre para contratar, devendo o direito proteger e reconhecer essa força criadora. Assim o contrato, nos termos do art. 1.134 do Código Civil francês, será lei entre as partes, cabendo ao Estado por meio da legislação, tutelar a vinculação dos indivíduos. Neste ínterim, esclarece Claudia Lima Marques: A idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do homem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional. Ao juiz não cabe modificar e adequar à eqüidade a vontade das partes, manifestada no contrato, ao contrário, na visão tradicional, cabe-lhe respeitá-la e assegurar que as partes atinjam os efeitos queridos pelo seu ato. Lembre-se por último que, como corolário da liberdade e autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos fica limitada às pessoas que dele participaram, manifestando a sua vontade (inter partes).19 Pelo princípio da obrigatoriedade da convenção, na visão de Maria Helena Diniz20, as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. O ato negocial por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes, é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior (art. 393, parágrafo único do Código Civil (CC)), de tal sorte que não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente. De igual forma, são as ponderações de Silvio Rodrigues sobre o assunto: [...] o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre 19 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.47. 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p.45. 27 as partes, adquirindo força vinculante igual a do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta sunt servanda!! 21 (grifo do autor) Entretanto, tem-se admitido, ante o princípio do equilíbrio contratual ou da equivalência material das prestações, que a força vinculante dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstâncias extraordinárias que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação (lei nº 8.078/90, arts. 6º, V e 51; CC, arts. 317, 478, 479 e 480). Desta feita, os contratantes que assumem livremente por via contratual uma obrigação, criam uma expectativa dentro da sociedade no qual a ordem jurídica deve garantir, visto que o propósito de se obrigar envolve uma restrição espontânea da liberdade individual, provocando consequências que afetam o equilíbrio da sociedade em que participa. 1.2.1.3 Relatividade dos Efeitos Contratuais O contrato somente acolhe as partes da convenção, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Consagra a ideia que ninguém pode se vincular a norma ou convenção da qual não se sujeitou, servindo de elemento de segurança dentro do direito contratual. Assim, o contrato produz efeitos somente no âmbito das partes que o celebraram. Maria Helena Diniz22 lembra que, por esse princípio, a avença apenas vincula as partes que nela intervieram, não aproveitando nem prejudicando terceiros, salvo raras exceções. Nesta mesma linha segue o escólio de Silvio Rodrigues: [...] – o da relatividade das convenções - contém a idéia de que os efeitos do contrato só se manifestam entre as partes, não aproveitando nem prejudicando terceiros. O que, aliás, é lógico. Como o vínculo contratual emana da vontade das partes, é natural que terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta pela lei nem derivou de seu querer. 23 Por conseguinte, tal princípio representa um elemento de segurança, a garantir que ninguém ficará preso a uma convenção, a menos que a lei determine, ou a própria pessoa delibere. 21 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3, p.17. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p.45. 23 RODRIGUES, op. cit., p.17. 28 1.2.2 Crise da Principiologia Clássica O Direito é fenômeno cultural modificável historicamente, influenciado por circunstâncias sociais, econômicas e políticas que variam ao longo do tempo. Assim, como argumenta Caio Mario da Silva Pereira, entender a reação intelectual liberal a tais mudanças é um aspecto essencial para a compreensão do debate contemporâneo sobre teoria contratual e sua repercussão no ordenamento jurídico: A teoria do contrato tem sofrido neste século numerosos impactos, que os grandes mestres civilistas registram. Alguns de tão profunda percussão que se podem assinalar quatro fases distintas: a primeira, da subsistência da idéia contratualista clássica; a segunda, da decadência ou do declínio do contrato; a terceira, da retomada de prestígio; e a quarta, do surgimento de novas figuras, que se enquadrariam na epígrafe deste estudo com a fixação da ‘nova tipologia contratual’.24 Com o surgimento de novas figuras no direito contratual em função da massificação, especialização, socialização e incremento das relações contratuais, acabou por se abrir caminho para uma mudança do status quo negocial existente até então no estado liberal. Com o advento de uma nova teoria dos negócios jurídicos – democrático-plurindividualprincipiológico25 –, gerada pelo uso desregrado do modelo oitocentista, instalou-se uma crise de paradigmas entre o atual modelo contratual – liberal-individualista-normativista –, em diversos setores da economia, em contraponto aos anseios da sociedade em romper com o velho padrão vigente. Sobre este novo olhar das relações contratuais, como do próprio modo de fazer Direito, oportuna é a colocação de Lênio Streck sobre o tema: [...] há uma crise de paradigmas que obstaculiza a realização (o acontecer) da Constituição (e, portanto, dos objetivos da justiça social, da igualdade, da função social da propriedade, etc.): trata-se das crises dos paradigmas objetivista aristotélico-tomista e da subjetividade (filosofia da consciência), bases da concepção liberal-individualista-normativista do Direito, que se constitui, em outro nível, na crise de modelos de Direito, nosso modo-defazer-Direito continua sendo o mesmo de antanho, isto é, olhamos o novo com os olhos do velho, com a agravante de que o novo (ainda) não foi tornado visível. Mais do que isto, a própria crise não foi tornada visível “como” crise: o velho não foi compreendido 'como' [als] velho. A tradição 24 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: contratos: declaração unilateral de vontade: responsabilidade civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3, p.571. 25 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria critica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, Londrina, v. 2, n. 1. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitoprivado/artigos/Jussara_ Ferreira_Teoria_Critica_Negócio_Jurídico.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2011, p.1. 29 inautêntica cega, obnubilando as possibilidades da manifestação do novo 'como' [als] novo.26 Essa crise paradigmática da concepção clássica dos contratos não é de hoje; ela possui uma tendência cíclica oriunda das mudanças ocorridas dentro do contexto capitalista. No final do século XIX, ocorreram transformações no capitalismo, com o surgimento de grupos econômicos, dando origem a um novo estado industrial. Desde a criação e surgimento priorizou-se a maximização dos lucros e a segurança jurídica, favorecendo a concentração econômica. Visava-se a ampliação dos territórios (ultrapassando fronteiras nacionais) pela eliminação da concorrência. Motivados pela ampliação do capital, as empresas procuravam os instrumentos necessários para atingir o objetivo de externalizar custos e internalizar lucros, buscando formas de eliminar o formalismo contratual, ao mesmo tempo garantindo firmeza, estabilidade e segurança aos negócios27. Seguindo o mesmo caminho, com apoio de um sustentáculo legislativo, criou-se oportunidades amplas para os socialmente fortes, ao mesmo tempo em que se deixou de proteger os socialmente fracos. Interpreta o assunto Theodoro Junior pela seguinte visão: A mentalidade dos juristas ancorada na padectística, assim como o Estado de Direito burguês, o Direito Privado abstrato e a sua autonomia privada tornaram-se instrumentos de manutenção das injustiças sociais, elementos favoráveis para os grupos econômicos em expansão da fiança, do comércio e da indústria em desfavor das profissões e classes desprovidas de capital. Por isso, ‘o positivismo científico, encontra-se numa sintonia inconsciente com exigências políticas e econômicas da época liberal’ (WIEACKER, 1980, p. 504-505).28 Começam a surgir a partir deste ponto, os primeiros questionamentos sobre a plena liberdade de negociação, os primeiros sinais de crise na concepção clássica. Neste ambiente, o poder econômico impunha um pesado ônus, tanto à classe trabalhadora como à classe consumidora, fazendo o Estado repensar o atual modelo, isso porque a concentração econômica não garantia a livre competição, levando inevitavelmente ao fracasso do mercado e ao colapso do sistema. Gradativamente, os Estados sacrificavam o “livre mercado”, para salvar o mercado. Desta evolução desencadeou-se a primeira legislação anti-trust nos Estados 26 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.218-219. 27 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 16, out./dez. 1995, p. 53. 28 THEODORO JUNIOR, Humberto. Contratos: princípios gerais: tendências do direito contratual contemporâneo: abrandamento dos princípios tradicionais: intervenção estatal crescente: impacto do código de defesa do consumidor. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 88, v. 765, p. 11-33, jul. 1999, p.12. 30 Unidos e uma legislação contra cartéis na Alemanha. Entre as duas grandes guerras ocorreu o surgimento de um primeiro esboço de novas estruturas jurídicas onde o Estado começava a intervir sobre o domínio econômico, conforme analisou Fonseca: Foi justamente o surgimento da concentração econômica que fez surgir uma nova disciplina jurídica das relações, quer pela necessidade de conter aquela força, para impedir que ela sufocasse os outros elementos do mercado, quer pela necessidade de preservar aquela feição econômica, para impedir que o seu desaparecimento destruísse o próprio mercado.29 Com efeito, as mudanças que aconteceram a partir do início da Revolução Industrial, (século XVIII) cumuladas com o crescente poder econômico das empresas e a massificação da sociedade, produziram uma nova realidade social, saindo os contratos paritários e introduzindo ao final do século XX, os consumeristas ‘contratos padronizados e de adesão’30. Para Paulo Luiz Neto Lobo31, entre as razões principais aponta os motivos que redundaram na massificação dos negócios ocorridos no século XX: a) a explosão demográfica, que em cinqüenta anos fez crescer a população em níveis superiores aos dos últimos dois mil anos; b) a acelerada urbanização e suas demandas de serviços; c) o gigantismo empresarial e a concentração de capitais, privados ou estatais; d) o fornecimento de bens e serviços em grande escala; e) o consumo em massa; f) a racionalização e a redução dos riscos das empresas e com o consumidor final; g) a impossibilidade real de tratativas individuais entre o grande fornecedor e todos os que necessitam dos bens e serviços; h) a desigualdade de poder negocial (bargain Power) entre a grande empresa e os que se encontram em estado de necessidade na demanda dos bens e serviços imprescindíveis à vida cotidiana ou de debilidade econômica; i) o uso disseminado da computação – que exige rígido formalismo – nas relações negociais; j) a utilização massiva de propaganda, nem sempre veraz, através de modernos meios de comunicação, induzindo necessidade de consumo; l) a elevação da consciência jurídica no que se refere à tutela do consumidor.32 As mudanças econômicas ocorridas no transcorrer do século XX introduziram novas exigências, passando a se contrapor aos princípios dominantes da teoria clássica. Na busca de superação do paradigma liberal a concepção clássica do direito dos contratos foi confrontada com o estado social de direito; como resultado, surgiu a concepção moderna do direito dos 29 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 16, out./dez. 1995, p.221-222. 30 NORONHA, Fernando. Direito do consumidor: contratos de consumo, cláusulas abusivas e responsabilidade do consumidor. Florianópolis: UFSC, 2002, p.234 e ss. 31 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p.12. 32 Id., Ibid., loc cit. 31 contratos, em contínuo desenvolvimento. Todavia, essa mudança é lenta e gradativa, em vista da qual “[...] a transformação sócioestatal do Estado liberal de direito precisa ser entendida a partir dessa situação inicial. Ela se caracteriza pela continuidade, e não, por algo como a ruptura com as tradições liberais.”33 Tal ruptura paradigmática com o atual modelo liberal vem modificar profundamente a relação negocial, no sentido de se buscar um novo pensar sobre o modelo contratual, no entendimento de Paulo Nalin: A idéia de caos atinge o contrato, enquanto momento do sistema codificado. A crise e até a 'morte do contrato' (Grant Gilmore), estão inseridos nesse contexto, em que a desconstrução dos dogmas se apresenta como inevitável. [...] O repensar do modelo contratual, ou o reconhecimento da crise institucional, surgem em razão do desajuste entre o modelo contratual de 'gré à gré' (paritário) e as relações de massa. O 'Code', assim como nosso próprio Código Civil foram concebidos para que figurem a relação jurídica contratual somente dois sujeitos (credor e devedor).34 Neste repensar, procura-se sair do antigo modelo napoleônico, de um sistema fechado, hermético, para uma constitucionalização do Direito Privado, em um sistema aberto às demandas sociais. No Brasil, a mentalidade continuou arraigada ao liberalismo clássico. A civilística nacional se mostra resistente às mudanças históricas que acarretaram a aproximação entre o direito constitucional e as relações jurídicas privadas, importando os princípios constitucionais ao status de norma políticas, destinadas ao legislador, e, excepcionalmente ao intérprete, delas utilizando-se somente a título de confirmação de um princípio geral do direito, nos termos do art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil. 35 Na realidade, o agravamento das necessidades sociais cumulado à luta por direitos legítimos de representantes de uma coletividade, que instigaram os juristas a estudar os efeitos da ampla liberdade contratual sobre determinados grupos sociais. Na Teoria Critica do Direito Civil, Fachin destaca que: [...] o debate sobre a travessia do Direito Civil tradicional ao Direito Civil contemporâneo presentemente suscita pertinência com temas relevantes, a principiar com o da pessoa. A questão não é retórica, especialmente quando estão na cena a propriedade, a família e o contrato. 36 33 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução de Flávio R. Kotle. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p.261. 34 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.113-114. 35 TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e relações de direito civil na experiência brasileira. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 278, p. 5-21, dez. 2000, p.05-21. 36 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.77. 32 Daí a criação de microssistemas que descentralizam a legislação, ao mesmo tempo em que ampliam a sistematização dos direitos privados, v.g. o Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Acessou-se neste sistema aberto – daí a crise no sistema antigo –, o princípio da Autonomia da Vontade, reconhecendo o exagero absoluto que possuía o contrato no contexto econômico-social atual. Observou-se que o contrato servia “[...] para a exploração do homem pelo homem”; e consagrava o “[...] enriquecimento injusto dos contratantes com prejuízo do outro.”37 Em relação ao sistema antigo, Jurgüen Habermas destaca que: [...] processos de concentração e processos de crise arrancam o véu que encobre a ‘troca por equivalentes’ e desvelam a estrutura antagônica da sociedade. Quanto mais ela se mostra como um relacionamento simplesmente coercitivo, tanto mais urgente se torna a necessidade de um Estado forte.38 A autonomia privada ainda continua com elo principal da discussão doutrinária, quer pelo seu valor no campo da intervenção estatal, quer pela sua relevância atrelada aos sujeitos de direito. Com a crise visualiza-se que a autonomia privada como dogma está teoricamente ultrapassada, conforme relembra Fachin39; a indagação encontra-se em qual conceito utilizar em seu lugar no âmbito dos contratos. Concluindo, depreende-se a necessidade de uma proposta de reflexão transdisciplinar, para que se possa compreender melhor esse momento. O estabelecimento de uma cartografia da transdisciplinaridade impõe ao jurista e aos operadores do Direito um repensar do sujeito e do objeto, bem como da metodologia da investigação científica, voltada para esses estatutos jurídicos fundamentais. 1.3 PRINCIPIOLOGIA PÓS-MODERNA Após a Segunda Guerra Mundial, com o julgamento de Nuremberg – e com a linha positivista de defesa nazista – ocorreu um desencantamento pelo modo kelseniano de ver o Direito, sobrevindo pelos juristas alemães uma nova corrente jusfilosófica chamada “póspositivismo”. Ao contrário do positivismo, em que tudo girava ao redor da norma, e sendo a 37 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Tradução de Osório de Oliveira. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002, p.54. 38 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução de Flávio R. Kotle. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p.172-173. 39 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.254. 33 norma válida deveria ser aplicada sem questionamento (tese dos nazistas), começou a abertura, de um novo pedestal normativo, em que valores e princípios assumem as funções basilares da ordem jurídica, tornando a teoria dos princípios vetor principal nas Constituições Democráticas. Imperativo se faz mencionar Luis Roberto Barroso quando se refere ao póspositivismo: [...] o pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre o direito e a ética.40 No contexto econômico, relações negociais sempre foram marcadas por conflitos de interesses e para superá-los foi necessário a criação de normas legais que pudessem apaziguar as desavenças e por fim a controvérsia instalada. Essas normas legais, além de serem de lentas evoluções, eram codificadas e apresentavam-se em formas fechadas de interpretações, em que prevalecia a norma existente sobre o caso concreto, somente elas disciplinavam os meios e formas de conduzir os conflitos, sem qualquer possibilidade de liberdade de aplicação de um novo pensamento. Como a sociedade civil vive em constantes mutações pelas evoluções de suas necessidades, principalmente pela modernidade das suas ações, urge a premência de que também as leis caminhem nessa direção e ofereçam, cada vez mais, a possibilidade de atender aos anseios e conflitos existentes, principalmente de forma correta e socialmente justa. A par dessas evoluções sociais, surgem os pensamentos jurídicos no sentido de evolução do modelo existente do direito, partindo do sistema fechado, calcado no velho sistema codificado, para um sistema mais abrangente, com a abertura de aplicação das normas do direito civil em harmonia com o constitucional. Diante dessa realidade, sabe-se que as normas constitucionais apoiaram a necessidade da modernidade do Direito Civil e sua aplicabilidade nas relações sociais, iluminando as mudanças almejadas e, ainda que tímidas, já faz enorme progresso no campo social das relações humanas, quando se fala em ramo contratual, principalmente quando disciplina as condições jurídicas dos contratantes, dando enorme e imprescindível ênfase na função social 40 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.291. 34 do contrato. O Direito Contratual moderno não se pauta mais pelo formalismo que vigorava no Direito Romano e até o século passado, em que as partes para contratar deveriam obedecer a todas as exigências formais, sob pena de nulidade. Ficou para trás também a principiologia tradicional fundada nos valores liberais, que aquilatavam em demasia o indivíduo e a igualdade formal, uma vez que essa igualdade apenas supõe que as partes estejam em condições iguais no contrato, o que não condiz com o modelo atual de contratar, em que se valoriza o que interessa para a sociedade, nos termos de Cezar Fiúza: Os fundamentos da vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente na vontade, segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em termos econômicos e sociais. Nasce a Teoria Preceptiva, na qual as obrigações oriundas dos contratos valem não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas consequências econômicas e sociais. 41 Neste momento, o formalismo contratual é necessário em determinados casos na legislação (v.g. contratos de compra e venda de bens imóveis); o que outrora era regra agora é a exceção: os contratos são celebrados, em sua maioria, informalmente. Claudia Lima Marques ilustra esta evolução contratual fortemente marcada por uma socialização do contrato: Esta renovação teórica do contrato à procura da equidade, da boa-fé e da segurança nas relações contratuais vai aqui ser chamada de socialização da teoria contratual. É importante notar que esta socialização, na prática, se fará sentir em um poderoso intervencionismo do Estado na vida dos contratos e na mudança dos paradigmas, impondo-se o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações. A reação do direito virá através de ingerências legislativas cada vez maiores nos campos antes reservados para a autonomia da vontade, tudo de modo a assegurar a justiça e o equilíbrio contratual na nova sociedade de consumo. 42 Faz-se necessário estudar o regime contratual por meio dos princípios, uma vez que desempenham importante função na formação dos contratos, servindo de base à liberdade de contratar e trazendo a segurança jurídica às relações negociais. Neste contexto, o antigo paradigma contratual não resiste ao intervencionismo do Estado impondo limites à autonomia privada em favor de uma função social do contrato, do equilíbrio material e os interesses coletivos buscados na Constituição Federal. Preciosa é a contribuição de Paulo Luiz Netto 41 FIÚZA, César. Direito civil: curso completo. 8. ed. rev. atual e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.377. 42 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.155. 35 Lobo, na análise do instituto do contrato com relação ao novo sentido dado pela Constituição de 1988: Os princípios gerais da atividade econômica, contidos nos artigos 170 e seguintes da Constituição brasileira de 1988, estão a demonstrar que o paradigma de contrato neles contidos e o do Código Civil não são os mesmos. O Código contempla o contrato entre indivíduos autônomos e formalmente iguais, realizando uma função individual. Refiro-me ao contrato estruturado no esquema clássico da oferta e da aceitação, do consentimento livre e da igualdade formal das partes. O contrato assim gerado passa a ser lei entre as partes, na conhecida dicção dos Códigos Civis francês e italiano, ou então sintetizado na fórmula 'pacta sunt servanda'. O contrato encobre-se de inviolabilidade, inclusive em face do Estado ou da coletividade. Vincula-se o contratante ética e juridicamente; vínculo que tanto é mais legítimo quanto fruto de sua liberdade e autonomia. Esta visão idílica da plena realização da justiça comutativa, que não admitia qualquer interferência do Estado-juiz ou legislador, pode ser retratada na expressiva petição de princípio da época: quem diz contratual, diz justo. 43 Complementa Paulo Lobo44 que a Constituição apenas admite o contrato que realiza a função social, a ela condicionando os interesses individuais, e que considera a desigualdade material das partes. Com efeito, a ordem econômica tem por finalidade 'assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social' nos termos do art. 170 da Constituição Federal. A invocação dos princípios constitucionais no âmbito do Direito Privado representa o fenômeno pós-moderno dentro do direito brasileiro, sendo necessário para sua efetiva utilização elevar a Constituição ao patamar central das relações negociais nesta nova postura. Trabalhando sobre o tema Gustavo Tepedino45 aduz que no caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do papel dos princípios constitucionais nas relações de Direito Privado, sendo certo que doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de Direito Civil. Consolida-se o entendimento de que a reunificação do sistema, em termos interpretativos, só pode ser compreendida com a atribuição de papel proeminente e central à Constituição, como exposto por Jose Joaquim Gomes Canotilho sobre o tema: 43 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 33, 01 jul. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 02 fev. 2011. 44 Id., Ibid.. 45 TEPEDINO, Gustavo. Código civil, os chamados microssistemas e constituição: premissas para uma reforma legislativa. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 6/7, p. 13-25, 1998/1999, p.22. 36 A idéia de Dritwirkung ou de eficácia direta dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada continua, de certo modo, o projeto da modernidade: modelar a sociedade civil segundo os valores da razão, justiça, progresso do iluminismo. Este código de leitura – pergunta-se- não estará irremediavelmente comprometido pelas concepções múltiplas e débeis da pós modernidade? Coloquemos entre parênteses a caracterização de pósmodernidade (alguém sabe?). Perguntemos apenas, tendo em conta os exemplos ou casos atrás referenciados, se todos eles merecem a mesma resposta. E porque uma única solução em vez de soluções múltiplas. Porque uma deliberação valorativa heterônoma da Constituição em nome do ‘direito a ser mãe’ em detrimento de um esquema processual de negociação corporizador do ‘direito da mulher a criar o seu papel’ no mundo organizacional das coporations? Porque a imperatividade da equal protection clause em vez da singularidade e das diferenças nas relações humanas, justificativas do triunfo da negociação, da flexibilidade, da adaptabilidade e da permissividade? É bem de ver que estas interrogações pressupõem já um outro mundo: o da absolutização das diferenças e da singularidade, o da complexidade, da indeterminação e do relativismo! Numa palavra: o mundo da pós-modernidade [...].46 Nesta novo pensar principiológico, uma nova dinâmica contratual se apresenta com uma valorização da palavra empregada e das informações fornecidas, com um acompanhamento mais atento na continuidade contratual. O objetivo é garantir a proteção da vontade da parte hipossuficiente, por meio de uma intervenção estatal no conteúdo do contrato, protegendo das pressões e dos desejos impostos pela publicidade e por outros métodos agressivos de venda. 1.4 MUTAÇÕES PRINCIPIOLÓGICAS DO DIREITO CONTRATUAL Com a Revolução Industrial (metade do século XVIII), teve início uma série de alterações no Direito Privado, uma vez que fora retirado da marginalidade da economia um contingente de pessoas que passaram a reclamar acesso aos bens produzidos. Razão disso dinamizou-se a economia, massificando as relações. Ato contínuo, ocasionou a criação de grandes empresas com produção em larga escala, concentração de capitais, e outros efeitos de ordem econômica, iniciando uma nova dinâmica dentro da sistemática de fornecimento de bens e serviços. O antigo modelo de negócio jurídico individual e igualitário, deu espaço para os contratos por adesão, com clara limitação contratual, havendo a estipulação unilateral dos fornecedores de bens e serviços em detrimento dessa massa de consumidores. 46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito civil?: a eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto (Org.); GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 108-115, p.114. 37 Tal sistemática que agilizou o volume de negócios e racionalizou a transferência de bens de consumo para toda a sociedade sem distinção de classes, tornou-se incompatível com o tradicional modelo de contrato vigente. Todavia, a natural posição de superioridade por parte dos fornecedores desses produtos na relação contratual, cumulado com a massificação contratual, abriu a possibilidade de introdução de cláusulas contratuais abusivas em detrimento da outra parte menos favorecida, prejudicando não somente os contratantes, mas pessoas e segmentos de mercados estranhos à relação. Com isso os dogmas contratuais (autonomia da vontade e seus corolários) passaram em vez de promover o desenvolvimento humano, a chancelar injustiças sociais tornando-se as bases para o rompimento do paradigma liberal, e instituição de nova pautas axiológicas em detrimento desta nova realidade jurídicoeconômica. Preciosa é a contribuição de Jussara Ferreira. Neste sentido: A concepção tradicional do negócio jurídico, permitindo o uso do instituto como instrumento de exploração social, faz desmoronar as bases do contrato rompendo com o paradigma liberal. Nessa perspectiva, altera-se o lastro principiológico negocial formado, anteriormente, por princípios, igualmente herméticos, como organizados pela metodologia racionalista. O giro metodológico reorganiza a unidade do sistema, considerados as generalidades legislativas e abstrações formais, tomando por contraponto a pluralidade sistêmica aberta, especificidades reais, e as mudanças sociais fundadas nas complexidades negociais. Tais movimentos provocam a reconstrução da teoria negocial, embasada na constitucionalização dos pactos, adoção das pautas axiológicas consideradas as reais exigências do contexto sóciojurídico e econômico.47 Entre o final do Século XIX e início do Século XX o Estado Social começou a se impor, enfraquecendo as concepções liberais até o momento existentes, desenvolvendo mecanismos de intervenção estatal na economia e afastando a neutralidade jurídica dentro do sistema. Com a intervenção do Estado Social, evolui-se o instituto do contrato com a alteração dos princípios norteadores, agregando a estes, elementos complementares de sua função social, quais sejam, liberdade responsável, segurança jurídica e justiça negocial. Esta postura institucional não poderia deixar de influenciar toda a teoria contratual, uma vez que é por meio dela que a economia programa as movimentações econômicas de circulação de riquezas. O Código Civil salienta Tepedino, paulatinamente perde o status de Constituição do Direito Privado, passando a norma máxima do país definir a tábua axiológica de princípios e valores dentro dos institutos tradicionais do Direito Civil, em temas reservados 47 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria critica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, Londrina, v. 2, n. 1. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitoprivado/artigos/ Jussara_Ferreira_Teoria_Critica_Negócio_Jurídico.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2011, p. 10. 38 exclusivamente ao império da vontade como a função social da propriedade, os limites da atividade econômica e a organização das famílias. O código civilista desloca sua preocupação, não tanto ao indivíduo, mas para atividades por eles desenvolvidas e riscos delas decorrentes: A Constituição de 1998 [sic] consagrou uma nova tábua axiológica, alterando o fundamento de validade dos institutos tradicionais do direito civil. A dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade substancial tornam-se fundamentos da República, enquanto valores inerentes à pessoa humana e um expressivo conjunto de direitos sociais foram elevados ao vértice do ordenamento. A partir de então, todas as relações de direito civil, antes circunscritas à esfera privada, devem ser revisitadas, funcionalizadas aos valores definidos pelo texto maior. Surge assim uma nova ordem pública, chamando os intérpretes do direito para um processo interpretativo que, sem minimizar o espaço tradicionalmente reservado ao direito civil, determina sua expansão e revigoramento, oferecendo novas funções e horizontes a institutos antes confinados ao alvedrio individual e a um controle de validade. 48 Em summa divisio, impõe-se uma condição sine qua non dos valores constitucionais – dignidade, personalidade, livre desenvolvimento –, à normativa civilista, operando-se uma “despatrimonização” do Direito Privado, incumbindo o interprete a privilegiar os valores existenciais do homem sempre que defrontarem aos valores patrimoniais. Continuando, apresentaremos os novos princípios balizadores dos negócios jurídicos. 1.4.1.1 Função Social do Contrato É inegável que os negócios jurídicos são imprescindíveis para sociedade uma vez que, para circulação das riquezas, o contrato é o instrumento para seu exercício produzindo efeitos na coletividade, sendo perceptível por todos seu caráter vinculante na geração de direitos e obrigações; sob esta ótica social atualmente desenvolve-se o direito contratual. Nesta nova concepção do Direito Privado, a função social do contrato preconiza a integração dos contratos em uma ordem social harmônica, possibilitando intervenção estatal na limitação da autonomia da vontade, buscando, proteção, confiança e equilíbrio aos interesses legítimos dos contratantes – seja da coletividade (contratos do consumidor), seja individualmente –, saindo do papel de garantidor das regras de contratação, dos efeitos do não cumprimento e da sua anulação em razão de vícios existentes, para corrigir situações de desigualdade, em qualquer fase da negociação, seja na contratação (lesão), seja em outro momento posterior, como nos casos de onerosidade excessiva. 48 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.VIII. 39 Sua função, comenta Adriana M. T. Mello 49, é justamente servir de instrumento de operações econômicas e veiculo de realização da vontade humana na construção da sociedade. Em outras palavras, o contrato, como conceito jurídico, não é um fim em si mesmo, ou mero vínculo de débito e crédito, mas um meio de dar forma às operações e interesses econômicos que se quer tutelar. A ideia de função social está claramente definida pela Constituição ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.50 Seguindo essa ideia na vertente contratual, importante se faz mencionar a assertiva de Paulo L. N. Lobo51 quando aduz que a Constituição apenas admite o contrato que realiza a função social, a ela condicionando os interesses individuais, e que considera a desigualdade material das partes. Com efeito, a ordem econômica tem por finalidade “[...] assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da CF)”. Deste modo, os contratos, por ser forma instrumental de se atuar dentro da esfera econômica, impreterivelmente deve estar irmanado com o preceito constitucional. Este não constitui um ser alheio ao ordenamento, somente interessando aos contratantes, mas é lícito concluir que algumas avenças transcendem a esfera ordinária prendendo-se a interesses de relevância na vida de terceiros que, mesmo não participando, podem ter as suas vidas indiretamente afetadas. Oportuno observar, quanto à magnitude dos efeitos sociais do contrato na sociedade, os estudos de Monteiro Filho 52 que os classifica em interesse social ordinário e relevante interesse social. O “interesse social ordinário” trata dos contratos que cumprem sua função social somente por alcançar seus objetivos de acordo com as vontades dos contratantes, ocorrendo sua “morte natural” dos seus efeitos pelo adimplemento. Nesta linha de pensamento, o contrato com sua fiel execução do programa contratual, desempenha seu papel na circulação de riquezas dentro da sociedade. O “relevante interesse social” trata das 49 MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo código civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 801, p. 11-29, jul. 2002. 50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 51 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 33, 01 jul. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 02 fev. 2011. 52 MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros. Negócio jurídico: vícios sociais. Curitiba: Juruá, 2007, p.5758. 40 avenças que ecoam de forma mais contundente junto à coletividade, sendo os interesses sociais equiparados aos das partes, havendo a possibilidade de colisão de interesses entre os contratantes e a sociedade. Vale ressaltar que o interesse público deve sempre prevalecer sobre o privado. Neste ínterim, as limitações legislativas, atuam diretamente na liberdade individual do contrato, dando forma ao conteúdo social dos contratos. Continuando, ressalta Monteiro Filho 53 que “essas limitações visam concretizar a ideia de que em determinadas situações – escolhidas pelo legislador – não vigora a máxima liberdade em contratar porque, se assim não fosse, poderiam surgir consequências indesejáveis do ponto de vista social”. Em última análise, Arruda Alvin54 sugere, em relação aos contratos, ainda que o sistema esteja permeado pela função social, imperioso se faz respeitar e não se pode olvidar que eles existem para vincular as pessoas e que devem, fundamentalmente, ser cumpridos. Só por de exceções legais é que se pode alterar ou desfazer o contrato, da mesma forma que o direito de propriedade existe também para o dono, do que não pode, sic et simpliciter, vir a ser privado; é dizer que restrições poderão ocorrer e que, sendo efetivadas levassem à ignorância do direito de propriedade, como também, mutatis mutandis, conduzir à ignorância da própria razão de ser do contrato. Assim ocorrendo, tais restrições não se compadeceriam com a Constituição Federal. 1.4.1.2 Equilíbrio Econômico Na sociedade moderna atual, em que o consumo em massa e o domínio de grandes grupos econômicos é a síntese deste novo cenário (político/jurídico/econômico), não encontra em vigor, dentro desta nova realidade fática nas relações contratuais, a igualdade substancial das partes. O desequilíbrio econômico entre as partes foi a tônica do mercado até então. Entretanto, com a elevação de novos princípios na esfera contratual, o equilíbrio econômico ganha força no sentido da existência de um contrato (ou de uma conduta pelos contratantes), proporcional, harmônico, ponderado, justo e equilibrado. Na visão de Marques o princípio não pode se ater somente ao desequilíbrio econômico, mas o equilíbrio total da relação para proteger as expectativas legítimas de um tratamento leal e digno na relação: 53 MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros. Negócio jurídico: vícios sociais. Curitiba: Juruá, 2007, p.5758. 54 ALVIN NETTO, José Manoel de Arruda. A função social dos contratos no código civil. Disponível em: <http://www.fadisp.com.br/artig9.htm>. Acesso em: 08 maio 2011. 41 Concentrar-se no desequilíbrio apenas econômico do contrato de consumo seria uma visão limitada da noção de eqüidade contratual (Vertragsgerechtigkeit) imposta pelo CDC e pelo princípio da boa-fé objetiva. A noção há de ser mais ampla, pois o que se quer é o reequilíbrio total da relação, inclusive de seu nível de tratamento leal e digno, única forma de manter e proteger as expectativas legítimas das partes, que são a base funcional que origina a troca econômica.55 No Art. 1º, III56, na Constituição é possível sustentar o primeiro fundamento jurídico do princípio do equilíbrio econômico, porque na justa medida da relação, está se protegendo a dignidade humana. Cumulativamente, no art. 3º, incisos I e III, objetiva como fundamento de nossa República, a construção de uma sociedade livre, justa e equilibrada buscando diminuir as desigualdades entre as pessoas. Assim se apresenta o substrato axiológico do princípio, no sentido de que um contrato equilibrado, tanto do ponto de vista econômico como jurídico, cumpre com as expectativas de uma sociedade que busca de sua função social no desenvolvimento econômico conforme preconiza Aguiar Junior: A aproximação dos termos ordem econômica – boa-fé serve para realçar que esta não é apenas um conceito ético, mas também econômico, ligado à funcionalidade econômica do contrato e a serviço da finalidade econômicosocial que o contrato persegue. São dois os lados, ambos iluminados pela boa-fé: externamente, o contrato assume uma função social e é visto como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica, neste contexto visualizado com um fator submetido aos princípios constitucionais de justiça social, solidariedade, livre concorrência, liberdade de iniciativa etc., que fornecem os fundamentos para uma intervenção no âmbito da autonomia contratual; internamente, o contrato aparece como um vinculo funcional que estabelece uma planificação econômica entre as partes, às quais, incumbe comportar-se de modo a garantir a realização dos seus fins e a plena satisfação das expectativas dos participantes do negócio. 57 O equilíbrio econômico desta maneira assume o papel de proporcionar por via da harmonização dos interesses, a consecução dos fins econômicos e sociais da relação negocial. 55 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.134. 56 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...].BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 57 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2469524697-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010, p.05. 42 1.4.1.3 Boa-Fé Falar por si só deste princípio não é uma tarefa fácil, dada a extensão e dimensão fornecida por expoentes da doutrinária jurídica nacional e internacional, a exemplo de Menezes Cordeiro, Claudia Lima Marques, Judith Martins-Costa, Tereza Negreiros entre outros apresentados no corpo deste estudo. Como princípio, a utilização da boa-fé participou de um processo evolutivo na desde o direito romano até o direito pós-positivado, assumindo a ideia de comportamento com respeito à palavra dada, adquirindo conotações não somente jurídicas, como ético-religiosas. Até na ausência da ordem jurídica não havia empecilho para a celebração dos negócios nas sociedades antigas, no sentido que seus comportamentos derivavam da confiança e conduta dos envolvidos, a despeito de negociações de populações selvagens das costas africanas do Atlântico com navegadores cartagineses, em passagem relatada por Heródoto, pontificado por Judith Martins-Costa: Todos aqueles de quem é sal fazem com ele montes enfileirados, marcando cada um o seu, e em seguida toda a caravana volta meio dia para trás: vem, depois, uma outra geração de negros que não querem ser vistos, nem falar com outros, e , ao verem o sal, colocam uma quantidade de ouro junto de cada monte de sal, e voltam para trás, deixando o ouro e o sal; e logo que eles partem, vêm os negros do sal; vêm ver se a quantidade de ouro deixada pelos outros é, na sua opinião, suficiente para comprar a quantidade de sal correspondente. E se a acham suficiente, levam-na, deixando o sal: se não estão de acordo, deixam o ouro e sal, e retiram-se de novo, esperando que os outros voltem e acrescentem a quantidade de outro que ainda falta. Depois do que, obtido o acordo, levam o ouro e os outros vêm buscar o sal. 58 Sua concepção como norma de conduta nas negociações no decorrer dos séculos modificou-se gradativamente em virtude dos diversos fenômenos econômicos na evolução da sociedade. Da fides bona do Direito romano em sua matiz originária, assumiu por influência cristã o significado de ausência de pecado, base para a justiça no Direito Canônico na Idade Média, para ad ultimum, em decorrência da Revolução Industrial visualizar o princípio totalmente desprendido dos antigos conceitos do direito romano e da ideia de lealdade de comportamento. Com o Code Napoleônico, o legislador vinculou o julgador ao texto legal, na sua forma legal e material, relevando o princípio a letra morta e reforçando o pactuado nas situações de fraude ou dolo, proibindo, principalmente a interpretação teleológica, sobrepondo o positivismo à justiça. Nas últimas décadas, verificou-se o esforço da doutrina e jurisprudência em superar 58 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.116-117. 43 essa visão limitada fornecida pelos legisladores que ainda não recepcionaram o instituto em sua totalidade, como valor e forma de realizar o próprio direito. Este rejuvenescimento do princípio inicia-se no processo de recepção da bona fides pela Alemanha, fundados no Corpus Iuris Civilis do direito romano e nos usos e costumes das práticas comercias em cada localidade servindo, por meio da prática jurídica de base para o BGB Alemão. Atualmente, uma nova ordem jurídica balizada nos valores fundamentais do homem (dignidade, solidariedade, igualdade e liberdade), introduz nos controle das decisões judiciais, aspectos que diminuem o hiato ocorrido no desenvolvimento da boa-fé, como implicitamente reconhecido no terceiro artigo da Constituição Federal: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; 59 [...].” Cumpre observar a ressalva de Luis Roberto Barroso e Ana Paula Barcelos, na medida em que esta nova interpretação do conteúdo aberto do texto legislativo, deve alcançar um valor real na solução dos problemas a ele impostos: A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido. 60 A boa-fé nas relações contratuais de consumo – e neste quesito os contratos bancários–, tal qual legislada no Código de Defesa do Consumidor (CDC), encontra-se plenamente integrada ao disposto no Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) da Constituição: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade; IV – livre concorrência; 59 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 60 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula.. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em: <http://www.camara.rj.gov.br/ setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011. 44 V - defesa do consumidor; [...].61 Segundo o dispositivo Consumerista62, todos os princípios específicos das relações de consumo, no caso em questão a boa-fé, são meios de atingir o idealizado na Constituição. Neste aspecto, ensina Ruy Rosado Aguiar Junior63, que o axioma não serve somente para a defesa do hipossuficiente, mas atua como garantidor da ordem econômica, compatibilizandose com os interesses de toda uma coletividade, mesmo que a solução não seja favorável ao consumidor, razão da analise do custo social decorrente desta operação. A boa-fé observa Marcio Casado64 é mais que um princípio ético, constituindo-se em verdadeiro conceito econômico, ligado à função social dos contratos. Aliás, tratando da influência deste princípio nos contratos bancários, objeto imediato deste estudo, a função social é patente, pois já não se concebe uma sociedade civilizada sem a presença de tais instituições, dada a importância que ocupam no cenário mundial. Em síntese, visualiza-se atualmente o Estado Social como estabilizador do jogo de forças existente no mercado fornecendo, por via de seu viés econômico, as regras para disciplinar os negócios jurídicos. Esta mudança de paradigma estatal (Liberal para Social), ocasiona a movimentação dos agentes econômicos no sentido de impor direitos adquiridos (v.g. capital – CC 1916), contrapondo-se à efetivação de direitos sociais (v.g. direitos de terceira geração – CF, CC 2002, CDC ). Em nível principiológico, verifica-se a existência de uma interação sem hierarquia dos novos princípios contratuais, junto à principiologia clássica, por meio do movimento paradigmático de “despatrimonização e constitucionalização” do Direito Privado, saindo da esfera individualista dos clássicos para uma valorização de princípios sociais, compatíveis com um Estado Social de Direito. Resta afirmar que não ocorreu uma diminuição ou submissão de valores ou princípios A ou B, e sim uma mutação em virtude do renascimento de uma tábua axiológica relegada à letra morta pela forte base patrimonialista oriunda do Códex Francês. Esta nova dinâmica contratual busca a valorização da palavra empregada e a solidariedade dos agentes no 61 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 62 Art. 4º. [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; [...].BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 63 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2469524697-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010, p.04. 64 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.117. 45 transcorrer do contrato, por via de um controle estatal dos conteúdos contratuais, incumbindo ao intérprete privilegiar valores sociais a patrimoniais, protegendo o hipossuficiente e fornecendo equilíbrio econômico às partes. Nesta perspectiva constata-se a importância do ponto de vista ético e econômico que se impõe à boa-fé e ao equilíbrio das partes nesta nova função social do contrato. 46 2 EVOLUÇÃO HISTORICA DA BOA-FÉ, HERMENÊUTICA NEGOCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA A importância de proceder a análise descritiva da evolução histórica do princípio da boa-fé está na possibilidade de visualizar desenvolvimento do instituto ao lado da evolução social e tecnológica das sociedades que o utilizaram em diferentes épocas. Sob este prisma, através dos tempos é possível observar quais os fatores motivaram os detentores do poder para iluminar, apagar ou dissimular este axioma no contexto contratual. A hermenêutica e a segurança jurídica não poderiam estar dissociadas deste contexto histórico, razão pela qual no transcorrer das épocas, eram os fornecedores de credibilidade ao sistema vigente, servindo de arcabouço jurisprudencial para a atuação dos agentes econômicos no desenvolvimento dos seus negócios e na evolução do instituto até os parâmetros atualmente utilizados. 2.1 ORIGENS DA BOA-FÉ O Direito, no contexto da História Humana, é pontificado pela renovação perpétua, haja vista períodos de ativa elaboração codificadora das condutas dos povos contrapondo-se a períodos de total estagnação intelectual. Formam-se por via do direito dos povos, ciclos de fases laboriosas com fases mornas; sociedades que alcançaram estágios avançadíssimos no trato negocial com gerações perdidas pela busca da perpetuação do status quo vigente de grupos dominantes. O Direito de modo dinâmico passeia em todos esses períodos transformando a norma formalizada, fornecendo novos tempos e novas justiças às novas necessidades. Acima das paixões humanas e da formação moral imposta pela obediência societária ou pela coação humana, pairam os princípios norteando os homens, sendo invocados nas necessidades sociais e na falha do legislador, frutos do Direito Natural, sobrepondo-se à letra da lei. Centro do direito ocidental, Roma tornou-se o laboratório jurídico onde foram formulados grande número dos princípios adotados pela doutrina atual. Sob as bases da equidade natural desenvolveu-se o princípio da boa-fé, daí sua importância dentro das relações negociais, uma vez que o contrato é um dos alicerces da vida jurídica ao longo dos tempos. Entre os principais documentos jurídicos da Antiguidade que trabalhavam a ótica contratual, destaca-se a Lex Duodecim Tabularum (Lei das XII Tábuas), feita pelos decênviros romanos em 452 a.C, e o Código de Hamurábi (1790 a.C), descoberto em 1902 e atualmente no museu do Louvre em Paris. Tratavam entre vários assuntos, de casos fortuitos ou força maior, descumprimento contratual e esboços da manifestação de vontade ensina, 47 Nelson Borges65. Além de legislar em áreas diversas da sociedade na época, elaboraram leis que regulavam as relações comerciais, anota Araujo Pinto: Várias modalidades de contratos e negócios jurídicos são contempladas no texto do documento. Por intermédio dos artigos do Código, sabe-se que na Mesopotâmia [sic] já eram praticados os seguintes contratos: compra e venda (inclusive a crédito), arrendamento (com ênfase na regulamentação das terras cultiváveis) e depósito. A responsabilidade civil é levada às últimas conseqüências. Há previsão, ainda, de empréstimo a juros, títulos de crédito, operações de caráter bancário e de sociedade de comerciantes.66 Na descrição histórica do instituto da boa-fé – ou de suas raízes lembrando Judith Martins Costa67 –, visualiza-se a mutação do Direito em seus vários planos, especialmente o negocial, demonstrando seu caminhar juntamente com transformações ocorridas na vida social dos homens. 2.1.1 Instituto da Boa-fé no Direito Romano e Canônico Antes da existência do direito escrito, os contratos romanos eram orais. Costumeiramente os romanos só fechavam negócios e contraiam obrigações, voltando-se para o templo da deusa Fides e dando-se as mãos. Tal costume até hoje, mesmo com a implicação religiosa, perpetuou-se nos fechamentos dos negócios. A terminologia Fides – natural do mundo romano –, recebeu vários significados conforme as influências filosóficas e o campo de atuação dos juristas romanos, ensina Judith Martins-Costa68. A autora em seus estudos cita três: as relações de clientela pela origem remota, os dos negócios contratuais pela incidência do direito obrigacional e proteção possessória pelos direitos reais. Os antigos professores das Arcadas conheciam a importância dos atos de boa-fé nas relações comerciais salienta Alexandre Correia e Gaetano Sciascia: Os pactos acrescentados aos atos de boa-fé tiveram uma função de grande importância no desenvolvimento do sistema contratual, pois contribuíram fortemente para a erosão do antigo princípio do direito civil que não reconhecia nenhuma eficácia ao pacto puro e simples (nudum pactum), despido de formalidades. Substancialmente, os pactos adjetos eram convenções isentas de formas, e por isso ineficazes no ius civile. Dado, 65 BORGES, Nelson. Manual didático das obrigações: contrato e revisão contratual. Cutiba: Juruá, 2006. p.21. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Direito e sociedade no oriente antigo: Mesopotâmia e Egito. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Capítulo 2, p.31. 67 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.110. 68 Id., Ibid., p.111-112. 66 48 porém, que se acrescentavam como pactos acessórios, a contatos reconhecidos civilmente, eram consideradas partes integrantes do principal, sendo portanto protegidos pela ação do contrato principal. O reconhecimento de tais pactos não foi absoluto, a não ser no respeito às convenções limitativas do conteúdo da obrigação principal, exigindo-se em qualquer outro caso fosse ela de boa-fé e que o pacto acessório se acrescentasse desde o momento em que tal contrato se perfez. Assim, por exemplo, se depois da conclusão duma stipulatio, o credor aquiescia em não exigir do devedor a prestação (pactum de no petendo), este podia repelir a eventual pretensão do credor mediante a exceptio pacti conventi, concedida pelo pretor para proteger as convenções acrescentadas a obligationes civil; ao contrário se dava, mesmo mediante ação, qualquer que fosse o conteúdo do pacto acrescentado, se o contrato principal era de boa-fé e fosse concluído desde a constituição da relação. Por isso se dizia pacta convena inesse bonae fidei iudicis.69 A bona fides e a fides bona surgem em consequência do volume de negócios informais dentro do ordenamento romano. A agregação da palavra bona vem valorar o conteúdo concreto da negociação, da responsabilidade das partes da criação do negócio, sua promessa de conduta proba. Tornando-se um elemento “catalisador” da economia, definidor de estrutura e segurança negocial dos contratos, segundo Martins-Costa: [...] a fides atuava como o ‘elemento catalisador’ do conteúdo econômico dos contratos, porque, funcionalmente, constringe as partes a ter claro e presente qual o conteúdo concreto dos interesses que se encontram no ajuste, clarificação essa necessária para ‘vincular os contraentes ao leal adimplemento das obrigações assumidas’, tanto mais intensa é a necessidade privada de constrição quanto menor a força do Estado para constringir externamente os contraentes ao cumprimento das obrigações assumidas. A boa-fé atua, nesta perspectiva, como a força que produz ao mesmo tempo a definição da estrutura negocial e a configuração da responsabilidade dos contraentes.70 Na obra de Raphael Correa de Meira em uma divisão mais ampla dos contratos, existiam os contratos de boa-fé, a exemplo dos contratos de compra e venda, de locação, de depósito e de comodato, em que se dedicava uma atenção especial às partes de modo que a “[...] conduta do devedor no sentido de cumprir a obrigação é sempre examinada com o maior cuidado e deve ser interpretada pelos princípios da boa-fé e da equidade (bona fides e aequitas)”.71 Posteriormente no direito pretoriano, surgiria um procedimento em que o juiz se 69 CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Caetano. Manual de direito romano. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1969, p.208. 70 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.116. 71 MEIRA, Raphael Corrêa de. Curso de direito romano. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1987, p.217. 49 manifesta baseando-se conforme os ditames da boa-fé, salienta José Carlos Moreira Alves: Com referência às obrigações sancionadas por iudicia bonae fidei, como o juiz popular, neles, podia apreciar amplamente o comportamento do devedor, levando em conta não só os atos contra a fides (portanto, atos de má-fé, dolosos), mas também a conduta em que não houvesse diligência (por conseguinte, comportamento culposo em sentido restrito), o devedor era responsabilizado sempre que, por ação ou omissão, sua conduta fosse dolosa ou culposa (em sentido restrito). [...] Nos contratos de boa-fé – e isso porque, sendo de boa-fé a ação os tutela, o juiz tem campo de apreciação mais amplo –, as obrigações dele decorrentes são mais elásticas e alcançam os limites (ainda que não manifestados expressamente pelos contratantes) que a lealdade (bona fides) estabelece nos contratos.72 Aumenta-se a atuação assim do magistrado, não adstrito aos fatos centrais, mas a totalidade dos acontecimentos ensina Martins-Costa73, razão da utilização da boa-fé como “[...]expediente técnico preciso, que permitia ao juiz decidir certos casos tendo em conta não apenas a ocorrência do fato central apresentado pela parte, mas ainda outros fatos ligados ao litígio.” No desenvolvimento das relações negociais, sejam territoriais ou “além Tigres”, o contratos andavam juntamente com o desenvolvimento do crédito (pecúnia=dinheiro) sendo o mútuo e a fidúcia romana baseados no conceito de boa-fé. Quanto às garantias pessoais no direito clássico, surge o “Mandatum pecuniae Credendae” – também denominado mandatum qualificatum é aquele pelo qual alguém (o mandante, que será o garante), determina a outrem (o mandatário, que será o credor) que empreste certa importância ou quantidade de coisas fungíveis a terceiros (o beneficiário, que será o devedor) sendo umas das primeiras formas de mútuo: a) sendo um contrato consensual, de boa-fé, podia constituir-se entre ausentes, a atribuía obrigações ao mandante e ao mandatário sancionadas por ações recíprocas de boa-fé; b) precedia à constituição da obrigação a ser garantida, e, portanto, antes de ser executado (isto é, antes de o mandatário conceder o empréstimo), não apresentava como garantia, podendo, assim, ser revogado pelo mandante, ou, então, ser objeto de renúncia por parte do mandatário, com um mandato qualquer; [...].74 Sobre os argentarius (banqueiros)75 tanto em Roma como na Grécia – receptum 72 ALVES, Jose Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.38, 115. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.122. 74 ALVES, op. cit., p.65. 75 Id., Ibid., p.65-66. 73 50 argentarii e constitutum debiti alieni – tratavam de pactos pretorianos pelos quais os argentarius concediam uma abertura de crédito, para os clientes que possuíam depósito junto a eles para que quitassem seus débitos, fossem em dinheiro ou coisa fungível. O mútuo era um contrato que alguém transferia a propriedade de coisa fungível a outro com a condição de restituir outra coisa nas mesmas condições, sendo seus requisitos essenciais ao acordo de vontades, o objeto e o datio da coisa, qual seja o direito de propriedade. Existia um “contrato acessório”, a stipulatio usuararum ou uma convenção entre as partes para pagamento de juros sobre o contrato de mútuo, muito comum em Roma. A fidúcia no entendimento de Alves76, é o contrato pelo qual alguém (o fiduciário) recebe de outrem (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa fungível, mediante a mancipatio ou ain iure cessio, obrigando-se, de acordo, com o estabelecido num pactum aposto ao ato de entrega, a restituí-la ao fiduciantes, ou dar-lhe determinada destinação, tratando-se de contrato real, bilateral imperfeito e de boa-fé. Com o passar do tempo, a fides nos negócios jurídicos modifica-se, saindo de norma de comportamento moral e de expediente técnico jurídico, para um termo subjetivo, um elemento fático extrajurídico, na análise dos negócios. Comenta o autor que a decadência econômica e política de Roma juntamente com as invasões bárbaras e o início da época de “trevas” da humanidade, relegou o Direito ao projeto do imperador Justiniano (527-534 d.C) em compilar e harmonizar fontes antigas do Direito Romano ao status quo existente na época, sendo denominado “Corpus Juris Civilis” –, resistindo até a tomada de Constantinopla pelos turcos no século XV, sofrendo uma série de revisões e simplificações, sem contribuições significativas ao trabalho clássico. Neste período, o costume e a vontade divina vigoravam nas relações contratuais; o Direito Canônico manteve-se durante toda a Idade Média, como único Direito escrito e universal. Toda jurisprudência do período era manifestada pela interpretação privativa do Papa, utilizando-se de influências do antigo império romano e de regras jurídicas extraídas nas escrituras bíblicas “ius divinum”. Estabelecida tal legitimidade divina, cabiam aos doutores, abalizados pelo clero nas universidades, dar um sentido “oficial” – à vontade política do poder eclesiástico -, aos textos romanos monopolizando-se a produção intelectual jurídica da idade feudal. Neste período dois foram os institutos herdados pela Igreja Católica na constituição do direito ocidental moderno: a dogmática e o inquérito. A instituição católica da dogmática (princípio que interessa ao trabalho, uma vez que o instituto do inquérito atende o Direito 76 ALVES, Jose Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 125. 51 Penal) serviu para a manutenção no modelo de construção societária da época – a “invenção” social da verdade e fundamentando uma política histórica autoritária imposta pela Igreja-, servindo o Direito Canônico, por meio do discurso jurídico-dogmático, como instrumento de disciplina, alienação e sujeição teórica e social77. Na medida do crescimento da influência da Igreja, aumentava a pressão dos tribunais para o julgamento dos litígios a partir do Direito Canônico (jurisdição eclesiástica), surgindo os cânones, regras jurídico-sagradas: Os cânones são regras jurídico-sagradas que determinam de que modo devem ser interpretados e resolvidos os vários litígios. Mais que regras, são leis, isto é, são verdades reveladas por um ser superior, onipotente, e a desobediência, muito mais que uma infração, é um pecado. Os cânones são os desígnios de Deus, transformados em regras a serem seguidas sem questionamento pelos homens. O “cerco” dogmático começava a se formar. A partir daqui, inicia-se a história da sacralização do direito na Idade Média.78 No ambiente negocial, o Direito Canônico introduziu no instituto da boa-fé o significado de “ausência de pecado”, ou um estado contraposto à má fé. A igreja atribuía um valor moral à promessa, catalogando este tipo de mentira aos pecados da língua, tornando-se assim o instituto num poderoso polo de significados segundo Martins-Costa: No âmbito do direito canônico a boa-fé estava, pois, referenciada ao pecado, e este é um ponto pleno de significados. É que enquanto o direito romano, considerando a dimensão técnica da boa-fé, promoveu a sua bipartição – consoante aplicada às obrigações ou à posse –, o direito canônico operou a sua unificação conceptual sob o signo da referência ao pecado, o que equivale a dizer da ausência de pecado, situando-a em uma dimensão ética e axiológica compatível com o sentido geral do direito canônico.79 Neste ambiente de moral mais severa, a sociedade abarcava um cunho familiar, sobressaindo os deveres de amor ao próximo e respeito à palavra dada; somente se concedia as benesses da boa-fé àquele que a conservasse desde o ato inicial, até o momento em que a invocasse. Assim, continua Martins-Costa, “[...] agir em boa-fé, no âmbito obrigacional, significa, pois respeitar fielmente o pactuado, cumprir punctualmente a palavra dada, sob pena de agir de má-fé, em pecado.”80 O Direito Canônico promoveu, face à ausência de precisão 77 SANTOS, Rogério Dultra dos. A institucionalização da dogmática jurídico-canônica medieval. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Capítulo 9, p.213-215. 78 Id., Ibid., p.213-215 79 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.129-130. 80 Id., Ibid., p.130. 52 ao conceito de boa-fé, amputações e simplificações no instituto fazendo seu aspecto objetivo (conduta) cair no esquecimento, no entender de Karina Nunes Fritz: Na Idade Medieval, observa-se, portanto, que a boa-fé, seja incidindo no campo dos direitos reais ou obrigacionais, era sempre colorida pela necessária ausência de pecado, buscada no interior do sujeito, em sua consciência e não, no exterior, em sua conduta. No âmbito obrigacional, agir de boa-fé consistia exatamente em respeitar fielmente o pactuado e cumprir a palavra dada, sob pena de incorrer em má-fé, vale dizer, em pecado. O aspecto objetivo da boa-fé caiu no esquecimento, tendo adquirido acentuado relevo apenas a boa-fé subjetiva enquanto esta de consciência individual, espalhando-se por diversos institutos jurídicos.81 Parafraseando a autora, a boa-fé chegou às vésperas da primeira grande codificação – a francesa – totalmente despreendida da antiga ideia de comportamento do primitivo direito romano, sendo fragmentada e mesclada com outras proposições: estava acentuadamente marcada pelo subjetivismo adquirido sob influência do direito canônico e fundida ao conceito de equidade expressado no ideário de justiça. No final do século XII e começo do XIII, iniciou-se o desenvolvimento da economia burguesa europeia e, com ela a necessidade de uma nova estrutura jurídica para as relações econômicas emergentes. Havia a necessidade de um sistema que proporcionasse segurança jurídica ao comércio, libertando a atividade mercantil das limitações impostas pela comunidade, ordenamentos feudais e eclesiásticos, uma vez que se buscava conceitos de propriedade absoluta, indispensáveis a esse novo movimento econômico, reaparecendo a figura do Direito Romano como base nesta nova dinâmica contratual. O direito romano-justinianeu atendia a todas essas exigências. Quanto à necessidade de uma efetiva garantia jurídica das transações comerciais, tão caras à burguesia, a jurisprudência romana opunha a generalidade e a abstração de sua legislação ao casuísmo do direito consuetudinário feudal. Ademais o direito romano era aceito como fonte subsidiária praticamente em todos os sistemas jurídicos europeus, constituindo, assim, uma espécie de ‘língua franca, usada desde as cidades de Hansa até a faixa mediterrânea’. E finalmente com relação à última exigência, a civilística clássica apresentava a significativa vantagem de oferecer um conceito de propriedade absoluta que prescindia de qualquer condição extrínseca, desconhecendo, portanto, qualquer limitação social ou moral ao uso das coisas.82 No entendimento de Argemiro C. M. Martins83 a utilização do modelo romano 81 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: Juruá, 2009, p.88. MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira. O direito romano e seu ressurgimento no final da Idade Média. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Capítulo 8, p.197. 83 Id., Ibid., p.197-199. 82 53 clássico deveria adequar-se aos interesses comerciais da burguesia, à medida em que desenvolvia seu arcabouço jurídico na aplicação de leis escritas, previamente estabelecidas (formalismo) e por critérios racionais, de modo estável. Nessa esteira constatava Max Weber que o capitalismo mercantil motivou a volta do Direito Romano para jurisprudência pátria, mais pela previsibilidade processual e segurança nas relações negociais, que propriamente pelo seu contexto histórico-jurídico: Pero no fue acaso la mejor adaptación del derecho romano material a las necessidades del capitalismo naciente lo que decidió em este caso su vitoria – justamente todas las instituiciones específicas jurídicas del capitalismo moderno son ajenas al derecho romano y tienen un origen medieval. Fue su forma racional y ante todo la necessidad técnica de poner em manos de especialistas racionalmente entrenados – es decir, de especialistas que habían estudaddo em las universidades el derecho romano – los procedimentos judiciales, em vista del procedimento racional de prueba requerido por la creciente complicación de los casos litigiosos y em vista de la imposibilidad de aplicar en uma economia cada vez más racionalizada la simple determinación de la verdad mediante la revelatión concreta o la anuencia sagrada própria de los estádios primitivos. 84 No período de expansão colonial com início do desenvolvimento do capitalismo (sec XVII e XIX), seguindo o entendimento doutrinário na ascensão da teoria contratual, conjuntamente com o Direito Privado e teoria pública, viu-se aumentar substancialmente a segurança dos contratos, saindo do Conventio cum causa, para a utilização da expressão Pacta sun servanta em um sentido novo, equiparando os contratos aos pactos. Os jusnaturalistas (Hobbes, Suárez e Jean Domat) com o Voluntarismo conseguiram extinguir a distinção entre pacto e contrato, relevando aos filósofos e não aos profissionais de Direito se as questões eram justas, adequando este ao novo modelo de economia capitalista que surgia, asseverava Jose Reinaldo de Lima Lopes: Tudo isto funcionava numa sociedade estável, hierarquizada, testamental que a riqueza era imóvel, como a terra, de oferta inelástica, como dizem os economistas. Não era uma economia de crédito. Quando entramos na sociedade mercantil, capitalista, tais condições mostraram-se como um constrangimento à generalização das trocas. O melhor era acabara com tais constrangimentos. Naturalmente, as coisas tem mai de uma face: ao lado do fato material da monetarização da riqueza e da vida, foi preciso que se desenvolvesse a justificação, ou a racionalização, ou a compreensão e instituição simbólica da nova realidade. Aqui entraram os jusnaturalistas modernos, contratualizando toda a vida social: o contrato passou a ser fonte de obrigações enquanto expressão de vontade.85 84 WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1983, p.733. LOPES, Jose Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.368-369. 85 54 Nesta economia, continua Lopes, o crédito era imprescindível para o desenvolvimento capitalista, sendo necessário aumentar sua segurança jurídica, daí a evolução dentro do contexto contratual do aumento da garantia e da exigibilidade dos atos, via coação normativa e organizada do Estado, assumindo sua porção intervencionista a favor do cumprimento de qualquer promessa: Este processo de expansão da atividade financeira, significando aumento do número de contas correntes, depósitos bancários, lançamento público de títulos, privados ou governamentais (POINTEIL, 1989:274-275). A ideologia jurídica é ao mesmo tempo fundada na autonomia da vontade (a simples vontade livre da pessoa – natural ou jurídica – é fonte das obrigações) e na objetivação das obrigações: uma vez declarada (objetivamente num título de crédito) a vontade obriga e torne-se executável.86 Assim, visualiza-se com o desenvolvimento do capitalismo – pontificado com o Code francês –, a substituição de negociações ancoradas em condutas entre as partes para o da segurança jurídica dos contratos formalmente pactuados, retirando por via de uma visão positivada na completude do código ao amparo exclusivo da lei, a capacidade dos magistrados de julgamentos pautados nos fatos concretos. 2.1.2 Direito Germânico e Alemão Diferente de outras concepções, segundo a obra de Karina Nunes Fritz87 o direito alemão possui terminologias distintas para o tratamento da boa-fé: Guten Glauben e Treu und Glauben. Guten Glauben representa o estado psicológico de ignorância do indivíduo, portanto sua subjetividade (boa-fé subjetiva). Treu und Glauben representa as regras de conduta que devem ser adotadas pelas partes (boa-fé objetiva). No comércio jurídico, denota uma postura leal, honesta, levando se em conta os interesses dos parceiros comerciais e não apenas um mero reforço ao pactuado ou vedação de dolo, que não é seu elemento constitutivo. Sua concepção não advém do Direito Romano como parece, sendo expressões genuinamente alemãs, fruto da tradição e de juramento de honra medievais. No processo de recepção do Direito Romano na Alemanha, as ideias de bona fides – aqui não mais fides bona, em função da diluição de seu conceito e da ideia de boa-fé como ausência de pecado, destacando seu aspecto subjetivo – Treu (lealdade), Glauben (crença) e aequitas se mesclam e 86 LOPES, Jose Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.370. 87 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: Juruá, 2009, p.89-101. 55 se confundem, servindo de substrato para a formação posterior, nos primórdios da Idade Média, da fórmula para Treu und Glauben que, na busca de fundamentação dogmática, é sempre reconduzida à velha fides romana. Ainda quando muitos estudiosos reconhecem não haver uma linha contínua entre bona fides e Treu und Glauben, como acentua Staudinger apud Fritz88. A regra de conduta da concepção atual não surgiu por via de doutrinadores, mas, como outrora citado, da práxis comercial alemã de épocas medievais. Essa prática pacificada no meio social foi paulatinamente assimilada nos tribunais comerciais alemães, surgidos com o desenvolvimento do liberalismo. Pela ausência de um estado centralizado – a Alemanha encontrava-se fragmentada por unidades políticas independentes –, os tribunais comerciais decidiam, razão de não estarem pautados por uma legislação homogênea, baseados no Direito Romano (Corpus Iuris Civilis), no Direito comum, nos usos e costumes de cada localidade e na boa-fé. Antes da criação do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB)89 os códigos existentes nos estados alemães – vários elaborados no modelo francês-, reconheciam a boa-fé em sua real essência, como eram compreendidos pelo meio social. A exemplo do Código do Estado da Bavária de 1861, verificava que o instituto ultrapassava os atos fixados entre as partes conforme transcrição do seu artigo 15090: “[...] o devedor não deve prestar apenas aquilo a que expressamente se comprometeu, mas também tudo aquilo que decorre por si mesmo da relação obrigacional, segundo sua natureza ou segundo à lei ou aos usos e costumes.” Desta forma a boa-fé, sendo regra de conduta admitida e praticada na sociedade, principalmente no comércio, passa a ser praticada nos tribunais comerciais, ressaltando o OAG Lübeck (1815), que jurisdicionava as cidades de Lübeck, Hamburg, Bremen e Frankfurt, onde se aplicava o princípio de forma tópica, tanto na versão subjetiva como objetiva, utilizando-o na interpretação dos contratos como fonte de deveres adicionais à previsão contratual e como parâmetro de legitimação do exercício de direitos. Vale lembrar que, mesmo com silêncio do instituto no Handelsgestzbuch - Código Comercial- de 1861, os tribunais não deixaram de praticar a jurisprudência, incorporando-a à ordem privada, sendo devidamente inclusa nos esboços no novo código civil que chegava. Nesses esboços tem-se a raiz do atual § 242, decomposta em dois dispositivos segundo Karina Nunes Fritz: 88 Staudinger. Kommentar zum BGB, §§ 241-243.p.322. apud FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: Juruá, 2009, p.91. 89 Código Civil Alemão – promulgada em 18.08.1996, entrando em vigor em 01.01.1900. Id., Ibid., p.92. 90 Id., Ibid., p.92. 56 [...] o primeiro tem redação semelhante do art. 150 do BGB do Estado da Bavária, adjetivos sinônimos de Treu und Glauben, assim como ao cuidado a ser observado no cumprimento da prestação, embrião da idéia atual de consideração aos interesses do parceiro – o que representa um avanço nesse momento. Diz o dispositivo (§ 196): ‘os partícipes de uma relação obrigacional são mutuamente obrigados a executar suas respectivas obrigações de forma correta e leal e com o emprego daquele grau de coidade que eles prometeram ou par os quais são legalmente obrigados.’ 91 Referente o BGB, salutar as observações de Menezes Cordeiro92 sobre o tema, no sentido de que mesmo após as várias reformulações sofridas até sua entrada em vigor em 01/01/1900 e da incontestável influência da doutrina pandectista, quedou-se silente aos ditames da boa-fé; a prática jurisprudencial comercial foi primordial, pesando sobremaneira, sobre os juristas na elaboração do BGB, assim como consciência da impossibilidade de previsão casuísta de situações futuras, refletiu por ele na adoção do sistema de tipo aberto – caracterizado na sinergia entre as técnicas do casuísmo, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados –, capazes de responder impensáveis problemas na época da codificação, sendo principalmente solucionados por via da aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Avoluma-se o princípio em seu raio de atuação, indo além do modo de execução da prestação, expandindo-se pelas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, impondo deveres de conduta, nas situações inerentes ao negócio entabulado, como aos seus deveres acessórios, resultantes deste vínculo. Deste modo, o princípio passa a constituir, via ação humana, um status de limite ético ao exercício de direitos, nos ensinamentos de Fritz93, chegando a uma nova função, a de parâmetro corretivo das normas legais, justificando o afastamento da regra quando esta conduza a um resultado adverso ao da lealdade, conferindo ao julgador a possibilidade de decisões éticas e justas, amplamente utilizadas nos períodos de calamidades econômicas e sociais da Alemanha, sendo campo fértil para aplicação da boa-fé. O período do nacional-socialismo (1933-1945), representou um rompimento no desenvolvimento cultural e jurídico do povo alemão, em relação à continuidade da evolução principiológica, face à tentativa oportunista de utilizar os avanços adquiridos até aquele momento, em proveito da ideologia política dominante. Esse trabalho nas cláusulas gerais por inserção no Direito Privado do ideal nacional-socialista, retira a importância do indivíduo como pessoa de direito, rompendo com as barreiras entre o público e o privado, impregnando no pensamento jurídico a coletividade em detrimento dos direitos individuais. Neste sintético 91 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: Juruá, 2009, p.93. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. 2. ed. Coimbra: Almedina. 2001, p.331. 93 FRITZ, op. cit., p.96. 92 57 quadro, nota-se a deturpação do real significado da boa-fé, em favor dos princípios da ideologia dominante, no sentido de alterar o significado, sem alterar a letra da lei. Exemplo disso se mostram nos trabalhos da Academia para o Direito Alemão, fundada em Munique em 1933, com o objetivo de realizar uma reformulação do direito alemão. Entre os trabalhos desenvolvidos pela Academia, estavam a elaboração de um novo Código Civil em substituição ao BGB, para cuja diretriz, no que tange ao direito obrigacional, destacam-se as seguintes: [...] 15. Nenhum concidadão pode usar um contrato para exploração de outro concidadão. 16. O exercício de todos os direitos precisa realizar-se conforme a boa-fé objetiva e os princípios fundamentais da vida comum popular. O bem-estar da coletividade deve antepor-se à utilidade individual. 17. O abuso do direito não encontra proteção jurídica. Abusivamente age principalmente quem insiste no cumprimento literal de obrigação tornada sem sentido ou sem finalidade, quem faz valer uma autorização tão tardiamente que, com isso, coloca-se em uma insuportável contradição com seu comportamento anterior, quem na execução (do direito) procede de forma tão rigorosa a contrariar gradativamente o sentimento salubre do povo.94 Essas diretrizes orientaram os projetos de reforma do BGB elaboradas à época, dentre os quais o esboço de Heinrich Stoll, de 1934, cuja versão ao § 242 rezava, in verbis: Devedor e credor encontram-se, desde o início das negociações contratuais ate o fim da relação obrigacional, em uma relação de confiança mútua que os obriga a considerações recíprocas (dever de proteção). Eles devem trabalhar conjuntamente para a realização da prestação com observância do bem-estar comum, como o exige a boa-fé objetiva com consideração aos usos do comércio. 95 O período em que imperou o nazismo alemão, apesar do hiato no desenvolvimento do princípio, deve ser analisado sob o prisma da evolução histórica da época. O continuísmo do desenvolvimento da boa-fé no direito alemão reiniciou-se com o Bundesgerichtshof (BGH) em 1950 – equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça –, estando os valores essenciais da ordem jurídica claramente definida por meio das normas de direitos fundamentais, erguido principalmente sob a dignidade, solidariedade, liberdade e igualdade de todo o ser humano, impensável aos valores discriminatórios e antidemocráticos ocorridos como naquela época. Nesta sintética exposição do Direito Germânico-Alemão, revela-se a profundidade que o 94 95 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: Juruá, 2009Id., Ibid., p.99. Id., Ibid., p.100. 58 Direito Alemão alcançou no estudo principiológico da boa-fé, bem como de sua relevância como princípio fundamental de ordem jurídica, servindo de referência no direito das obrigações de várias legislações, inclusive a pátria. 2.2 EVOLUÇÃO DA BOA-FÉ NO DIREITO BRASILEIRO No Brasil, o grande salto no estudo, análise e sua aplicação prática do princípio nos tribunais pátrios, veio com o novo Código Civil de 2002, onde o axioma da boa-fé foi legislado como cláusula geral (v.g. art. 422). Entretanto não se pode desconsiderar sua existência no legislação brasileira nos vários períodos históricos que se fizeram presentes; aparece em vários momentos na legislação, porém sua aplicação nos Tribunais ou era omissa, ou relevada ao status de “letra morta”. Salutar, uma analise da dimensão do princípio dentro do contexto jurídico-histórico nacional. 2.2.1 Do Período Colonial ao Código Beviláqua Preliminarmente, para uma análise do princípio da boa-fé neste período se faz necessário ressalvar alguns pontos importantes na constituição do Direito em Terrae Brasilis96; do exame de aspectos culturais e econômicos do Brasil Colônia na formação do próprio Direito e a estrutura judiciária do período. Na formação da legislação brasileira – e de seus operadores –, em vários períodos é possível visualizar erros e acertos históricos que justificam o atual arcabouço sobre o qual atualmente decidem os egrégios tribunais por meio da base principiológica do presente trabalho. No Brasil Colônia, Claudio Valentim Cristiani afirma em seu artigo, que Portugual desde o descobrimento do Brasil, nunca visualizou a construção de nação e sim, de um mercado extrator, legitimando-se donos e ditando sobremaneira o rumo e destino desta jovem nação. Nos primeiros séculos a atividade do país era puramente extrativista como facilmente visualizada em seus ciclos econômicos: paubrasil, cana-de-açúcar, metais preciosos, café. Refletia as necessidades da metrópole, e sua maneira de tomar as decisões jurídicas não refletia o direito dos povos do velho continente: Assim, ‘o direito como a cultura brasileira, em seu conjunto, não foi obra da evolução gradual e milenária de uma experiência grupal, como ocorre com o direito dos povos antigos, tais o grego, o assírio, o germânico, o celta e o 96 Denominação de Brasil utilizada pelo Professor Lenio Streck no 3º. Capítulo de sua obra. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 59 eslavo’. A condição dos colonizados fez com que tudo surgisse de forma imposta e não construída no dia-a-dia das relações sociais, no embate sadio e construtivo das posições e pensamentos divergentes, enfim, do jogo de forças entre os diversos segmentos formadores do conjunto social. Com a devida precaução, salvo exceções que confirmam a regra, foi uma vontade monolítica imposta que formou as bases culturais e jurídicas do Brasil colonial.97 Assim, aos donatários das capitanias hereditárias foram outorgadas as competências simultâneas de administrador, legislador e juiz. Contudo, não lograram êxito junto à Coroa Portuguesa, ocasionando substancial modificação no sistema judiciário e nos seus agentes operadores. Inicialmente, o Brasil colônia saiu de leis gerais – esparsas –, para uma compilação em três grandes Ordenações: Ordernações Afonsinas (1466), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603). Tais Ordenações tiveram aplicabilidade por grande período de tempo, lembrando que em casos de Direito Civil, vigoraram até 1916, quando da publicação do Código Civil nacional. Nesse período, a estrutura do sistema judiciário visava aos interesses da metrópole e seu distanciamento dos interesses da colônia, sendo seu corpo organizacional formado por burocratas portugueses, baseando-se na burocracia e nas relações sociais de parentesco. A aproximação entre a magistratura portuguesa que aportava em terras brasileiras e elite nacional, inevitavelmente aconteceu, ajudando a aumentar o sentimento de distanciamento do judiciário junto à população, pela sua estrutura elitista do poder. Este modelo jurídico, reinante nos dois primeiros séculos de colonização, assim foi descrito por Cristiani: A aproximação entre essa elite e os magistrados que aqui aportavam foi, desde logo devidamente providenciada. Só que os objetivos almejados não eram de formar uma vontade local unívoca que representasse os interesses de toda a Colônia [...] O acordo ‘por cima’ visava à troca de favores entre os agentes jurídicos vindos da Metrópole e a elite dominante da colônia [...] o modelo jurídico predominante durante os primeiros dois séculos de colonização foi, por conseqüência, marcado pelos princípios e pelas diretrizes do Direito Alienígena – segregador e discricionário com relação à própria população nativa -, revelando, mais do que nunca as intenções e o comprometimento da estrutura elitista do poder. [...] À elite local era extremamente conveniente a união com o corpo burocrático de operadores jurídicos. A recíproca também não deixava de ser verdadeira. De um lado, encontrava-se uma elite local com esquemas formados de corrupção e manutenção do status quo. Do outro lado, magistrados dispostos a tudo a fim de garantirem privilégios para si e para os seus.98 97 CRISTIANI, Claudio Valentim. O direito no Brasil colonial. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Capítulo 14, p.351. 98 Id., Ibid., p. 359. 60 A primeira inserção histórica da boa-fé na legislação brasileira encontra-se nas Ordenações Filipinas (1603), no Livro I, Titulo LXII, § 53: [...] 53. E por não vir em duvida qual he Morgado, ou Capella, declaramos ser Morgado, se na instituição, que dos bens os defuntos fizeram, for conteúdo, que os Administradores e possuidores dos ditos bens cumpram certas Missas ou encarregos, e o que mais renderem hajam para si, ou que os Instituidores lhes deixaram os ditos bens com certos encarregos de Missas, ou de outras pias. E se nas instituições for conteúdo, que os Aministradores hajam certa cousa, ou certa quota das rendas que os bens renderem, assi como terço, quarto ou quinto, e o que sobejar se gaste em Missas, ou em outras obras pias: em este caso declaramos, não ser Morgado, senão Capella. E nesta taes instituições e semelhantes pode e deve entender o Provedor, postoque nas instituições se diga que faz Morgado, ou que faz Capella; porque às semelhantes palavras não haverão respeito, somente a forma dos encarregos, com acima dito he. 99 [sic] (grifo nosso) O Código Comercial fazia referência da boa-fé no artigo destinado à interpretação dos contratos. Entretanto, por falta de subsídios doutrinários não teve sua aplicação nos Tribunais: Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1 - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; 2 - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas; 3 - o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato; 4 - o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras; 5 - nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.100 Pode-se observar neste artigo a ênfase dada ao contrato assinado, nos moldes do Code francês, altamente formalista, perfazendo a ideia da boa-fé atrelada aos ditames contratuais, situação ratificada com a lei 3.071 de 1916, o Código Beviláqua. No CC de 1916, tratando das relações negociais, o princípio se manteve omisso, visto que a influência francesa na doutrina 99 BRASIL. Ordenações Filipinas: livro 1, título 62: dos provedores e contadores das comarcas. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p128.htm>. Acesso em 28 set. 2011. 100 Id. Código comercial. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 61 brasileira – época da edição do código –, que detinha grande preocupação com a segurança jurídica, e perfeição na confecção da legislação não deixou espaços para cláusulas gerais que forneceriam subsídios para o desenvolvimento de nossa doutrina e jurisprudência. Disso, o resultado era o código ter a denotação da lei como regra estável e não como fator de orientação social. É visível no projeto do Código Oitocentista, a manutenção do status quo pela classe burguesa da época, resguardando os direitos individuais conquistados pela Revolução Francesa (1789), situação agravada no período de vigência do Código, na proporção em que a Revolução Russa e o Nazismo foram terríveis para o desenvolvimento do Direito Privado nacional, em vista da aversão dos doutrinadores à função social do Direito, de inspiração socialista como alemã, empobrecendo a ciência jurídica do país, conforme comenta Rosa Nery: A influência política da Revolução Russa e – depois, as interferências políticas decorrentes da 2ª. Guerra –, foi catastrófica para a evolução do direito privado no Brasil. A primeira, por ter incutido na mentalidade de nossa doutrina o medo do comunismo e, por conseguinte, de toda eventual pesquisa em torna da função social do direito; segunda, por ter sido um óbice cultural para a participação da intelectualidade jurídica brasileira nos progressos científicos da jurisprudência alemã dessa época, que foi verdadeiro esteio de igualdade, certeza e segurança das relações sociais e jurídicas da sociedade alemã, pela forma aberta, moderna e destemida com que aplacou as chagas civis do pósguerra naquele país. A ciência do direito no Brasil sofreu os reveses dessas influências de ordem política e não colheu os louros do aprimoramento das instituições, experimentadas por outros povos, submetidos às agruras dessas feridas sociais. 101 Nesta dinâmica, a boa-fé foi relevada, à exceção dos casos de seguro, para os casos de ignorância escusável (boa-fé subjetiva) em matérias de Direito de Família e posse, passando despercebida do cenário jurídico. Contudo, não é possível afirmar que a boa-fé, como padrão de conduta (objetiva), não era aplicada no Direito Civil, examina Noronha : Embora o Código Civil de 1916 não consagre preceitos gerais a este princípio da boa-fé, entendido como dever imposto às partes de agirem de acordo com determinados padrões de conduta, tal certamente nunca poderia significar que ele não tivesse relevo jurídico. [...] Afinal, trata-se de princípio fundamental, sem o qual, de resto, ficariam incompreensíveis os preceitos 101 NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Vinculo obrigacional: relação jurídica de razão (técnica ciência de proporção). Tese (Livre-docência) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004, p.134. 62 esparsos que no próprio Código se reportam à necessidade de pautar condutas de acordo com a boa-fé. 102 Exemplo disso apresenta Teresa Negreiros em sua obra, citando o Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941, onde expressa o princípio em seu art. 66 que: “[...] as declarações devem ser interpretadas conforme a boa-fé e os usos e costumes dos negócios”103 e, em 1965, em projeto de Código de Obrigações, elaborado por Caio Mario da Silva Pereira104. 2.2.2 A Constitucionalidade da Boa-fé na Carta Política O Constituinte em 1988, deixou intrínseco em vários artigos da Constituição Cidadã os pressupostos da boa-fé: nos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º.) quando citou a cidadania e a dignidade da pessoa humana; entre os objetivos fundamentais da República (art. 3º.), na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdades sociais e regionais; na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, quando tratou da ordem econômica (art. 170), com vista a assegurar uma existência digna na busca da justiça social. Observa-se neles a primazia lógica da dignidade do homem com núcleo fundamental da ordem jurídica, tendo na boa-fé mandamento de conduta leal e proba, decorrência lógica deste princípio. Verifica-se no setor privado – principalmente por grandes conglomerados econômicos –, a possibilidade de violação ao princípio de uma forma mais latente; assim, a problemática se estabelece no sentido da interpretação dos códigos civis, ao lume Constitucional. Atualmente, a influência da Constituição sobre os Códigos se dá em vista do respeito ao seu posicionamento hierárquico, frente aos outros códigos ordinários, que devem se harmonizar com princípios e valores expressos na Carta Política. As normas que estabelecem direitos e garantias individuais em nossa CF possuem vigência imediata, assumindo desta maneira que seus valores influenciam verticalmente toda codificação civil. Dentro desta perspectiva constitucional no Direito Civil, denota a imprescindibilidade da boa-fé nas relações contratuais, como catalisador desses direitos, enfatiza Teresa Negreiros: 102 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.127-128. 103 NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Fundamentos para uma interpretação constitucional do principio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.72-73. 104 Art. 22. Na declaração de vontade se atenderá mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem. Art. 23. Devem as declarações de vontade ser interpretadas conforme a boa-fé e os usos dos negócios. Art. 24. Nos casos duvidosos, interpreta-se a declaração em benefício do devedor. 63 Esta perspectiva constitucional diante do direito civil implica, conforme visto até aqui, uma dada concepção do sistema jurídico e do papel dos princípios na aplicação-realização do Direito. Em relação à analise do princípio da boa-fé objetiva, o emprego de tal perspectiva determina uma nova compreensão das transformações por que passou e vem passando o direito contratual, com o objetivo de orientá-las constitucionalmente, conferindo-lhes um sentido e uma coerência em conformidade com a Constituição.105 A proposta atual está em permear os princípios constitucionais, nesta nova configuração da autonomia contratual, saindo o contrato da figura de mero instrumento econômico de movimentação de riquezas, para nele alçar a sua função social conforme o quadro axiológico atual lhe impõe. 2.2.3 A Atuação da Boa-fé no Codex Consumerista Na lei nº 8.078/90 a boa-fé encontra-se positivada no artigo 4º, como elemento harmonizador dos interesses dos participantes no processo negocial, garantindo os pressupostos elencados no art. 170 da CF, fornecendo equilíbrio às relações, com objetivo de atender às necessidades do mercado consumidor com respeito e dignidade. Neste mesmo diapasão a quebra deste princípio, ou sua ausência nas relações comerciais, acarreta a nulidade dessas cláusulas contratuais, nos termos do art. 51: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boafé ou a eqüidade; [...].106 A partir dessa previsão legislativa do princípio, começaram os estudos doutrinários para sua aplicação correta na jurisprudência pátria, e sua correlação com os ditames constitucionais, nos relembra Aguiar Junior: O princípio da boa-fé está mencionado no texto do art. 4º, III, como critério auxiliar para viabilização dos ditames constitucionais sobre a ordem econômica (art. 170 da CF). Isso traz à tona um aspecto nem sempre considerado na boa-fé, consistente na sua vinculação com os princípios socioeconômicos que presidem o ordenamento jurídico nacional, atuando 105 NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Fundamentos para uma interpretação constitucional do principio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.186-187. 106 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 64 operativamente no âmbito da economia do contrato. Isso quer dizer que a boa-fé não serve tão-só para a defesa do débil, mas também atua como fundamento para orientar interpretação garantidora da ordem econômica, compatibilizando interesses contraditórios, onde eventualmente poderá prevalecer o interesse contrário ao do consumidor, ainda que a sacrifício deste, se o interesse social prevalente assim o determinar.107 Neste sentido, a boa-fé do artigo 4º, segundo o Aguiar Junior, objetiva uma função social-econômica no atendimento as necessidades dos consumidores (dignidade, saúde, qualidade de vida), como uma função social do contrato, com base no equilíbrio das relações de consumo entre fornecedor/consumidor, para viabilizar os princípios que se fundam na ordem econômica (art. 170 da CF). Tem o princípio, no caput do artigo, um caráter orientador no modo de interpretar o contrato, com viés protetivo do consumidor, razão que não é concebível em uma sociedade organizada, lastreada na má-fé. No seu inciso III, o princípio aparece no âmbito de economia de mercado, como critério auxiliar na implantação dos ditames constitucionais no contexto contratual. O contexto do expresso no inciso IV do artigo 51 limita a autonomia contratual, quando incompatíveis com a boa-fé e a equidade. Quando se aborda a boa-fé no Direito do Consumidor, verifica-se seu conteúdo constitucionalizado rompendo com o Código de 1916 em matéria de direito contratual, instrumentalizando-o de valores consagrados na CF, como a dignidade da pessoa humana, livre iniciativa e justiça social. 2.2.4 A Aplicação da Boa-Fé no Código Civil Com o promulgação da lei 10.406/2002 que criou o Código Civil, o princípio da boafé passou a ter status de cláusula geral aberta, em relação aos negócios jurídicos como disposto nos artigos 112 , 113 e 187: Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. [...] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 108 107 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2469524697-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010, p.04. 108 BRASIL. Código civil. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 65 Constata-se um ressurgimento de valores e princípios que no código anterior não eram utilizados ou inexistiam. Por exemplo, a valorização da intenção das partes, em relação ao contrato pactuado ou conforme a tradição do lugar da celebração, termos estes que juntamente com a limitação dos abusos que porventura possam ocorrer no transcorrer do contrato, indicam uma harmonização da nova codificação civilista com o texto constitucional. As disposições gerais dos contratos expressas nos artigos 421 e 422 ratificam a tendência à socialização das relações contratuais no contexto negocial: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.109 Com o Novo Código Civil, quebra-se o dogma da plenitude da norma jurídica e começa ocorrer uma flexibilização na sua aplicação. Sobre a inclusão do princípio, pertinente se faz o depoimento do professor Miguel Reale, dentro do Princípio da Eticidade, ainda sob regime do antigo Código: O Código atual peca por excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo deve se resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as referências à equidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. [...] Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios éticos-jurídicos que permita chegar-se à ‘concreção jurídica’, conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa. O novo Código, por conseguinte, confere ao juiz não só o poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores éticos, ou se a regra jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso concreto. 110 Dessas inclusões, a mais importante é a alteração da mensagem do Código de 1916, extinguindo-se o paradigma do dogma liberal da autonomia da vontade, via coerção estatal, sobrepondo-se à observância da ordem pública e dos bons costumes. Tal espírito possibilitou aos magistrados sair do excessivo rigor formal, para a possibilidade de resolver as lides conforme princípios e valores éticos expressos na Constituição, representando parâmetro de equidade dentro do status quo da vontade pelos mais fortes, na relação contratual. 109 BRASIL. Código civil. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 110 REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=509>. Acesso em: 10 jul. 2011. 66 2.3 HERMENÊUTICA NEGOCIAL A palavra hermenêutica111 possui varias nuances e tendências sobre sua etimologia. Inicialmente advém do verbo grego hermeneuein (interpretar) e do substantivo grego hermèneia (interpretação). Apesar de se dizer que o termo é fruto da modernidade, denota-se por meio de textos escritos pelo filósofo Platão, tal palavra anota-se da versão grega hermèneutiké. Mitologicamente, sua raiz advém do deus Hermes da cultura grega. Mensageiro e conselheiro de Zeus entre os homens, sua capacidade de trânsito entre os homens enseja seu aspecto mediador, ostentando o poder de tornar compreensível àquilo que ultrapassasse o conhecimento humano. Universaliza-se o âmbito da hermenêutica a partir da análise da sua raíz, para que o processo se torne-se compreensível, ampliando sua relação com o pensamento, seja na tradução ou explicação. Na ciência do Direito assume a denominação de “hermenêutica jurídica”. Trata-se de uma nova atitude do jurista diante das tarefas, de um novo método de aplicação e abordagem ao conhecimento do Direito, situado a partir do fenômeno jurídico, apresentando seu potencial transformador dentro do universo jurídico, nos termos de Silva Filho: O poder desocultador destes conceitos e instrumentos jurídicos é tão grande que trazem o roldão um amplo questionamento de todo o sistema e de suas bases, revelando a necessidade de uma reformulação geral das categorias que até então foram responsáveis pelo entendimento e pela dinâmica do universo jurídico.112 Assim, sua relevância no âmbito negocial está na aplicação hermenêutica dos conceitos abertos, v.g como as cláusulas gerais, não somente para fins doutrinários, mas principalmente renovação da jurisprudência pátria, como ratifica Jussara Ferreira, em seu artigo: As reflexões apontam para a importância e relevo do papel hermenêutico, desenhado a partir da relevância desempenhada pelas cláusulas gerais no âmbito do processo negocial. Descabem reflexões insustentáveis acerca da adoção das cláusulas gerais por serem conceitos abertos, capazes de gerarem insegurança jurídica de par com o poder discricionário do julgador. Trata-se, em verdade, de processo construtivo em constante atividade e renovação jurisprudencial, acrescidos da contribuição doutrinária qualificada, ampliando as possibilidades da nova interpretação.113 111 SILVA FILHO, José Carlos Moreira. Hermenêutica filosófica e direito: o exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.1-3, 83-87. 112 Id., Ibid., p.1-3;83-87. 113 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; PAGLIARINI, Iliane Rosa. A relevância dos princípios negociais no descumprimento do contrato. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/27090-a-relev-ncia-dosprinc-pios-negociais-no-descumprimento-do-contrato>. Acesso em: 29 set. 2011, p.14. 67 O “Norte” para construção de um conteúdo hermenêutico na legislação conjuntamente com os ditames de um Estado Democrático – e Social – de Direito, encontra-se respaldada pelas Jornadas de Direito Civil, abarcadas pelo Centro de Estudos Jurídicos do Superior Tribunal de Justiça e Conselho de Justiça Federal, como elencado pela Comissão responsável pelos enunciados da I Jornada de Direito Civil: Comissão subscreve o entendimento segundo o qual impende apreender e aperfeiçoar o Código Civil brasileiro instituído por meio da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, tanto porque apresenta alterações estruturais nas relações jurídicas interprivadas, quanto porque ainda revela necessidade de melhoria em numerosos dispositivos. [...] Deve-se proceder a uma hermenêutica construtiva que, por certo, não apenas aprimorará o texto sancionado, como também propiciará à comunidade jurídica brasileira e aos destinatários da norma em geral um razoável conhecimento do novo Código, imprescindível para sua plena eficácia jurídica e social. [...] A preocupação [...] valoriza o papel decisivo da jurisprudência, evidenciando-se, a rigor, que um código não nasce pronto, a norma se faz código em contínuo processo de construção.114 Por meio da interpretação hermenêutica do princípio da boa-fé, no contexto das cláusulas gerais e da segurança jurídica, é possível visualizar seu comportamento no contexto constitucional e sua correlação em todos os microssistemas da legislação pátria. 2.3.1 Cláusulas Gerais No direito contratual até 2003, a legislação brasileira possuía uma inflexibilidade para interpretação normativa, face à plenitude da lei que não permitia o abandono do jurista das regras do jogo impostas até então. Naquele momento, o Código Civil vigente também se encontrava em desarmonia com os princípios e valores expressos no texto constitucional de 1988. O crescimento econômico do país mudou a cultura da sociedade como um todo, tornando o código apesar de “seguro” para o sistema econômico, contrário aos anseios sociais, saindo de modelo fechados para padrões abertos de interpretação legislativa. Preciosa é a contribuição de Judith Martins-Costa sobre o assunto: A esta nova cultura corresponde um novo modelo de código. O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a estrutura que, geometricamente desenhada com um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais completa tradução na codificação oitocentista. Hoje sua inspiração, mesmo do ponto de vista da técnica legislativa, vem da 114 BRASIL. Conselho de Justiça Federal. Enunciados. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 1., 2001. Disponível em: <www.jf.jus.br/cjf/cef-publ/jornadas-de-direito-civil-enunciadosaprovados>. Acesso em: 14 dez. 2011. 68 Constituição, farta de modelos jurídicos abertos. Sua linguagem, à diferença do que ocorre com os códigos penais, não está cingida à rígida descrição de fattispecies cerradas, à técnica da casuística. Um código não-totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais.115 (grifo do autor) O legislador no CC de 2002 abandonou a exclusividade da casuística (tipicidade), em que normalmente eram previstas todas as situações-tipo que a norma deveria regulamentar com critérios rígidos de interpretação, albergando uma sistemática dotada de mobilidade no intuito de não torná-la obsoleta perante a rapidez com que a evolução social se apresentava. Adotou uma técnica legislativa mista, utilizando várias espécies normativas como regras, princípios, postulados e conceitos jurídicos indeterminados. Dessa nova formulação, anota Judith Martins-Costa, que o enunciado, em lugar de tratar a hipótese de modo pontual juntamente com sua consequência, é intencionalmente ilustrado de modo vago, permitindo em sua formulação a abrangência de valores, diretrizes, princípios e condutas na aplicação de novas normas, que levam o nome de Cláusulas Gerais. Justifica-se: [...] as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento jurídico.116 O pioneiro e mais notório exemplo de cláusula geral, pelo volume de vezes que é lembrado como pela sua relevância dentro do Direito, desde o final do século XIX, é o § 242 do Código Civil Alemão: “§ 242: O devedor deve cumprir a prestação tal como o exija a boafé, com consideração pelos costumes do tráfego jurídico.” De modo didático conceitua Tepedino117 ser a cláusula geral uma técnica legislativa que confere maior flexibilidade ao intérprete, frente à realidade fática que se apresenta, fazendo prevalecer os valores do ordenamento contrabalanceando à “[...] realidade mutante na sociedade tecnológica de massa”. Neste mesmo caminho explana Martins-Costa: As cláusulas gerais constituem uma técnica legislativa característica da segunda metade deste século, época na qual o modo de legislar casuisticamente, tão caro ao movimento codificatório do século passado que 115 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.285. 116 Id., Ibid., p.286. 117 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2001, p.207. 69 queria a lei ‘clara, uniforme e precisa’, como na célebre dicção voltaireana foi radicalmente transformado, por forma a assumir a lei características de concreção e individualidade que, até então, eram peculiares aos negócios privados. Tem-se hoje não mais a lei como kanon abstrato e geral de certas ações, mas como resposta a específicos e determinados problemas da vida cotidiana.118 (grifo do autor) Quanto ao seu conteúdo, basicamente podem ser divididos em três tipos: restritivo, regulativo e extensivo, seguindo tipologia de Menezes Cordeiro, apud Martins-Costa: [...] de tipo restritivo, ai operando contra uma série de permissões singulares, delimitando-as, como nos casos da restrição à liberdade contratual, inclusive a liberdade de se retirar injustificadamente da fase das tratativas negociais; de tipo regulativo, regulando, através de um princípio, todo um vasto domínio de casos, como ocorre com a regulação da responsabilidade por culpa; e do tipo extensivo, por forma a ampliar uma determinada regulação através da possibilidade expressa, de aí serem introduzidos princípios e regras dispersos em outros textos, com é o caso das disposições do Código do Consumidor, e da Constituição Federal, que asseguram, aos seus destinatários, a tutela prevista em acordos e tratos internacionais e na legislação ordinária. 119 (grifo do autor) Uma das suas principiais características, seguindo os ensinamentos da autora, é da contraposição entre a cláusula geral e casuística. Suscintamente, tal contraposição fora divulgada por Karl Engisch em sua obra Introdução ao Pensamento Jurídico, sendo a casuística entendida como um “meio de concreção legislativa”, em que o legislador fixa de modo mais completo possível, os critérios para aplicação dos fatos, em face da tipificação de condutas que promovem, ficando o intérprete com pouca hesitação para determinação do sentido e alcance do caso; ao passo que o direito equitativo, segundo Engisch no qual estão as cláusulas gerais, conforme anteriormente precisado por Aristóteles na Retórica, seria o “equitativo mais além da escrita”, ou, no entender de Karl, enseja a “[...] possibilidade de circunscrever, em determinada hipótese legal uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial, e não legal”. Outro aspecto a ser diferenciado, ou separado no contexto das cláusulas gerais é a distinção com os princípios120. Seu conceito é polissêmico e carregado de história sendo atribuído um conteúdo manifestadamente justo. A melhor assertiva sob o assunto remete-se a Ronald Dworkin, apud Martins-Costa quando afirma: 118 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. Jus Naviganti, Teresina, ano 5, n. 41, 01 maio 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/513>. Acesso em: 20 out. 2011, p.01. 119 Id. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.295. 120 Id., Ibid., p.315-324. 70 [...] os princípios atuam numa dimensão estranha a dimensão das regras, que é a dimensão do peso ou importância. O intérprete, ao aplicar a norma que consigna um princípio, deve ter em conta o seu peso, podendo um mesmo princípio ser ou não aplicado num determinado caso concreto, sem perder contudo, a sua validade no sistema. 121 Aqui vale ressaltar, continuando os ensinamentos da autora, no sentido de que a cláusula geral pode expressar um princípio, mas não é o principio; este pode ser expresso (v.g. principio da igualdade – CF, art. 5º caput) ou não (v.g. o da vedação ao enriquecimento sem causa). A cláusula geral somente pode ser expressa, exigindo do magistrado sua utilização para dar mobilidade ao sistema jurídico, utilizando-a para aplicar conceitos valorativos e critérios de relevância jurídica, para casos que não são pré-determinados pela legislação. Quanto à adoção da metodologia das cláusulas gerais na legislação, o intuito foi de flexibilizar a norma à realidade histórica, sendo possível fornecer ao magistrado a faculdade de interpretar o caso concreto sem comprometer a segurança jurídica da norma, conforme interpreta Aguiar Junior: Como toda cláusula geral, permite a atividade criadora do juiz. Esta porém não é arbitrária, mas contida nos limites da realidade do contrato, sua tipicidade, estrutura e funcionalidade, com aplicação dos princípios admitidos pelo sistema. O magistrado profere um juízo mais complexo do que o normal, atendendo à lealdade das partes, à moralidade da pretensão do credor e à correção da resistência do devedor.122 Complementando o ensinamento do ex-ministro, busca-se com a adoção das cláusulas gerais o diálogo das fontes utilizando valores e princípios nesta nova interpretação hermenêutica, conforme pontuado por Jussara Nasser Ferreira: As cláusulas gerais ampliam as possibilidades e poderes do julgador para apreciação do caso concreto. A superação do método lógico-dedutivo da subsunção permite ao magistrado, além da invocação da disciplina normativa codificada, buscar, através do diálogo das fontes, utilização de valores e padrões meta-jurídicos, um novo direito decorrente da hermenêutica contemporânea definindo os parâmetros do que foi previsto de forma aberta pela cláusula geral. 123 121 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.319. 122 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2469524697-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010, p.10. 123 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; PAGLIARINI, Iliane Rosa. A relevância dos princípios negociais no descumprimento do contrato. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/27090-a-relev-ncia-dosprinc-pios-negociais-no-descumprimento-do-contrato>. Acesso em: 29 set. 2011, p.09. 71 Sobre a liberdade para julgar o caso concreto, o intérprete julgador, quando se utiliza do instituto das cláusulas gerais, não deve fazê-lo de um modo amplo e ilimitado, ressalta Rita de Cassia Espolador, em seu artigo: O fato da abertura contida nas cláusulas gerais conferirem maior amplitude para a solução do conflito pelo julgador, não significa que esta liberdade do intérprete seja ampla e ilimitada. Não se trata de discricionariedade ou arbitrariedade, pois a tarefa do julgador é a materialização das valorações, encontráveis, no ordenamento, como por exemplo, na Constituição e/ou nos princípios por ela consagrados. 124 De patrimonialista e formal, a expressão do “pacta sun servanda”, erigida em máxima do contrato como instrumento de opressão do regime capitalista, com adoção dos conceitos jurídicos indeterminados, teve seu aspecto modificado para se harmonizar com sua função social, adaptando-se aos princípios éticos e probos na realização dos negócios jurídicos. A importância da cláusula geral dentro do texto legislativo resume-se à renovação da teoria contratual moderna, da releitura do contrato à luz de uma constitucionalização do Direito Privado em consonância com o Estado Social. A boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e a função social dos contratos (art. 421) são resultados da adoção destes instrumentos no ordenamento, flexibilizando o Direito Privado, adaptando-se às necessidades atuais da sociedade, abrindo precedentes para jurisprudências mais justas. Assim, na inclusão das cláusulas gerais, os princípios que sustentavam o Direito Contratual não deixam de ser considerados, mas necessitam se harmonizar com ela, correlacionada com os parâmetros do Estado Social Constitucional. Em nível jurisprudencial, seu advento exige do aplicador ao caso concreto, uma interpretação mais ampla e sensível à realidade fática exposta nos autos, para fins de determinar as consequências das condutas tomadas pelas partes do processo. 2.3.2 Cláusula Geral da Boa-fé Os estudos sobre o princípio da Boa-fé atualmente se evidenciam como prediletos das pesquisas acadêmicas, especialmente no universo civil-contratual, assumindo cada vez mais o posto de verdadeiro norte axiológico, no campo do Direito das Obrigações. Tal princípio, sinteticamente explanando, estabelece a importância de um padrão de conduta a ser seguido 124 FURLAN, Alessandra Cristina; ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa; MOLINARI, Simone de Paula. A boa-fé no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. UNOPAR Científica: Ciências Jurídicas e Empresariais, Londrina, v. 10, n. 1, p. 73-80, mar. 2009. Disponível em: <http://www12.unopar.br/ unopar/pesquisa/rcArtigos.action>. Acesso em: 15 out. 2010. 72 no trato comercial. Aponta valores como lealdade, dignidade e confiança, como base nos comportamentos econômicos e sociais, auferindo valores diante do caso concreto, não bastando a lisura formal do contrato para ser juridicamente adequado. A influência liberal desenhou a cláusula geral da boa-fé como fator de fortalecimento do contrato em seu viés material, fornecendo subsídios para o seu cumprimento formal. Entretanto o alcance do BGB, não somente do código mas, da conduta dos magistrados, influenciou positivamente nesta nova hermenêutica do instituto: Esse papel, até certo ponto limitado da boa-fé no direito obrigacional, foi, contudo, ultrapassado e extensamente alargado após a sua inserção na cláusula geral do § 242 em razão de dois fatores convergentes: a extraordinária capacidade dos juízes alemães para ousarem em seu officium e a técnica na qual redigida, no mencionado texto do Código Civil, a disposição relativa à boa-fé.125 A inserção126 das cláusulas gerais pode ser vista em vários outros países v.g. na Reforma do Código Civil italiano em 1967, quando ocorreu a oposição da técnica legislativa tradicional (fattispecies jurídicas) pela “legislação por princípios”. Podemos lembrar no mesmo codex, seu artigo 1.337, sendo norma de restrição a autonomia privada, impondo a correção da conduta dos particulares no período contratual. O Código Civil português, dos seus artigos 239 e 483, trata da integração dos negócios jurídicos, por meio da relativa restrição à autonomia negocial e norma geral de previsão da responsabilidade civil por culpa respectivamente. O artigo 437 trata da alteração das circunstâncias, nome da Teoria da Imprevisão em Portugal. Nesta nova dinâmica do negócio jurídico, no país não vigora, como no explendor oitocentista, a manifestação de vontade das partes, impondo limitações, em face das desigualdades econômicas do sistema que hoje imperam na sociedade. Os Contratos de Adesão, as Condições gerais do Contrato e as relações contratuais de fato prestam-se para proporcionar suporte fático; o Código de Defesa do Consumidor e Código Civil, suporte legislativo. Dentro dessa dinâmica, na vacância dos textos jurídicos normativos que se estabelecem sobre os operadores, são concebidas as cláusulas gerais, para oferecer, via princípios e valores, o preenchimento da previsão normativa à realidade fática. Assim, aparece uma das funções das cláusulas gerais em que o princípio da boa-fé é uma dos seus maiores expoentes: o de permitir a abertura e a mobilidade do sistema jurídico. Tal 125 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.290. 126 Id., Ibid., p.294-295. 73 mobilidade nos termos de Judith Martins-Costa127, deve ser interpretada em dupla perspectiva, como mobilidade externa, em que o sistema jurídico se abre para a inserção de elementos extrajurídicos, viabilizando uma adequação valorativa e, como mobilidade interna, promovendo o retorno, dialeticamente considerado, para outras disposições interiores ao sistema. Destas, a primeira é a mais utilizada pela jurisprudência. Parafraseando Menezes Cordeiro, apud Martins-Costa, sua intenção é salvaguardar uma margem mínima para integrar no sistema ocorrências impossíveis de prefigurar nos meios legislativos clássicos, uma vez que o Direito está sujeito às modificações sociais; mesmo quando a lei não reaja, a ordem jurídica deve fazê-lo. Neste ínterim, conforme elenca o ex-ministro Ruy Rosado, a cláusula geral da boa-fé pretende, por exemplo, que as partes tenham uma conduta nos parâmetros da sociedade em que o negócio se realiza. A boa-fé é uma cláusula geral cujo conteúdo é estabelecido em concordância como os princípios gerais do sistema jurídico (liberdade, justiça e solidariedade, conforme está na Constituição da República), numa tentativa de ‘concreção em termos coerentes com a racionalidade global do sistema’.128 Assim, um novo conteúdo hermenêutico se forma por meio deste princípio, alojandose no Direito como delineado por Jose Carlos Moreira Silva Filho: [...] a boa-fé objetiva no Direito Contratual é filha de uma nova matriz histórica, revelando conceitos e aspectos que transcendem em larga medida os parâmetros conceituais e hermenêuticos associados às tradicionais teses deste campo do Direito Civil, apresentando-se como um conceito que incorpora e impulsiona uma nova concepção do Direito, onde a hermenêutica jurídica deixa de ser uma ferramenta acessória e passa a alojarse na definição do próprio ser do direito.129 Em suma, a utilização das cláusulas gerais como a da boa-fé, além de oferecer mobilidade ao sistema, implementa a aplicação de valores e preenchimento da provisão normativa à realidade fática. 127 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.341-348. 128 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2469524697-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010, p.09. 129 SILVA FILHO, José Carlos Moreira. Hermenêutica filosófica e direito: o exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.158. 74 2.4 SEGURANÇA JURÍDICA A verdade é que justiça e segurança são valores que se complementam, razão pela qual não existe justiça sem segurança. Deste modo, o Direito surgiu dentro da sociedade como meio de defesa da vida e patrimônio do homem, tendo por objetivo pacificar as lides assegurando direitos e deveres nas diversas relações existentes. Etimologicamente, sobre o termo segurança, convém ressaltar o entendimento De Plácido e Silva: Segurança é derivado de segurar, exprime gramaticalmente, a ação efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa [...] Segurança, qualquer que seja a sua aplicação, insere o sentido de tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas, assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal. Neste particular, portanto, traduz a mesma idéia de seguridade, que é o estado, a qualidade, ou a condição, de estar seguro, livre de perigos e riscos, de estar afastado dos danos ou prejuízos eventuais.130 Didaticamente, ensina-nos Couto e Silva131, que a segurança trata-se de um princípio jurídico que se ramifica em duas naturezas, quais sejam, objetiva e subjetiva. No seu viés objetivo revela-se “a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado”, dizendo respeito à proteção do direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada, quesitos no nosso art. 5º, inciso XXXVI da Constituição. Sobre sua natureza subjetiva refere-se à “proteção à confiança” depositada pelas pessoas aos atos, procedimentos e condutas do Estado nos diversos aspectos de atuação. No direito germânico, estas naturezas nasceram pela construção jurisprudencial, ramificando pela comunidade européia até a legislação brasileira, recebendo a denominação de Rechtssincherheit, para parte objetiva do conceito (princípio da segurança jurídica), e Vertrauensschutz, para sua natureza subjetiva (princípio da proteção à confiança). Na legislação pátria, a segurança encontra-se mencionada desde o preâmbulo constitucional: [...] instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...].132 (grifo nosso) 130 SILVA, De Placido e. Vocabulário jurídico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.1415. COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da união (lei n. 9.784/99). Rede: Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 2, Salvador, abr./maio/jun. 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2ABRIL-2005-ALMIRO DO COUTO E SILVA.pdf>. Acesso em: 03 maio 2011, p.02-06. 132 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 131 75 Abarca, ainda, vários artigos do corpo constitucional a exemplo dos artigos 5º, caput (segurança jurídica); artigos 6º e 194 que tratam da segurança social; artigo 91, § 1º, III, sobre a segurança do território nacional e artigo 144, sobre segurança pública.Portanto, a segurança – seja jurídica, territorial, social –, é prerrogativa que forma um conjunto de garantias dentro do arcabouço legislativo, assegurando o exercício dos direitos. O ilustre constitucionalista português, J. J. Gomes Canotilho, observa a segurança como fator constitutivo de qualquer estado de direito, garantidor da estabilidade jurídica: O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança- andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos acto.133 Tomando-se a segurança pelo enfoque do trabalho, principalmente nos países de cultura capitalista, moeda, propriedade e contratos, encontra-se os alicerces de sua ordem econômica. Este tripé contribui na prática para o fluxo de riquezas no seu território e, além deste, sendo responsáveis diretos pelo seu desenvolvimento. Assim, qualquer instabilidade nas regras jurídicas causa instabilidade econômica, diminuindo o crescimento dos agentes e a competitividade do produto nacional. Neste mister, interessante se faz mencionar o exministro Ives Gandra da Silva Martins, em palestra proferida no início da implementação do Plano Real: Sem regras jurídicas estáveis não há economia de mercado. Esta apenas se faz se as regras jurídicas garantirem o investimento e a poupança. Os investimentos que promovem desenvolvimento são quase sempre investimentos a longo prazo. A instabilidade das regras jurídicas afastam os investimentos a longo prazo, posto que os investidores não têm segurança de que suas aplicações retornarão, nos termos das normas legais que serviriam de base para as versos iniciais de capital. Assim, a instabilidade jurídica gera instabilidade econômica e esta se reflete na paralisação do crescimento econômico e na perda de competitividade da produção nacional. 134 133 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p.256. 134 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O juiz e a economia: reflexos da inflação na prestação jurisdicional. In: NALINI, José Renato (Org.). Uma nova ética para o juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.67. 76 Segundo o Ministro, a economia é fundamentalmente uma ciência psicossocial e não somente matemática, devendo possuir seu lastro na segurança jurídica, razão das reações psicológicas dos agentes econômicos que, frente aos seus impulsos em busca exclusiva do lucro, acreditam que o bom crescimento do mercado está intimamente ligado ao crescimento das oportunidades. Não por outro motivo Ronald Coase, prêmio Nobel de Economia em 1991, estabeleceu uma teoria econômica135 de mercado ao lume dos institutos jurídicos. Segundo o economista, a segurança jurídica gera o progresso econômico. Como resultado, a economia só existe pelo prisma do Direito. De modo simplificado, Direito e economia estão ligados uma vez que objetivam permitir o desenvolvimento, sendo responsabilidade estatal garantir por via de uma legislação estável, mecanismos que diminuam a insegurança jurídica por parte dos agentes econômicos. Destarte, no contexto de um sistema codificado, sempre se sustentou a pretensa segurança jurídica que dele se espera. Neste contexto – agentes econômicos/Estado “provedor” –, a segurança jurídica explica Nalin136, era baseada na possibilidade de antever nos ditames da legislação codificada, o direito do sujeito que nele se assegura; uma segurança lastreada na lei material, como única resposta processual para solução da lide, derivada de uma resposta lógica e matemática previsível, que pudesse ser repetida nos constantes juízos jurisdicionados. Trata-se de um modo de controle que poderia se estabelecer a partir da uma decisão sempre fundamentada pelo julgador no próprio texto codificado. Lembra Judith Martins-Costa que a segurança jurídica era derivada fundamentalmente de dois vetores: “[...] o dogma da identidade entre direito e a lei e entre a lei e a norma; e da sistematicidade externa aos próprios textos legais codificados”. Com a adoção desses novos instrumentos vivemos no mundo da “insegurança jurídica”, em razão da quebra da tríplice ideologia que dava sustentabilidade ao sistema: A ideologia da sociedade dizia respeito aos valores da burguesia liberal, capaz de exprimir princípios comuns e refletir-se num determinado e firme quadro legislativo. [...] A ideologia da unidade legislativa estava expressa na visualização do Código Civil como sistema completo, pleno, total, harmônico e auto- 135 Chamou-se Teorema de Coase. Este raciocínio advém de artigo publicado em 1960 por Ronald Coase no Journal of Law and Economics, entitulado "The Problem of Social Cost" (O Problema do Custo Social). Primeiramente, o teor do artigo foi inicialmente contestado majoritariamente pela comunidade acadêmica, entretanto, posteriormente, se renderam aos seus argumentos, que viria coroado com o Prêmio Nobel da Economia em 1991. 136 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.210. 77 referente das leis civis, em outras palavras, das regras concernentes à sociedade civil, ao mundo dos privados. [...] A ideologia da interpretação, por fim se refletia nos limites que lhe haviam sido postos. A atividade cognoscitiva dos juristas postulava a unidade sistemática do ordenamento, a qual, por sua vez, espelhava a unidade do tecido orgânico das relações sociais, de modo que, como afirmou Irte, a ciência jurídica, ai, se punha como a mimesis da mimesis.137 (grifo do autor) Tudo isso – continua a autora –, causou uma fissura na ideologia na interpretação, porque a atividade hermenêutica, fortemente ancorada no conceito de positividade do direito e na letra posta como objeto exclusivo de interpretação jurídica, não era mais compatível com a velocidade do acelerar da histórica e a evolução econômica que adveio. Paradoxalmente para Nalin138, o formalismo e positivismo não conseguiriam explicar determinados fenômenos que se estabeleceram, fornecendo um novo sentido para o conceito de segurança jurídica, passando de tutores a responsáveis pela insegurança, por não conhecer a completude dos fatos. Lacunas do Direito, normas em branco, antinomia jurídicas, cláusulas gerais e contradições legislativas aos princípios, implicam, ao intérprete do Direito, na exigência da utilização de fonte de conhecimentos metafísicos (valores e princípios), e controle das decisões judiciais, tendo em mente que somente a letra normativa não infere segurança ao caso concreto. Neste contexto, José Roberto de Castro Neves139, parafraseando Delia Matilde Rubio em sua obra ‘La Buena Fe, el Principio General em el Derecho Civil’ diz que as cláusulas gerais podem causar incertezas, todavia não podem condenar o sistema à fossilização. Não podendo esta ser interpretada como cumprimento literal da lei, nem tampouco examinando o caso concreto individualmente, mas tendo como referência de partida, valores sociais. Esta nova realidade, ocorre ao intérprete buscar o alicerce constitucional fundamental dentro da construção legislativa para fornecer uma segurança jurídica baseada no equilíbrio das relações, não aplicando somente o adimplemento contratual como objetivo final do vínculo contratual, v.g., mas guardando todos os deveres inerentes a ele, conforme menciona Nalin: A segurança jurídica do contrato não é mais decorrência da aplicação cega da lei do Código Civil, que considera a verificação forma de uma vontade livremente emitida, mesmo que circunspecta a deveres de conduta, 137 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.276-284. 138 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.210. 139 NEVES, José Roberto de Castro. Boa-fé objetiva: posição atual no ordenamento jurídico e perspectivas de sua aplicação nas relações contratuais. Disponível em: <http://www.jcadvocacia.com/index2.htm?cont= publicacao=8&categoria=2>. Acesso em: 23 out. 2006. 78 introduzidos pela boa-fé, mesmo antes de a atual codificação civil ter sido aprovada. Ela é material (concreta e histórica), investigativa das condutas e dos resultados objetivos do contrato, escapando da concepção, superada, de que a segurança estaria no adimplemento do contrato, pelo devedor.140 Desta nova segurança jurídica perfilada, se estabelece um novo conceito da autonomia da vontade não somente no adimplemento contratual, mas em todo processo negocial, buscando além dos seus efeitos econômicos, os efeitos sociais dessa relação. Ela [a segurança] está em todos os momentos da complexidade obrigacional em vista de ambos os titulares. Tratar, pois, atualmente a segurança jurídica contratual, significa encarar o contrato como um todo jurídico, nos seus plúrimos desdobramentos objetivos e subjetivos, focando, especialmente seu contínuo equilíbrio. A segurança jurídica não está mais no paradigma moderno da vontade, mas, no pós-moderno da boa-fé: contrato seguro é contrato conforme a boa-fé. Por sua vez, contrato conforme a boa-fé não significa descompromisso com os efeitos econômicos do contrato. Mas, sim, um contrato no qual concorrem efeitos econômicos e sociais.141 Sendo assim, torna-se elemento conservador da ordem jurídica e do status quo da sociedade, na esteira do que ensina o professor Almiro do Couto e Silva, evitando sobressaltos aos interesses das novas exigências e das rápidas transformações em seus aspectos econômicos, culturais, sociais e principalmente tecnológicos: Nessa moldura, não será necessário sublinhar que os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança são elementos conservadores inseridos na ordem jurídica, destinados à manutenção do status quo e a evitar que as pessoas sejam supreendidas por modificações do direito positivo ou na conduta do Estado, mesmo quando manifestadas em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos administrados ou frustar-lhes as expectativas. Colocam-se, assim, em posição de tensão com as tendências que pressionam o Estado a adaptar-se a novas exigências da sociedade, de caráter econômico, social, cultural ou de qualquer outra ordem, ao influxo, por vezes de avanços tecnológicos ou científicos, como os realizados, com impressionante velocidade, no decorrer do século XX. 142 Em última análise baseado no artigo do Couto e Silva, certo que o futuro não pode se tornar um “perpétuo prisioneiro do passado”, nem tampouco a segurança jurídica tornar-se um valor absoluto, capaz de “petrificar a ordem jurídica”, tirando os movimentos Estado na 140 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civilconstitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.211. 141 Id., Ibid., p.211. 142 COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da união (lei n. 9.784/99). Rede: Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 2, Salvador, abr./maio/jun. 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2ABRIL-2005-ALMIRO DO COUTO E SILVA.pdf>. Acesso em: 03 maio 2011, p.06. 79 realização das mudanças pleiteadas pelo interesse público. In contrário sensu, não é igualmente admissível ao Estado em todas as circunstâncias, ser autorizado a adotar novas providências em contradição àquelas por ele impostas, surpreendendo os que acreditaram nos atos do poder público. Entre estes dois polos trava-se a luta entre novos e velhos conceitos dentro do Estado, que caberá escolher os instrumentos jurídicos que lhe permitam aproximarse o mais possível do ideal de justiça material, pela inserção em seus quadros normativos de preceitos que definam o que pode e o que não pode ser modificado. Terminando o capítulo dedicado à evolução histórica, hermenêutica e segurança jurídica do instituto da boa-fé, verificam-se as várias mutações do Direito no campo das relações contratuais. Denota-se o princípio como elemento catalisador da economia, definindo a estrutura e a segurança contratual. Todavia, a boa-fé apresentada em seu estado de origem, tem seu sentido e significância alterados no transcorrer dos vários períodos mencionados. Da valoração lastreada em condutas probas e leais, é possível visualizar sua gradual modificação para uma formalista e positivada em codificações, moldando-se às necessidades econômicas no período temporal. Estas alterações em sua maioria advieram das condutas dos governantes e do conteúdo ideológico utilizado pelo grupo que deteve o poder no período analisado. Neste mesmo caminho a hermenêutica forneceu segurança jurídica, servindo de instrumento para determinar o padrão de verdade para a manutenção do status quo vigente. No Brasil, a estrutura de poder de cunho altamente patrimonialista, cumulado de uma codificação altamente favorável à elite como observado desde o início da colonização, até o final do século passado, implementou a cultura de distanciamento das demais classes sociais na defesa de seu(s) direito(s) junto aos órgãos competentes. Todavia, salutar se faz mencionar a busca atual de modificação deste estado de coisas, atrelando função social ao principal instrumento de circulação de riquezas, mostrando a ruptura paradigmática. Surge um novo modo de pensar, em nível hermenêutico, permitindo ao julgador adotar posturas valorativas ao caso concreto, juntamente com a adição de cláusulas gerais na legislação pátria no contexto contratual, demonstrando a força do princípio da boa-fé como fator de segurança jurídica não somente para o setor produtivo, mas a todos os agentes que compõem a economia, possibilitando a abertura de um novo período de desenvolvimento econômico e social. 80 3 CONTRATOS BANCÁRIOS E O PROCESSO NEGOCIAL Com o advento da lei 4.718/65 que disciplinou o Mercado de Capitais, estabeleceu-se uma nova dinâmica no sistema financeiro: da abertura do sistema até o momento atual, as instituições saíram de coadjuvantes no processo produtivo à protagonistas da economia de mercado, oferecendo uma vasta gama creditícia para o desenvolvimento dos setores industrial, comercial e de prestação de serviços, conforme preconiza o artigo 170 da CF. Todavia, com a estabilização econômica, e ao movimento de privatização – ou retirada do mercado da participação ativa do Estado oriunda do período ditatorial -, observou-se um crescimento extraordinário deste setor; políticas econômicas altamente rentáveis às instituições refletiram excepcionais índices de lucratividade, inferindo dúvidas quanto à lisura com que o sistema vem tratando essa massa de consumidores bancários. Estudar-se-á neste tópico os agentes do setor financeiro, iniciando com um novo olhar a dicotomia Direito e Economia, sobre o reflexo dos agentes à revisão do contrato no contexto mercadológico, passando pelo estudo do direito bancário, a formação dos agentes no cenário nacional e os efeitos da massificação contratual no setor. 3.1 TEORIA ECONÔMICA DO CONTRATO Desde a entrada em vigor da Constituição Federal, vislumbram-se diversas transformações na economia de mercado, ora pela necessidade de adaptar-se às legislações advindas do desenvolvimento desta economia, ora pela sua postura face às novas interpretações dos julgados nos tribunais. As legislações que abarcam as relações de consumo (direitos de terceira geração), notadamente a Constituição Federal (1988), Código de Defesa do Consumidor (1990) e Código Civil (2002), foram efetivadas em um período de busca de estabilidade na economia, ao passo que, a cada plano econômico surgido, espelhavam-se os anseios da sociedade na luta contra a inflação. Importante vislumbrar os ensaios sobre análise econômica do Direito trabalhado pelos pesquisadores Luciano Benetti Timm da PUC/RS e Fernando Araujo 143 da Universidade de Lisboa, cuja importância como instrumental necessário ao aperfeiçoamento do sistema legal fora prefaciado pela Ministra do STJ Nancy Andrighi, na obra Direito & Economia: 143 ARAUJO, Fernando. Uma análise econômica dos contratos: a abordagem econômica, a responsabilidade e a tutela dos interesses contratuais. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 97-174. 81 Se a Análise Econômica do Direito revela-se um campo fértil em sistemas ‘common law’, em que o jurista faz um esforço diário para criar a norma mais justa através de um sistema de precedentes vinculantes, com muito mais razão deve-se esperar resultados positivos em um sistema tradicional, de ‘civil law’, com fortes influências do direito romano, como ocorre no Brasil. [...] Assim, o avanço dos estudos em Análise Econômica vem em boa hora, propiciando à sociedade o instrumental necessário para o aperfeiçoamento do sistema legal. [...] Ninguém seriamente pode olvidar de ferramentas que se prestam a um tripla função crítica e auto-reflexiva, possibilitando que se repensem os métodos da ciência jurídica, a administração da justiça e o próprio direito positivado. 144 A análise delimita-se sobre o mercado de consumo, grande propulsor do próprio capitalismo 145. Baseiam-se no sistema jurídico americano, por ser ele o instrumento regulatório das relações consumeristas daquele sistema, o que torna possível a conexão146 entre autonomia privada e possibilidade Estatal de regular estas relações. Tem-se ainda o caráter liberal do Direito contratual norte-americano, uma vez que seu alto desenvolvimento demonstra a complexidade do direito contratual utilizado, interessante para a análise. Para uma nova visão sobre o assunto, utilizar-se-á a dicotomia Direito e Economia – diga-se, Direito Contratual e Teoria Econômica do Direito-, para demonstrar que se não existe preponderância do mercado – entenda-se capitalismo – perante o sistema judiciário, existe sim, uma influência neste mercado (com maior ou menor eficiência social) pelo Direito para garantir valores e princípios a uma determinada sociedade. O raciocínio base para análise origina-se do Teorema de Coase. 147 Este raciocínio advém de artigo publicado em 1960 por Ronald Coase no Journal of Law and Economics, entitulado "The Problem of Social Cost". Primeiramente, o teor do artigo foi inicialmente contestado majoritariamente pela comunidade acadêmica, entretanto, posteriormente, se renderam aos seus argumentos, que viria coroado com o Prêmio Nobel da Economia em 1991. Em sua análise, os agentes econômicos, no desenvolvimento da sua atividade, pressupõem, em certas circunstâncias, a ocorrência de fenômenos de influência positiva ou negativa sobre 144 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 63-96. e TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bica. Direito, mercado e função social. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja-pt/~ac_direito/Direito_Mercado_Funcao_ Social_pdf>. Acesso em: 09 mar. 2011. 145 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor. BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 146 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. BRASIL. Código civil. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 147 COASE, Ronald H. O problema do custo social. Disponível em: <www.pucpr/arquivosUpload/ 5371894291314711916.pdf>. Acesso em: 10 maio 2011. 82 terceiros, sem que haja contrapartida direta. Nestes casos, em que o custo ou benefício privado não são coincidentes com os custos do beneficio social, configura-se uma externalidade. Segundo o Teorema de Coase, o verdadeiro problema econômico a ser enfrentado consistiria em decidir, à luz dos objetivos de maximização da eficiência, qual seria o prejuízo mais grave a ser evitado pela sociedade. Desta maneira, o Estado deveria intervir nos casos de externalidades negativas, impedindo sua ocorrência, ou mesmo impondo multas ao eventual infrator. Contrariando essa ideia, o economista contempla que o causador e a(s) vitima(s) poderiam celebrar acordo, independente da articulação do Governo. Assim, se os custos de transação fossem nulos ou irrisórios, a alocação inicial de direitos efetuada pelo ordenamento jurídico não influiria sobre o resultado da disputa em torno das externalidades, pois os agentes afetados acabariam por encontrar uma solução para resolvê-la, por meio de um processo de autocomposição, distribuindo os recursos da economia mais eficientemente. O artigo de Coase causou polêmica, pois o seu raciocínio era interpretado no sentido de que o Estado não desempenharia papel relevante na resolução de problemas associados às externalidades, fossem elas positivas ou negativas. Assim, as partes podendo negociar sem custos, o resultado das transações seria eficiente, independente como estivesse especificados os direitos de propriedade. De qualquer forma, valeria destacar a contribuição de Coase para a aproximação entre o Direito e a Economia, levantando todas estas indagações à discussão. A metodologia destes estudos advém do Direito e Economia por serem essencialmente práticos, buscando visualizar comportamentos da sociedade, além de descrever a lógica mercadológica das escolhas frente à escassez de bens aptos a satisfazer suas necessidades. Conforme mencionado pelos autores148, apontar o Poder Judiciário como única instituição capaz de regular e equilibrar as relações negociais dentro do mercado de consumo é um pensamento equivocado, razão da própria crise que permeia o Direito em um Estado que, constitucionalmente, deveria ser forte, intervencionista e regulador, empenhado na promoção da diminuição das desigualdades socioeconômicas inerentes ao sistema capitalista. Esta fragilidade (ou crise) de nosso Poder Judiciário – e não somente as relações de consumo –, como prefaciado por Eros Roberto Grau149, atende aos interesses bem marcados dos Executivos fortes que se nutrem de projetos desdobrados. É nítida transposição dos quadros 148 ARAUJO, Fernando. Uma análise econômica dos contratos: a abordagem econômica, a responsabilidade e a tutela dos interesses contratuais. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 97-174. e TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.63-96. 149 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.15. 83 privados para os públicos. Pode-se afirmar que o capitalismo já não padece de temor da contestação social, e os executivos já não têm pejo de violar Constituições e exigências de harmonia entre os poderes, situação profusa em países da América Latina. Neste sentido, anota Lênio Streck sobre o Sistema Financeiro Nacional: Como respondem os juristas a esses problemas, produtos de uma sociedade tão complexa, em que os conflitos (cada vez mais) tem um cunho transindividual? [...] Na segunda hipótese (crimes de colarinho branco e similares)[v.g. Banco Nacional, Bamerindus, Econômico, Coroa-Brastel, etc.], os resultados são similares, bastando, para tanto, examinar a pesquisa realizada pela Procuradora da República Ela Castilho, cujos dados dão conta de que, de 1986 a 1995, somente 5 dos 682 supostos crimes financeiros apurados pelo Banco Central resultaram em condenações em primeira instância na Justiça Federal. A pesquisa revela, ainda que 9 dos 682 casos apurados pelo Banco Central também sofreram condenações em tribunais superiores. Porém – e isso é de extrema relevância – nenhum dos 19 réus condenados por crime do colarinho branco foi para a cadeia!150 A ciência, segundo Luciano Benetti Timm151, evolui a partir do conflito de teorias e paradigmas. E quando passa a existir uma confluência de ideias sobre os conceitos e os problemas a serem abordados pelo Direito, bem como a melhor forma de lidar com os mesmos, pode-se dizer que houve a consolidação de um paradigma jurídico. Pioneiro na matéria consumerista, o Brasil inaugurou um código protecionista, levando em consideração a vulnerabilidade do consumidor frente ao mercado. Tal surgimento, certamente, mostrou-se importante instrumento de proteção da parte mais fraca da relação contratual, que até então recebia tratamento igualitário nas relações de consumo e na esfera judicial. Atualmente, as decisões judiciais são pautadas na função social dos contratos, não ficam adstritas às partes contratantes, envolvendo todos os agentes econômicos. Importante destacar o entendimento de Teresa Negreiros: Partimos da premissa de que a função social do contrato quando concebida como um princípio, antes de qualquer outro sentido e alcance que lhe possa atribuir, significa muito simplesmente que o contrato não deve ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes impermeável às condicionantes sócias que o cercam e que são por ele próprio afetadas. 152 150 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.35. 151 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 63-96, p.67. 152 NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Teoria do contrato. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.208. 84 Temos ainda Judith Martins Costa, que ensina sobre esta dimensão transindividual das relações negociais dentro desta função social: O princípio da função social, ora acolhido expressamente no Código Civil (arts. 421e 1.228, § 1.º) constitui, em termos gerais, a expressão da socialidade no Direito Privado, projetando em seus corpora normativos e nas distintas disciplinas jurídicas a diretriz constitucional da solidariedade social (CF, art. 3.º, III, in fine). Conquanto expresso no Código em tema de propriedade e contrato, o princípio manifesta-se também no Direito da Empresa: conjugando os fatores da produção (trabalho, capital e recursos humanos) e os agentes do processo econômico (consumidor, trabalhador e empresário), as empresas têm, indiscutivelmente, dimensão transindividual ou comunitária. Assim, embora o silêncio do Código sobre a função social ao regular o Direito da Empresa, não há dúvida sobre a sua base constitucional e sistemática.153 Os avanços na esfera das relações de consumo – sejam legislativos, doutrinários e jurisprudenciais –, são marcados no país por forte tendência paternalista ou solidarista154, fruto de uma visão coletiva e sociológica, pautando os contratos no equilíbrio dos poderes econômico e fático das partes, visando a justiça distributiva do Estado Social. Trata-se do fenômeno da “Constitucionalização do Direito Privado”. Neste sentido, a função social do direito contratual garantiria a predominância dos interesses coletivos sobre os interesses individuais, devendo o Estado proteger a parte mais fraca na relação privada, fazendo-o por meio da regulação dos pactos. Na essência, o resultado seria uma distribuição mais justa dos benefícios do contrato entre as partes. Convém ressaltar as palavras de Judith Martins Costa que neste sentido são paradigmáticas: O princípio da função social, ora acolhido no Código Civil, constitui, em termos gerais, a expressão da socialidade do Direito Privado, projetanto em seus corpos normativos e nas distintas disciplinas jurídicas a diretriz da solidariedade social (Constituição Federal, art. 3º, III, in fine).[...] o princípio da função social, [...] indica um caminho a seguir, oposto ao do individualismo predatório.155 Esta é a função típica do Estado Social, atenuando os limites entre Direito Público e Privado, buscando a justiça distributiva até mesmo no espaço do contrato, intervenção feita por via de normas cogentes e revisão judicial dos contratos. A crítica ao paradigma 153 MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV, v. 1, n. 1, p. 41-66, maio 2005. Disponível em: <www.direitogv.com.br/subportais/raiz/RDGV_01_p041_ 066.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2011. 154 Paternalismo com influências no Marxismo, doutrina social-cristã e na sociologia coletivista e solidarista de Comte, Durkheim e Tonnies. 155 MARTINS-COSTA, op. cit., p. 41. 85 paternalista está no sentido que a função social do Direito contratual colocaria o contrato e o mercado em rota de colisão, como se aquele fosse apartado do mercado. Adota-se o contrato como um ato social, sendo o mercado o local de sobrevivência do mais apto. Na jurisprudência pátria – diga-se paternalismo pretoriano –, seguindo a tradição romanogermânica, os juízes são fortemente influenciados pelos ensinamentos doutrinários, refluindo para os acórdãos dos tribunais. Daí a revisão dos contratos com vistas a proteger o fraco contra o forte, preferindo fazer a “justiça social” a aplicar a “letra fria” da lei e do contrato. Entretanto, Amanda Flávio de Oliveira traz novo ensinamento ao dizer que o juiz deve atentar para os reflexos de sua decisão na esfera econômica, uma vez que seu julgamento pode influenciar uma série de fatores que facilitarão ou não novas contratações e a circulação da riqueza: [...] o magistrado passa a preocupar-se com os efeitos externos de suas decisões, além dos efeitos no caso concreto. Pondera sobre a possibilidade de influir nas ações futuras dos agentes econômicos (consumidores e fornecedores, por exemplo), ao se adotar uma ou outra forma de interpretar a lei. Preocupa-se em fazer com que sua decisão possa, a partir dessa capacidade de influenciar condutas, permitir o acesso ao consumo, alçando o maior número de pessoas à condição de consumidores e controlando a concentração de riquezas, auxiliando no difícil processo de distribuição equânime delas. Os julgadores passam, assim, a atentar para as conseqüências econômicas de suas decisões, percebendo o contexto global dos conflitos, não devendo se ater apenas ao que postulam as partes em litígio, mas verificando qual das soluções conduz à maximização da riqueza social. Nessa nova estrutura normativa regulamentadora do contrato, deve-se voltar a atenção para o contexto em que se insere o caso que se propõe para a análise e que transcende seus próprios limites. Cogitando do significado econômico de suas decisões em questões de consumo e dos fatos econômicos que conduziram à situação que ora se oferece para análise, o magistrado assume a condição de sujeito da atividade econômica e pode adquirir papel importante no processo de maximização de riqueza social que conduz ao desenvolvimento econômico nacional. 156 Não se pode deixar de citar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que percebeu a função social do contrato em um ambiente de mercado: Admitir-se a legalidade do procedimento pretendido pelos requerentes (revisão contratual de contrato de financiamento imobiliário) implicaria o surgimento de perigoso precedente com sérias conseqüências para todo o complexo e rígido sistema de financiamento da habitação, cuja estrutura e mecanismo de funcionamento foi bem exposta por Caio Tácito [...]: 156 OLIVEIRA, Amanda Flávio. O juiz e o novo contrato. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de defesa do consumidor e o CC/2002: convergências e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 341. 86 ‘ademais, os contratos imobiliários são, no caso, parte integrante de um todo interligado, de um sistema global de financiamento que tem, como outra face, a manutenção da estabilidade de suas fontes de alimentação financeira [...]’ (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 4ª Região. Embargos Infringentes na Apelação Cível nº 17.224, Relator Desembargador Federal Luiz Carlos Lugon). Quid, em relação ao argumento, de natureza econômica, de que, numa conjuntura de inflação mensal próxima de zero, os juros que excedam de 1% ao mês são abusivos? Com a devida licença, não há aí racionalidade alguma, muito menos de caráter econômico. Em qualquer atividade comercial ou industrial, o preço de venda do produto não pode ser menor do que o respectivo custo. [...] A taxa de juros é inteiramente desvinculada da inflação. A inflação é baixa, mas o custo do dinheiro é alto [...] e não pode ser reduzido por uma penada judicial. Trata-se de política econômica, ditado por ato de governo, infenso ao controle judicial. 157 (grifo nosso) A partir desta ponderação, vislumbra o conflito entre o sistema solidarista do direito local e a análise econômica do Direito158 em voga nos Estados Unidos, face dicotômica quanto à visão paternalista e individualista. Sob a dicotomia Direito/Economia, segundo Luciano Benetti Timm159, o contrato de fato (ou como um fato), não é um elo solidário entre pessoas vivendo em sociedade, mas sim uma transação de mercado na qual cada parte comporta de acordo com seus interesses, como se estivessem em um jogo armando suas estratégias (individualismo). Dessa forma, como evidenciado pela teoria dos jogos160, uma parte somente irá cooperar com a outra na medida em que puder desfrutar de algum benefício proporcionado pelo jogo (a menos que o direito contratual ou moral ditem as regras e estabeleçam o contrario). Esta é uma tradição que começa com o desbravador estudo de Adam Smith161, sobre a riqueza das nações. Desta feita, não se pode pensar em interesses sociais, e descurar do ambiente em que esta relação é celebrada – o qual é, indubitavelmente, o mercado. Destaca o Luciano Timm em seu ensinamento: Metaforicamente, o contrato individualizado é a árvore e o espaço público do mercado (e o conjunto de interações sociais) é a floresta. Neste sentido, a coletividade em um contrato de financiamento habitacional é representada pela cadeia ou rede de mutuários (e potenciais mutuários), os quais dependem do cumprimento do contrato daquele indivíduo para alimentar o 157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 271.214. Relator ministro Ari Pargendler. 12 de março de 2003. 158 Critical Legal Studies, Law and Economics (Teoria Econômica dos Contratos). 159 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63-96, p. 80. 160 A teoria dos jogos além de explicar o comportamento dos contratantes, contribui para uma abordagem normativa do direito contratual e para sustentar a necessidade de criar incentivos à cooperação, que tende a gerar um saldo positivo a ser dividido entre as partes. 161 SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. 2v. 87 sistema financeiro habitacional, viabilizando novos empréstimos a quem precisa. Assim se houver quebra na cadeia, com inadimplementos contratuais, o grupo (a coletividade) perderá (ficando sem recursos e terminando por pagar um juro maior). Até mesmo porque, conceitualmente e mesmo na vida real, os bancos não emprestam o seu dinheiro, mas a moeda captada no mercado. 162 Daí o mercado ser parte integrante da sociedade, não podendo ser algo artificialmente garantido pelo ordenamento jurídico face à característica espontânea de sua força dentro do contexto jurisprudencial. No entendimento dos autores, o sistema jurídico cumpre sua função social, quando o ‘direito respeita, protege e reforça o mercado, pois admite que este é um fato e uma necessidade social permitindo que ele se desenvolva beneficiando toda a coletividade que nele interage’. Assim, equivocam-se os juristas que defendem o caráter distributivo social do Direito Privado, com vistas à “justiça social” do art. 421 do CC. Na Análise Econômica do Direito, ele cumpre sua função social se estiver em consonância com relações de mercado, pautadas na livre iniciativa, na autonomia privada (o contrato) e na propriedade. Quanto ao contrato, no entendimento de Luciano Tim e Rafael Bica Machado: [...] depende de regras claras sobre riscos e obrigações de uma das partes que serão alocadas pelo contrato. Este instituto protegerá assim os envolvidos no negócio de possibilidades de incumprimento, de responsabilidades por danos gerados ao parceiro ou a terceiros, enfim de comportamentos oportunistas ou negligentes.163 Deste modo, alega-se o equívoco dos que pregam a publicização dos institutos de Direito Privado, ao passo que instrumentalizam uma verdadeira “desfuncionalização” do Direito, acabando por gerar incertezas, imprevisibilidade e ineficiência nas operações com o mercado, como justifica Timm: Não é flexibilizando o contrato, protegendo eventualmente um hipossuficiente que, necessariamente, gerar-se-á socialmente maior riqueza e consequentemente maior equilíbrio no seio das relações sociais. Nesse sentido, a função social do contrato, com roupagem jurídica de operações econômicas, não é a relativização do pacta sun servanda, mas a instrumentalização das trocas, onde quem ganha é a coletividade. E paradoxalmente, na maioria das vezes, a coletividade ganha quando o contrato é cumprido e os custos de um eventual inadimplemento não são redistribuídos aos não participantes da relação! 164 162 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 63-96, p.81. 163 TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bica. Direito, mercado e função social. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja-pt/~ac_direito/Direito_Mercado_Funcao_ Social_pdf>. Acesso em: 09 mar. 2011, p.13. 164 Id., Ibid., p.14. 88 A lentidão na resolução dos conflitos levados a juízo aumenta os custos de transação, e cria por si só, incentivos à quebra contratual, causando danos sem ressarcimento à parte prejudicada por essa mora, e, em sendo normalmente o fornecedor, este indubitavelmente repassa os custos para o mercado, causando instabilidade jurídica e insegurança ao ambiente econômico: Na prática, o resultado dessas intervenções é o aumento dos custos de transação sem a resolução dos problemas que lubrificam o mercado em situações de imperfeição – afastando ainda mais as partes da alocação eficiente. Ao elevar os custos de transação, o direito contratual paternalista pode, simplesmente, retirar algumas práticas negociais do mercado (ou, em alguns casos, aumentar o preço de bens e serviços sem que haja, em contrapartida, um benefício proporcional em termos de satisfação social – gerando externalidade nos contratos em cadeia, como o seguro) e contribui para o verdadeiro decréscimo de riqueza na sociedade. 165 Ingressa-se, deste modo, na função social do direito contratual, qual seja, corrigir as falhas do mercado de modo a permitir que as partes atinjam a utilidade máxima (acréscimo de riqueza na sociedade), fazendo com que os contratos funcionem como deveriam. O Direito passaria a tomar conta do ambiente negocial e da estrutura do mercado onde se realizam os contratos; bastaria criar regulação a fim de evitar o abuso de poder econômico, além de exigir a divulgação de informações. Desta maneira, chegamos ao modus operanti166 na atuação do direito contratual no mercado para a criação de um ambiente seguro entre as partes: – Oferecer um marco regulatório previsível e passível de proteção jurídica; – Minimizar problemas de comunicação entre as partes; – Salvaguardar os ativos de cada um dos agentes; – Criar proteção contra o comportamento oportunista; – Gerar mecanismos de ressarcimento e alocação de risco; – Facilitar a interação com o direito antitruste, a regulação do mercado acionário, com a proteção ambiental e ao consumidor em casos específicos. Para exemplificar tudo que já foi dito, será utilizado o caso da venda antecipada de soja, ocorrido no Estado de Goiás, chamado de “soja verde.”167 Na atividade agrícola, precisamente na produção, realizam-se inúmeras transações que envolvem agricultores, 165 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no código civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: ______ (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 63-96, p.89-90. 166 Id., Ibid., p.95. 167 Pesquisa conduzida pelo Instituto PENSA-USP e conforme divulgado no Seminário do Instituto Pensa na USP, em 5 de dezembro de 2005. 89 bancos, empresas de insumos, empresas de comercialização, dentre outros. Todas essas operações, entre agentes especializados, são realizadas com base em contratos, pelo princípio da boa-fé. Vale ressaltar que essas transações raramente são concretizadas no momento da contratação, uma vez que existe um espaço temporal entre contratação, entrega do produto ou serviço, e principalmente, pagamento. Nessa sequência, todas essas operações são realizadas por meio de contratos, com o intuito de diminuir incertezas e dúvidas que possam ocorrer, tornando-se um instrumento para tranquilizar as partes. Mecanismo esse, que amparado pelo sistema legal, em caso de descumprimento, pode gerar sanções sociais. Se as instituições que dão respaldo a esse sistema não funcionam bem, tem-se um aumento da incerteza, o que acaba elevando os custos. Quanto maior a imprevisibilidade, maiores os custos de transação e pior o ambiente de negócios e de desenvolvimento. Em Goiás, muitos produtores, para o plantio de soja, utilizam o capital privado para o financiamento, conhecido como traders; a atividade dos traders é feita por via da compra adiantada da produção, sendo pago o valor pela soja antecipadamente ao produtor. Ocorreu, todavia, uma inesperada valorização da soja. Alguns produtores, inconformados com esse aumento, ingressaram em demandas visando revisão contratual dos contratos firmado com os traders, alegando enriquecimento injustificado dos negociadores devido à valorização do produto. Vejamos agora a ementa das decisões do Tribunal de Justiça de Goiás acerca dos pedidos dos produtores: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SOJA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. LESÃO ENORME. ONEROSIDADE EXCESSIVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA EQUIVALÊNCIA CONTRATUAL. RESCISÃO. POSSIBILIDADE. NOS CONTRATOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU DIFERIDA, O DESATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOAFÉ OBJETIVA E DA EQUIVALÊNCIA CONTRATUAL FAZ EXSURGIR PARA A PARTE LESIONADA O DIREITO DE RESCINDIR O CONTRATO, MORMENTE SE OCORREREM ACONTECIMENTOS EXTRAORDINÁRIOS E IMPREVISÍVEIS QUE TORNEM EXCESSIVAMENTE ONEROSO O CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO A QUE SE OBRIGARÁ. EXEGESE DOS ARTS. 421, 422 E 478, TODOS DA LEI 10.406/02, NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA (APELAÇÃO CÍVEL Nº 79.859-2/188, 1ª CÂMARA CÍVEL, TJ-GO).168 (grifo do autor) VENDA A FUTURO. SOJA. PREÇO PRÉ-FIXADO. DESPROPORÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. DISSOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. NO ATUAL ESTÁGIO DO DIREITO OBRIGACIONAL, HÁ QUE SE TER EM DESTAQUE AXIAL OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ 168 GOIÁS. Tribunal de Justiça. 1ª Câmara cível. Apelação cível nº 79.859-2/188. 90 OBJETIVA, DA PROBIDADE, DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO E DA REPULSA À ONEROSIDADE EXCESSIVA, DE MODO QUE, VERIFICADA A QUEBRA DESTE MICROSSISTEMA, MORMENTE EM RAZÃO DA MANIFESTA DESPROPORÇÃO DAS OBRIGAÇÕES, TAL CIRCUNSTÂNCIA IMPORTA RESOLUÇÃO DO PACTO, AO TEOR DOS ARTS. 187, 421, 422, 478 E 2035, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E IMPROVIDA (APELAÇÃO CÍVEL Nº 82.254-6/188, 1ª CÂMARA CÍVEL, TJ-GO).169 (grifo do autor) Os acórdãos supramencionados apresentam um retrato do pragmatismo positivista dominante em nossos tribunais, em que somente se visualiza o caso/pedido sem a observância das consequências econômicas que determinada decisão pode resultar no mercado que exerceu sua jurisdição. O resultado em termos práticos como dimensionado por Lênio Streck é a utilização do princípio da boa-fé destoando da efetividade do Direito que trata de toda uma coletividade, totalmente desconectado do que realmente acontece no cotidiano desta sociedade: Isto decorre de um cultura estandartizada, no interior do qual a dogmática jurídica trabalha com prêts-à-porters significativos. [...] Ocorre, assim, um ficcionalização do mundo jurídico, como se a realidade social pudesse ser procustianamente aprisionada/ moldada/explicada através de verbetes e exemplos com pretensões universalizantes. [...] Consequência disso é que o processo de interpretação da Lei passa a se um jogo de cartas (re)marcadas.170 No caso exemplificado, o princípio da função social do contrato e a ofensa à boa-fé foram acolhidos pelos tribunais como justificativa para a rescisão da compra e venda antecipada de soja; segundo entendimento do Tribunal, o contrato havia se tornado injusto para uma das partes, acabando com o equilíbrio contratual. O Tribunal ainda determinou que a indústria envolvida comprasse a soja pelo preço de cotação do dia no mercado de Goiás. Caso não acatasse a decisão, estariam rescindidos os contratos de compra e venda; assim o juiz, por meio da função social do contrato, ratificou o juiz a quo efetivando o equilíbrio contratual. Contudo, o resultado prático da decisão do TJGO acabou atingindo a todos, mesmo aqueles que não ingressaram com ação de revisão dos contratos. Pois, os traders não queriam mais seguir fazendo aquela operação de compra antecipada de soja, afinal se o preço no ano seguinte fosse inferior ao pago, teriam eles que arcar com os custos; caso fosse superior, os produtores novamente entrariam com ações 169 GOIÁS. Tribunal de Justiça. 1ª Câmara cível. Apelação cível nº 82.254-6/188. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 7. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.77-87. 170 91 pedindo a revisão do contrato; não haveria benefício nenhum para fosse efetivada a venda antecipada de soja, para os traders. Sem sombras de duvidas, seria melhor comprar na cotação do dia. O Tribunal de Justiça buscando o equilíbrio contratual das partes, por via da função social do contrato, acabou gerando um ambiente de incerteza. De certa maneira, podemos dizer que os produtores sofreram as maiores consequências, pois tiveram que se capitalizar para o plantio com recursos de bancos, aumentando o custo financeiro com taxas elevadas diante do ambiente de incerteza gerado. Alguns poucos produtores, aqueles que ingressaram foram beneficiados com as ações, somente naquela safra, mas podemos destacar um grande prejuízo do resto da coletividade, daqueles que não ingressaram com as ações de revisão ou daqueles que não conseguiram utilizar o mecanismo de venda antecipada no ano seguinte, devido ao clima de insegurança gerado, graças às decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Entretanto, o STJ, reverteu as decisões do TJ-GO, valendo-se de argumentos econômicos: A função social infligida ao contrato não pode considerar seu papel primário e natural, que é econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura.171 Tais argumentos econômicos contextualizados pelo Colendo STJ mudando o posicionamento do TJ-GO, reposicionou a boa-fé e a função social do contrato sob a ótica econômica, ao passo que interveio na questão amparando toda uma coletividade em detrimento dos indivíduos que adentraram o Judiciário. Deste modo, restabeleceu-se a segurança jurídica para a continuidade das atividades agrícola naquela região em benefício da coletividade. Concluindo, sabe-se que o mercado não é ambiente regulatório perfeito, de maneira que só resta ao Direito, para fazer cumprir os contratos. De outro modo, a revisão de contrato livremente firmado em ações individuais tende a não resolver o problema de desequilíbrio entre as partes nas relações privadas, pois o problema está relacionado à estrutura concorrencial de mercado. Advém assim, a responsabilidade dos governos pela adoção de 171 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 803481/GO (2005/0205857-0). Recorrente Cargill Agrícola S/A. Recorrido Luiz Ferreira Lima. Relatora ministra Nancy Andrighi. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça, Brasília, p. 462, 01 ago. 2007. e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 783404/GO (2005/0158134-4). Recorrente Cargill Agrícola S/A. Recorrido Ricardo Alves Resende. Relatora ministra Nancy Andrighi. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça, Brasília, seção 1, p. 364, 13 ago. 2007. 92 políticas econômicas e os reflexos jurídicos desta intervenção no domínio econômico, de modo a estar atento às constantes mudanças da sociedade, para que as leis consumeristas não se tornem obsoletas. Insta salientar sobre a necessidade de Políticas de Estado, para estabelecer critérios de fiscalização e punição ao capital utilizado de forma perniciosa dentro do mercado, estabelecendo entre todos os agentes econômicos equilíbrio e bem estar social buscados pela Economia e Direito, para o desenvolvimento do país. 3.2 DIREITO BANCÁRIO Desde a Antiguidade já eram conhecidas várias práticas bancárias, como o empréstimo de dinheiro realizado nas culturas babilônicas, egípcias e fenícias por volta do século VI a.C.. Entretanto, foi no mundo Greco-romano que se originaram as práticas atualmente utilizadas no sistema bancário nacional, conforme comenta Giacomo Molle, parafraseado por Nelson Abrão: [...] tornou conhecida grande parte das operações em uso no banco moderno, como aceitar depósitos de descoberto; interpor-se nos pagamentos também sobre praças distantes; assumir obrigações por conta dos clientes etc. [...] tendo sido os templos dos deuses o verdadeiro berço das operações bancárias, como o atestam os negócios em Delos, Delfos e Artemi.172 Tais atividades eram desenvolvidas pelos “trapezistas” na Grécia e pelos “argentarii” em Roma, que ganharam fortunas nas funções de trocadores, depositários e emprestadores de moedas na sociedade em que viviam. Com a Idade Média e o aumento das trocas comerciais nas cidades italianas, por volta do século XII surgiram os campsores ou cambiatores, inicialmente trabalhando na troca manual de moedas e posteriormente fornecimento de crédito, tornando-se conhecidos como banqueiros. Sobre essa dinâmica citamos Menezes Cordeiro: Na Idade Média, particulamente no século XIV, os cambistas já operavam. Faziam-no, porém, de forma circunstancial, nalgumas feiras. Os juros estavam proibidos pela lei canônica [...]. O esquema podia, na prática, ser contornado por várias vias. Muito significativa, pela adaptação às condições então reinantes, era a figura do censo consignativo, traduzida pela cedência de capital a troco duma renda, garantida pela propriedade sobre um imóvel. Havia, porém, esquemas mais directos, como os empréstimos sobre hipotecas e os empréstimos aos Reis. 173 172 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.14. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.68. 173 93 Neste período foi notória a atuação dos “montes” na Itália – espécie de agência de arrecadação de impostos que reaplicava o dinheiro no mercado fazendo render juros –, sendo o mais antigo e famoso o Banco de Veneza (1171 a 1797), juntamente com a “Casa di San Giorgio” fundada em Genova (1408) que tratavam também dos ativos financeiros na época, finalizando com a atuação dos Templários no financiamento das Cruzadas, senão pela questão monetária o motivo de atritos constantes com a igreja. Com a experiência advinda dessa época, pontifica Nelson Abrão174, tais grupos expandiram por diversos territórios gerindo investimentos, que se aumentavam sua solidez. Com a intensificação do tráfico mercantil (Idade Moderna), aumento de metais preciosos (mercantilismo) e busca do Estado por crédito para financiar as expedições no Novo Mundo, chegou-se ao patamar das operações dos bancos modernos qual seja, tomar empréstimos dos depositantes e poupadores e distribuir a crédito para os clientes. Anota ainda a partir do advento da Revolução Industrial, a consolidação dos bancos no status de potências com aparecimento de banqueiros e conglomerados financeiros transnacionais, e consequente redimensionamento dos estabelecimentos, e utilização de técnicas e métodos mais avançados de gerenciamento financeiro. Denotam-se com a rapidez com que os negócios atuais se desenvolvem, novos desdobramentos no Sistema bancário nesta era da informação. Após essas rápidas pinceladas nas origens do Sistema Bancário, necessário se faz apresentar noções conceituais e marcar a importância do Direito Bancário para a sociedade. Didaticamente falando, Menezes Cordeiro175 conceitua o Direito Bancário como um conjunto de normas e princípios conexos aos bancos, sociedades financeiras, instituições de crédito, pertinente às atividades desenvolvidas por essas entidades junto aos seus clientes. Assim, “[...] em termos formais, o Direito bancário ocupa-se da organização financeira, das instituições de crédito e sociedades financeira e da actividade desenvolvida por essas entidade. Em termos materiais, o Direito Bancário é o Direito do dinheiro.” Neste mesmo ínterim, conceitua Abrão: Postas, assim, as linhas fundamentais sobre as quais se assenta o Direito Bancário, podemos conceituá-lo como o ramo do Direito Empresarial (ainda que o art. 119 do CCom tenha sido revogado pelo Código Civil em vigor) que regula as operações de banco e as atividades daqueles que as praticam em caráter profissional.176 174 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.15- 16. 175 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.21. 176 ABRÃO, op. cit., p.08. 94 O Direito Bancário é atualmente o direito das instituições financeiras e das organizações que atuam no mercado financeiro e de capitais, regulamentando suas atividades e operações monetárias na sua captação e aplicação. A atividade bancária como um todo submete-se “[...] a um feixe de regras originárias de um ramo novo do Direito, chamado Direito Econômico.”177 Na própria Constituição encontramos as regras básicas do Direito bancário atinentes ao Sistema Financeiro Nacional: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003).178 Neste feixe de regras originárias do nosso corpo constitucional elenca-se como fontes do Direito Bancário179: o Direito Civil (Contratos e Obrigações), Direito Comercial, Direito Administrativo, Direito Econômico, leis sobre matéria bancária, decisões dos órgãos reguladores (portarias, resoluções), usos e costumes bancários (códigos de conduta), finalizando com Diretrizes e Convenções Internacionais (p. ex. cheque, letra de câmbio e nota promissória – Genebra). Desta maneira, o Direito Bancário fornece legitimidade e regula as relações entre o mercado financeiro e a sociedade. Neste âmbito, o dinheiro coordena as ações humanas, seja individualmente ou em grandes grupos empresariais, como facilitador da obtenção de bens e produtos que favoreçam o fluxo de riquezas. Com o crescimento econômico do país nas últimas duas décadas, qualquer operação de expansão comercial ou patrimonial passa pelo sistema financeiro e, das necessidades mercadológicas na busca do crédito, as instituições disponibilizaram novos produtos e serviços na mesma velocidade, aumentando sobremaneira o universo bancário, consequentemente sua eficiência na concretização dos anseios das várias atividades produtivas dentro do mercado. Pelo volume de tomadores de empréstimos, o sistema adotou os contratos de adesão como modalidade contratual base para essas operações, situação que impreterivelmente favorecia os fornecedores do crédito. A falta de conhecimento técnico das peculariedades dessas operações financeiras na fase de negociação banco-consumidor ajudou 177 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.08. BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 179 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008. e ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009. 178 95 a agravar o quadro de desequilíbrio contratual. O Direito Bancário, cumulado a um novo entendimento hermenêutico positivado por preceitos constitucionais, vem conseguindo reverter e diminuir abusos que sistematicamente eram imputados aos consumidores destes serviços. Tal evolução é resultado conjunto de legislação (CC e CDC), órgãos de defesa do consumidor – PROCON’s , associações de consumidores –, e as instâncias judiciais, que buscam coibir e estabelecer o equilíbrio contratual entre as partes, seguindo os ditames de justiça social. Nesta sistemática, a importância do Direito Bancário estudado em sua forma plena se perfaz por ser um campo inesgotável para análise e aperfeiçoamento da Ciência do Direito, como pontifica Menezes Cordeiro: O Direito bancário não se limita a resolver os seus próprios problemas. Ele faculta o aperfeiçoamento de quadros e de soluções que constituem, depois, patrimônio da Ciência do Direito, no seu todo. Progressos obtidos no Direito bancário podem, com vantagem, ser usados noutras áreas normativas. Sirvam de exemplo os avanços conseguidos no tocante ao sigilo bancário, que podem beneficiar a construção de outros sigilos profissionais ou os alcançados no manuseio das garantias, úteis para toda a correspondente área do Direito das obrigações. A própria dogmática das cláusulas contratuais gerais, hoje pertença nuclear do Direito Civil, viu o seu início no domínio dos negócios bancários. Instrumentos novos, como o da relação bancária global, são, com vantagem, usados noutras áreas.180 Por via da ampliação dos serviços bancários tanto na captação de recursos como no fornecimento de crédito na esfera produtiva e consumista, é notória a evolução do direito bancário na esfera contratual, posicionando sua relevância (crédito) como elemento essencial na vida humana e fomentador de desenvolvimento rápido e gradual, tanto interno como externo, da economia. 3.3 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – HISTÓRIA, LEGISLAÇÃO E ESTRUTURA No período colonial todas as atividades econômicas desenvolvidas no país passavam por forte presença governamental resultado do imperialismo português, que objetivava conceder, privilegiar – ou dificultar –, o desenvolvimento de determinadas atividades, inexistindo incentivos econômicos. 180 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.37. 96 Em 12 de outubro de 1808181 funda-se o primeiro banco na colônia, o Banco do Brasil, sendo oficialmente regulamentado após fechamentos e aberturas em 30 de dezembro de 1905, pela lei 1.455. A República Velha foi marcada pela pouca influência governamental no apoio ao desenvolvimento das atividades econômicas, sendo pautada pela intervenção sobremaneira na cultura do café, maior expoente das divisas externas no país. Da República Velha até a Revolução de 30 com a instauração do Estado Novo, o desenvolvimento industrial e de serviços públicos eram concedidos a empresas privadas normalmente internacionais, com recursos provenientes de instituições financeiras dos seus países de origem, cabendo ao governo brasileiro aceitar cláusulas e benefícios não condizentes com a realidade do país. Neste período coube ao Banco do Brasil a obrigação de fazer frente aos bancos estrangeiros aqui instalados, mobilizando recursos nacionais para a redistribuição nas várias atividades econômicas, assumindo o status de autoridade monetária. Vale ressaltar neste período a germinação e desenvolvimento dos primeiros bancos estaduais com papel importantíssimo no desenvolvimento do financiamento agrícola em nível regional. Após a 1ª Guerra Mundial, com o Quebra da Bolsa de Nova Iorque de 1929, o país passou a dar maior atenção ao setor industrial para diminuir sua dependência de produtos estratégicos na economia, melhorar suas reservas e melhor conduzir suas políticas cambiais. Comentam Gremaud, Vasconcelos e Toneto Junior sobre este período econômico: Essa intervenção governamental, crescente ao longo da República Velha (no entanto, não assumiu as proporções que viria a ter nos anos seguintes), tinha o sentido de dotar a economia nacional de maiores mecanismos de defesas, frente aos problemas da econômica internacional, particularmente sentidos em uma economia dependente da exportação de alguns produtos primários, como a brasileira nessa fase agroexportadora. Desse modo, a intervenção do governo genericamente visava proteger, na medida do possível, a economia das crises externas. 182 Com a substancial redução dos aportes financeiros das instituições, em razão dos valores perdidos na ciranda financeira nos mercados de capitais (bolsas de valores), aparece a função do Estado financiador183, ampliando o papel do Banco do Brasil na captação de recursos e direcionamento aos setores de interesse do governo. Com a criação do BNDE e do Banco do Nordeste do Brasil, começava o sistema financeiro nacional fornecer suporte para a evolução do desenvolvimento do país. No período de 1930 a 1964 o Estado brasileiro 181 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.18. GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.571. 183 Id., Ibid., p.573. 182 97 procurou romper com sua característica agroexportadora implementando um efetivo processo de industrialização. Para tanto submeteram o sistema financeiro às metas deste novo desenvolvimento, foco central do governo. Proporcional ao crescimento industrial conquistado foi o crescimento de problemas do sistema financeiro em razão da submissão. Exemplo da Lei da Usura (Dec. 22.626/33) que fixando a taxa de juros em 12% a.a., combinada com inflação elevada, servia de desestímulo à poupança e a intermediação financeira. No início do governo militar implementaram-se novos parâmetros para enfrentar os problemas estruturais que apresentava o sistema financeiro por anos de endividamento dos governos anteriores. Outro grande problema enfrentado dentre dessa perspectiva foi a melhor definição de atribuições entre as autoridades monetárias e fiscais brasileiras, com a eliminação da conta movimento, o enxugamento do CMN, a transferência da administração da dívida pública do Banco Central para o Tesouro, as alterações no Tesouro Nacional, com a criação do STN (Secretaria do Tesouro Nacional), a implementação do Caixa Único e do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira).184 Conforme salienta o autor, as reformas econômicas de 64-66 podem ser consideradas como ‘o ponto de inflexão para o sistema financeiro do país’, razão que possibilitou estímulo ao desenvolvimento bancário com direcionamento de recursos das aplicações e melhor participação do sistema financeiro na participação do Produto Interno Bruto (PIB), chegando ao longo da década de 80 a índices superiores a 10% do PIB, quase o dobro de países desenvolvidos. A atual estrutura do Sistema Financeiro Nacional foi dimensionada e reordenada, conforme quadro adaptado de Eduardo Fortuna185 para se adequar às necessidades da sociedade, através as seguintes leis: Quadro 1 – Histórico de legislações do Sistema Financeiro Nacional Instrumento Problema Solução Lei da Correção Monetária (4.357/64) Lei Usura/12% a.a. Nova forma de Indexação – promoveu investimentos Lei do Plano Nacional Habitação (4.380/64) Baixa Qualificação/Desemprego Criação do BNH – Fomentou poupança para criação de casas populares. continua 184 GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.579, 604. 185 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p.15-16. 98 conclusão Instrumento Problema Solução Lei de Reforma do Sistema Órgãos que conduziam a Política Financeiro Nacional Monetária sem estrutura de administração (Ministério (4.595/64) Fazenda/SUMOC/BB) Criado o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BACEN), criação de norma de conduta do Sistema Financeiro Nacional Lei do Mercado de Capitais Não existia direcionamento de reservas para investimentos (4.728/65) produtivos Estabeleceu normas e regulamentos destinados a apoiar desenvolvimento nacional e atender demanda por crédito Lei da Comissão de Valores Faltava entidade para regular e Monetários – CVM fiscalizar o mercado de capitais (6.385/76) (ações/debêntures) Transferência da responsabilidade do BACEN para CVM (especialização no setor) Lei das S.A. (6.404/76) Legislação desatualizada/difícil entendimento/esparsa Estabelecimento de regras claras, legalização de estatutos, proteção aos minoritários e maior força à CVM Nova Lei das S.A. (10.303/01) Mercado Interno perdendo espaço para especulação externa/insegurança quanto aplicações financeiras Consolidação de dispositivos nas Leis da CVM e S.A. melhorando proteção de minoritários, aumentando o poder de fiscalização e atuação da CVM (mercado derivativos/fds investimento) Resolução CMN 3.040/02 Criação de regras claras para que ao BC analise abertura de novas instituições financeiras Novas regras/requisitos/procedimentos, e pedido de autorização prévia do BACEN para operar em território nacional. Fonte: Adaptação de Fortuna (2008, p.15-16). Seguindo esta linha de abordagem, o artigo 17 da Lei de Reforma Bancária caracteriza com exatidão as instituições financeiras: Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual. 186 Várias são as formas de apresentar a estrutura financeira do país. Foi adotada a esquematização segundo Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior187 pela sua didática e facilidade de compreensão e visualização completa do sistema. Assim, a seguir é possível visualizar o Sistema Financeiro Nacional organizado em três setores (Órgãos Normativos, Entidades Supervisoras e Operadores do Sistema) assim distribuídos: 186 BRASIL. Lei n 4595, 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4595.htm >. Acesso em: 22 nov. 2012, art. 17. 187 GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.606. 99 Quadro 2 - Organização do Sistema Financeiro Nacional Organização do sistema financeiro brasileiro Órgãos normativos Conselho Monetário Entidades supervisoras Banco Central do Brasil (Bacen) Nacional (CMN) Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) Superintendência de Seguros Privados (Susep) IRB – Brasil Resseguros Conselho de Gestão da Secretaria de Previdência Previdência Complementar (CGPC) Complementar (SPC) Operadores Instituições financeiras captadoras de depósitos a vista Demais instituições financeiras Bolsas de mercadorias e futuros Bolsas de Valores Sociedades seguradoras Outros intermediários financeiros e administradores de recursos de terceiros Sociedades Entidades abertas de de previdência capitalização complementar Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) Fonte: Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior (2009, p. 606). Apesar da importância de todos na sistemática de crédito no país, serão apresentados os agentes do sistema financeiro brasileiro (grifados em itálico), responsáveis pelo fomento do desenvolvimento econômico/fornecimento de crédito da maioria das operações creditícias originárias no mercado brasileiro. Deixar-se-á de apresentar agentes do Conselho Nacional de Seguros Privados e do Conselho de Gestão de Previdência Complementar, bem como da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por se tratar de agentes que não trabalham diretamente no fornecimento de crédito para a empresas e população economicamente ativa. Deste modo, após as ressalvas, os principais agentes do sistema financeiro brasileiro, são: Conselho Monetário Nacional (CMN) – responsável pelas metas e diretrizes da política monetária, de crédito e câmbio no país. Trata-se do Orgão Normativo do sistema, responsável pelo valor interno e externo da moeda e por determinar as normas de atuação das instituições financeiras. É composto pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e Presidente do Banco Central (MP 542/94). Seu órgão mais conhecido é o Comitê de Política Monetária (COPOM), em que se delibera sobre rumos da política monetária e indicadores econômicos, base dos juros no mercado interno (SELIC). Entre seus objetivos estão a manutenção das políticas econômicas implementadas desde o início do Plano Real, a normatização das operações do sistema financeiro, mercado de valores, créditos rural e industrial, política monetária e cambial e administração de processos administrativos, em face 100 das instituições financeiras. Compilou-se assim baseado em Fortuna188, quadro de competências e atribuições do Conselho: Quadro 3 - Competências e atribuições do Conselho Monetário Nacional Competências Adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento Regular o valor interno da moeda, previnindo surtos inflacionários e deflacionários Regular valor externo da moeda e equilibrar o balanço de pagamentos do país Orientar aplicação de recursos das instituições financeiras com vistas ao desenvolvimento equilibrado da economia nacional Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e instrumentos financeiros para tornar eficiente o sistema de pagamento e mobilização de recursos Atribuições Específicas Autorizar emissão de papel-moeda Aprovar orçamentos monetários do BC Fixar diretrizes e normas de política cambial Disciplinar o crédito das operações creditícias Estabelecer limites para a remuneração das operações e serviços bancários financeiros Zelar pela liquidez e solvência da instituições financeiras Determinar as taxas de recolhimento compulsório das instituições financeiras Coordenar as políticas monetárias, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública interna e externa Regular as operações de redesconto de liquidez Estabelecer metas de inflação Outorgar ao BC o monopólio das operações de cambio quando necessário Estabelecer normas para o BC nas transações com títulos públicos Regular a constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras que operam no país Fonte: Fortuna (2008, p. 19-20). Banco Central do Brasil (BC ou BACEN) – criado pela lei 4.595/64, trata-se da Entidade Supervisora do sistema, responsável pela execução da política monetária e normas ditadas pelo CMN. Entre as várias competências189 privativas atribuídas ao órgão, sua principal função é garantir o poder de compra da moeda e sua estabilidade, utilizando seus instrumentos para atingir os objetivos propostos pelo CMN. A função é desempenhada por uma diretoria colegiada, nomeada pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal após arguição pública, para formular políticas e diretrizes que possibilitem ao BACEN o cumprimento dos seus objetivos. Insta salientar os dizeres de Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior190 no sentido de que “[...] o Bacen dispõe de plena autonomia operacional em sua ação, mas não possui autonomia formal (mandatos fixos), pois sua 188 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p.19-20. 189 Id., Ibid., p.20-21. 190 GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.608. 101 diretoria pode ser destituída pelo Presidente da República a qualquer momento”. Em suma, por meio do Banco Central que o Governo intervém diretamente no Sistema Financeiro Nacional e indiretamente na economia. Entre os Operadores do Sistema Financeiro Nacional resumidamente destacam-se: Banco do Brasil (BB) – A instituição teve função típica de autoridade monetária até meados da década de 80. Atualmente é um conglomerado financeiro com estrutura de um banco múltipo que trabalha como agente financeiro do governo, principal agente na política de crédito agrícola e industrial. Caixa Econômica Federal (CEF) – Resultado da unificação das 23 Caixas Econômicas Federais até então existentes pelo decreto-lei 759/69. Além da administração do sistema de loterias, com a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), a partir de 1986 sua função principal é a concessão de crédito para o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), via captação de recursos da caderneta de poupança e de recursos do FGTS. Apesar das características de bancos comerciais, pois possui poder de captar depósitos a vista e realizar empréstimos ao consumidor, trabalha na implementação de políticas sociais (habitação e saneamento básico) do governo. Bancos Múltiplos – normalmente são as instituições financeiras que possuem vários tipos de carteira, quais sejam os populares “bancos da praça”. A legislação de 1964 segmentou o mercado, especializando instituições que, apesar de participar do mesmo conglomerado financeiro, tinham de, obrigatoriamente, possuir empresas distintas. Com a Resolução 1.524/88 do BACEN, formalizou uma situação que na prática já existia, fornecendo os subsídios para estes conglomerados se constituírem em uma única instituição e apresentarem um único balanço. Seguindo o Manual de Normas e Instruções editado pelo BACEN, seu objetivo é “[...] proporcionar o suprimento oportuno e adequado dos recursos necessários para financiar, a curto e médio prazos, o comércio , a indústria, as empresas prestadoras de serviços e as pessoas físicas.” Para atender esses objetivos eles podem: – descontar títulos; – realizar operações de abertura de crédito simples ou em conta corrente (contas garantidas); – realizar operações especiais, inclusive de crédito rural, de câmbio e comércio internacional; – captar depósitos a vista e a prazo fixo; obter recursos junto à instituições oficiais para repasse aos clientes; – obter recursos externos para repasse; e 102 – efetuar a prestação de serviços, inclusive mediante convênio com outras insituições.191 Assim, para sua constituição, deve possuir ao menos duas linhas de atuação (carteiras192), sendo obrigatoriamente uma delas comercial ou de investimento. Resumindo, são operadores financeiros que recebem recursos de quem tem e distribuem por meio do crédito seletivo para quem não tem. Bancos Cooperativos/Cooperativas de Crédito – Os bancos cooperativos são bancos comerciais com participação exclusiva de cooperativas de crédito, sendo suas atividades restritas à unidade federativa de sua sede. Atualmente são regulados pela da Resolução 2.788/00 do BC. As cooperativas de crédito, além de observar o disposto na legislação e normas do sistema financeiro, monitoram as políticas descritas na lei 5.764/71 que dispõem sobre o regime jurídico das sociedades cooperativas. Atuam tanto no setor rural como urbano, pode-se originar de associações diversas, sob a égide da lei, não podendo se utilizar da palavra Banco, somente Cooperativa. Nos termos da Resolução 3.442/07, podem conceder crédito e realizar captações de depósitos à vista, somente para associados, realizar aplicações de recursos, empréstimos, repasses e refinanciamentos no mercado financeiro. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – é o principal agente e instituição financeira responsável pela concessão de crédito a longo prazo para fins de investimento. Seu objetivo é estimular o desenvolvimento equilibrado dos diversos setores da economia nacional, sendo suas principais fontes de recursos as poupanças compulsórias do sistema financeiro, o Fundo de Amparo ao Trabalhador e captações de recursos externos. Bancos de Desenvolvimento e Agências de Fomento – trabalham no mesmo segmento do BNDES, em projetos de concessão de crédito de financiamento de capital fixo e de giro para médio e longo prazos às empresas da unidades da federação onde se constituem. Bancos de Investimento – criadas na reforma financeira de 1964-66, seu objetivo é dinamizar o mercado de capitais, promovendo fusões, cisões e incorporações de empresas tendo por meta aumentar sua eficiência técnica, financeira e na captação de recursos (colocação de papeis no mercado) pelas empresas. Financeiras (Sociedades de Crédito, financiamento e investimento) – responsáveis por concederem crédito direto aos consumidores (crediário) com recursos captados pelas suas letras de câmbio, em geral suas operações possuem a maior taxa de juros do mercado.Suas 191 FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p.28. 192 Leasing, imobiliária, desenvolvimento, Crédito, Financiamento e Investimento (C.F.I.). 103 atividades estão disciplinadas pela Resolução 562/79 do CMN. Sociedades de Arrendamento Mercantil (leasing) – Foram introduzidas no sistema financeiro em meados da década de 1970 (lei 6.099/74 e Resolução 351/75), basicamente tratando de uma operação que o sistema financeiro “compra” o bem e “aluga” para o consumidor, que possui o direito de adquirir, renovar ou devolver o produto. Atualmente uma das operações mais utilizadas no mercado de consumo pelos benefícios fiscais do instituto para as empresas que se utilizam da operação. Sociedades de Crédito ao Microempreendedor – introduzidas pela lei 10.194/01 – conversão de MP 1958-26 de 06/01/2000-, tem por objetivo a concessão de crédito e a prestação de garantias à pessoas físicas e microempresas, para viabilizar empreendimentos de pequeno porte de natureza profissional, comercial e industrial até limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cliente. Regulada pelo Resolução 2.874/0, sua autorização depende do BC que as fiscaliza. Com efeito, visualiza-se a responsabilidade do CMN conjuntamente com o BACEN, não somente no sentido de regular e fiscalizar, mas também na aplicação de multas para as penalidades cometidas pelos agentes operadores do mercado, trabalhando na regulação de condutas dentro do mercado financeiro. [...] submetidas ao disposto na Lei 4.594/64, compete ao CMN regular os procedimentos de constituição, funcionamento e fiscalização, assim como as penalidades aplicáveis (art. 4º, VIII) e ao Bacen exercer a correspondente fiscalização e aplicar as penalidades (art. 10,IX). Na mesma linha acima referida foram promulgadas algumas normas, em especial nos últimos anos, que incorporam obrigações de prestação de informações e de esclarecimentos aos clientes (Res. CMN 2.878/2001193) e de qualificação de funcionários e representantes em geral (Res. CMN 2.838/2001 e 3.057/2002).194 O objetivo destas condutas é garantir que as partes envolvidas na operação tenham condições igualitárias para uma análise racional do investimento que estão contratando, evitando-se oportunismos de uma das partes e garantindo a eficiência do sistema financeiro. Neste mesmo sentido preleciona Yazbek: Assim, são exemplos dessas regras de proteção aos consumidores dos serviços financeiros, incidindo sobre o próprio intermediário ou sua organização interna ou sobre os atos negociais diversos (as práticas adotadas na relação com terceiros), mecanismos formais (como regras de qualificação 193 Atualmente revogada pela Resolução Bacen 3.694/2009. YAZBEK, Otávio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.226-227. 194 104 técnica ou mesmo moral, aplicáveis aos intermediários, seus administradores e representantes); a obrigação de uniformizar procedimentos e modelos negociais, a obrigatoriedade de envio de informações para os consumidores e também para os reguladores (o chamado full disclosure), pelo intermediário, seus administradores ou controladores, conforme o caso, ou mesmo pelos emissores dos títulos negociados (a vedação ao insider trading).195 Apresentando a organização do sistema financeiro, visualiza-se tratar-se de importante mecanismo para captação de recursos e reaplicação na escala produtiva, servindo de mola propulsora no desenvolvimento da economia nacional. Todavia, tendo por objetivo a proteção dos agentes, é necessário que possua confiabilidade, não bastando somente ao Estado e seus organismos determinar ou regular as condutas dos agentes, mas fiscalizar e punir, aplicando sanções devidas, v.g. mercados de capitais (lei 9.457/97). 3.4 FUNÇÃO SOCIAL, CONTRATOS BANCÁRIOS E PROCESSO NEGOCIAL O contrato sempre exerceu função primordial nas relações negociais, independentemente da sua concepção ideológica; no mesmo caminho segue sua função social haja vista que “[...] o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido.”196No contexto da doutrina liberal reinante no sistema capitalista oitocentista, com a necessidade de dinamizar a circulação de bens e serviços e respaldar os interesses da classe dominante, deu-se prioridade à autonomia da vontade como base, e visão econômica dos contratos como instrumento de circulação de riquezas para a realização dos interesses dos contratantes, saindo da esfera de objeto, até então, para a esfera de valor. [...] instrumentalizar a livre circulação das riquezas na sociedade e ao mesmo tempo indicar o valor de mercado de cada objeto cedido (sua nova ‘utilidade’). Evolui-se, assim, para considerar o contrato menos um instrumento de troca de objetos, mas sim uma troca de valores. 197 A este valor fornecia os moldes para uma função social “maquiada” lastreada na assertiva de que uma intervenção mínima do Estado nas livres relações entre os contratantes, 195 YAZBEK, Otávio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.226-255. 196 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomer. Coimbra: Almedina, 1988, p.24. 197 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.59-60. 105 garantiria o bem estar social. Noronha198 ensina que “[...] mesmo ao tempo do individualismo liberal não se negava ao contrato uma função social: o que acontecia era apenas acreditar-se que a livre atuação das partes resultava necessariamente no bem de todos.” No atual estágio de evolução da teoria contratual, um dos vetores para seu desenvolvimento, indubitavelmente, é o elevado e contínuo aumento das negociações e contratos confeccionados. Nestes moldes a falta de paridade entre as partes personifica-se sob a forma dos contratos de adesão, pela nítida hipossuficiência da parte contratante, frente ao poder econômico do contratado. Contudo, como anteriormente mencionado, não se pode, apesar dos abusos cometidos normalmente pela parte com maior poder de barganha, retirar o contrato do contexto econômico-social, em razão da sua importância como instrumento de circulação de riquezas, tanto nos moldes de Estado Liberal quanto Social. Neste novo entendimento da função social dos contratos este deve assumir, não somente o status de fenômeno econômico de circulação de riquezas, mas sua função equitativa dentro das relações na proteção da confiança e boa-fé das partes, produzindo efeitos distributivos no contexto social, salienta Marques: Fala-se mais modernamente na função do direito dos contratos como orientador da relação obrigacional e como realizador da equitativa distribuição de deveres e direitos. É o que os comparatistas alemães Zweigert e Koetz viasualizam como nova função do direito dos contratos, a realização da equidade contratual, dentro da concepção de um welfare state. Em nossa opinião, esta almejada justiça contratual encontra-se justamente na equivalência das prestações ou sacrifícios, na proteção da confiança e da boa-fé de ambas as partes.199 (grifo do autor) Desta maneira, os atos praticados entre as partes não dizem mais respeito somente a elas, mas seus atos refletem-se no contexto da coletividade em que transacionaram. A autonomia privada com tais reflexos continua existindo200, sem deixar de lado os interesses sociais, a índole moral coletiva e os princípios éticos e solidários que anteveem as relações contratuais. O direito contratual, bem como sua função social, devem ser lastreados sob ponto de vista coletivo, tutelando interesses no âmbito contratual que não contrapõem ditames da justiça social. Lembra-nos Paulo Luiz Neto Lobo em seu artigo: 198 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p.85. 199 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.213. 200 Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. BRASIL. Conselho de Justiça Federal. Enunciados. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 1., 2001. Disponível em: <www.jf.jus.br/cjf/cefpubl/jornadas-de-direito-civil-enunciadosaprovados>. Acesso em: 14 dez. 2011. 106 [...] os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sem que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles, pois os interesses sociais são prevalentes. Qualquer contrato repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinado ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico. 201 Na legislação brasileira, a função social encontra-se disposta no art. 421, conjuntamente com o artigo 113 do Código Civil202; enquanto o primeiro delimita a liberdade de contratar, o seguinte aponta os aspectos interpretativos que devem ser pautados na análise dos atos jurídicos, por via das condutas aos agentes, nos termos dos usos e costumes onde se praticou o ato. Sua relevância, juntamente com os princípios da conservação dos contratos e da Boa-fé objetiva, está na ampliação dos limites de interpretação contratual, baseados na solidariedade social, colocando ao intérprete a responsabilidade de levar em consideração os anseios da coletividade, em harmonia com os princípios de ordem econômica e seus fins sociais. Tratando-se de atividade bancária, não existe precisamente um início, acreditam os estudiosos. Conforme ensina Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum203 “[...] não se estaria exagerando ao afirmar que, desde o surgimento do dinheiro, isto é, remontado à Antiguidade, já estariam presentes na sociedade algumas práticas tidas – atualmente – como bancárias”. Com a massificação das relações consumeristas a partir do século XIX, o sistema financeiro se diversificou oferecendo uma gama cada vez maior de produtos e serviços financeiros, relembra-nos Schonblum: No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, restou consolidado o capitalismo como sistema dominante, atingindo, então, os Bancos um desenvolvimento, fazendo com que os mesmos, em pouco tempo alcançassem o status de empresas internacionais, indispensáveis à economia de qualquer nação. Vindo o século XX, os Bancos diversificaram suas atividades, oferecendo aos clientes (e não clientes) uma vasta gama de produtos e serviços (contas, aplicações, empréstimos, consórcios, previdências, seguros etc.) que, como falado, já fazem parte do cotidiano dos cidadãos urbanos/modernos. A massificação das relações consumeristas, por sua magnitude, atingiu também os produtos e serviços ofertados pelos bancos ao mercado de consumo de modo geral, aí inseridos os clientes da respectiva instituição financeira e também aqueles que não o são. Surgem assim, as operações bancárias. 204 201 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no código de defesa do consumidor e no novo código civil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 42, p. 187-195, abr./jun. 2002. 202 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. BRASIL. Código civil. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 203 SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Contratos bancários. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p.03. 204 Id., Ibid., p.05. 107 Estas atividades recebem o nome técnico de operações bancárias, inserindo-se na atividade empresarial por força do artigo 966 do Código Civil. Consonante a este aspecto, Nelson Abrão205 comenta que no Código Civil italiano de 1942 os empresários estariam sujeitos à inscrição do registro das empresas, entre eles estariam “[...] os empresários que exercem uma atividade bancária (arts. 2082 e 2.195, n.4)”. Analisa que devem ser observados nas operações bancárias os aspectos econômicos e jurídicos. Economicamente deve se considerar como uma prestação de serviços revertendo em proveito econômico tanto para o banco como para o cliente; juridicamente, uma operação dependente de acordo de vontades entre as partes (cliente e banco), inferindo-se ao campo contratual, como explicitado no art. 120 do vetusto Código Comercial, em que “[...] as operações de Banco serão decididas e julgadas pelas regras gerais dos contratos estabelecidos neste Código.” Entre as expressões econômica (operação) e a jurídica (contratos), usualmente nas negociações utiliza-se a expressão “operação” por serem normalmente de adesão, face à padronização e o elevado número de operações efetuadas, não possibilitando a discussão de clausulas contratuais com o cliente. Não por outra maneira é o entendimento de Claudia Lima Marques: Na sociedade atual, os contratos bancários popularizaram-se, não havendo classe social que não se dirija aos bancos para levantar capital, para recolher suas economias, para depositar seus valores ou simplesmente pagar suas contas. É o contrato de adesão por excelência, é uma das relações consumidor-fornecedor que mais se utiliza do método de contratação por adesão e com ‘condições gerais’ impostas e desconhecidas. 206 Os negócios jurídicos realizados entre as instituições financeiras e os consumidores se materializam por meio de contratos. Os contratos bancários, nas palavras de Arnaldo Rizzardo, têm no crédito “[...] o seu objeto e a razão de sua existência”; o crédito, por sua vez, é o “lastro de confiança imprescindível à consecução de qualquer empréstimo.”207; sendo inadequado esquecer também seu ensinamento: Os bancos são os mediadores do crédito. Quando realizam uma operação ativa, obrigam-se a uma prestação que consiste em conceder o crédito, Sendo passiva a operação, o cliente é que dá o crédito. [...] O crédito é definido como toda a operação monetária pela qual se realiza uma prestação presente 205 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.54- 57. 206 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.504-505. 207 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p.157. 108 contra a promessa de uma prestação futura. Marca o crédito, por conseguinte, a existência de um intervalo de tempo entre uma prestação e uma contraprestação correspondente. É indispensável a confiança de parte do que fornece o crédito na solvência do devedor. Aliás, a palavra crédito é originária do latim credere, com o significado de confiança. 208 Conceitualmente, as definições sobre este instrumento nas operações bancárias são várias e harmônicas; sinteticamente o presente estudo traz algumas definições de expoentes na área contratual. Orlando Gomes 209 ensina que a expressão contratos bancários designa negócios jurídicos que têm, por um lado, uma empresa autorizada a exercer a atividade própria dos bancos; Arnold Wald210, trata o instrumento (contrato bancário) como denominação em que uma das partes é o banco que pratica determinados contratos de acordo com a legislação e de forma contínua e habitual junto aos seus clientes. Concessia Vênia aos conceitos anteriores considera-se ainda a definição de Contrato Bancário formulada por Leonardo Araujo Marques em seu artigo: [...] definimos contrato bancário como o negócio jurídico bilateral, decorrente do encontro de vontades de duas ou mais pessoas, uma delas necessariamente instituição financeira, no desempenho de sua função bancária, que produz, resguarda, modifica ou extingue direitos e gera obrigações jurídicas de cunho patrimonial. 211 Desta maneira no sistema financeiro, os contratos bancários trabalham como fator propulsor da relação obrigacional bancária para consecução de objetivos e fins econômicos e sociais consonantes com os ditames constitucionais, albergando direitos e deveres jurídicos entre as partes. As operações bancárias podem ser classificadas212 em essenciais ou fundamentais, sendo estas ativas ou passivas, e operações bancárias acessórias. Nas essenciais as instituições trabalham na negociação de crédito, de modo ativo e passivo. São consideradas essenciais ativas o empréstimo, o desconto, a antecipação, a abertura de crédito, o crédito documentado e todas as formas de fornecimento de crédito do banco para o usuário do sistema bancário. São consideradas essenciais passivas o depósito de valores (poupança/ investimentos), o redesconto, a conta corrente, e todas as formas de fornecimento de pecúnia 208 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.18-19. 209 GOMES, Orlando. Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.323-337. 210 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 653. 211 MARQUES, Leonardo Araujo. Contratos bancários: polêmicas e ilegalidades. Revista da EMERJ, v. 14, n. 53, p. 152-178, 2011, p.152. 212 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.6162. 109 do usuário do sistema bancário para o banco, com expectativa de remuneração. Nas operações bancárias acessórias as instituições trabalham na prestação de serviços, quais sejam, a custódia de valores, o serviço de cofres de segurança, a cobrança de títulos a prestação de informações, e serviços afins. Os elementos característicos dos contratos bancários são o objeto, os sujeitos da relação e a causa, menciona Sergio Carlos Covello 213. Normalmente, os sujeitos da relação contratual são instituições financeiras e clientes. No quesito objeto, trata-se dos depósitos e créditos em todas suas modalidades dentro da economia. Na causa levanta-se a importância da questão crédito na sustentação, movimentação e circulação de riquezas no comércio, industria, agricultura e demais atividades econômicas da sociedade. Corrobora a doutrina do professor Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum, neste sentido: [...] como não poderia deixar de ser, o fato de reunir como partes do negócio um cliente e, de outro lado, o Banco. Verificada a presença de tais características, estar-se-á, inegavelmente, diante de uma relação bancária (cliente-Banco). 214 Entre as várias características pesquisadas que perfazem o universo dos contratos bancários, comumente anotado pela doutrina anota, pode-se assim pontificar conforme Dallagnol215: Contrato Comutativo216 - Trata-se de um contrato a título oneroso e bilateral, de coisa certa e determinada, em que os contratantes têm o conhecimento (sendo possível apreciar) na formação do vínculo contratual das prestações onde recebem a vantagem (credor – contraprestação) e prestam a obrigação (devedor), em um ambiente de equivalência material e não suscetível a variações durante o implemento contratual. A equivalência material é tão importante que em determinados sistemas jurídicos ocorreu a inserção em suas codificações, v.g. artigo 1.104 Código Civil francês217. Sobre tal característica nos contratos bancários, vale destacar as ponderações de Celso Marcelo de Oliveira: 213 COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. São Paulo: LEUD, 1999, p.47-53. SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Contratos bancários. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p.50. 215 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Contratos bancários: conceito, classificação e características. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 01 out. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3262/contratosbancarios>. Acesso em: 22 nov. 2011. 216 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.76-77. e DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 3, p.75-76. 217 Art. 1104: ‘Il est commutatif lorsque chacune des parties s’engage à donner ou à faire une chose qui est regardée comme l’équivalent de ce qu’on lui donne, ou de ce qu’on fait pour elle. Lorsque l’equivalent consiste dans la chance de gain ou de perte pour chacune dês parties, d’après um événement incertain, Le contrat est aléatoire. 214 110 É contrato comutativo. Embora o risco seja imanente ao crédito, praticamente inseparável deste, a ponto de afirmar que em princípio não existe crédito sem risco, consistindo a atividade bancária fundamentalmente na intermediação do crédito, o contrato bancário não é um contrato aleatório, ou de risco (para as espécies de contratos aleatórios, ver arts. 1.118/1.121 do Código Civil de 19116; arts. 458/461 do Código Civil de 2002), mas comutativo, no sentido de que as partes, no momento da celebração, têm conhecimento da vantagem e do sacrifício que o negócio comporta, diferentemente do contrato aleatório, no qual não se conhece a quantidade da prestação e não se sabe do sacrifício que se terá ou não de sofrer na dependência de acontecimento futuro. 218 Instrumento de crédito219 - por ser instrumento da operação de crédito, aponta Covello, envolve outras características como: a) confiança, pois do mesmo modo que o banco averigua o cliente, o Poder Público deve averiguá-lo para garantir a confiança que os consumidores depositam nele; b) prazo, tempo que permeia a prestação e a contraprestação; c) interesse, qual seja preço de cada unidade de tempo em que se dilata o pagamento do crédito; d) risco, item anexo ao fornecimento do crédito, seja particular (relativo a operação ou pessoa), geral (referente a acontecimento que refletem em toda economia) ou corporativo (referente a um setor, classe ou profissão). Rígido Controle Contabil220 - Pelo envolvimento em soma de dinheiro, estes contratos possuem uma rígida contabilidade ou escrituração, com vistas a não haver dúvidas e não permitir margens quanto ao vencimento das parcelas, encargos envolvidos na operação, e ao montante emprestado, razão do seu indiscutível valor probatório ao ponto de que, qualquer artifício no sentido de burlar, repercute negativamente dentro do próprio sistema. Para Arnaldo Rizzardo: A atividade principal dos bancos se desenvolve nas chamadas operações bancárias, consistentes em conceder empréstimos, receber valores em depósito, descontar e redescontar títulos, abrir créditos, enfim, na realização da série de atos próprios para a consecução de sua finalidade econômica. [...] O significado envolve, também, a contabilização de todos os valores que ingressam e saem do banco, com a escrituração, de modo a não permitir margem a dúvidas quanto ao seu montante, ao vencimento, aos encargos inerentes e às amortizações. Abrange a contabilização das relações entre o banco e os clientes. 221 Complexidade estrutural e busca de simplificação222 - Devido ao volume dos 218 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual de direito bancário. São Paulo: IOB Thonsom, 2006, p.399. COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. São Paulo: LEUD, 1999, p.49-50. 220 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.16. e COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. São Paulo: LEUD, 1999, p.53. 221 RIZZARDO, op. cit., p.16. 222 Id., Ibid., p.17. 219 111 contratos bancários em escala de massa, é característico nestes contratos a busca constante pela simplificação dos processos, atualizando as escriturações contábeis na medida do surgimento de novas modalidades (mais sofisticadas e complexas) de crédito entre banco e usuários. Comercialidade223 - É um traço característico dos contratos bancários sua especialização comercial, por se tratar normalmente de atos de comércio, desde a definição do artigo 19 do Regulamento nº. 737 de 1.850, envolvendo intermediação, habitualidade e lucro, assim permitindo aplicação de normas comerciais (Caso da aplicação do CDC às atividades bancárias), em detrimento parcial do Código Civil. Informalidade224 - A introdução da informática nos contratos bancários, configura-se como característica desta nova dinâmica contratual na padronização de processos, sejam eles manuais ou eletrônicos. A formalidade como preceitua o Direito Bancário ainda subsiste na forma padronizada dos contratos de adesão; todavia a informalidade advém de novos sistemas de informação, apresentando mecanismos bancários mais rápidos, ágeis e seguros (v.g. contratos realizados por meio eletrônico), fruto da agilidade do mercado financeiro e do seu alto grau de concorrência. Menezes Cordeiro225 auxilia a entender tal característica salientando que, para se atingir um nível de simplicidade satisfatório a “[...] actuação bancária tenderá, assim, para se reduzir ao mínimo exigível para sua consubstanciação[...]”. Neste ensinamento há de se buscar o consensualismo – que a vontade dos intervenientes se revele, seja qual for sua forma, o uso da informática, para agilidade dos processos bancários, e a unilateralidade dos actos, que o contrato, assim que formalizado, seja assinado somente por um dos intervenientes, a parte devedora. Sigilo226 - Todos os contratos bancários estão submetidos ao sigilo bancário nos termos da lei 4.595/64, Lei Complementar 105/2001, Resoluções do BACEN (469/78 e 1.065/85). As informações obtidas nas tratativas contratuais, durante a vigência contratual e após sua extinção impõem, um dever intrínseco de discrição e confidencialidade entre as partes, representando sua quebra a imputação de sanções administrativas, civis e penais, excetuando-se decisões judiciais. 223 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.17. 224 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.36. 225 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.146-153. 226 COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. São Paulo: LEUD, 1999, p.56-58. 112 Contrato de Massa ou Adesão - de origem francesa (contrat d’adhesion), trata-se de um negócio jurídico sobre o qual um dos sujeitos da relação se submete à aplicação de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente pela outra parte, formando-se: Um contrato estereotipado, estandardizado, logicamente alheio a qualquer restrição mental da parte aderente [...] porque, via de regra, a coletividade a que é oferecido não tem mesmo opção de recusa útil em aderir, por se achar diante de atividade mercantil sob monopólio ou oligopólio. 227 Como exemplo, o cliente que busca um empréstimo junto às instituições financeiras, normalmente assina um contrato já impresso com cláusulas já fixadas pelo banco, não existindo qualquer hipótese na confecção ou alteração contratual, razão porque as condições são idênticas para todos os clientes daquela operação de crédito. A adesão ocorre ou não ocorre. Tal conduta (confecção unilateral), possibilita à parte mais forte da relação o direcionamento das cláusulas contratuais, ferindo ditames da boa-fé, não possibilitando a equivalência material das partes. No artigo 54 do CDC encontra-se a definição do legislador a respeito do contrato de adesão: Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. As relações bancárias constituem um dos exemplos mais vigorosos da submissão à unilateralidade destes contratos de adesão, conforme enfatizado por Jusefovicz228, razão pela qual todos os consumidores estão vulneráveis; caso contrário, estarão à margem da própria sociedade. Seja na função de poupador ou investidor, bem como consumidor, a realidade de bancarização se impõe, mediante situação da qual “[...] o aderente está no dilema ‘pegar ou largar’, sem opções de escolha diante das ofertas contratuais prativamente iguais realizadas 227 228 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.98-99, 102-103. JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.118-119. 113 pelos predisponentes (as instituições financeiras).” Não é incomum nestes contratos a inclusão de cláusulas que favoreçam o conglomerado financeiro, com vistas a diminuir seus riscos em futura intervenção judicial. Inadequado seria esquecer as palavras de Claudia Lima Marques sobre o assunto: O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes – ao contrário -, destinam-se a reforçar a posição economia e jurídica do fornecedor que as elabora. Não é raro, portanto, que os contratos de massa contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para o fornecedor que as elaborou, diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidades, diminuindo assim seus riscos e minimizando os custos de uma futura lide. 229 Outro contraponto ao equilíbrio e boa-fé nos contratos bancários está no desconhecimento técnico dos clientes da realidade complexa do que está assinando, conforme é exposto por Menezes Cordeiro, in verbis: A adesão a cláusulas gerais dispensa todo um processo de negociação e dissipa dúvidas quanto à realidade acordada. Ela permite, ainda, decisões descentralizadas, dentro das instituições de crédito. Operações delicadas, como o cálculo do risco, ficam facilitadas no recurso a cláusulas contratuais gerais: estas postulam o prévio estudo, por sectores, dessa matéria. O contraponto de tudo isto é conhecido, em especial no que toca ao (não) conhecimento, pelos particulares aderentes, das realidades complexas que, lestamente, vão subscrever. 230 Tal conduta, parafraseando Marques, desequilibra as partes em seus direitos e obrigações contratuais; sua unilateralidade acaba por impedir a realização da função social do contrato ao ferir os interesses básicos da parte hipossuficiente pela ausência da boa-fé, prepoderando-se por um abuso autoritário da sua posição contratual. 229 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.159-163. 230 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.155. 114 3.5 EFEITOS DA MASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS E AUSÊNCIA DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS A massificação contratual na ideologia capitalista é condição sine qua non para seu desenvolvimento; por outro lado, esta situação abre precedentes para condutas não compatíveis com o axioma principiológico. A ausência de transparência, como a impossibilidade de discussão dos termos contratuais, ocasiona reflexos danosos no desenvolvimento negocial. Da observação dessas desigualdades e de seus abusos, pode-se entender como o Estado busca alternativas para a consecução dos objetivos econômicos vigentes na CF, visando ao restabelecimento do equilíbrio contratual entre os agentes. 3.5.1 Abuso do Direito Etimologicamente231, a expressão abuso é originária do latim abusus, que significa o uso errado, excessivo ou injusto, exorbitando atribuições ou poderes, contrariando as boas normas e os bons costumes. Difere do ato ilícito, pois este não está de conformidade com o Direito; neste, o dano causado, consequentemente gera uma responsabilidade para sua reparação, ao passo que o abuso de direito não advém inicialmente de conduta ilícita salienta Marques, mas acarreta , em vista do modo que é exercido um resultado ilícito. Assim: O abuso do direito seria a falta praticada pelo titular de um direito que ultrapassa os limites ou que deturpa a finalidade do direito que lhe foi concedido. Assim, apesar de presente o prejuízo (dano) causado a outrem pela atividade (ato antijurídico) do titular do direito (nexo causal), a sua hipótese de incidência é diferenciada. O que ofende o ordenamento é o modo (excessivo, irregular, lesionante) com que foi exercido um direito, acarretando um resultado, este sim, ilícito. 232 A teoria do Abuso do Direito firmou-se na doutrina e jurisprudência influenciando os legisladores na atualidade, leciona Nunes233, importante, “[...] especialmente pela influência que exerceu e exerce sobre os legisladores”,advindo a incorporação em suas normas, da proibição das práticas abusivas. Para Hans Kelsen ninguém na verdade concede direitos a si próprio, pelo fato de estar condicionado em razão do dever do outro; outrossim, essa conexão 231 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa: versão 5.0. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. CD-ROM. 232 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.900-901. 233 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.138-139. 115 jurídica deve ser conduzida em compasso com a ordenamento legal para, em concordância com as partes, produzir efeitos no domínio do Direito Privado, inexistindo autonomia plena. Para o autor alemão, na esfera contratual: [...] na medida em que o contrato é assumido pelo Direito objetivo como fator criador de Direito, de tal forma que a regulamentação jurídica, em última análise, resulta precisamente desse Direito objetivo e não do sujeito jurídico que lhe está subordinado. Sendo assim, também no direito privado não existe qualquer autonomia plena. 234 Neste sentido, o Estado assume o papel de agente coator, para fornecer legitimidade ao ato, entende Jusefovez235, devendo zelar pela equidade e pelo equilíbrio de iguais deveres a todos; assim, aqueles que saírem do campo legal projetado pelo Estado para todos, comete abuso de direito e deve sofrer a devida correção. No âmbito contratual, as normas constitucionais e infraconstitucionais, estabelecem os limites para a atuação das partes, bem como infrações para os que as excederem. Todavia, não havendo possibilidade da fiscalização estatal no conteúdo contratual do universo de relações propostas diariamente, nos vários setores da economia, o Estado reserva o poder de verificar o conteúdo contratual, quando chamado para restabelecer o equilíbrio e a boa-fé. Ressalva Casado236, que a boa-fé não defende somente a parte hipossuficiente na relação, mas atua com base interpretativa das garantias à ordem econômica, equilibrando interesses conflitantes, em que eventualmente, se o custo social decorrente dessa operação for alto e o interesse social assim determinar, poderá prevalecer o ditames contrários ao consumidor, em favor da operação econômica pretendida. Na esfera creditícia, dada sua importância para circulação da produção na economia, a necessidade de crédito é elemento propício para todos os tipos de abusos, salientou Luis Renato Ferreira da Silva, no 1º Simpósio Internacional de Direito Bancário: [...] os contratos bancários, dada a atual importância do crédito e a sua transformação, praticamente, tornaram-se elementos necessários das atividades do cidadão. O recurso ao crédito, não só para atividades de investimento, como seria para os comerciantes, mas como meio de aquisição de bens de vida básicos, com a casa própria, passa pelas instituições financeiras. A necessidade que move o tomador de crédito é, inegavelmente, elemento desfrutado pelo banqueiro e campo propício ao abuso. 237 234 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.190. 235 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.128. 236 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.116. 237 SILVA, Luis Renato Ferreira apud Id., Ibid., p.117. 116 Presume-se o abuso quando o contratante desequilibra a relação, utilizando-se da autonomia privada a seu favor, desrespeitando os deveres de conduta na fixação dos termos do pacto eliminando seu equilíbrio, normalmente na busca de maior segurança e vantagem econômica. Na mesma ótica leciona Jusefovicz: [...] a inclinação ao abuso na contratação se revela quando aquele que utiliza a autonomia privada contratual não atende à função social, aos parâmetros e finalidades sociais vinculados a este princípio. Por fim, caracteriza-se efetivamente a cláusula abusiva, quando ocorre o atentado contra o equilíbrio contratual e/ou a boa-fé. 238 O legislador estabeleceu o abuso de direito no quadro dos atos ilícitos ao fazer constar no artigo 187 do Código Civil, suas práticas ao estabelecer que “[...] também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”Apesar da legislação pátria ampliar efeitos da atuação do abuso de direito, incluindo-o nos rol dos atos ilícitos, parafraseando Marques239, ainda não se vê nos meios jurídicos a necessidade de sancionar em razão da prática, mas de devolver o “status quo ante” de modo individual, seguindo a cultura jurídica vigente. Acautela-se somente aquele contrato dos efeitos perniciosos, não estendendo a solução jurídica a toda a coletividade prejudicada pelo ato abusivo. Em vista dessas considerações compreende-se que as cláusulas abusivas são contrárias ao direito, portanto ilícitas neste novo contexto contratual, em vista de não ferir somente leis e normativas, mas princípios e cláusulas gerais, como a boa-fé. 3.5.2 Cláusulas Abusivas nos Contratos Bancários No crescimento econômico, juntamente ao aumento das empresas e elevação do fluxo de negócios, notória é a padronização dos contratos como fornecedor de instrumentos para geração e fluxo de riqueza na sociedade. É também indubitável que o poder econômico das instituições trabalha em detrimento do equilíbrio das partes na negociação; neste liame, os contratos de adesão possuem uma recíproca conexão com cláusulas abusivas que desequilibram essa relação em desacordo com os ditames da boa-fé e justiça contratual. No entender de Jusefovicz a padronização contratual é campo fértil para proliferação das cláusulas abusivas, efeito perverso das sociedades capitalistas: 238 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.131. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.p. 404. 239 117 Na verdade, as cláusulas abusivas não são exclusivas dos contratos padronizados e de adesão, mas estes contratos constituem o espaço privilegiado de seu surgimento, e elas são partes integrante do seu conteúdo quase sem exceção [...] a figura jurídica das cláusulas abusivas está estreitamente associada ao fenômeno a generalização da padronização contratual. [...] A cláusula abusiva é um dos efeitos perversos do progresso econômico das sociedades capitalistas.240 Em 24 de setembro de 1986, o Comité Consultatif dês Consommateurs, conhecido por C.C.C. junto à Comunidade Econômica Européia, apresentou rol de cláusulas consideradas abusivas pela comunidade no Velho Continente, criando em abril de 1993, a Diretiva Comunitária 93/13. Sobre analise do rol de cláusulas abusivas desta Diretiva, em comparação com o ocorrido no Brasil, vale a transcrição pelo Mestre Casado sobre o assunto: Tal qual no Brasil, a cláusula é considerada abusiva se fere o princípio da boa-fé objetiva, determinando a quebra do equilíbrio das contraprestações. O campo mais frutífero para a existência de cláusulas abusivas é o dos contratos de adesão onde a parte contraente não tem o poder de alterar substancialmente o pacto. Neste sentido é o item do art. 3º. da Diretiva em estudo: “2. Considera-se que uma cláusula não foi objeto da negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial em âmbito de um contrato de adesão. O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma clausula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se tratar de um contrato de adesão.” 241 Tal qual a Diretiva Europeia, o Código Consumerista estabeleceu um rol de cláusulas contratuais consideradas abusivas: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boafé ou a eqüidade; V - (Vetado); 240 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.122. CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.239-240. 241 118 VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.242 Entre o rol de conquistas alcançadas pelo Codex na prática diária dos controle dos contratos bancários, o artigo 51 cumpre papel preponderante para interpretação hermenêutica. Da possibilidade de nulidade de pleno direito das condutas e cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem (IV), ou da revisão contratual quando ocorre a restrição de direitos que causem desequilíbrio no trato negocial (§ 1º, II) ou ainda nas situações em que a relação se mostre excessivamente onerosa, àquele que adquire o produto bancário (§ 1º, III), tem garantias reais que, juntamente com a inversão do ônus da prova (VI), possibilitam um novo degrau na segurança jurídica nos contratos assinados, abrindo precedente para revisão que equilibre as partes e desonere o consumidor que procurar a via judicial no transcorrer do contrato. Continuando o artigo, o legislador abre para aplicação do princípio da boa-fé e equilíbrio contratual. Hermeneuticamente, o vocábulo legislativo “a vontade” aduz ao tipo de conduta (ofensiva, restritiva e excessiva) que as partes não devem adotar: Art. 51. [..] § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.243 242 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 243 Id., Ibid. 119 Apesar de todo arsenal legislativo na questão da defesa do consumidor, a inserção dessas cláusulas passa pela dinâmica do mercado e na avaliação do risco existente na continuidade de sua utilização, uma vez que mesmo consciente da abusividade, o poder negocial do aderente é ineficaz na alteração das cláusulas aplicadas ao contrato, estimulando o continuísmo de sua prática. Com relação aos negócios creditícios, várias são as formas de abusos cometidos por parte das instituições financeiras que contribuem efetivamente para o problema de endividamento dos economicamente mais fracos, impondo um ônus desproporcional na relação. Neste setor, onde “[...] a imaginação dos infratores da lei é muito mais fértil do que se pode imaginar”, na lição do Mestre Marcio Melo Casado244, foi disposto seu rol de condições abusivas no fornecimento do crédito: Declarações feitas pelo Fornecedor – o art. 48 do CDC fala da vinculação do fornecedor ao cumprimento forçado da oferta. Nestes casos existe a oferta. Entretanto, esta é verbalizada por meio dos funcionários dos bancos que, conhecedores da legislação, se eximem de prova documental e, por meio da ausência da boa-fé nas tratativas iniciais, firmam um contrato “na confiança” comprometendo toda a operação, prejudicando o consumidor. Postergar o Direito de Arrependimento – trata-se de uma prática abusiva normalmente praticada pelos canais de comunicação da empresa, que trabalham no sentido de inviabilizar o cancelamento do contrato pactuado, no período de 7 dias. Como grande massa de consumidores não tem conhecimento do artigo 49 do CDC245, fica configurada uma conduta passível de infração no decreto 2.181/97: Art. 13. [...] XVII - omitir em impressos, catálogos ou comunicações, impedir, dificultar ou negar a desistência contratual, no prazo de até sete dias a contar da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio; [...].246 Apesar de não constar nos contratos de adesão do sistema financeiro como cláusulas abusivas, as declarações feitas em período pré–contratual, bem como tentar postergar direito de arrependimento, são condutas, notoriamente utilizadas dentro do setor, ferindo a boa-fé por 244 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.241-285. 245 Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.in BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 246 120 possibilitar a consumação da abusividade. Caracteres do Contrato – No decreto 2.181/97, o art. 22, XXII, legisla que na elaboração dos contratos, incluindo os de adesão, deve ter caracteres legíveis e diferenciados para destacar as cláusulas obrigacionais ou limitadoras de direito; todavia tal prática ainda é corriqueira no setor, grifando letras maiores para restritivas de direito, mesmo que abusivas. Cláusula de Eleição de Foro – atualmente o juiz pode declinar de ofício nos termos do enunciado 33 da Súmula do STJ, da competência, para que facilite ao consumidor hipossuficiente o acesso à justiça. Em grande parte dos contratos de adesão ainda subsiste, como foro de eleição, a matriz da instituição financeira. Cláusulas-Mandato – são cláusulas que constituem a fornecedor do crédito de poderes sobre a manutenção do contrato para interesse exclusivo dele, sendo vedadas conforme enunciado 60 da Súmula do STJ. Comumente utiliza-se nos contratos bancários as cláusulas mandato nas seguintes operações: a) a constituição do banco com poderes para negociar, emitir e aceitar títulos de crédito pelo valor integral da operação pactuada no contrato; b) a autorização para débito em conta corrente e aplicações de custos e despesas afins (cartão de crédito, empréstimos pessoais, faturas vincendas); c) a exoneração do banco da responsabilidade de envio de comprovantes de operações de crédito ou extratos bancários. Cumulação de Comissão de Permanência com Correção Monetária - Trata-se de cláusula ilegal já sumulada pelo STJ em seu Enunciado n. 30, que sistematicamente continua sendo inserida nos contratos de adesão das instituições financeiras. Ademais, em se tratando de inadimplência, os valores atualmente cobrados de 2% do valor da prestação (art. 52 CDC) e juros moratórios de 1% a.m. (art. 406 CC), é arbitrária sua continuidade juntamente com tais taxas, na lição e ressalva da Ministra Nanci Andrighi, nos termos do AgRg no REsp 807052RS, j. 20.04.2006, in verbis: Ementa: É admitida a incidência da comissão de permanência desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual. [...] A propósito os valores legais arbitrados – 2% para multa e 1% para juros são mais que razoáveis para os níveis inflacionários atuais (cerca de 0,5% a.m.), não havendo como se discorrer sobre prejuízos para a instituição. Em contraposição a esse patamar de 0,5% a.m., as instituições financeiras vem cobrando “comissão de permanência” da ordem de 15 a 20% a.m., mais juros de 1% a.m., mais multa de 2%. A Sanha por lucros tudo justifica, sem que a parte frágil da relação disponha de rede institucional de proteção, pois o Conselho Monetário Nacional, entre normatizador no âmbito SFN, não 121 vêm cumprindo esse papel, muito ao contrário, como aduzido, presta um desserviço no que tange à defesa do consumidor bancário. 247 Cartões de Crédito – entre os vários abusos contratuais das empresas de cartões de crédito, a cláusula mandato que outorga à administradora de captar recursos no mercado financeiro em nome do consumidor, se mostra a mais lesiva para a economia, como no comentário de Marcio Melo Casado: É que, sob a justificativa de ter captado no mercado financeiro o dinheiro para financiar o consumidor, as administradoras vêm cobrando taxas de juros que alcançam 12%, ao mês. A cobrança de encargos nestes patamares pode ocorres por dois motivos: as administradoras são muito incompetentes e tomam empréstimos com taxas de juros muito superiores àquelas normalmente cobradas em contratos de crédito pessoal; ou as administradores estão tendo uma margem de lucro ilegal, sem, entretanto, o controle e fiscalização do Banco Central do Brasil.248 Restituição das Parcelas pagas nos Contratos de Alienação Fiduciária – seja em razão de sinistro ou em vista de procedimento de busca e apreensão, a cláusula contratual é nitidamente abusiva, uma vez que estes valores raramente são restituídos aos consumidores, tendo em vista a falta de transparência – Seguradora/Banco –, ou nos casos de Busca e Apreensão, do saldo apurado na operação de venda extrajudicial do bem. Com a lei 10.931/2004, que alterou o decreto-lei 911/69, ocorreu um agravamento dessa situação, retirando do consumidor tempo hábil para defesa de seus direitos: Art. 56. O Decreto-Lei no 911, de 1o de outubro de 1969, passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 3o ............................................................................. § 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidarse-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. § 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.249 247 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Agravo regimental no recurso especial nº 807052RS. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 20 abr. 2006. Diário da Justiça, Brasília, p. 213, 15 maio 2006. 248 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.254-255. 249 BRASIL. Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004. Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, letra de crédito imobiliário, cédula de crédito imobiliário, cédula de crédito bancário, altera o decreto-lei no 911, de 1o de outubro de 1969, as leis no 4.591, de 16 de dezembro de 1964, no 4.728, de 14 de julho de 1965, e no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 122 § 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar.’ Com o bem apreendido, não existe tempo hábil para reverter uma liminar (no caso de um adimplemento substancial do veículo) e raramente os valores apresentados como devidos estão em compasso com a legislação. Ademais, notório também, após procedimento de venda extrajudicial, a inclusão dos consumidores nos cadastros restritivos de crédito para forçar o pagamentos da diferença dos valores cobrados em sede de liminar. Antecipação do Valor Residual Garantido (VRG) nos Contratos de Leasing – atualmente encontra-se pacificada por meio da Súmula 293 do STJ250 a abusividade deste contrato, ou seja, a conduta que lesa o direito do comprador em optar pelo momento para pagamento do VRG nos termos do artigo 7º, V e VII, a da Resolução 2.309/96251, desvirtuando a finalidade do instituto para enriquecimento das instituições. Neste sentido, é a lição fundamentada no voto do Ministro do Ruy Rosado de Aguiar Junior: Além das razões de ordem fiscal que levaram o legislador a manter a opção de compra, com o pagamento do valor residual, como uma das características do contrato de leasing operacional, existem outras duas a considerar: (a) o negócio do leasing fica sem causa, isto é, desaparece a razão do negócio se o arrendatário paga integralmente o preço do bem no curso da execução do contrato, uma vez que a finalidade básica do leasing financeiro é ‘sempre o financiamento de investimentos produtivos’ (Fabio Konder Comparato, Contrato de Leasing, Forense, 250/10) e não a compra e venda, sendo que a existência de uma promessa unilateral de venda por parte da instituição financeira serve para diferenciá-lo da locação e da compra e venda à crédito (idem); (b) o arrendatário perde com a inclusão na prestação mensal da parcela correspondente ao valor residual, pois desembolsa antecipadamente aquilo que pagaria apenas no caso de exercer uma das três opções que a lei lhe reserva, ao final do contrato. E isso lhe pode ser ainda mais prejudicial na medida em que tal parcela serve para compor o valor da prestação mensal, sobre o qual incidirão juros e outros acréscimos. E a inadimplência, que resulta do não-pagamento da prestação mensal assim composta, terá graves reflexos na economia do contrato, com possibilidade de perda da posse do bem, embora uma 250 Súmula 293 - A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil. BRASIL. Superior Tribunal da Justiça. Súmula nº 293. Diário da Justiça, Brasília, 13 maio 2004. 251 Art. 7º - os contratos de arrendamento mercantil devem ser formalizados por instrumento publico ou particular, devendo conter, no mínimo as especificações abaixo relacionadas: [...] V – as condições para o exercício por parte da arrendatária do direito de optar pela renovação do contrato, pela devolução dos bens ou pela aquisição dos bens arrendados; [...] VII – as despesas e os encargos adicionais, inclusive despesas de assistência técnica, manutenção e serviços inerentes a operacionalidade dos bens arrendados, admitindo-se, ainda, para o arrendamento mercantil financeiro; a previsão de a arrendatária pagar o valor residual garantido em qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando o pagamento do valo residual garantido o exercício da opção de compra; [...]. BRASIL. Banco Central. Resolução n. 002309, de 28 de agosto de 1996. Disciplina e consolida as normas relativas às operações de arrendamento mercantil. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/ detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=096183464>. Acesso em: 25 out. 2011. 123 parte do valor impago constitua cobrança antecipada do que somente seria exigível a final. Uma conseqüência dessa cobrança antecipada é que se elimina a opção de compra, pois essa é a única alternativa que resta a quem já pagou antecipadamente o preço. 252 (grifo nosso) Devolução do VRG após a Reintegração de Posse do Bem Arrendado – em vista da quebra do contrato por inadimplemento, é considerada abusiva a cláusula no contrato de leasing que condiciona os pagamentos mensais do VRG, caucionados no contrato para possível opção de compra, ser utilizado para pagamento de quaisquer obrigações decorrentes daquele. Nestes casos deve esse valor ser restituído, sob pena da ficar caracterizado o enriquecimento sem causa. Nesse sentido, a jurisprudência: ARRENDAMENTO MERCANTIL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICAÇÃO – ANTECIPAÇÃO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO - DEVOLUÇÃO - ENTREGA DO BEM. RECURSO DESPROVIDO. O Código de Defesa do Consumidor se aplica aos contratos bancários em geral e ao contrato de arrendamento mercantil, em particular, vez que o que deve prevalecer nas relações comerciais, é a boa fé e o equilíbrio contratual, com a relativização da força obrigatória dos contratos. Considerando-se o VRG como uma caução face ao eventual exercício da opção de compra, ocorrendo a entrega do bem pelo arrendatário ao arrendador, deve tal valor ser restituído, pois não exercida aquela opção, sob pena de enriquecimento ilícito da instituição financeira (TJ-PR – Apel. Cível 0281763-4 – 13ª Câm. Cível – Rel. Des. Costa Barros – julg. 08.06.2005).253 No mesmo entendimento, a Egrégia Turma Recursal do Estado do Paraná já consolidou o seguinte enunciado: Enunciado N.º 2.11 – Restituição do VRG – rescisão do contrato de arrendamento mercantil: Rescindido o contrato de arrendamento mercantil, os valores pagos a título de valor residual garantido (VRG) devem ser restituídos ao arrendatário, na forma simples. Apropriação de Saldos Positivos em Aplicações do Correntista – usualmente utilizada considera-se abusiva a cláusula que autoriza a apropriação de saldos em poupança e investimentos dos correntistas para liquidação de débitos com o banco, sendo considerada apropriação indébita e abuso do poder econômico, na lição do Ministro Sálvio de Figueiredo: 252 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 15, n. 1, p. 1-148, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/informativo/issue/view/75>. Acesso em: 01 mar. 2010. p.56-57. 253 PARANÁ. Tribunal de Justiça. 13ª Câmara Cível. Apelação cível nº 0281763-4. Relator desembargador Costa Barros. Julgado em 08 jun. 2005. 124 [...] Tal procedimento configura-se apropriação indébita, havendo violação do contrato firmado com os autores. Sem o prévio e devido processo legal, sem contraditórios e sem abrir oportunidades de defesa dos autores, a CEF apropriou-se de dinheiro que estava sob sua guarda. Tal ato atenta contra o ‘Estado Democrático de Direito’, e nos termos da Constituição Federal impõe-se coibir sua prática, que atenta, ainda, contra a economia popular (art. 173, § 5º, da CF), configurando, ainda, abuso do poder econômico (art. 173, § 4º, da Constituição Federal). 254 Vendas Casadas – assim disciplina o art. 39 do CDC no sentido de ser abusivo o condicionamento de um produto/serviço a outro produto/serviço, sem justa causa. Quando existe imposição para liberação de crédito, ou aumento de limite condicionado a produto bancário, estamos diante de uma venda casada. Exemplo disso são os casos de venda do Seguro Prestamista (para quitação de parcelas em caso de desemprego involuntário) nos contratos de financiamento de veículos, ou o seguro de residência para os casos de financiamento de imóveis. Sobre o tema ensina Claudia Lima Marques: No primeiro grupo proíbe o CDC que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor. Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada venda “casada” e os limites quantitativos; em seu inciso V, a exigência de vantagem manifestamente excessiva do consumidor, e, por fim no inciso XII, que o fornecedor deixe de estipular prazo par o cumprimento de sua obrigação ou deixa a fixação do termo inicial a seu exclusivo critério. 255 Pode-se observar no contexto do rol das cláusulas abusivas a total inexistência da cláusula geral da boa-fé em sua formação; bem como o estímulo para a continuidade destas práticas advém de uma lógica perversa na área bancária, tendo em mente pelo contingente de pessoas que são lesadas em relação às que recorrem aos órgãos de controle administrativo e judiciário, é conveniente (e rentável) abusar. 3.5.3 Endividamento e Superendividamento Convive-se atualmente em uma sociedade de consumo, capitalista. O crédito que no início era utilizado somente para atividades produtivas passou a participar das atividades de consumo, como destaca Marcelo Gomes Sodré. O sistema econômico encontrou no 254 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta turma. Agravo nº 66.590-0/MG. Relator ministra Sálvio de Figueiredo. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, seção 1, p. 15.277, 26 jun. 1995. 255 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.815-816. 125 oferecimento de crédito um modo para que, como “mágica” o consumidor, mesmo sem recursos imediatos, obtivesse dinheiro para adquirir o que almeja, fazendo rodar o sistema. Nesta dinâmica (produção em série/consumo em série), os contratos de adesão se tornaram imprescindíveis para o incremento dos negócios: Se os bens de consumo são fabricados em série, comercializados em massa, oferecidos a todos por meio da publicidade universal e comprados mesmo por quem não tem dinheiro para tal, não é de se estranhar que os contratos utilizados sejam idênticos em sua forma e que a possibilidade real de negociação de suas cláusulas seja praticamente nula. A utilização de contratos de adesão é o último passo desta cadeia econômica. E uma peça essencial. 256 Outro aspecto relevante é o papel da publicidade na massificação dos desejos de uma sociedade, orientando e incentivando o consumo desenfreado pelas facilidades advindas do vasto crédito disponível no mercado, como salienta Liliane de Paula Matias: [...] a publicidade ganhou uma importância até então nunca vista, sendo notórias as modificações que se operaram em seu conteúdo e em seus objetivos: se antes ela continha informações sobre as utilidades e características dos produtos ofertados, a nova realidade da sociedade de consumo fez com que tal conteúdo fosse substituído por apelos emocionais, aptos a incentivar sua aquisição. Hoje espalhada por outdoors, revistas, jornais, emissoras de rádio e de televisão e até pela internet, a publicidade acaba por fazer nascer, direta ou indiretamente, novos desejos nos consumidores, fomentando a falsa necessidade de se consumir cada vez mais e com mais freqüência. 257 Assim, consumo, crédito e contratos de adesão se tornaram engrenagens dessa dinâmica capitalista no mercado de consumo que, aliados à uma publicidade que convida ao consumo de necessidades imediatas não essenciais, tornou o endividamento a tônica de países desenvolvidos e emergentes, como se pode notar em Claudia Lima Marques: Efetivamente, o endividamento é um fato inerente à vida em sociedade, ainda mais comum na atual sociedade de consumo. Para consumir produtos e serviços, essenciais ou não, os consumidores estão quase todos – constantemente se endividando. A nossa economia de mercado seria, pois, por natureza, uma economia de endividamento. Consumo e crédito são duas 256 SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.81-82. 257 MATIAS, Liliane de Paula. Sociedade de consumo e superendividamento do consumidor: análise de um binômio frente à concepção social de contrato. 178 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2009, p.74. 126 faces de uma mesma moeda, vinculados que estão no sistema econômico jurídico de países desenvolvidos e de países emergentes como o Brasil. 258 Com a política de massificação e popularização do crédito, e ajuda dos órgãos de comunicação contínua, a professora gaúcha fala sobre a inclusão de “[...] novos 50 milhões de clientes bancários!” ao sistema financeiro nos últimos anos, forte tendência à privatização de serviços públicos e essenciais, e a disponibilidade de crédito facilitado (inclusive com desconto em folha de pagamento), ilimitado no tempo e nos valores; cria-se um panorama que pode levar os consumidores à uma situação de superendividamento. A concessão de crédito pelas instituições financeiras, comprometendo rendimentos além da capacidade de pagamento, aliado a fatores externos e imprevistos, como problemas de saúde e desemprego na família, são fatores que levam o consumidor a uma situação de insolvência, portanto, de endividamento excessivo ou superendividamento, como Geraldo de Faria Martins da Costa, em seu artigo, suscintamente descreve : A via para o endividamento excessivo é larga. Uma pequena desatenção em relação ao orçamento doméstico (este já sobrecarregado pelo plano de saúde, pela prestação da casa própria ou do aluguel, pelas contas de água, luz, telefone, provedor de internet, TV a cabo, celular, etc), um incidente imprevisto (pense-se na perda do emprego, no divórcio, numa doença), e estará criado o germe do superendividamento, fenômeno social, flagelo social contemporâneo, fator de exclusão social. 259 Define Marques260o superendividamento “[...] como a impossibilidade global do devedor- pessoa física, consumidor, leigo de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo”. Tal estado é um fenômeno social, jurídico e econômico que deve ser tutelado pelo Estado por meio do direito do consumo com vistas a evitar a submissão dos rendimentos pelo mercado financeiro, pela exclusão do consumidor do mercado de consumo. Entre os principais vilões desta ciranda financeira encontram-se os créditos consignados em folha de pagamento autorizados pela lei 10.820/2003, e os cartões de crédito, com o seu efeito “Bola de Neve”, delineado por Liliane de Paula Matias: Aliadas às aludidas técnicas, temos as “facilidades” concedidas pelos fornecedores credenciados ao sistema do cartão de crédito. De se destacar, nesta seara, a possibilidade de se proceder a um parcelamento cada vez 258 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.1236-1237. 259 COSTA, Geraldo de Faria Martins da. O direito do consumidor endividado e a técnica do prazo de reflexão. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 43, jul./set. 2002,p. 260. 260 MARQUES, op. cit., p.1236. 127 maior das compras efetuadas através do cartão, o que freqüentemente resulta em parcelas de valor ínfimo, que perduram por longos períodos. Diminuído o valor das prestações, o consumidor se vê diante da possibilidade de encaixar um número infinitamente maior de compras dentro de seu orçamento mensal, ao mesmo tempo em que permanece por muito mais tempo (doze, vinte e quatro e até incríveis trinta e seis meses) vinculado àquelas dívidas. E mais, utilizando-se da faculdade de pagar tão somente o valor mínimo da fatura de seu cartão de crédito – já que no mais das vezes o montante total supera em muito a capacidade de adimplemento mensal do consumidor – o restante da dívida é jogado para o próximo mês, acrescido de juros astronômicos, o que torna a situação do mês seguinte ainda mais crítica, num verdadeiro “efeito bola de neve”. 261 Ato contínuo a esta dinâmica perversa de endividamento exposto pelas instituições financeiras, advém a inscrição do nome nos cadastros de restrição ao crédito, que literalmente “matam” o consumidor bancário, não somente como empresário, mas como pessoa física. A cultura do “nome limpo” auxilia na continuidade de cobranças vexatórias e abusivas dentro do próprio mercado, tendo em seu favor o poder de restringir o crédito no mercado de consumo e aumentar o volume de ações que tramitam no judiciário, atuando na coação dos consumidores. Sobre este aspecto comenta Casado: Todavia, a inscrição na Serasa, para ficar no exemplo mais clássico, não impede somente a concessão de crédito. Ele encerra a vida civil do consumidor. [...] um consumidor inscrito na Serasa não pode ter talão de cheques, ainda que tenha dinheiro em sua conta. Não consegue locar um filme em DVD. Não pode ter um telefone celular. Tevê a cabo, nem pensar. Se tinha cartões de crédito, ainda que estejam em dia e nenhuma fatura tenha sido atrasada por muitos anos, pode ter certeza de que os perderá. Até mesmo para o pagamento de uma conta de restaurante, com aquelas folhas de cheque que sobraram, o consumidor passará por constrangimentos. As mesmas dificuldades serão experimentadas por uma pessoa jurídica, com diferença de que as restrições impostas a ela, ordinariamente são mais nocivas. Haverá reflexos sobre a vida de inúmeras pessoas físicas e jurídicas, que dela dependem (empregados) e com ela trabalham (fornecedores e clientes). 262 Sob este ângulo, observa Liliane de Paula Matias263, as operações de crédito normalmente divergem dos preceitos contratuais modernos; a “livre manifestação de vontade”, somente é imposta pelo fornecedor do crédito em detrimento do consumidor aumentando o desequilíbrio contratual; a vulnerabilidade do contratante se mostra pela 261 MATIAS, Liliane de Paula. Sociedade de consumo e superendividamento do consumidor: análise de um binômio frente à concepção social de contrato. 178 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2009, p. 82-83. 262 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.311. 263 MATIAS, op. cit., p.89. 128 redação dos termos contratuais de modo obscuro e um tanto quanto técnico, figurado na falta de assimilação pelo consumidor do conteúdo do contrato. Neste panorama, existe a necessidade da promoção da tutela da dignidade da pessoa humana no âmbito contratual, explica Casado264, ao passo que não se pode conceber um contrato como motivo de escravidão financeira, uma vez que ela tenha dirigido sua conduta no processo negocial de boa-fé. Dessas práticas subsiste a vulnerabilidade do princípio da boa-fé em todas as fases do processo negocial. Imprescindível neste sistema, além da satisfação dos objetivos pessoais do consumidor, a conduta de transparência e probidade das partes. Notória são as práticas que negligenciam tais princípios contratuais, v.g. a propaganda confusa (por vezes enganosa), contratos de adesão de difícil compreensão e cláusulas abusivas e desproporcionais. Atrelados à informação deficiente e a falta de transparência junto ao consumidor, transformam essas relações contratuais em alçapões que, indubitavelmente, conduzem-no à situação de endividamento incompatível com os princípios constitucionais, potencializando os ganhos dos entes financeiros a patamares assombrosos, como atualmente informados na mídia jornalística. 3.5.4 Onerosidade Excessiva dos Contratos Bancários e da Possibilidade de Revisão Contratual As normas que regulamentam os contratos não são editadas na mesma velocidade que surgem novas formas de crédito no sistema bancário. Em vista disso, adotou-se a solução de normas com elaboração mais rápida e menos complexa em nosso sistema, por meio de portarias e resoluções do Banco Central, deliberadas pelo Conselho Monetário Nacional para vida bancária do país. Todavia, esta técnica legislativa utilizada pelo CMN e Bacen de regular políticas de Direito Econômico, representa não somente atos administrativos, mas trabalham no preenchimento normativo das normas em branco, da lei 4.595/64, como salienta Fabio Konder Comparato, apud Nelson Abrão: É esta uma técnica legislativa do chamado “direito econômico”, à qual os nossos magistrados ainda não se afeiçoaram de todo, e que costuma passar despercebida nas exposições acadêmicas e dissertações doutrinárias. Ela representa, no entanto, um instrumento indispensável de atuação do Poder Público no sentido de acompanhar e influenciar a evolução da conjuntura. Tais Resoluções não constituem,[...], um simples ato administrativo regulamentar, mas sim o preenchimento de uma norma legal em branco, 264 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.19. 129 atuando portanto como o necessário momento integrativo do seu conteúdo, e participando da sua natureza.265 A falta de familariedade do judiciário com estas normas, reflete-se nas ponderações de Nelson Abrão266 de que “a constitucionalidade da resolução do Banco Central, com base nas deliberações do Conselho Monetário Nacional, nunca foi posta em xeque” , advindo a necessidade de reforma no instituto legal (4.595/64) para que se estabeleça diretrizes nos termos e dimensões de crescimentos da economia de escala, adaptada à realidade atual do país. Em estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, o custo do crédito para o desenvolvimento dos agentes econômicos no país foi, e continua sendo, muito alto em comparação com os Estados Unidos e Europa ao longo da década, conforme figura a seguir: Figura 1 – Comparativo da taxa média anual Brasil, EUA, CEE Fonte: IPEA (abr. 2009, p. 22). Além do custo, é possível também constatar a elevação da taxa de juros em decorrência de crise externa (v.g. EUA/2008). Nos Estados Unidos no qual eclodiu a crise, a variação anual (2007-2008) foi da ordem de 13,37%, no Brasil foi de 31,10%, uma clara evidência do abuso do poder econômico na busca do lucro dentro das esferas produtiva e de consumo. O resultado dessa busca desenfreada pelo lucro do sistema financeiro é um total descompasso com o desenvolvimento do setor produtivo, principalmente das micro e 265 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.298. 266 Id., Ibid., p.297-298. 130 pequenas empresas: Reflexo de tudo isso é a situação das pequenas e microempresas, fazendo parte do universo de 80% do cenário econômico, à míngua do capital de giro, financiamento e recursos barateados com políticas saudáveis de incremento ao desenvolvimento e crescimento donde a reforma encetada pelo legislador, que, longe de trazer pontos relevantes, não observou a integração do negócio com a sobrevivência da empresa.267 Vale alguns apontamentos também sobre a taxa de juros praticada no ano de 2009 nos bancos estrangeiros (em sua matriz e em sua subsidiária brasileira) e nos dois maiores bancos nacionais, conforme tabela comparativa: Figura 2 – Comparativo taxa anual real Brasil e outros países Fonte: IPEA (7 abr. 2009, p. 23). Dois pontos devem ser observados. O primeiro trata-se da disparidade para o consumidor conseguir o crédito pessoal no país, chegando a ser quase 10 vezes mais elevado que em outros países. O segundo aspecto a ser observado diz respeito à intervenção do Estado no setor financeiro e de uma situação de total ineficiência na concretização dos objetivos dispostos no art. 173 da Constituição Federal. Apesar do Banco do Brasil ser, teoricamente, o agente estatal responsável por servir de parâmetro para a concretização desses objetivos, nota-se uma realidade totalmente adversa 267 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.554. 131 aos interesses do país, de total cartelização do sistema bancário, na proporção que uma variação de 140% (cento e quarenta por cento), entre a taxa praticada pelo Banco do Brasil e os bancos privados, cumulado com uma variação percentual de apenas 13% (treze por cento) entre eles. Se não for um aspecto caracterizador de cartéis, ao menos corrobora a situação de constantes recordes de lucratividade dos bancos noticiados nos meios de comunicação. À guisa dos últimos julgados sobre política de juros no Brasil, os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, aceitando a média de mercado para ponderar a abusividade das operações de crédito nos contrato bancário, no Agravo Regimental, apresenta pacificação sobre o tema: Agravo regimental no recurso especial. Cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano. Possibilidade. Abusividade não caracterizada. Agravo improvido. 1. Firmou-se entendimento, neste Superior Tribunal de Justiça, de que a demonstração cabal da abusividade dos juros remuneratórios, apurada com base na taxa média de mercado, permite a sua redução; entretanto, na espécie, não há o que se falar em abusividade, vez que o percentual utilizado como parâmetro por este Tribunal para redução da taxa praticada excede em muito o valor ora pactuado. (4ª T, AgRg no REsp 905.985/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 25.09.2007, p. 307).268 Tal entendimento continuamente rebatido, a despeito do voto vencido do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que em 2003, visualizou a necessidade de intervenção judicial neste quesito, já que não existe taxa média de mercado no Brasil; os índices fornecidos pelo Bacen são oriundos de um sistema bancário que trabalha de forma cartelizada, como demonstrado acima, com propósito de aumento arbitrário dos lucros: No Brasil, adotou-se a política de que os juros são livremente pactuados. Na medida que nenhum limite é estabelecido na lei ou pelas agências públicas incumbidas de regular e fiscalizar o mercado, é possível que existam abusos. Pergunto, então, pode o juiz interferir nessa relação, para eliminar o abuso?269 Quando falamos de média de mercado, falamos de remuneração bancária (spread). O Banco Central desde 1999 elabora relatórios sobre o assunto como cita Casado270 no tópico de sua obra intitulado ‘A imoralidade do Poder Executivo – Os relatórios do BACEN sobre spread bancário’. O objetivo do relatório é analisar o mercado, oferecendo sugestões para redução das taxas de juros, amparado na média dos 17 (dezessete) maiores bancos privados do 268 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Agravo regimental no recurso especial nº 905.985/RS. Relator ministro Hélio Quaglia Barbosa. Julgado em 25 set. 2007, p. 307. 269 Id. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 271.214-RS. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, 04 ago. 2003. 270 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.214-229. 132 país. Aponta entre vários aspectos a inadimplência como um dos mais graves componentes de elevação das taxas de juros. Neste ínterim, Casado ressalva que os responsáveis pela inadimplência são os próprios bancos, que, com sua práxis bancária abusiva, onera o consumidor que não consegue arcar com seus compromissos. Logo, a inadimplência, elemento maior na oneração da taxa de juros, é gerada por quem se diz lesado por ela. Como a esmagadora maioria dos consumidores (segundo o relatório do próprio Bacen), com sacrifício até dos componentes da dignidade da pessoa humana (moradia, vestuário, lazer, educação, etc.) paga em dia os débitos, mesmo que usuários, o lucro do banco não pode ser apontado de forma tão simplista. Eles ganham até mesmo com a inadimplência, já que os encargos cobrados dela costumam ser significamente elevados, o que dificulta ainda mais o pagamento. 271 Apresenta ainda evidências de que tais relatórios (Relatório de novembro/2000) e orientam o legislativo para criação de normas que favoreçam o sistema financeiro para aumento das garantias no setor, como na criação da Cédula de Crédito Bancário (MP 1925/99 para a lei 10.931/2004) e da Lei de Recuperação de empresas (11.101/2005): A primeira é o que eles chamam de aperfeiçoamento das garantias nas operações de crédito. Essa proposta toca à possibilidade de realização pronta do crédito por meio de execução, sem os entraves indevidos do Poder Judiciário, imediata das garantias. A outra proposta diz respeito à Lei das Falências. O Bacen entende que os créditos devem ser priorizados e não devem entrar no rateio da massa. Pelo que despreende do documento, a intenção é colocar os créditos com os bancos em situação privilegiada, inclusive em detrimento dos créditos trabalhistas e fiscais. Esse pedido do setor bancário foi recepcionado no art. 49, § 3º, 4º. c/c art. 86, da vigente lei de recuperação de empresas. 272 (grifo do autor) Na criação dessas leis, verifica-se claramente o direcionamento pelo legislador para um conjunto de prerrogativas e salvaguardas protetivas ao Sistema Financeiro, dissipando o equilíbrio nas relações de consumo, as bases da boa-fé e os preceitos de lesão e onerosidade elencados no Código Civil. Esta visão legislativa não se alinha com a necessidade de crescimento econômico, conforme preconizada por Nelson Abraão: [...] se percebe mais claramente na disposição redacional e na dicção interpretativa é que o legislador direcionou uma série de prerrogativas e salvaguardas ao credor [...] analisando na visão unilateral do sistema financeiro como um todo regalias que não se coadunam com a temperatura 271 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.214-229, p.216. 272 Id., Ibid., p. 228. 133 da economia e com sua ímpar necessidade de crescimento e desenvolvimento, cujo remédio amargo poderá desencadear, ao contrário do imaginado, um efeito devastador nas operações bancárias e aumento da inadimplência.273 Discorre ainda sobre o Relatório apresentado em 2004, da responsabilidade do Judiciário na elevação das taxas de juros do mercado e na falta de conscientização dos juízes, alegando que “[...] as decisões que beneficiam um tomador de empréstimo específico tem repercussões amplas, que podem prejudicar os tomadores de empréstimos como um todo, em nível mais abrangente”274. Traduzindo literalmente sua filosofia: em que os responsáveis pelo aumento dos lucros neste país, são os consumidores e o Judiciário. Pelo exposto acima, conclui-se que com o estreitamento de ideias entre os grandes conglomerados financeiros e os responsáveis por gerir a política monetária no Banco Central sem fiscalização e de modo parcial, cumulado com um entendimento do STJ na questão de média de mercado liberando livremente as taxas de juros praticadas, vem “ferindo de morte"275 o art. 5º, XXXII da CF, núcleo essencial do direito fundamental à defesa do consumidor e os princípios constitucionais. Apesar de não ser foco do trabalho, a primeira vez que esta nova tábua axiológica de princípios trouxe ao universo contratual, e de um modo especifico ao microcosmos bancário, serve de contrapeso às práticas perpetradas pelas várias corporações financeiras nacionais e internacionais, que oferecem crédito de forma temerária no país, lesando a população desprovida de conhecimento técnico para interpretar o emaranhado de cláusulas contidas no corpo contratual, v.g. o crédito consignado para aposentados. A lei 8.078/90, indubitavelmente trouxe todo um microssistema protetivo nas relações consumeristas, adequando o mercado à uma nova realidade. Várias são as teorias revisionais adotadas pelos operadores do Direito, na discussão dos contratos, como a cláusula rebus sic stantibus, a teoria da imprevisão, teoria da onerosidade excessiva, e outras teorias que possam ser abarcadas pelo CDC e principalmente pelo Código Civil, seja em contratos ativos, como os novados e extintos. Neste caminho, conforme entendimento de Efing276 “o princípio da boa-fé que deve 273 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.555. 274 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.229. 275 GUIMARÃES, Luiz Carlos Forghieri. Direitos fundamentais e relações desiguais nos contratos bancários. São Paulo: Letras Jurídicas, 2009, p.140. 276 EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.95. 134 nortear todo e qualquer negócio jurídico também deve estar presente a ponto de autorizar a revisão contratual”. Tal assertiva não deve ser tomada somente pelo lado do hipossuficiente, normalmente, o consumidor, mas do lado da boa-fé entre as partes, podendo esta se indeferida, como nos seguintes arrestos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C CONSIGNATÓRIA. CONTRATO BANCÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. BOA-FÉ OBJETIVA. Sob o prisma do princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), o pagamento de apenas três parcelas do contrato de financiamento não gera direito a pretensão revisional, agindo acertadamente, nessas circunstâncias, o magistrado que indefere a petição inicial. APELO IMPROVIDO. (TJ/GO, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Escher, AC n.º 135129-4/188, DJ 261 de 23/01/2009).277 REVISIONAL C/C PEDIDO DE CONSIGNAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. PAGAMENTO DE APENAS UMA PARCELA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROCEDÊNCIA. O pagamento de apenas uma parcela do contrato não gera direito a demanda revisional, dado que o fato caracteriza ausência de lealdade e probidade na sua formação, gerando ofensa ao princípio da boa-fé objetiva prevista no artigo 422 do novo Código Civil. (TJ/GO- 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Stenka I. Neto, AC nº 984251/188, DJ 19/07/2006). 278 A ausência da boa-fé macula o vínculo contratual a ponto de tirar a equidade que norteia o direito dos contratos entre as partes. Somente atendendo e preservando as garantias dos agentes econômicos, expurgando a má fé, possibilitará o efetivo cumprimento dos interesses juridicamente aceitos no ordenamento jurídico. Em última análise do terceiro capítulo, por meio da teoria econômica do contrato com as pontificações do tópico, conclui-se que o sistema financeiro trabalha de maneira muito efetiva na manutenção dos benefícios que instalou com a estabilização da moeda; seu poder de reação no repasse de possíveis custos ocorridos no transcorrer da aplicação do abuso do direito é inúmeras vezes mais rápido que o Estado na tentativa de equilibrar e corrigir essas irregularidades. Assiste o Estado a necessidade de, por via de políticas econômicas, rígido controle dos órgãos que fiscalizam as atividades dos agentes financeiros, buscar corrigir as falhas – com critérios de fiscalização e punição ao capital aplicado de forma perniciosa no mercado –, visando a antever essa realidade objetivando regulação do ambiente negocial em que se efetivam os contratos pelo Direito. É fato notório no setor produtivo que qualquer operação de abertura ou expansão 277 GOIÁS. Tribunal de Justiça. 4ª Câmara cível. Apelação cível nº 135129-4/188. Relator desembargador Carlos Escher. Diário da Justiça, p. 261, 23 jan. 2009. 278 GOIÁS. Tribunal de Justiça. 4ª Câmara cível. Apelação Cível nº 98425-1/188. Relator desembargador Rel. Des. Stenka I. Neto. Diário da Justiça, 19 jul. 2006. 135 comercial ou patrimonial, indubitavelmente passa pelo sistema financeiro, acarretando um processo de bancarização do crédito, facilitador para obtenção de produtos e fluxo de riquezas, favorecendo assim sobremaneira por meio de contratos de adesão o abuso do direito e consequente agravamento do equilíbrio entre as partes. O Direito Bancário, conjuntamente com este novo norte hermenêutico (legislação, doutrina e jurisprudência) vem sistematicamente diminuindo e revertendo abusos cometidos, estando em constante processo de evolução, adequando-se às necessidades da coletividade, na busca pelo desenvolvimento equilibrado. Apesar disso, são ínfimas as ações que beneficiem a coletividade lesada por essas instituições, uma vez que a legislação somente ampara aquele que buscar o Judiciário, sem uma aplicação de efeitos erga omnes, favorecendo a perpetuação dos abusos e busca do aumento do capital pelo sistema financeiro. Visualiza-se na organização do sistema financeiro um dinamismo que, se utilizado de modo confiável e probo, torna-se um importante mecanismo para o desenvolvimento da economia de mercado, pelo seu poder de captação de recursos e sua subsequente aplicação no setor produtivo nas várias regiões do país. A crítica ao sistema está no fato de que não existe temor de contestação social pelas instituições bancárias principalmente por dois fatores: a falta de fiscalização (ou desinteresse) e pífia aplicação de sanção pelos órgãos responsáveis (CMN e Bacen), cumulado à necessidade de crédito imprescindível ao desenvolvimento nacional. O Judiciário não pode ser a única instituição capaz de regular e corrigir tais relações; cabe ao Estado promover a predominância dos interesses coletivos sobre interesses privados pela implementação da função social no direito contratual, diminuindo desigualdades, coibindo exemplarmente os abusos e impulsionando o desenvolvimento nacional. 136 4 APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA BOA-FÉ NO CONTROLE DO CONTEUDO CONTRATUAL Verifica-se, no transcorrer da Pesquisa, a abertura que o princípio da boa-fé infere no contexto contratual, tornando-se base para legislação e jurisprudência nas diversas fases do negócio (pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais). Neste ínterim, o controle do conteúdo contratual passa, inquestionavelmente, pela necessidade de estabelecer padrões comportamentais na conduta dos negócios, conforme suas características, visando coibir aos abusos na busca do equilíbrio contratual e dos anseios de toda uma coletividade, como menciona Bruno Miragem: O controle do conteúdo dos contratos de contratos de consumo se dá pela identificação e sanção das cláusulas abusivas, o que implica tanto a identificação das características do negócio e das prestações do fornecedor e do consumidor, quanto à forma como se dá a contratação, especialmente no tocante à conduta do fornecedor na fase pré-contratual e o cumprimento dos deveres de informação e esclarecimento. Controle de conteúdo tem haver, pois, com verificação do equilíbrio contratual, tanto do ponto de vista do equilíbrio econômico das prestações, quanto do poder de decisão na celebração e execução do contrato. 279 Com a positivação do instituto como cláusula geral no ordenamento legislativo, doutrina e jurisprudência auxiliam no trabalho de regrar o caso concreto e seu conteúdo contratual, a padrões de comportamento em consonância com o axioma principiológico, como exposto por Joaquim de Sousa Ribeiro no III Congresso Nacional de Direito Civil: Compete, pois, à doutrina e à jurisprudência, em mediação concretizadora, extrair do princípio padrões de comportamento operativos, ajustados aos diversificados contextos situacionais a que ele se aplica. A positivação, nos códigos mais recentes, inclusive no Código Civil brasileiro, de cláusulas gerais que acolhem o princípio da boa fé, inserindo-o em campos sectoriais de regulação, bem como a enunciação legislativa de regras específicas que tipificam, exemplificativamente, o seu conteúdo normativo para uma situação determinada, facilitam, de algum modo, essa tarefa.280 Os actos de autonomia privada com as mudanças advindas da evolução do modelo 279 MIRAGEM, Bruno. Nulidade das cláusulas abusivas nos contratos de consumo: entre o passado e o futuro do direito do consumidor brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 18, n. 72, p. 41-77, out./dez. 2009, p.52. 280 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O controlo do conteúdo dos contratos: uma nova dimensão da boa-fé. In: CONGRESSO NACIONAL DE DIREITO CIVIL, 3., 15-17 set. 2005, Curitiba. Resumos... Curitiba: Associação dos Magistrados do Paraná, 2005. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/326383899-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011, p.6. 137 contratual, no seu viés principiológico, albergados pela boa-fé, infere um controle do conteúdo não somente no contexto individual das tratativas, mas em seu aspecto coletivo, uma vez que do princípio emana um novo modo de agir negocial: mais ético, responsável, probo, enfim, solidário. Continua Joaquim Ribeiro: A lisura negocial que o princípio impõe traduz-se neste contexto, no dever de não se prevalecer oportunisticamente de um conteúdo contratual que, em face das novas e imprevistas circunstâncias, se tornou excessivamente oneroso ou inútil para a outra parte. [...] A ordem de condutas por ela prescrita tem a ver com as posições assumidas, um em face do outro, pelos sujeitos da relação, só por esse entrelace se desvendando, em termos operativos, o sentido vinculativo do princípio.281 O controle dos conteúdos contratuais colabora para regulação dos mercados tutelando a parte menos favorecida da relação comercial, diminuindo ou equilibrando o jogo de forças que o sistema capitalista impõe ao mercado, consolidando-se em uma compensação na contraprestação dos serviços contratados. Neste delinear, Luiz Antonio Scavone Junior pondera que o lucro faz parte de qualquer regime que adote o sistema capitalista como regra de mercado; todavia cabe ao Direito, como disciplinador da ação humana em sociedade, por via das normas propostas pelo Estado, “[...] regular, limitar e coibir abusos que fatalmente deságuam em desemprego, recessão, injustiça social e concentração de renda; enfim, efeitos contrários à paz social, objetivo maior do direito.”282 Ao Estado compete proteger os indivíduos menos favorecidos na relação contratual, munindo a sociedade de instrumentos de defesa dos seus direitos de modo a equilibrar a relação entre as partes, expurgando eventuais abusos que possam advir do trato negocial, competindo ao Judiciário sua intervenção nos casos de lacunas legislativas e na resolução de controvérsias contratuais. Diversos são os mecanismos e instrumentos empregados neste controle, adiante apresentados, como colaciona Marcos Mendes Lyra283, justificando sua existência não apenas na declaração de nulidade de abusos cometidos nos contratos firmados, mas para inibir a atuação das empresas em contratos futuros, no sentido de garantir ou fazer com que estejam em conformidade com as normas preestabelecidas de eliminação de cláusulas abusivas. Na 281 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O controlo do conteúdo dos contratos: uma nova dimensão da boa-fé. In: CONGRESSO NACIONAL DE DIREITO CIVIL, 3., 15-17 set. 2005, Curitiba. Resumos... Curitiba: Associação dos Magistrados do Paraná, 2005. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/326383899-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011, p.7. 282 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros: no direito brasileiro. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.21. 283 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.20-21. 138 busca de um Estado mais atuante, no controle do conteúdo dos contratos, sem a constante dependência do crivo judicial, é a crítica de Menezes Cordeiro: Estas intervenções, num prisma juscultural e científico, são pouco profundas. As restrições directas à autonomia privada traduzem a necessidade de uma conformação dos contratos corn os modelos preconizados pelo Estado, por acto directo de soberania e sem dependência de uma busca, no caso, de justiça real, a procurar através da Ciência do Direito e das suas luzes. [...] O ensejo para tais intervenções era superficial e fraco. Afinal, o grande problema nos contratos assentes em condições negociais gerais reside na injustiça possível de alguma ou algumas das suas cláusulas e não na forma da sua celebração. Isso em dois níveis: estivesse consciente da prejudicialidade das cláusulas a aceitar, a parte débil pouco rnais poderia fazer, na mesma, do que submeter-se, pois nem o utilizador das condições gerais vai, por definição, alterá-las, nem, por via de regra, é possível encontrar outro parceiro que não use condições semelhantes; [...].284 Desta maneira, serão abordados os mecanismos de controle dos conteúdos contratuais no contexto dos contratos bancários, verificando sua “real efetividade” na regulação do mercado, sob o vértice principiológico da boa-fé, bem como estabelecendo as responsabilidades advindas do abuso do direito, nesta nova perspectiva de justiça contratual. 4.1 FORMAS DE CONTROLE DO CONTEÚDO CONTRATUAL Tendo em mente o alto grau de massificação destas operações pelo fato da maioria dos contratos bancários serem de adesão, com cláusulas contratuais pré-definidas unilateralmente pelas instituições, a importância sobre o controle do seu conteúdo se justifica. Este controle entretanto, não se ampara na total interferência da autonomia privada, mas na sua limitação pelo axioma principiológico da boa-fé e de abusos que porventura possam ocorrer no trato negocial entre as partes. Desde o início do século XX já existia por parte da doutrina alemã, estudos sobre a necessidade de um regime limitativo, como de Ludwing Raiser na obra “Das Recht der Allgeminen Geschäftsbedingungen”, no longínquo ano de 1935, em que se posicionava sobre a “[...] busca de soluções que impedissem desequilíbrios excessivos, em detrimento dos interesses do aderente”285, sendo posteriormente consagrada pela jurisprudência germânica. 284 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. 2. ed. Coimbra: Almedina. 2001, p.653-655. 285 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O controlo do conteúdo dos contratos: uma nova dimensão da boa-fé. In: CONGRESSO NACIONAL DE DIREITO CIVIL, 3., 15-17 set. 2005, Curitiba. Resumos... Curitiba: Associação dos Magistrados do Paraná, 2005. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/326383899-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011, p.14. 139 Abordava o Ludwing Raiser a validade dessas condições gerais, e a possibilidade de controle do conteúdo, quando impostas unilateralmente e com dispositivos contratuais não compatíveis com o conhecimento dos aderentes, pelo princípio da boa-fé e dos bons costumes. Pontifica Claudio Belmonte: Primeiramente, o controle dessas condições deu-se por meio de normas interpretativas, [...]. Posteriormente, constatando-se um pequeno avanço na proteção dos aderentes [...] passou-se a entender que a validade estava vinculada à prova de que a sujeição de uma das partes a essas condições fora baseada no ‘sabia ou tinha o dever de saber’ [...] contudo, ainda configuravase ampla validade contratual a essas condições. Por derradeiro, passou-se a um controle efetivo do conteúdo contratual por meio de princípios gerais, como o mandamento da boa-fé e a proibição de agir contra os bons costumes, considerando-se o enfraquecimento do princípio da liberdade contratual em face da submissão às condições gerais.286 Como indicado pelo autor, os controles buscam proibir o excesso sem divergir da prática legal, possibilitando manter a segurança jurídica para o interesse empresarial ao mesmo tempo protegendo e equilibrando os interesses dos consumidores. Assim, fixados os limites da atuação empresarial no âmbito negocial, abre-se a possibilidade para a livre estipulação contratual entre as partes, obrigando instituições e consumidores a manter os valores da boa-fé, sob pena de, excedendo os limites, se sujeitarem às sanções advindas das estipulações feitas. 4.1.1 Controle Privado O controle privado do conteúdo contratual refere-se às associações de grupos de interesses que normalmente buscam de forma organizada seus direitos, atuando nas negociações entre fornecedores e consumidores, pela propositura de ações ou via informativos na imprensa. Preliminarmente, importante se faz distinguir sociedade de associação conforme doutrinado por Caio Maio Pereira: Em pura doutrina há distinção nas designações sociedade e associação, que servem para denominar, de um lado, as pessoas jurídicas formadas por um grupo reduzido de pessoas, visando uma finalidade econômicas [sic] (sociedades), e, de outro lado (associações), as constituídas de um número mais avantajado de indivíduos, tendo em vista fins morais, pios, literários, artísticos, em suma, objetivos não econômicos, ou ideais. O Código Civil, porém, deixou de se ater à distinção, e, se mais adequado é utilizar-se a designação associações para as pessoas jurídicas de fins não econômicos, 286 BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.50. 140 nenhuma obrigatoriedade existe neste sentido, admitidas as expressões como 287 sinônimas no Código de 1916. Associação de fornecedores, nas ponderações de Marcos Mendes Lyra, são entidades puramente privadas, cuja adesão por parte dos fornecedores é livre, na quais se compilam usos e costumes oriundos de sua categoria profissional, sendo utilizadas principalmente com o objetivo de pressionar o Estado na diminuição de restrições para a categoria: [...] a autodisciplina dos fornecedores é uma forma renovada de ressurgimento do corporativismo que se explica pela vontade destes de evitar uma restrição ainda maior por parte do Estado. Mesmo bem estruturada, a autodisciplina não dispensa a intervenção do Estado. Por serem entidades privada, não têm o poder de polícia, exercendo apenas uma autoridade moral. Freqüentemente [sic] oferecem apenas aos consumidores uma garantia ilusória da qualidade e confiabilidade dos produtos e serviços.288 No setor bancário, as instituições financeiras são representadas pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e Confederação Nacional do Sistema Financeiro (COSIF). Não se visualiza nestas instituições a adoção de condutas que fomentem a boa-fé no âmbito contratual; ao contrário, estas associações servem de instrumento de pressão para justificar as condutas (juridicamente não compatíveis com a boa-fé) tomadas como salutares ao mercado, seja pelo forte lobby junto ao Congresso Nacional em nível legislativo, na forma de projetos de lei, seja em pareceres289 solicitados a renomados nomes de nossa doutrina pátria para justificar suas práticas junto ao Judiciário. Sobre o constante trabalho (lobby) das instituições na manutenção das garantias contra os consumidores dos serviços bancários, comenta Mauro Sergio Rodrigues: Sempre que os consumidores conseguem uma vitória contra os excessos dos bancos, o Sistema Financeiro Nacional quotiza-se e mantém pressão sobre o Executivo e Legislativo para conseguir modificação legislativa que proteja a estonteante lucratividade. Nos idos de 2000, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 233, declarando a inexigibilidade do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial, mesmo se acompanhado dos extratos: [sic] 287 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. 1, p.230. 288 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.112. 289 Anexo 1 - Parecer Prof. Dr. Nelson Nery Junior para FEBRABAN sobre a comissão paga às concessionárias em financiamentos feitos junto a clientes. PARANÁ. Juizado Especial Cível Comarca de Jacarezinho. Autos n. 5427-08.2010.8.16.0098: sequência 21. Promovente: Jairo Procopio de Oliveira. Promovido: Banco Bradesco Financiamentos. Disponível em: <https://projudi.tjpr.jus.br/projudi>. Acesso em: 01 out. 2011. 141 O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta corrente, não é titulo executivo. (Segunda Seção, julgado em 13/12/1999, DJ 8/2/2000, p. 264) [sic] Milhares de ações de execução do banco foram extintas. Em resposta o Sistema Financeiro Nacional conseguiu a inclusão no corpo da Lei n. 10.941/04 [sic] [o correto é 10.931/04], da famigerada CÉDULA DE CREDITO BANCÁRIO, num normativo ordinário que trata do regime especial de liberação aplicável às incorporações imobiliárias, consoante artigo 1º. Certo, portanto, violação expressa do parágrafo único, do artigo 59, da Constituição Federal de 1988 e artigo 7º, I, II e III, da Lei Complementar 95/98, que dispõe sobre a elaboração a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o paragrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.290 (grifo do autor) Os consumidores individualmente pouco podem fazer, frente ao mercado, valendo-se das associações de consumidores para obter seus direitos; normalmente, os métodos de pressão sob a postura empresarial advêm da informação ao consumidor, via órgãos de imprensa, em vista da pouca influência junto aos grandes conglomerados. Desde o advento do Código de Defesa do Consumidor foram criadas várias entidades civis que trabalham na proteção e defesa dos interesses de seus associados, v.g. a Associação das Vítimas de Erros Médicos, a Associação Nacional dos Devedores de Instituições Financeiras (ANDIF) e a Associação Nacional dos Mutuários e Moradores (ANMM). Conjuntamente, foi criado a Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), entidade de caráter técnico, científico e pedagógico, notadamente conhecido pela tutela dos interesses difusos. Entre as diversas associações de consumidores, a que se destaca é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), órgão de defesa chamado para manifestar-se conjuntamente com a BRASILCON, nas diversas ADIN’s (ADIn 2.591 – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Bancos e ADIn 2.316 – Capitalização dos Juros), do setor financeiro, como animus curiae. Todavia, no que concerne ao controle de cláusulas contratuais não se visualiza em nível extrajudicial sua atuação. O Código de Defesa do Consumidor disponibilizou a Convenção Coletiva de Consumo, como instrumento de controle privado entre fornecedores e consumidores, em seu art. 107, in verbis: Art. 107. As entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e 290 RODRIGUES, Mauro Sergio. Prática de direito processual bancário: na visão do consumidor bancário. Campinas: Millenium, 2007, p.349. 142 características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo. 291 A intenção do legislador, no entendimento do Claudio Belmonte, não seria limitar a autonomia do empresário ou conglomerado, mas reforçar a posição da parte hipossuficiente, fornecendo autonomia para defesa de seus interesses, em igualdade de forças, em uma ‘sindicalização dos interesses privados’, nos moldes dos contratos coletivos de trabalho, seguindo um posicionamento pela não intervenção estatal: [...] entendemos evidente que as associações de prestadores de serviços ou fornecedores de produtos saem beneficiadas das negociações entabuladas com entidades representativas de consumidores ou usuários quando não há qualquer intervenção estatal, muito pelo fato de esses não possuírem significativo ‘poder de barganha’ em face da indispensável necessidade de uso e de consumo de determinados serviços e produtos, diferentemente do que ocorre quando se organizam os sindicatos de trabalhadores ou operários, por exemplo, onde há a faculdade da greve. 292 Havendo a legitimação do conteúdo deste acordo entre os grupos de interesse, evitaria intervenções legislativas e judiciais no trato das condutas contratuais, protegendo a autonomia das partes sem sacrificar toda uma coletividade. Infelizmente em nível contratual bancário – e talvez em qualquer outro nível consumerista –, não existe a aplicação de tal instituto, tornando-se letra morta, pela ausência de boa-fé na sua aplicação, dentro do mercado. Outro instrumento possível de se utilizar seria a arbitragem, atualmente disciplinada pela lei 9.307/96, entretanto os custos para manuseio da câmara arbitral, como sua desconfiança na questão da imparcialidade, impulsionam o consumidor a buscar ações nos Juizados Especiais Cíveis e em Ações Coletivas. 4.1.2 Controle Administrativo O controle do conteúdo contratual em nível administrativo é produzido pelo legislador e por órgãos do poder público. Sobre o poder legislativo, Claudio Belmonte293 entende que este atua nas condições gerais do contrato, possibilitando uma maior liberdade de negociação no estabelecimento de rol de cláusulas não permitidas minimizando assim, via legislação, situações que, face a divergências contratuais, podem se transformar em lide judicial. 291 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 292 BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.58. 293 Id., Ibid., p.59-60. 143 Apresenta o Belmonte uma crítica ao modelo alemão, em que o legislador optou por não utilizar controle administrativo, via autoridades públicas, aumentando substancialmente as normas regulamentadoras dos contratos e elevando por meio da legislação o poder do Judiciário nas resoluções dos casos concretos: [...] referimos o exemplo alemão, em que o legislador regulou o uso das condições gerais dos contratos (por meio de lei editada em 1976) de forma um tanto diversa da por nós defendida, haja vista que voltou as costas à opção de controle por intermédio de autoridades públicas. Entretanto, importa destacarmos que autorizou os juízes a adotarem padrões mais severos no controle dos conteúdos de contratos em que haja condições gerais dos negócios; definiu que essas condições somente serão válidas se pactuadas mediante acordo de vontades das partes contratantes (inclusive determinando a obrigação do predisponente de chamar a atenção do consumidor para essas clausulas); criou catálogos enumerando cláusulas proibidas; respaldou a conservação do contrato, contrariando o § 139 do Código Civil daquele país, como já visto; concedeu legitimidade ativa às associações de defesa de consumidores para ajuizar ação civil (Verbandsklage) em face de condições gerais inaceitáveis, dentre outras inovações. 294 Diferente do país germânico, o controle administrativo que aqui se utiliza ocorre por meio de vários órgãos da administração pública objetivando, via poder de polícia e atuação direta junto aos magistrados, a diminuição do abuso do poder. No âmbito dos contratos bancários existe além do controle legislativo, as atuações do CMN, BACEN, PROCON’s, com prerrogativas de poder de polícia para aplicação de sanção e ainda o Ministério Público. Como apresentado no tópico 3.3. desta pesquisa, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central (BACEN), são responsáveis pela normatização e fiscalização das condutas dos agentes financeiros, no trato com clientes, pela disposição da lei 4.595/64. Tal regulação ampara-se no art. 174 da CF/1998: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.295 Deriva-se assim a necessidade da eficiência estatal no trato com o mercado financeiro para a proteção das condutas, de modo sistêmico e prudencial, para garantia da eficiência, 294 BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.59-60. 295 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 144 segurança e credibilidade. Das competências atribuídas ao BACEN, responsável pela implementação das políticas e normas do CMN, mais especificamente as dispostas no artigo 10, IX da supracitada lei, – “[...] exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; [...]”296, nota-se em sua aplicação prática um distanciamento do controle do conteúdo contratual; vagueza que não corresponde especificamente ao trato das instituições financeiras como os consumidores, mas, e principalmente para assegurar o investidor do sistema financeiro contra possíveis instabilidades do setor. Tal assertiva denotase das competências atribuídas ao CMN e BACEN pelo ordenamento e das justificativas para regulação estatal no setor, discorridas por Charles Goodhart e Otavio Yazbek, apud Tomás Lima de Carvalho: i) O controle das posições de poder no mercado (das situações de monopólio ou de oligopólio, entre outras distorções); ii) o controle e administração das externalidades que podem decorrer das atividades financeiras (risco de contágio e outras). iii) a proteção dos clientes, dada a assimetria informacional característica de sua relação com as instituições por intermédio das quais operam.297 Afirmam os autores que, para proporcionar a eficiência do mercado, se faz necessária a regulação objetiva não somente da poupança, mas na “proteção da poupança popular”, promovendo o desenvolvimento e a competitividade do sistema, zelando pela liquidez, transparência e trato equilibrado entre os participantes do mercado, por uma correta avaliação dos riscos do sistema para coibir fraudes. É o que se verifica ao adentrar no site do BACEN298, condutas a serem tomadas pelos agentes financeiros (Manual de Normas e Instruções (MNI)) no desenvolvimento das atividades bancárias para o investidor, como v.g a Resolução 3.694/2009 que incorporam obrigação de prestação de informações e esclarecimentos aos clientes, como se houvesse a necessidade de legitimação do órgão que regula as condutas para que as instituições atentassem aos princípios da boa-fé e transparência. As Resoluções que tratam do controle no conteúdo contratual pelo consumidor bancário advêm dos inúmeros processos no setor Judiciário sob determinado assunto (v.g. 296 BRASIL. Lei nº 4595, 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4595.htm >. Acesso em: 22 nov. 2012. 297 CARVALHO, Tomás Lima de. A regulação do mercado financeiro e a necessária intervenção estatal na autonomia privada. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, v. 52, p. 45-74, abr./jun. 2011, p.53. 298 BRASIL. Banco Central. Portal do Bacen. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/composicao/ bacen.asp>. Acesso em: 22 nov. 2011. 145 3.516, 3.517 e 3.518/07, que tratam da vedação à cobrança da Tarifa de Liquidação Antecipada, da apresentação do Custo Efetivo Total, e da autorização à cobrança de tarifas de abertura de Crédito), sem um exercício de fiscalização ou de aplicação de penalidades às empresas do setor financeiro; ao contrário, o que se vê é um exercício de legitimação de condutas consideradas abusivas pelo Judiciário, numa afronta à utilização do princípio da boafé, que se espera neste mercado. Pela distância ou “ausência” dos órgãos fiscalizadores - e coercitivos-, em sede de Administração Pública, o poder de polícia, junto às classes menos favorecidas, foi repassado aos PROCON’s. Sobre o poder de polícia, importante o ensinamento de Hely Lopes Meireles, relembrando que: [...] podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. 299 A legislação sempre teve dispositivos e normas que acenavam para a defesa dos consumidores, a exemplo do Código Comercial300, para os passageiros e, no Código Civil de 1916301, para os serviços de empreitada de edifícios. Entre as décadas de 30 a 60 ocorreu pouca movimentação de grupos consumidores, normalmente ocorrendo manifestações pela falta de produtos; neste a legislação mais significativa foi a Lei Delegada nº4/62, que visava a livre distribuição de produtos. A terminologia PROCON302 é originária do Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor criado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1976, sendo popularizado pelos diversos órgãos estaduais do país. No Paraná foi criado pelo decreto 609, de 23 de julho, a 299 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.110. 300 Lei nº 556/1850 - Art. 631. [...] Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto do navio, o passageiro pode tornar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita. Se quiser esperar pelo conserto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada. BRASIL. Código comercial. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 301 Lei nº 3071/1916 - Art. 1.245. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra. BRASIL. Código civil de 1916. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 302 PARANÁ. Secretaria da Justiça, Cidadania e dos Direitos Humanos. Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON). Histórico do Procon-PR. Disponível em: <http://www.procon.pr.gov.br/ modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=533>. Acesso em: 22 nov. 2011. 146 Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon-PR, inserida na estrutura programática da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJU), e o Conselho Estadual de Defesa do Consumidor (Condef). Quanto ao controle do conteúdo contratual, a aplicação das sanções administrativas previstas no capítulo VII do CDC (lei federal), ficam inócuas para os PROCON’s (lei estadual) em vista de serem atributos do BACEN (Órgão da Administração Pública Federal) sua aplicação, como pontificados por Toshio Mukai: [...] as sanções administrativas evidentemente só podem ser aplicadas pela entidade política que as institui, através da respectiva legislação, razão por que as previstas neste artigo (56) da Lei ora comentada são de aplicação tãosomente pela União. Não pode o Estado-Membro ou o Município impor sanções previstas em lei ordinária federal, quando se tratar de punições administrativas, sob pena de ilegalidade, por ausência de tipificação em suas leis próprias.303 Assim, não existe para o setor financeiro, um órgão administrativo ativamente voltado ao controle do conteúdo contratual bancário. Tentativas para munir os PROCON’s de poderes de agências reguladoras encontram-se em andamento, todavia sem uma mudança em seu perfil, continuará aumentando o volume de processos que se avolumam no Judiciário, como ressalva Claudia Lima Marques: A atuação de controle do sistema administrativo no Brasil, em especial dos Procon e do DPDC [sic], é de se louvar, ainda mais agora que tenta a sua reorganização em forma de agência. Ao contrário, as agências até agora criadas não têm exercido um papel firme na proteção do consumidor. Se as agências não provarem seu valor na proteção do consumidor, multiplica-se o trabalho do Judiciário com pequenas questões, de aplicação administrativa de todas as leis em vigor no Brasil, e não só das que privilegiam fornecedores e o mercado específico regulado pela agência.304 Para justificar o comportamento não compromissado pelas instituições financeiras de modo empírico, apresentamos em anexo305 relatório do PROCON-PR sobre o comportamento dos fornecedores nas audiências entre janeiro a setembro de 2011. Deste relatório do PROCON-PR consegue-se retirar algumas conclusões: 303 MUKAI, Toshio. Comentários ao código de proteção do consumidor. Coordenador Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p.211. 304 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p. 1100. 305 Anexo 2 – Relatórios de Audiência PROCON-PR. PARANÁ. Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. PROCON-PR. Comportamento dos fornecedores nas audiências: ranking das empresas com mais de 50 audiências: por índice de não resolução: janeiro a setembro 2011. Disponível em: <http://www.procon. pr.gov.br/arquivos/File/Aud_JAN_SET_2011__1.pdf>. Acesso em: 27 out. 2011. 147 a) Dos 22 (vinte e dois) grupos econômicos/empresas do relatório, 10 (dez) são do setor financeiro, ou possuem empresas que atuam no setor bancário; b) Do grupo que pertence ao setor bancário, a média de resolução dos conflitos em audiências é de 23% (vinte e três por cento); c) Ou seja, 77% (setenta e sete por cento) das questões não tiveram solução efetiva em audiência, seja por não ter condições de ser resolvido administrativamente ou por nova audiência ou solicitação de prazo para resolução; d) Das empresas que não pertencem ao setor financeiro, mas que possuem agências reguladoras, a média das resoluções chega a 47% (quarenta e sete por cento); Desta maneira, inexiste pelas instituições financeiras a busca por uma solução extrajudicial das questões bancárias, ficando o controle destas cláusulas sem eficácia pela ausência de boa-fé na resolução dos conflitos pela via administrativa. O Ministério Público apesar de não poder exercer o poder de polícia e aplicar sanções como os anteriores, concentra atuação, atualmente, das mais importantes no contexto do controle administrativo do conteúdo contratual, a ponto de ter sido vetado o dispositivo do CDC que tratava desse assunto, in verbis: Art. 51. [...] § 3º - O Ministério Público, mediante inquérito civil, pode efetuar o controle administrativo abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais, cuja decisão terá caráter geral. 306 Claudia Lima Marques comenta307 que o projeto original do CDC continha normas (art. 51, § 3º., e art. 54, §5º.) que previam a criação de um controle administrativo sobre as cláusulas elaboradas unilateralmente, sendo tal controle exercido pelo Ministério Público a pedido dos consumidores ou de alguma entidade que os representasse, cuja decisão teria caráter geral. Todavia, foi vetado pelo Presidente da República, de modo que somente pela via judicial poderia ser exercido tal controle. Lamentável tal posicionamento do Executivo Nacional. Em Portugal, tal remédio é utilizado por meio da Acção Inibitória (art. 25º e seguintes da LCCG), que proíbe judicialmente a utilização de certas cláusulas, independente de sua utilização pelo mercado financeiro conforme anota Menezes Cordeiro: 306 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.1100. 307 Id., Ibid., p. 1100. 148 O Ministério Público tem sido, na prática, o grande motor das acções inibitórias já intentadas. Registam-se, ainda, acções intentadas pela DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor. A Lei admite a proibição provisória – artigo 31º - para enfrentar situações que requeiram uma rápida composição. São ainda regulados os aspectos atinentes à legitimidade passiva, ao tribunal competente, à forma de processo e isenções e à parte decisória da sentença – artigos 27º a 30º. Segundo o n. 2 deste preceito, a pedido do Autor, o vencido pode ser condenado a dar publicidade à proibição pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine. 308 Apesar disso, nosso parquet continua legitimado para exercer o controle administrativo via ação de controle abstrato309 das cláusulas abusivas, segundo o § 4º.do art. 51 e por inquérito civil, como faculta o art. 90 do Codex Consumerista; outrossim além do âmbito jurisdicional na propositura das ações civis públicas ou coletivas, possui ainda o inquérito civil como um termo de ajustamento de condutas em nível administrativo, ensina Marcos Lyra: Embora a finalidade principal do inquérito civil seja a obtenção de dados ou informações para instrução de futura ação civil pública ou coletiva, nada impede que no curso de sua tramitação venha a se obter um compromisso de ajustamento [...] para adequar sua conduta às exigências legais, o que em termos de controle de cláusulas abusivas poderia significar a alteração ou mesmo a supressão de clausulas sob pena de multa.310 Por meio do inquérito civil, o MP pode promover uma ação coletiva, que pode ser muito eficaz para o controle do conteúdo contratual. Como exemplo, ocorreu em julho/2007 pelo Ministério Público Federal a instauração do Inquérito Civil Público n. 1.16.000.001444/2007-21311, para apurar a cobrança indevida de tarifas por serviços e produtos bancários; no relatório o Ministério Público Federal apresentou várias condutas abusivas no trato dos contratos bancários, bem como histórico do aumento das tarifas nas diversas instituições financeiras e seu reflexo nas receitas destas instituições. Ato contínuo, em dezembro/2007 foram editadas as Resoluções 3.516, 3.517 e 3.518/07, já informadas 308 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Manual de direito bancário. 3. ed. aum. e rev. Coimbra: Almedina, 2008, p.402. 309 O controle pode se dar de forma concreta (quando da apreciação de determinado contrato) ou abstrata (nas hipoteses de poder obstar a posterior utilização de clausulas julgadas inválidas, ou de exame prévio de condições gerais que ainda não foram utilizadas). BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.60. 310 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.103-104. 311 CARDOSO NETO, Lauro Pinto; SACCO, Pedro Nicolao Moura; NUNES, Valquíria Oliveira Quixadá. Tarifas bancárias: recomendação do Ministério Publico Federal. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 16, n. 64, p. 337-349, out./dez. 2007, p.337-348. 149 anteriormente. Em 16/12/2009, tal procedimento foi arquivado nos seguintes termos da ata, da qual se anota: 9) Procedimento Administrativo: 1.16.000.001444/2007-21 – PR/DF – Interessado: MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL – Relator: AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS – Ementa: 1. Consumidor. Cobrança indevida de tarifas de serviços e produtos bancários. Possível omissão do CMN. 2. No curso da instrução, foram editadas novas regras pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a exemplo das Resoluções nº 3.516, nº 3.517, nº 3.518 e das Circulares Bacen nº 3.371 e nº 3.466, esta de 11.09.2009, das taxas e permite ao consumidor-bancário a efetiva comparação dos valores, o que antes não era possível. 4. Questões pendentes sob investigação nos autos do Inquérito Civil Público nº 1.29.000.001564/2006-90. 5. Perda do objeto. 6. Voto pelo ARQUIVAMENTO do presente procedimento administrativo. Decisão: A Câmara deliberou, à unanimidade, pela HOMOLOGAÇÃO do arquivamento, nos termos do voto do relator. 312 (grifo do autor) A intenção do Ministério Público Federal foi salutar, entretanto o Conselho Monetário Nacional, com a edição dessas Resoluções, ao contrário de aplicar prerrogativas do poder de polícia, contrariando lei federal (CDC), efetivou condutas contratuais que foram – e são –, consideradas abusivas pelo Judiciário, contrapondo-se aos consumidores bancários. Visualizase no inquérito aberto o aumento extraordinário da arrecadação de tarifas no setor bancário no período de 1994 – 2005, o que prova a ingerência dos órgãos (CMN e BACEN), que deveriam fiscalizar e sancionar as condutas do agentes financeiros no país, junto ao seu mercado. Não se visualizou no procedimento um termo de ajustamento de condutas nos contratos, somente uma adequação às Resoluções pontificadas anteriormente pelas instituições financeiras. Entretanto, independente das Resoluções (que não impedem as cobranças abusivas), ações coletivas podem ser propostas pelos consumidores a exemplo da Ação Civil Pública – 1438/2009 – da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (PR), contra vários bancos, cuja liminar foi favorável aos consumidores, em razão da continuidade das cobranças de tarifas por parte das instituições financeiras. Na liminar, mais uma demonstração de que as condutas tomadas pelas instituições é desobedecer (em vista da ausência de sanção pelos órgãos competentes), levando o controle para o nível judicial: De fato, existem elementos de convicção suficientes para evidenciar que, a despeito de vedação do Banco Central por Resolução, os Requeridos vêm 312 Anexo 3 – Ata do Julgamento do Inquérito Civil 1.16.000.001444/2007-21. BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da República. 3ª Câmara de Revisão e Revisão. Consumidor e ordem econômica. Ata da 7ª Sessão Ordinária da Câmara/2009. do Julgamento do Inquérito Civil. Relator Aurelio Virgílio Veiga Rios. Brasília: MPF, 2009. Disponível em: <ccr3.pgr.mpf.gov.br/revisao/atas/Atas.../atas...%20 julgamento.../file>. Acesso em: 28 jan. 2010. 150 sistematicamente cobrando tarifas que variam, como visto na inicial, de R$ 250,00 a R$ 800,00. Tais valores vêm, de regra, sob a rubrica Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), também Tarifa de Operações Ativas (TOA) ou Serviços Corresp. Não Bancário. O autor PROCON demonstrou documentalmente que estas cobranças têm se verificado de forma sistemática e, mesmo instadas, as instituições financeiras recusam-se a suprimi-las (nos casos concretos, a devolver aquelas cobradas dos consumidores), ao argumento de que, desde que foram contratadas são legitimas. Porem, não pode ser acolhido este argumento; [...].313 (grifo nosso) Concessa venia, apesar dos esforços de agentes administrativos na tentativa de controlar o conteúdo contratual no sistema financeiro, este não é suficiente, frente à ausência da boa-fé das instituições, haja vista que a conduta continuada de cobrar praticando abusividades, sob uma atuação de verdadeiro peleguismo por parte do CMN e BACEN, apesar dos constantes julgados adversos às Instituições, advém da certeza de que o volume de ações que adentram no Judiciário, é irrisoriamente ínfimo perante o volume de contratos fechados, compensando financeiramente continuar cometendo o ilícito, situação totalmente reprovável pelo desrespeito ao consumidor brasileiro (Lei 8078/90) e contrário ao princípio da boa-fé implícito em nossa Constituição Federal (arts. 1º,III; 3º, I, 170,IV e 173, §4), supremos em um Estado Democrático (e justo) de Direito. 4.1.3 Controle Judiciário Como anotado no transcorrer deste tópico, a Pesquisa não procurou aprofundar em questões e temas sobre a revisão contratual dos contratos bancários; ao contrário, buscou-se apresentar controle judicial dos contratos sob ponto de vista da utilização do princípio da boafé pelos participantes do setor bancário. Neste quesito – o controle via aplicação da boa-fé contratual-, o Judiciário trabalha na busca do equilíbrio da relação entre os participantes do negócio jurídico, atendendo ao fim social preconizado na CF e frisado pelo Ministro Barros Monteiro no Superior Tribunal de Justiça: Os princípios fundamentais que regem os contratos deslocaram seu eixo do dogma da autonomia e do seu corolário da obrigatoriedade, para considerar que a eficácia dos contratos decorre da lei, a qual sanciona porque são úteis, com a condição de serem justos. O art. 53 do CDC veio apenas expressar um enunciado que já estava presente no ordenamento e era aplicado sempre que necessário para restabelecer o equilíbrio entre as partes, afastar a vigência de 313 Anexo 4 – Liminar proferida em ação civil pública no TJPR. PARANÁ. Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. PROCON. Liminar proferida em ação civil pública no TJPR. Disponível em: <http://www.procon.pr.gov.br/arquivos/File/acao_publica_tac_liminar_bancos.pdf>. Acesso em: 16 out. 2009. 151 cláusulas resultantes do arbítrio e de uma, impor o respeito ao princípio da boa-fé e fazer cumprir a solidariedade social. 314 O CDC no artigo 51, deixa claro o caráter danoso das cláusulas abusivas dentro de nosso ordenamento jurídico quando escolheu como sanção a nulidade absoluta, inferindo um controle direto pelo Judiciário no âmbito contratual sobre as condutas dos agentes, buscando a equidade contratual, ensina Claudia Lima Marques: Uma vez que a nulidade absoluta deverá ser decretada ex officio pelo Poder Judiciário, cria o CDC, na prática, um novo controle incidente do conteúdo e da equidade de todos os contratos de consumo submetidos à apreciação do Judiciário brasileiro. Um controle direto também é possível segundo os arts. 80 e 83, através de uma ação de nulidade de cláusula. O CDC institui, portanto, um duplo controle judicial, tanto formal quanto do conteúdo dos contratos de consumo. O juiz examinará, inicialmente, a manifestação de vontade do consumidor, verificando se foi respeitado o seu novo direito de informação sobre o conteúdo das obrigações que está assumindo (arts. 46 e 54), sob pena de declarar o contrato ou a cláusula não destacada como não existente; [...].315 A autora leciona que advieram do direito alemão316 significativos avanços no trato do controle do conteúdo contratual a partir da obra do professor Michael Becker, denominada O contrato injusto (Der unfaire Vertrag) onde preceitua necessidade de seu controle como um todo. Entre os elementos (ou critérios) a serem considerados pelo magistrado elencados pelo professor alemão, são: 1. O momento e o contexto circunstancial da conclusão do contrato; 2. A situação pessoal do parceiro contratual; 3. Situações financeiras e de patrimônio; 4. Situação de formação e de capacidade intelectual dos parceiros; 5. Efeitos para terceiros; 6. Violação de direitos humanos, fundamentais ou das liberdades comunitárias/européias; 7. Forma da contratação/relação; 8. Sinalagma ou relação entre prestação e contraprestação; 9. Tipicidade contratual e modelos atípicos; 314 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº 45.666-5 SP. Relator ministro Barros Monteiro. Diário da Justiça, Brasília, p. 346, 12 dez. 1994. 315 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.1101. 316 Id., Ibid., p. 1101-1105. 152 10. Desequilíbrio da paridade contratual; 11. Natureza da relação, além de critérios propostos por outros tribunais, como a análise econômica do direito, a situação concorrencial dos parceiros, a relação trabalhista e familiar. Tais elementos representam a concretização dos anseios existentes na cláusula geral da boa-fé do §307 do BGB-Reformado317, sobre o “controle do conteúdo” nos contratos de adesão e contratos feitos por via de condições gerais. Becker analisa o controle do conteúdo no momento conclusivo do contrato, a partir do exame do princípio geral da boa-fé (§242 c/c 307 BGB-Reformado) e da proteção e da confiança e dos bons costumes. Dos quesitos trabalhados insta salientar as constatações sobre o poder de uma das partes na relação negocial, portanto da vulnerabilidade da contraparte e da situação pessoal do parceiro comercial; esta situação se agrava pelo tempo da relação, a exemplo dos contratos cativos de longa duração, anota Claudia Lima Marques: De outro lado, sua catividade no contexto e no tempo (na minha expressão, ‘contratos cativos de longa duração’, nos quais, quanto mais tempo passa e quanto maior o número de relações conexas com o mesmo grupo fornecedor, mais presa, submissa ou cativa está a pessoa do consumidor, que aceitará qualquer modificação ou aumento de preço para continuar no seu plano de saúde, seu plano de previdência, ou com o seu crédito, grupo bancário e cartão de crédito, leasing, consorcio, etc), sua dependência nas circunstâncias (posição monopolista ou privilegiada do outro parceiro), sua necessidade de consumir [...] considerando este momento e este contexto da conclusão do contrato, cláusulas que não seriam abusivas em geral, podem – sob a consideração destas circunstâncias específicas do caso ser abusivas e nulas nestas relações de consumo. 318 Da situação pessoal do parceiro comercial, dimensiona Becker apud Marques, existe a necessidade de cooperação antes, durante e pós o encerramento do vínculo contratual entre os contratantes, sendo considerada abusiva a quebra do sentido de cooperar: Em um primeiro momento, pode parecer supreendente esta observação extremamente subjetiva do direito alemão ou, mesmo, coincidente com o primeiro critério antes mencionado, mas não o é. Trata-se de uma conseqüência do grau de eficácia do princípio da boa-fé objetiva no sistema alemão, que visualiza hoje os contratos como momentos de cooperação e lealdade entre parceiros – sendo assim, é abusiva a clausula que quebra este sentido de cooperação, ou, como afirma Becker: ‘Contratos não devem ser 317 Segundo o professor Becker, este artigo não podia concorrer com o 242 do BGB, ocorrendo a mudança na reforma do BGB entre 2000-2002, na Alemanha. 318 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.1103-1104. 153 usados de forma a embasar o domínio de um parceiro sobre o outro ou para fundamentar o exercício desta dominância’.319 Como no setor financeiro, é notória a ausência de cooperação, normalmente da parte credora da relação (uma vez que não cooperar é lucrativo), cuja tendência é a de repassar ao Judiciário a análise do caso concreto. Afora as questões sobre cláusulas contratuais dispostas no tópico 3.5.2 do trabalho, outras questões intensificam o volume de processos dos bancos no ambiente forense por indefinição das cortes superiores (v.g. a ADIn 2316 sobre a capitalização do juros bancários proposta pelo Partido da República 20/09/2000, até o momento pendente de solução) ou a abusividade da cobrança de juros remuneratórios sobre as várias espécies de contratos impostos aos clientes, conforme atesta planilha confeccionada pelo Dr. Leonardo Araujo Marques320, em artigo publicado na Revista da EMERJ: Figura 3 – Relação de processo onde ocorreram correção da taxa remuneratória pelo STJ Fonte: Marques, L. (2011, p. 176). O controle judicial, em razão das Resoluções do BACEN que autorizam as instituições a pactuar livremente a taxa de juros com os clientes, somente se efetiva em nível individual do contrato, não possibilitando repasse deste ajuste à coletividade que se utilizou do mesmo contrato, justificando a continuidade das condutas abusivas que aumentam vertiginosamente o lucro das instituições. 319 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.1104. 320 MARQUES, Leonardo Araujo. Contratos bancários: polêmicas e ilegalidades. Revista da EMERJ, v. 14, n. 53, p. 152-178, 2011, p.176. 154 Segundo Relatório321 do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), lotado junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de março de 2011, as instituições financeiras representam 38% (trinta e oito por cento) do total de processos que tramitam no país, que juntamente com o Estado representam 76% (setenta e seis por cento), de todos os processos existentes no Judiciário, conforme demonstram as figuras a seguir: Figura 4 – Listagem dos cinco maiores setores por percentual de processos Fonte: BRASIL. CNJ (mar. 2011, p. 14). Figura 5 – Gráfico de percentual de processos e quantitativo dos polos passivo e ativo Fonte: BRASIL. CNJ (mar. 2011, p. 15). Na Justiça Federal, apesar de representar 19% (dezenove por cento) do volume de processos, retirando-se as pendências com Setor Publico, representa 4 (quatro) vezes mais processos que outros setores, conflitantes nesta jurisdição. 321 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ). Pesquisa dos 100 maiores litigantes. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, mar. 2011. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_ litigantes.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2011. 155 Figura 6 – Listagem dos cinco maiores setores por percentual de processos – Justiça Federal Fonte: BRASIL. CNJ (mar. 2011, p. 18). Na Justiça Estadual, jurisdição em que as instituições financeiras mais atuam, representam mais da metade dos processos existentes nos fóruns do país. Pode-se visualizar também que a atuação do Banco como credor (pólo ativo no processo) é percentualmente maior que como passivo (52% > 48%), o que demonstra um aspecto cultural do consumidor brasileiro de não buscar seus direitos no ambiente forense, bem como de honrar os compromissos assumidos pela assinatura do contrato quando este está “aparentemente legal”, constituindo uma barreira ao acesso na justiça, como denota Marcos Lyra: As barreiras psicológicas constituem um fator de restrição do acesso à Justiça. São frutos da desconfiança das pessoas não habituadas a litigar em relação aos operadores do direito e do constrangimento que representa o ambiente formal do fórum. Estes aspectos (operadores do direito e ambiente do fórum) têm significado simbólico opressor que desestimula muitas vezes a defesa de direitos. [...] O princípio clássico do pacta sunt servanda tem, junto às pessoas, um caráter moral bastante arraigado, o que torna difícil a admissão por parte delas sobre a possibilidade de deixar de realizar um compromisso assumido em instrumento contratual (‘preto no branco’), principalmente quando este tem aparência de legalidade. 322 Esta situação favorece sobremaneira a cultura bancária de continuar cobrando valores não pactuados, ou pactuados de modo abusivo no contexto contratual, afrontando não somente a boa-fé, mas transparência, probidade e lisura no trato comercial. A título comparativo, outro setor que sofre a influência de agência reguladora, caso das empresas de telefonia (que representa um percentual de clientes tão grande quanto o que existe no sistema 322 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.24-25. 156 financeiro), representam menos de 10% (dez por cento) do volume de processos em tramitação na justiça. Figura 7 – Listagem dos cinco maiores setores por percentual de processos – Justiça Estadual Fonte: BRASIL. CNJ (mar. 2011, p. 23). Da análise destes relatórios advém o questionamento mencionado por Claudio Belmonte323: há dúvidas de que estes julgamentos, ou os efeitos das sentenças sobre o conteúdo contratual, pudessem ser extensivos a todos os predisponentes que se utilizaram destes contratos, em forma de uma “efetiva proteção difusa dos interesses contratuais dos aderentes”. A lei 11.672 de 08.05.2008, introduziu no Código de Processo Civil, o artigo 543C que trata dos recursos repetitivos nas questões de direitos. Constatando a ocorrência de diversos recursos sobre um mesmo assunto, o artigo orienta o procedimento a ser adotado pelo tribunal: Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. [...].324 O STJ, na 2ª Seção, por via do REsp 1.061.530-RS, cuja relatora foi a Ministra Nancy Andrighi, em julgamento de 22.10.2008, publicado no DJe em 10.03.2009, adotou várias 323 BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.60-61. 324 BRASIL. Lei nº 11.672, de 8 de maio de 2008. Acresce o art. 543-C à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11672.htm>. Acesso em: 12 no. 2012. 157 orientações sobre Direito Bancário, utizando-se da lei dos Recursos Repetitivos como forma de controle do conteúdo contratual em nível judicial. A crítica se faz a Orientação nº 5 onde veda “[...] aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários.”325 Dela se originou a Súmula 381 do STJ, ao anotar que “[...] nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer de ofício, da abusividade das cláusulas”. Este tipo de controle abriu precedente por diferenciar os contratos bancários dos demais contratos regulados pelo artigo 51 do CDC, em via diversa ao entendimento do STF, na decisão da ADIn 2591 que declarou a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários; desta maneira foi diminuindo a autonomia dos magistrados, no expurgo das abusividades constantes no corpo contratual e, cumulativamente, incentivou a permanência do status quo vigente, qual seja, o continuísmo do abuso do direito nos contratos, razão que somente o que foi solicitado em juízo pelo autor da ação poderá ser revisto, sendo vedado ao julgador equilibrar o contrato nos termos do Código Consumerista. Em suma, não se visualiza, em nível legislativo ou administrativo, a adoção do “norte” fornecido pelo Judiciário para as diversas orientações ali colocadas, visando ao bem de toda coletividade; sendo assim, somente irá se beneficiar deste controle os consumidores prejudicados que buscarem o Judiciário, para coibir abusos na relação contratual. 4.2 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL Thierry Bourgoingnie, utilizado nas ponderações de Claudio Belmonte326, em um exercício de argumentação, pontifica que em uma situação de mercado perfeito, em que a informação dos produtos fosse disponível de modo equitativo a todos os participantes (fornecedores, mercado concorrente e consumidores), todos os consumidores pagariam um mesmo preço por um produto, com o mesmo nível de qualidade. Advém deste exercício, as ponderações de Belmonte, ao passo que inexiste pelos consumidores este “acesso equitativo”, que possibilitaria uma vantagem econômica na obtenção dos produtos e serviços existentes no mercado. No mesmo ínterim, o não cumprimento dos deveres de uma informação correta pelos fornecedores poderia ocasionar o direito à responsabilidade civil, com aplicação da 325 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda turma. Recurso especial nº 1.061.530-RS. Relator ministro Nancy Andrighi Julgado em 22 out. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 10 mar. 2009. 326 BOURGOIGNIE, Thierry. Elementos para uma teoria del derecho de consumo, p.52 apud BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.123. 158 redução dos efeitos deste contrato na relação contratual, nos termos do ordenamento legal que coíbe este tipo de conduta. Entende o pesquisador da PUC/RS que: [...] toda vez que o fornecedor violar a regra de conduta que lhe é imposta (primeira função da boa-fé), haverá a caracterização de invalidade da respectiva parte contratual, o que, uma vez cumpridos os requisitos genéricos da redução, possibilita que o contrato seja quantitativamente reduzido em seus efeitos, especificamente na parte inválida, sempre que se entenda que tal ato acompanha os ditames da boa-fé (segunda função), ainda que o fornecedor alegue que, sem a parte viciada, não teria efetuado o negócio. 327 Sobre a materialização da responsabilidade no âmbito dos contratos bancários, necessário se faz, como leciona Bonfanti e Caio Mario da Silva Pereira, apud Casado328, uma análise sobre o aspecto triológico que configura a conduta lesiva ao consumidor desse tipo de serviço, qual seja: a) A ofensa a uma norma preexistente por via de erro de conduta; b) Um dano ou prejuízo; c) A relação causal entre culpa e prejuízo. Observando o modus operanti que as instituições financeiras impõem ao mercado consumidor no fornecimento de crédito sem parâmetro, cumulado a condutas que indubitavelmente encaminham o consumidor para uma situação de endividamento, mostra-se plausível a conclusão de Casado, na análise do aspecto da caracterização da responsabilidade bancária: Assim, voltando-se à trilogia necessária para a caracterização da responsabilidade dos bancos na concessão inadequada do crédito, veja-se que no momento em que o crédito é a) concedido de forma desmedida sem atenção aos principios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de risco, o banco viola direitos das empresas infrigindo normas preexistentes (art. 159, CC de 1916 c/c MBI-Bacen 16.7.2.2.b); b) devido a esta atitude temerária na concessão do crédito, violadora dos dispositivos citados, c) as empresas têm sofrido brutais danos, quais sejam gigantescos endividamentos (normalmente frutos de práticas ilegais), abalo no relacionamento com os seus fornecedores devido às práticas abusivas dos bancos na cobrança de seus supostos créditos (protesto de título, inscrição em cadastros de natureza restritiva...) e até mesmo a quebra das empresas com reflexos importantes na esfera jurídica de terceiros (desemprego, por exemplo). 329 327 BOURGOIGNIE, Thierry. Elementos para uma teoria del derecho de consumo, p.52 apud BELMONTE, Claudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil em Portugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.142-143. 328 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.323-324. 329 Id., Ibid., p.325. 159 Da dificuldade de mensurar o grau de culpabilidade das instituições nas condutas que contribuem para uma situação de endividamento e falência dos consumidores, advém a crítica de reprovação ao poder das instituições, na visão de Nelson Abraão : Evidente, por outro lado, que se torna deveras difícil a simples apuração da responsabilidade e do grau de culpabilidade do banco na realização de alguma operação, mas é induvidoso que, se descumpriu ordens internas ou contrariou a legislação, concedendo empréstimos para empresas em estado de crise, procedendo a abertura de conta sem qualquer lastro, conferindo cheque especial a cliente inadimplente, tudo deve ser apreciado sob a ótica do poder, cujo exercício foi reprochável [sic]. 330 No trabalho de limitação e manutenção das condutas intencionalmente constituídas para resguardar a probidade e boa-fé nos contratos, o axioma da boa-fé não se abstém de criar deveres na responsabilização das condutas, mas coíbe o exercício de direitos, como sua aplicação em situações clássicas da Teoria dos Atos Próprios, exemplificada por MartinsCosta ou em novas intervenções jurisprudenciais sob égide do axioma, como o adimplemento substancial e o dever de mitigar as próprias perdas: [...] a boa-fé enseja a aplicação da Teoria dos Atos Próprios, pela invocação da regra que veda venire contra factum proprium; quando coíbe a abusiva invocação da exceção do contrato não cumprido ou da exceptio non rite adimpleti contractus; quando afasta o exercício do poder formativo extintivo de resolução, em face do adimplemento substancial da obrigação; quando veda a exigibilidade, por adimplemento antecipado da obrigação; ou, ainda, quando impede a exigibilidade de um direito se o titular permaneceu inerte por longo tempo, de forma a criar na contraparte a legítima expectativa de que o mesmo não mais seria exercido (supressio), tal como ora versado no art. 330 do Código, e o seu contrário, a surrectio; ou vedando a contraditoriedade da conduta contratual, hipótese designada pela expressão tu quoque, ou ainda carreando à antiga fattiespecie do abuso de direito uma conotação objetiva, assim como procede, agora, o art. 187 do Código Civil.331 A boa-fé atua juntamente como limitadora do abuso de direito nos termos do artigo 187 do Código Civil. Assim apresentar-se-á de modo suscinto os instrumentos de interpretação contratual mais utilizados pela doutrina quando do estrapolamento dos limites impostos pela nova ordem contratual, limitadora das condutas dos agentes, sob o amparo técnico do princípio da boa-fé. 330 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009, p.314. 331 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil: do direito das obrigações: arts. 304 a 388: do direito das obrigações: do adimplemento e da extinção das obrigações: do adimplemento e da extinção das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5, tomo 1, p.41-42. 160 4.2.1 Responsabilidade Pré, Contratual e Pós Contratual A efetivação de um contrato, normalmente advém de uma fase de negociações, em que se discute o negócio e busca-se o equilíbrio para efetivação da negociação. Caso as partes cheguem a um consenso, o contrato se perfaz; in contrario sensu este não se efetivará. Estas são relações jurídicas pré-contratuais. Trata-se, na análise de Regis Fichter Pereira332, de uma relação jurídica que os contratantes possuem entre si, deveres qualificados, que decorrem diretamente da legislação e são subprodutos da cláusula geral de boa-fé; neste contexto, entendida como boa-fé objetiva, oriunda da conduta nas tratativas contratuais. Nestas tratativas, pode ocorrer que uma das partes se comporte de modo desleal, fazendo com que, na busca de uma vantagem sobre a contraparte, opte por prejudicá-la. Desta violação resulta a responsabilidade pré-contratual de ressarcimento dos danos ocasionados, nos termos dos ensinamentos de Enzo Roppo: Em hipóteses deste gênero, a parte lesada pode obter o ressarcimento dos danos sofridos por culpa do parceiro desleal. De facto, este violou uma obrigação precisa imposta pela lei, já que o art. 1337º cor. civ. Estabelece que “as partes, no decurso das negociações e na formação do contrato, devem comportar-se segundo a boa-fé” (isto é, de modo razoável honesto, leal, correto). Da violação desta obrigação e dos danos daí derivados para a contraparte resulta responsabilidade (chamada responsabilidade précontratual).333 (grifo do autor) Continua ensinando Roppo que hipóteses de Responsabilidade Pré-Contratual também ocorrem pela falta de transparência nas tratativas, e face de coação da parte contratante; situação em que uma parte impede a outra de ter conhecimento de circunstâncias importantes para efetivação equilibrada do contrato (ocultando ou falseando a realidade) ou, na hipótese, por meio de ameaças, force a contraparte a aceitar um contrato que não era para ser concluído. Diverso da culpa in contrahendo, que trata da responsabilidade civil précontratual pela criação de expectativa mas não seu cumprimento, esta se delimita na da ausência de deveres oriundos da boa-fé como citado por Roppo na concretização do contrato, passível de revisão contratual cumulada, à indenização, como esclarece Ruy Rosado de Aguiar Junior: 332 PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual: teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.276. 333 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomer. Coimbra: Almedina, 1988, p.106-107. 161 Antes do contrato, podem surgir vinculações derivadas de um simples ‘contato social’ [...] Durante as tratativas preliminares, o princípio da boa-fé é fonte de deveres de esclarecimento, situação que surge seguidamente quando uma das partes dispõe de superioridade de informações ou de conhecimentos técnicos, que devem ser repassados amplamente e de forma compreensível à contraparte, para que esta possa decidir-se como suficiente conhecimento de causa. A falta de esclarecimentos, que não tenha a gravidade para deslocar a questão para o âmbito da invalidade, por vicio de vontade, pode ensejar a aplicação do princípio da boa-fé, seja para a resolução da relação depois constituída, seja para a exclusão de cláusulas ou reconhecimento de deveres.[...] A violação a esse dever secundário pode ensejar indenização, por existir uma relação obrigacional, independente de contrato e fundada na boa-fé.334 (grifo nosso) No Brasil, o Código Civil de 2002 recepcionou de modo indireto pelo artigo 422 a responsabilidade dos agentes pelas tratativas pré-contratuais, quando estabeleceu que “[...] os contratantes são obrigados a guardar, na conclusão do contrato, bem como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A falta de clareza legislativa deu azo à crítica de Antonio Junqueira de Azevedo, antes da implementação do código em 2002, pela limitação do seu campo de incidência onde aduz: Sempre digo que o contrato é um processo em que há começo, meio e fim. Temos fases contratuais - fase pré-contratual, contratual propriamente dita e pós-contratual. Uma das possíveis aplicações da boa-fé é aquela que se faz na fase pré-contratual; nessa fase, temos as negociações preliminares, as tratativas. É um campo propício para a regra do comportamento da boa-fé, eis que, aí, ainda não há contrato e, apesar disso, já são exigidos aqueles deveres específicos que uma pessoa precisa ter como correção de comportamento em relação a outra.335 Em 2002, ocorreu sugestão para alteração legislativa proposta no projeto de lei n º 6.960/02, pelo deputado Ricardo Fiúza, com a seguinte redação: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar; assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase póscontratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade. 336 Entretanto, a proposta foi rejeitada e arquivada, mantendo-se a mesma escrita quando 334 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: resolução. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.244-245. 335 AZEVEDO, Antonio Junqueira. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de código civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 1, n. 1, p. 3-12, jan./mar. 2000, p.04-05. 336 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 6.960/02. Disponível em: <www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=56549>. Acesso em: 10 set.2011. 162 da sua promulgação. Nesse mesmo ano, na I Jornada de Direito Civil337, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de Setembro de 2002, foi aprovado o Enunciado nº 25 em que se admitiu a interpretação extensiva na responsabilidade pré-contratual: “25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós contratual.” Pacificando o entendimento que esta responsabilidade é independente da celebração do contrato; com ou sem contrato, aquele que lesou a contraparte por violar deveres de conduta, fica obrigado a indenizar. A aplicação deste princípio no contexto das tratativas nos contratos bancários se fez presente na V Jornada de Direito Civil, realizada entre os dias 08 e 10 de novembro de 2011 em Brasilia/DF, pelo Enunciado 432, em que foi deferido, a abusividade por violação ao principio da boa-fé, das cláusulas contratuais que repassam custos administrativos aos clientes, in verbis: 432 – Art. 422: em contrato de financiamento bancário, são abusivas cláusulas contratuais de repasse de custos administrativos (como análise do crédito, abertura de cadastro, emissão de fichas de compensação, etc), seja por estarem intrinsecamente vinculados ao exercício da atividade econômica, seja por violarem o princípio da boa-fé objetiva.338 O reconhecimento da responsabilidade pré-contratual demonstra a preocupação da doutrina e jurisprudência em resguardar confiança e expectativas que as partes colocam nas negociações, não somente no contexto da eficiência do negócio, mas garantindo uma futura concretização. Este cuidado com as negociações pré-contratuais, além de evitar os ônus impostos pela responsabilidade aos fornecedores e propiciar uma melhor escolha para os consumidores, aumenta a responsabilidade das partes para a fiel conclusão do contrato assinado. A Responsabilidade Contratual encontra-se tanto na conclusão como na execução, respaldada pelos ditames da probidade e boa-fé expressos no artigo 422 do Códex Civil, não sofrendo objeções pela doutrina ou jurisprudência. Nesta fase, logo após a formação do liame contratual, há necessidade de proteger o contrato, de modo que as partes o executem como avençado, agindo com responsabilidade e lealdade, de forma honesta sem obstruir que a contraparte execute as obrigações que lhe forem impostas pelo vinculo contratual, enfim que sejam solidários. Solidariedade no contexto dos contratos, anota Eliseu Jusefovicz 337 BRASIL. Conselho de Justiça Federal. Enunciados. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 1., 2001. Disponível em: <www.jf.jus.br/cjf/cef-publ/jornadas-de-direito-civil-enunciadosaprovados>. Acesso em: 14 dez. 2011. 338 Id. Conselho de Justiça Federal. Enunciados. JORNADA DE DIREITO CIVIL, 5., 2005. Disponível em: <www.jf.jus.br/cjf/cef-publ/jornadas-de-direito-civil-enunciadosaprovados>. Acesso em: 02 jan. 2012. 163 parafraseando Carlyle Popp, é sair, abandonar a concepção individualista do contrato na busca de um patamar mais elevado, atingindo a função social definida no corpo constitucional; conclui-se que não ser solidário durante todo período de relação contratual é violar a dignidade da pessoa humana: [...] a solidariedade constitucional pode ser vista como ‘conteúdo do principio da boa-fé e externação da idéia de dignidade da pessoa humana’. Essa determinação constitucional impõe o abandono da concepção individualista e egoísta do contrato. Compreende-se que desde a précontratação à pós-execução, a relação negocial deve desenvolver-se com cooperação e lealdade entre as partes. Assim, ‘um exemplo em que pode haver clara violação da solidariedade no âmbito das relações pré-negociais situa-se quando uma das partes toma uma medida egoísta, buscando tirar o máximo de vantagens para si, não se preocupando com o equilíbrio da relação, nem tampouco com a parte contrária’.339 (grifo do autor). Dentre os contratos bancários nesta nova realidade massificada, os de longa duração é fenômeno que se observa em nossa economia. São contratos que se utilizam métodos em massa, criando relações jurídicas complexas de longa duração. Suas principais características, como define Claudia Lima Marques, “catividade” e “dependência” dos clientes, sobressai; dependência via prestação de serviços assegurando “crédito, status, saúde, futuro”; a catividade dos clientes ocorre por meio de maciça publicidade, induzindo-os ao consumo de bens e serviços. Exemplifica os setores que se utilizam deste tipo contratual nas relações banco-cliente: Os exemplos principais destes contratos cativos de longa duração são as novas relações banco-cliente, os contratos de seguro-saúde e de assistência médico-hospitalar, os contratos de previdência privada, os contratos de uso de cartão de crédito, os seguros em geral, os serviços de organização e aproximação de interessados (como os exercidos pelas empresas de consórcios e imobiliárias), os serviços de transmissão de informações e lazer por cabo, telefone, televisão, computadores, assim como os conhecidos serviços públicos básicos, de fornecimento de água, luz e telefone por entes públicos ou privados.340 Nestas relações, exige-se por parte das instituições financeiras, conforme apresentado por Mauricio Jorge Pereira da Mota341, uma “continuada promoção e vigilância dos interesses 339 JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. Curitiba: Juruá, 2008, p.414. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p. 92. 341 MOTA, Mauricio Jorge Pereira da. A noção de confiança nos negócios bancários. Biblioteca Digital Jurídica, Brasília, DF, 30 set. 2008. p. 17. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/handle/2011/17825>. Acesso em: 10 jul. 2010, p.17. 340 164 do cliente”, tornando-se um dever das casas bancárias executar de modo probo e leal, as diversas operações que advirierem do trato com o cliente, no transcurso do tempo de relacionamento, haja vista a confiança contratual e jurídica que vincula cliente e banco, nesta global dimensão contratual. Faltando ou burlando a confiança dos clientes no transcorrer do contrato, o setor financeiro pode acarretar, como outrora mencionado, uma situação de endividamento, incompatíveis com os objetivos de solidariedade, dispostos na Constituição Federal. Exemplo disso é o notório efeito “bola de neve”, como demonstrado por Casado: A política dos bancos na atualidade pode ser resumida no exemplo a seguir: Uma empresa sadia financeiramente vai ao banco ‘X’, em 1993, com a finalidade de obter crédito para financiar a construção de sua sede. O crédito é concedido; todavia o seu saldo devedor já é bem superior ao próprio valor do imóvel construído. Passados 12 (doze) meses da concessão do crédito, a empresa, que já não consegue cumprir com o que foi acordado no contrato de financiamento, volta ao banco. É tentada uma renegociação da dívida. A atitude da casa bancária neste momento é a de cobrir-se de garantias para o cumprimento da obrigação, mesmo que seja evidente que a empresa [...] quando do vencimento da renegociação não terá como cumprir o acertado. Mesmo assim, o crédito é concedido. [...] Após três anos, a empresa fictícia que inicialmente havia procurado o banco ‘X’ para financiar a construção de sua sede, apresenta um débito para com este que supera ao quíntuplo do valor do imóvel, sendo tal passivo representado pelos mais diversos produtos que o banco oferece (hot-money, leasing, CDC’s, desconto de títulos...). Ou seja, a dívida tornou-se impagável.342 De casos como este advém a necessidade de novos estudos sobre a teoria contratual brasileira que abarcarem estes institutos, com fito de que estas novações e renegociações contratuais, não autorizem abusos pela parte dominante, preconiza a renomada Claudia Lima Marques, validando os prejuízos aos consumidores, em detrimento dos deveres de cooperação, solidariedade e lealdade, que fazem parte do contrato durante sua consecução. Trata-se de uma nova visão da obrigação tutelado por Marques, ao passo que os deveres (informação, cooperação, cuidado, sigilo, conselho) se prolongam no tempo de relacionamento – das tratativas à extinção do contrato -, criando o patamar de uma boa-fé formadora de deveres e condutas contratuais, representando um limitador do exercício de direitos que não cumpram uma função econômico-social, compatível com a probidade necessária às práticas comerciais: 342 CASADO, Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.321-322. 165 A noção de boa-fé objetiva, enquanto novo princípio a guiar a conduta dos contraentes nos contratos cativos significa uma nova e importante limitação ao exercício de direitos subjetivos. O exercício de um direito subjetivo, como o de estabelecer livremente o conteúdo e as cláusulas contratuais, será contrário à boa-fé (leia-se, abusivo) quando se utiliza para uma finalidade objetiva ou com uma função econômico-social distinta daquela para qual foi ele atribuído ao seu titular pelo ordenamento jurídico, como também quando se exercita este direito de maneira ou em circunstâncias desleais.{128} O princípio da boa-fé objetiva, limitadora de direitos (= poderes) definirá um novo ‘grau’ de abusividade das cláusulas e práticas comerciais presentes nos contratos oferecidos no mercado.343 A extinção desta conduta possibilita a parte prejudicada revisar o contrato sem quebra do vínculo contratual, qual seja, pela retirada das cláusulas abusivas do contexto contratual via controle judicial, vedado a resolução do contrato pelo direito à sua manutenção, conforme ensinamentos de Miragem: No contrato de consumo, a invalidade parcial do negócio é regra, mediante nulidade das cláusulas abusivas, sobretudo porque é reconhecido o direito de manutenção do contrato por parte do consumidor. [...] O reconhecimento de um direito de manutenção do contrato é condição para efetividade da proteção do consumidor de modo a evitar que qualquer demanda em relação aos termos do contrato ou à conduta do fornecedor possa dar causa à resolução unilateral por sua parte. São expressivos deste direito de manutenção do contrato, o controle do conteúdo do contrato contemporâneo à celebração (nulidade das clausulas abusivas e redução do contrato), cujo desequilíbrio tenha se dado por fato superveniente (art. 6º, V, CDC), até o controle dos efeitos do inadimplemento, com é o caso do impedimento da resolução na hipótese de adimplemento substancial.344 Normalmente, a quebra da responsabilidade acarreta danos materiais e morais ao consumidor lesado durante o contrato. Todavia, somente uma sanção efetiva poderia evitar os constantes desmandos do setor financeiro que continuam afetando a honra, a imagem e o crédito do consumidor, com desabafa Claudia Lima Marques, no prefácio do livro do Diretor da Brasilcon, Hector Valverde Santana: Na responsabilidade civil, somente uma sanção efetiva (exemplar) para o dano extrapatrimonial, que por sua natureza é mais difícil de valorar, fará mudar determinada prática reincidente e danosa à pessoa, à imagem ou ao crédito do consumidor no mercado. O Brasil tem se caracterizado por indenizações pífias que não possuem efeito pedagógico nenhum, quanto 343 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.96, 104. 344 MIRAGEM, Bruno. Nulidade das cláusulas abusivas nos contratos de consumo: entre o passado e o futuro do direito do consumidor brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 18, n. 72, p. 41-77, out./dez. 2009, p.60. 166 mais punitivo, tanto que as ações envolvendo danos morais aos consumidores abarrotam o Judiciário, reclamações exatamente iguais e contra o mesmo tipo de prática comercial, que não muda apesar da constante condenação justamente porque é mais ‘lucrativo’ causar dano a todos e ‘ressarcir pifiamente’ aos poucos consumidores que entram com ações e ganham! E se ‘danear’ a milhares, pode ser até que ‘receba’ um juizado especial dedicado só a tratar de seus ‘danos’ e conflitos daí resultantes com os consumidores.345 Situação em que se verifica a necessidade de intervenção regulamentadora do legislador com efetiva fiscalização administrativa, para que nestas complexas relações que perduram no tempo, normalmente impostas por grandes conglomerados financeiros, não careçam da intervenção equilibrada do Judiciário. A Responsabilidade Pós-Contratual, comumente chamada em nossa jurisprudência de culpa post pactum finitum, apesar de não constar explicitamente no corpo do art. 422 do CC, também encontra respaldo em nossa doutrina e jurisprudência como outrora comentado no período pré-contratual. A origem do instituto procedeu do direito germânico, por meio da doutrina e jurisprudência alemã, conforme ensina Menezes Cordeiro: [...] a culpa post factum finitum tem origem na jurisprudência alemã da década de 20. As primeiras manifestações teriam sido no sentido de recusar reconhecimento ao fenômeno. [...] Mas, em 26 de setembro de 1925, ao decidir que, depois de consumada uma cessão de créditos, o cedente continua obrigado a não tolher a condição de cessionário, o Reichsgericht dá a base à nova doutrina, reforçando-a a 3 de fevereiro de 1926, com nova sentença pela qual, expirado um contrato de edição, o titular do direito de publicação fica obrigado a não fazer concorrência com o editor, procedendo à feitura de novas edições, antes de esgotadas as anteriores.346 Com a ausência de deveres como lealdade, proteção e sigilo de informação, estas podem ser requisitados para restaurar e indenizar a parte lesada na relação, por quebra dos efeitos do contrato, mesmo após sua extinção, como citado no artigo de Lissandra de Ávila Lopes: [...] a responsabilidade pós-contratual insere-se no âmbito das responsabilidades contratuais, porquanto haverá, nesse caso, o inadimplemento dos deveres contratuais acessórios de lealdade, informação e proteção, continuando, portanto, o vínculo contratual em razão de persistirem também os efeitos do contrato. Isto é, a infringência dos deveres acessórios é resultado direto do contrato estabelecido entre as partes. Desta maneira, sendo contratual a culpa post pactum finitum, esta será regida, 345 SANTANA, Hector Valverde. Dano moral no direito do consumidor. Apresentação Claudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.20. 346 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da pós-eficácia das obrigações: estudos de direito civil. Coimbra: Almedina, 1984, p.147-148. 167 obviamente, conforme as regras contratuais de responsabilização. Com isso, vê-se a importância da caracterização da responsabilidade pós-contratual para que se tenha a possibilidade do exercício de um direito.347 Os fundamentados da responsabilidade pós-contratual, como em outros períodos do contrato, encontram-se lastreados nos princípios da dignidade da pessoa humana, na igualdade, solidariedade da função social dos contratos e na boa-fé objetiva, devendo ser reconhecida como abusivas as condutas que os afrontem, sendo a parte infratora devidamente responsabilizada. Advém assim a necessidade do fornecedor do produto/serviço, manter-se responsável pela informações/produtos do cliente no período posterior à efetivação do contrato ou após a sua conclusão, como menciona Claudia Lima Marques: Assim também, as fases anteriores e posteriores ao momento da celebração do contrato ganham em relevância.[...] A doutrina já havia desenvolvido a teoria da culpa post factum finitum, a qual, baseada no princípio da boa-fé, estendia a eficácia do contrato para além do cumprimento do dever principal.{286} As novas leis intervencionistas, especialmente no que se refere ao consumo de bens duráveis, disciplinarão os deveres anexos à obrigação, impondo, por exemplo, o dever de prestação da chamada assistência pós-venda (veja o art. 18, § 1.º do CDC), o dever de informar sobre o modo e a técnica de utilização de produtos (veja art. 18, caput, in fine), assim como disciplinando a garantia legal e a garantia contratual oferecida pelo fornecedor (veja arts. 24 e 50 do CDC).348 A jurisprudência, aos poucos, vem adotando a responsabilidade pós contratual nos julgados. Os Magistrados do Rio Grande do Sul, inovaram na aplicação do instituto, fundamentando no princípio da boa-fé: EMENTA: COMPRA E VENDA. RESOLUÇÃO. CULPA POST PACTUM FINITUM. O VENDEDOR QUE IMEDIATAMENTE APÓS A VENDA TORNA INVIÁVEL A COMPRADORA DISPOR DO BEM, AMEACANDO-A DE MORTE E A ESCORRACANDO DO LUGAR, PARA APROVEITAR-SE DISSO E VENDER A CASA PARA OUTREM, DESCUMPRE UMA OBRIGAÇÃO SECUNDÁRIA DO CONTRATO E DÁ MOTIVO À RESOLUCÃO. PRINCÍPIO DA BOA FE. PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA. APELO PROVIDO EM PARTE, APENAS PARA SUSPENDER EXIGIBILIDADE DOS ONUS DA SUCUMBENCIA. (Apelação Cível Nº 588042580, Quinta Câmara Cível, 347 LOPES, Lisandra de Ávila. A responsabilidade pós-contratual no direito civil. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. l, n. 3, p. 44-54, nov. 2006. Disponível em: <http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/ v1n3/a4.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2011. 348 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p.277. 168 Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 16/08/1988).349 Mesmo de modo tímido, denota-se a aplicação da responsabilidade pós-contratual no Judiciário, como medida de efetivação da função social do contrato, fornecendo equilíbrio e afastando questões abusivas das relações entre fornecedores e consumidores. Atualmente, nos diversos setores de nossa economia borbulham mudanças tecnológicas, comerciais e comportamentais, por conta da velocidade da informação oriunda do mercado globalizado em que vivemos; a busca por parte do capital de um modelo econômico que vise o imediatismo do consumo, protagonizou vários modelos contratuais que ultrapassam os limites impostos pelo legislador e pelos órgãos responsáveis nos diversos setores da economia, no caso da presente Pesquisa, o setor bancário, resultando no inchaço da máquina judiciária. Mister se faz, em nível legislativo e executivo (já que o Judiciário legisla sobre este tema ultimamente), fornecer ao mercado uma normatização que abarque todas as fases do contrato, de modo a legitimar as expectativas dos clientes na fase pré-contratual, que favoreça a solidariedade durante o vínculo negocial, e resguarde direitos e obrigações nos termos da confiança depositada, após o cumprimento efetivo do contrato. 4.3 DA POSSIBILIDADE DE AGÊNCIA DE REGULAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO A lei 4.595/64, que regula o sistema financeiro, conferiu poderes ao Conselho Monetário Nacional, em conjunto com o Banco Central para definir rumos da política monetária, bem como instrumentos de regulação, administração e fiscalização desse setor. Desde meados de 90, com o Plano Real, começou um processo de liberação econômica, industrial e comercial, que projetou seus resultados até hoje. Reformas estruturais no âmbito monetário e financeiro, advindos de “correções de rota” de planos anteriores, forneceram a estabilidade que o país necessitava para retomada do crescimento econômico. Oriundos de décadas de instabilidade econômica e, após um regime militar estatizante dos meios de produção, iniciou-se um processo de privatização com intuito de desonerar o Estado, torná-lo mais ágil e produtivo. A solução foi a retirada do Estado de setores que até aquele momento eram privativos da União, delegando para um órgão a competência para regular, fiscalizar e 349 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Quinta Câmara Cível. Apelação cível nº 588042580. Relator Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Julgado em 16 ago. 1988. 169 caso necessário com os poderes de polícia a ele conferidos, aplicar sanções às novas empresas oriundas da iniciativa privada nas relações de consumo. Implementou-se a criação das Agências Reguladoras no país, com fulcro nos artigos 173 e 174 da Constituição Federal. Sob aspecto econômico, foi um modo de influenciar a iniciativa privada para evitar distorções de valores que poderiam ocorrer com a mudança de público-privado, no trato comercial. O fenômeno das Agências Reguladoras350 iniciou-se nos Estados Unidos, no início do século XX, no período da Grande Depressão (1929), chamados Independent Regulatory Agencies, possuindo “[...] caráter regulamentar, de emitir autorizações e licenças de realizar investigações, de aplicar sanções e arbitrar conflitos no setor regulado”, sendo posteriormente seguido pela Europa nas décadas de 70-80 e posteriormente no Brasil. No governo brasileiro, o artigo 174 da Constituição Federal trata especificamente das Agências Reguladoras como agente normativo e regulador da atividade econômica instituindo que, “[...] o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”351 Salutar se faz a definição de Agência Reguladora como no ensinamento de Marçal Justen Filho: [...] é uma autarquia federal, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, datada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares, e sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta.352 Por serem de natureza pública, optou-se por apresentar as agências na forma de autarquias, conforme artigo 37, XIX da CF, como pessoas jurídicas de Direito Público de administração indireta, portanto sujeitas ao controle final por parte do Estado. Assim, conferiu-se uma condição especial às agências diferentes, demais autarquias, como independência em relação ao governo, mandato e estabilidade dos administradores e poder regulatório no setor que atua, nas palavras de Marlene Kempfer Bassolli: As leis instituidoras das agências reguladores, conferem-lhes a condição de autarquias especiais, uma vez que seu regime jurídico lhes garante: independência em relação ao órgão estatal da administração direta ao qual 350 KARAM, Fabiana Silveira. As agências reguladoras no cenário brasileiro: os mecanismos de proteção do consumidor considerando os respectivos efeitos sociais e ambientais. 169 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008, p.25. 351 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. In: MARANATA (Eds.). Novo guia jurídico: coleção 2011. São Paulo: Maranata, 2006. CD-ROM. 352 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 344. 170 estão vinculadas; mandato e estabilidade dos seus dirigentes para garantir a referida independência; vínculo institucional para os demais servidores que junto a elas trabalham; poder regulatório dos setores das respectivas atuações. 353 Na história recente do país existiram entidades dotadas de autonomia gerencial para atuar em determinados setores econômicos desde a era Vargas, como o Instituto Brasileiro do Café (IBC), Instituto Nacional do Mate, do Açúcar e Álcool e do Pinho, seguido posteriormente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Banco Central (BACEN) na década de 60. Na fase de privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso, a Agência Nacional de Energia Eletrica354 (ANEEL, lei 9427/96) foi a pioneira no Brasil, sendo seguidas por várias em diversos setores nos anos seguintes, conforme quadro a seguir: Quadro 4 - Rol de setores econômicos e suas agências reguladoras Setor Nome da Agência Sigla Legislação Energia Elétrica Ag. Nac. de Energia Elétrica ANEEL 9.427/96 Telecomunicações Ag. Nac. de Telecomunicações ANATEL 9.472/97 Petróleo Ag. Nacional de Petróleo ANP 9.478/97 Vigil. Sanitária Ag. Nac. de Vigilância Sanitária ANVISA 9.782/99 Saúde Suplementar Ag. Nac. de Saúde Suplementar ANS 9.961/00 Águas Ag. Nacional de Águas ANA 9.984/00 Transp. Terrestres Ag. Nac. de Transportes Terrestres ANTT 10.233/01 Transp. Aquáticos Ag. Nac. de Transportes Aquaviários ANTAQ 10.233/01 Cinema Ag. Nacional do Cinema ANCINE MP 2.228-1/01 Aviação Civil Ag. Nacional de Aviação Civil ANAC 11.182/05 Fonte: Brasil. Portal Brasil (2011). Observa-se que, tal qual nos vários setores de nossa economia demonstrados anteriormente, o setor público diminuiu sua participação no financeiro desde o início da década de 90, acompanhando o processo de privatizações, como se demonstra gráfico do IPEA355 sobre o no setor bancário: 353 BASSOLI, Marlene Kempfer; VELOSO, Yslyg Abreu. O regime jurídico das agências reguladoras e sua contribuição para o projeto nacional de desenvolvimento e de cidadania. 2008. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/14_668.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2010, p.04. 354 BRASIL. Governo Federal. Estrutura do estado: agencias reguladoras. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/estrutura/agencias-reguladoras-fiscalizam-a-qualidade-dos-servicos>. Acesso em: 09 dez. 2011. 355 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Transformações na indústria bancária brasileira e o cenário de crise. Comunicado da Presidência, n. 20, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/090407 comunicadoipea20.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2011, p.07. 171 Figura 8 – Evolução da participação do setor público no total dos ativos dos bancos Fonte: IPEA (abr. 2009, p.7). No relatório do IPEA, com a diminuição do Estado na atividade bancária, verifica-se o interesse das instituições financeiras (nacionais e estrangeiras) no fornecimento de crédito em vista da alta remuneração do capital Brasil, conforme comentam os pesquisadores: Por conseqüência da diminuição do peso dos bancos públicos no total de ativos houve a expansão dos bancos privados nas operações de crédito. Em 2006, por exemplo, os bancos públicos respondiam por quase 1/3 do total das operações de crédito, enquanto em 1996 encontrava-se próximo de 60%. Com o setor privado concentrando quase 70% do total das operações de crédito no Brasil, pode-se perceber a importância crescente das instituições bancárias estrangeiras. No ano de 2006, elas respondiam por mais de ¼ do crédito, enquanto em 1996 era menos de 10%. No período analisado, identifica-se o avanço dos bancos estrangeiros que parecem se aproximar da importância relativa dos bancos públicos.356 Neste momento, o governo não optou pela criação de uma agência que fiscalizasse a conduta das instituições financeiras, encarregando o BACEN desta função. Todavia, a instituição se ocupa em atender situações macroeconômicas da economia, não possuindo premissas advindas das agências reguladoras para equilibrar o jogo de forças entre os consumidores e fornecedores de serviços públicos, conforme atesta em seu escopo de atuação: 1. O Escopo da atuação do Banco Central do Brasil O Banco Central do Brasil é a autarquia federal que tem por missão assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente, consoante disposições da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e legislação posterior. Dentre as suas atividades principais, destacam-se a condução das políticas monetária, cambial e de crédito, a regulação e a supervisão do Sistema 356 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Transformações na indústria bancária brasileira e o cenário de crise. Comunicado da Presidência, n. 20, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/090407 comunicadoipea20.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2011, p.08. 172 Financeiro Nacional (SFN) e a administração do sistema de pagamentos e do meio circulante. Em consequência de suas atribuições legais, o foco da atuação do Banco Central do Brasil não pode ser confundido com o de uma agência reguladora, no sentido estrito, visto que esta autarquia está voltada a questões macroeconômicas, que direcionam a atuação dos agentes econômicos no sentido de promover o desenvolvimento do País, como forma de realizar a missão que lhe foi atribuída. Não obstante, o Banco Central do Brasil tem agido com o objetivo de proporcionar educação e informação aos usuários dos serviços prestados pelos agentes financeiros e, mediante o exercício de suas atividades de supervisão, verificar o cumprimento das normas específicas de sua competência, para que as instituições supervisionadas atuem em conformidade às leis e à regulamentação. 357 (grifo nosso) A preocupação do BACEN com questões macroeconômicas, relacionadas à políticas monetárias acaba por relegar questões microeconômicas, como o caso das condutas entre fornecedores e consumidores, para um nível de “educação, informação, supervisão” de serviços financeiros prestados pelos bancos, retirando-se da discussão sobre normas e condutas destes agentes financeiros no mercado. Situação diversa ocorre nas agências reguladoras que tratam diretamente de assuntos de controle direto das condutas dos agentes junto à coletividade que se utiliza dos serviços prestados, seja por via de contato direto com a população interessada, v.g. as audiências públicas propostas pela ANEEL, na criação de Hidrelétricas para verificar o impacto ambiental, normatizando articulação com órgãos de defesa do consumidor e associações, como na lei n. 9.961/00 (ANS), que dispõe entre as competências da instituição no seu artigo 4º, XXXVI, “[...] articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor dos serviços privados de assistência à saúde, observando o disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990”. Analisando a legislação destas agências, observa-se a preocupação com normas que defendam o usuário e o consumidor, com a participação pública nas tomadas decisões por estes órgãos, seja pelas consultas públicas, audiências públicas ou por via conselhos consultivos. Neste sentido são as conclusões do tema foi proposto no V Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado em Belo Horizonte: [...] 5. As agências reguladoras, em sua atividade, deverão atuar no sentido de garantir observância dos direitos dos consumidores, sancionando as empresas concessionárias quando estes forem violados. É inclusive, importante que elas contenham, em sua composição, com representantes dos consumidores. 357 BRASIL. Banco Central. Política de atendimento ao cidadão. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ pre/bc_atende/port/politica.asp?idpai=portalbcb>. Acesso em: 17 dez. 2011. 173 6. A atuação das agências reguladores não exclui a atividade a ser desenvolvida pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, sendo, inclusive, positivo que os dois sistemas atuem de forma concentrada.358 A ideia da criação de uma agência de fiscalização da atividade financeira (ou Superagência de Regulação Financeira) no país, sempre aparece em situações de crise financeira – traduzindo: quando algum banco quebra - ou quando estes alcançam lucros líquidos astronômicos como informados pela FEBRABAN359 no final de 2011. Concentrar as funções da CVM da SUSEP e da Secretaria de Previdência Complementar, além de absorver as tarefas de fiscalização bancária já esteve na pauta de propostas360 de Armínio Fraga (Ex-presidente do BACEN) em 2000. Com a crise no sistema financeiro de 2008, o presidente Barack Obama, em 21 de julho de 2010 sancionou a lei federal “Dood-Frank Act”361, que implementou reformas no setor financeiro no que tange princípios da transparência e boa-fé (respeito) ao consumidor. A lei chamada originalmente “Dood-Frank Wall Strret Reform and Consumer Protection Act” criou conselhos em campos estratégicos de seu mercado financeiro; órgãos estes atrelados ao Federal Reserve (FED), Banco Central dos Estados Unidos, para proteger o mercado de crises sistêmicas como a “bolha imobiliária” que atingiu bancos e consumidores daquele país. Considerada a reforma mais popular da lei entre os órgãos criados, a CFPB (Consumer Financial Protection Bureau) 362 é uma agência que tem por objetivo regular e fazer cumprir as normativas que regem os serviços financeiros, para quaisquer pessoas ou instituição que se envolvam em operações neste mercado. A agência está encarregada da proteção do consumidor contra “atos desleais”, práticas abusivas e quaisquer formas que atentem à boa-fé 358 KARAM, Fabiana Silveira. As agências reguladoras no cenário brasileiro: os mecanismos de proteção do consumidor considerando os respectivos efeitos sociais e ambientais. 169 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008, p.129. 359 INFORMONEY. Lucro dos bancos sobe 41% em relação ao 3º trimestre de 2010: no montante de R$ 17,86 bilhões entre julho e setembro/2011. Disponível em: <http://www.informoney.com.br/NewsViewPrint.aspx? NewId=2284095>. Acesso em: 15 dez. 2011. 360 CANUTO. Otaviano. Super-Agência Reguladora. Valor, 04 jul. 2000. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/artigos/artigo119.htm>. Acesso em: 09 nov. 2011. 361 BARBOSA, Lúcio Ferreira. Dood-Frank act: o que é?: o que é?: como e por que surgiu?: qual é a importância?: quem é afetado?. Administradores.com – O Portal da Administração, 12 dez. 2011. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/dodd-frank-act-o-que-e/60422/>. Acesso em: 13 dez. 2011. 362 CONSUMER FINANCIAL PROTECTION BUREAU (CFPB). Disponível em: <http//www. consumerfinance.gov>. Acesso em: 13 dez. 2011. Veja noticias vinculada á CFPB: OBAMA quer agencia de proteção financeira ao consumidor. Folha.com Mundo, 10 dez. 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/mundo/1019640-obama-quer-agencia-de-protecao-financeira-ao-consumidor.shtml>. Acesso em: 13 dez. 2011. Veja também: BOHAN, Caren; CLARKE, Dave. Reuters Brasil, 05 dez. 2011. Disponível em: <http://br.reuters.com/articlePrint?articleId=BRSPE7B403R20111205>. Acesso em: 13 dez. 2011. Anexo 7. 174 no consumo bancário; porém como no Brasil o Presidente dos EUA encontra barreiras para implementação, como para o nome do diretor da agência, a ponto de ocasionar uma afirmação emblemática: ‘Portanto eu me recuso a aceitar 'não' como resposta. As instituições financeiras têm um monte de advogados e lobistas poderosos para cuidar delas’, disse Obama. ‘É hora de os consumidores terem alguém do lado deles’. Diverso dos Estados Unidos, a proposta brasileira para criação de uma agência reguladora por meio da PLS 169/2010, pelo Senador Marconi Perillo não “alçou voo”. A Agência Nacional de Finanças e Investimentos (ANFIN), que disciplinaria o regime do sistema financeiro bancário não foi, naquele momento, levada em consideração, sendo defendida a manutenção do atual modelo brasileiro. Entre as alegações que vetaram o projeto de lei do Senador Benedito de Lira, pode-se transcrever: São questões que nem a experiência internacional nem a pesquisa acadêmica ainda resolveram a contento, mas as lições da crise financeira mundial de 2008 parecem indicar que a manutenção da função de supervisão financeira com o banco central é uma vantagem crucial em momentos de turbulência, pois permite à autoridade monetária a agilidade necessária para intervir, uma vez que dispõe das informações mais precisas possíveis sobre a situação do sistema e de cada instituição individualmente. Neste sentido, a dispersão da função supervisora/fiscalizadora em uma ou mais agências reguladoras separadas tende a gerar dificuldades quanto à comunicação e mesmo à definição clara das respectivas jurisdições de cada órgão integrante do sistema de regulação.363 Dos argumentos elencados nos relatórios, não se visualiza pelas partes pró e contra, nenhuma ênfase à fiscalização de condutas dos agentes no consumo bancário; os argumentos estão voltados basicamente às políticas macro (situação de quebra de instituições financeiras). A experiência positiva do Brasil em relação à crise de 2008, pode ter sido o indicativo para a manutenção do status quo, com relação à criação de uma agência reguladora dentro do sistema financeiro. Entretanto, as informações que trazem o presente trabalho posicionam em sentido contrário. A crise de 2008 somente não teve aspectos mais perniciosos no país, em razão das altas taxas de remuneração que as instituições detinham naquele momento, o que possibilitou passar o período de instabilidade financeira sem muitas complicações, tinham “gordura para queimar”. Uma política monetária adotada pelo país de segurar a inflação com 363 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei 169/2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/ matéria/detalhes.asp?p_cod_mate=97204>. Acesso em: 09 set. 2011. 175 altas taxas de juros, criou uma situação de “spreaad” elevado, incompatível com a média mundial. Ademais, baixas taxas de remuneração ao investidor (v.g. juros pagos pela poupança), atrelados a altas taxas de juros ao cliente bancário, cumulado a um consumo favorecido pela redução do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) pelo governo, criou um situação de consumo interno, aquecendo a economia nacional. Problemas no setor existiram por falhas (ou falta) de fiscalização do BACEN, v.g. o Caso do Banco Panamericano e Banco Votorantim, ambos vendidos por problemas de fraudes para a Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, respectivamente. Mesmo com atual negativa do Senado, a proposta de uma agência reguladora do sistema se faz necessária e salutar não somente para melhora do sistema financeiro mas para saúde de toda população que se utiliza desses serviços. A participação de associações, órgãos de classe e de populares, utilizados na sistemática de uma agência reguladora, atuaria como órgão de efetivo controle do conteúdo contratual em nível administrativo, equilibrando o teor contratual e a remuneração das instituições. Apesar das falhas existentes nas atuais agências reguladoras, como argumenta a doutrina, estas são insuficientes frente à ausência de um órgão administrativo voltado às questões financeiras que poderiam existir com a criação da ANIF, haja vista que a somatória delas não alcança o volume de processos existentes por problemas entre clientes e bancos junto ao Judiciário. Em síntese conclusiva, o controle dos conteúdos contratuais em quaisquer de seus níveis auxiliam sobremaneira no equilíbrio das forças dentro de nossa economia, para coibir abusos inerentes ao sistema capitalista, contrários aos princípios e preceitos constitucionais. Tal interferência busca obstar o excesso, sem fugir da prática legal, mantendo a segurança jurídica e resguardando os interesses dos empresários e consumidores. Porém, a Pesquisa mostrou que neste setor ocorre uma situação de desequilíbrio entre as partes. Em nível de controle privado, as associações de consumidores não possuem força efetiva de negociação, relegando a Convenção Coletiva de Consumo à letra morta no CDC; em caminho oposto, as associações que representam as instituições encontram-se em constante lobby junto aos órgãos do Poder Público para que condutas contratuais contrárias à boa-fé, assumam um aspecto de legalidade. Em nível de controle administrativo, ocorre uma verdadeira situação de peleguismo entre as instituições financeiras, legislativo e órgãos de administração dos agentes econômicos (CMN/BACEN), na manutenção e implementação de cláusulas contrárias à boa-fé, via legislação (v.g. Lei 10.931/2004) ou Resoluções do BACEN. Tal conduta acarreta aumento dos lucros e manutenção do status quo vigente no setor financeiro, bem como uma situação de 176 endividamento do consumidor. Com relação ao controle judiciário, apesar de sua efetividade em termos concretos, encontra-se sobrecarregado por ações individuais sem efeito prático para a coletividade. Neste sentido, a morosidade dos Tribunais Superiores no julgamento de questões financeiras cruciais para a economia que, cumulado com divergências como nas Sumulas 297 e 381, criou uma dinâmica perversa no trato negocial, fornecendo subsídio à continuidade do abuso do poder refletindo em novas ações nos judiciários do país. É visível na Pesquisa a necessidade do Estado em adotar mecanismos de efetivo controle do conteúdo contratual no setor para desafogar o judiciário e evitar situação de descompasso na economia. A proposta de uma agência reguladora para o setor que trabalhe no controle e equilíbrio contratual, mostrase como uma alternativa plausível para a quebra do atual modelo de gestão financeira. 177 CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalizando a Pesquisa, no intuito de tornar mais dinâmica as conclusões obtidas, apropriado se faz compendiá-los em tópicos, como segue: 1 - Atualmente se visualiza o Estado Social como estabilizador das forças existentes na economia de mercado, fornecendo regras que disciplinam negócios jurídicos. A mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social, ocasiona um atrito entre agentes econômicos que atuam no setor da pesquisa: a busca pela manutenção do status quo pelas instituições financeiras, contrapondo-se à efetivação e aplicação de princípios e direitos sociais pelos consumidores dos produtos bancários. 2 – Em nível principiológico, constata-se a existência de uma interação sem hierarquia dos novos princípios contratuais - função social, equilíbrio econômico e boa-fé-, junto à principiologia clássica – autonomia privada, força obrigatória das convenções e relatividades dos efeitos contratuais -, por meio do movimento paradigmático de “despatrimonização e constitucionalização” do Direito Privado, saindo da esfera individualista dos clássicos para valorização de princípios sociais, compatíveis com um Estado Social de Direito. 3 - Não ocorreu diminuição ou submissão de valores ou princípios A ou B, e sim mutação em virtude do renascimento da tábua axiológica, relegada à letra morta pela forte base patrimonialista pátria oriunda do Codex Francês. Neste novo olhar do direito contratual, procura-se intenção de conduta e solidariedade das partes, por via de um controle estatal dos conteúdos contratuais, incumbindo ao intérprete privilegiar valores sociais e patrimoniais, protegendo o hipossuficiente e fornecendo equilíbrio econômico às partes. Chega-se assim à constatação da importância do ponto de vista ético e econômico que se impõe o axioma da boa-fé na função social do contrato. 4 - No seu aspecto histórico evolutivo, verificam-se várias mutações do Direito no campo das relações contratuais; nos períodos pesquisados, o principio da boa-fé é considerado um elemento catalisador da economia, definindo a hermenêutica e segurança contratual. Entretanto, denota-se que o axioma tem seu sentido e significância alterados no transcorrer dos vários períodos pesquisados. Da valoração lastreada em condutas probas e leais, é possível visualizar sua gradual modificação para um princípio mais formal e positivado em codificações, moldando-se às necessidades e interesses em jogo. 5 - Estas alterações são originárias das condutas dos governantes e do conteúdo ideológico, utilizado pelo grupo que deteve o poder no período analisado. Neste mesmo caminho, a hermenêutica forneceu segurança jurídica, servindo de instrumento para 178 determinar o padrão de verdade para a manutenção do status quo vigente. 6 - No Brasil, a estrutura de poder de cunho altamente patrimonialista, cumulado a uma codificação altamente favorável a esta elite, como observado desde o inicio da colonização, implementou a cultura de distanciamento das demais classes sociais, na defesa de seu direitos. As instituições financeiras nos dias atuais, tanto quanto as organizações que possuíam o poder político e econômico na parte histórica da Pesquisa, não somente resistem à utilização do instituto, mas buscam, a exemplo do passado manipulá-lo em seu favor. Para ilustrar a resistência aos princípios pelas instituições financeiras falam alto os 14 (catorze) anos de atraso para a aplicação do CDC, em sua área de atuação: somente em 2004, pelo Enunciado da Súmula 297 do STJ isso ocorreu, demonstrando a força do setor à aplicação da tábua constitucional de valores e princípios expressos no código consumerista em prol dos interesses da coletividade. 7 - Entre as justificativas para a resistência, encontra-se a questão da segurança jurídica, utilizada em seu favor para forçar o Estado (via Poder Judiciário) a “minimizar ou adiar” os efeitos dos julgados com vistas a evitar um colapso no sistema bancário nacional, respaldando os abusos de poder e dificultando a realização de mudanças pleiteadas por toda sociedade. Todavia, a busca da sociedade para modificar este estado de coisas, atrelando uma função social aos contratos demonstra uma ruptura paradigmática. 8 - Um novo pensar, em nível hermenêutico, possibilita ao julgador adotar posturas valorativas ao caso concreto, juntamente com a adição de cláusulas gerais na legislação pátria no contexto contratual, demonstrando assim a força do princípio da boa-fé como fator de segurança jurídica não somente para o setor produtivo, mas a todos os agentes que compõem a economia, possibilitando a abertura de um novo período de desenvolvimento econômico e social. 9 – Por via do estudo da teoria econômica do contrato foi possível concluir que o sistema financeiro trabalha de maneira muito efetiva na manutenção dos benefícios que se instalaram com a estabilização da moeda; seu poder de reação no repasse de possíveis custos ocorridos no transcorrer da aplicação do abuso do direito é inúmeras vezes mais rápido que o Estado na tentativa de equilibrar e corrigir essas irregularidades. 10 - Assiste ao Estado a necessidade de, por meio de políticas econômicas, um rígido controle dos órgãos que fiscalizam as atividades dos agentes financeiros, buscar corrigir as falhas – com critérios de fiscalização e punição ao capital aplicado de forma perniciosa no mercado -, visando a antever essa realidade com vistas à regulação do ambiente negocial em que se efetivam os contratos pelo Direito. 179 11 - É fato notório, no setor produtivo, que qualquer operação de abertura ou expansão comercial ou patrimonial, indubitavelmente passa pelo sistema financeiro, acarretando um processo de bancarização do crédito, facilitador para obtenção de produtos e fluxo de riquezas, favorecendo assim, sobremaneira, via de contratos de adesão, o abuso de direito e consequente agravamento do equilíbrio entre as partes. 12 - O Direito Bancário conjuntamente com este novo norte hermenêutico (legislação, doutrina e jurisprudência), vem sistematicamente diminuindo e revertendo os abusos cometidos, estando em constante processo de evolução, adequando-se às necessidades da coletividade, na busca pelo desenvolvimento equilibrado. Apesar disso, são ínfimas as ações que beneficiam a coletividade lesada por essas instituições, uma vez que a legislação somente ampara aquele que buscar o Judiciário, sem uma aplicação de efeitos erga omnes favorecendo a perpetuação dos abusos e busca do aumento do capital pelo sistema financeiro. 13 - Visualiza-se na organização do sistema financeiro um dinamismo que, se utilizado de modo confiável e probo, torna-se um importante mecanismo para o desenvolvimento da economia de mercado, pelo seu poder de captação de recursos e sua subsequente aplicação no setor produtivo, nas várias regiões do país. 14 - A crítica ao sistema deve-se ao fato de não existir temor de contestação social pelas instituições bancárias, principalmente por dois fatores: a falta de fiscalização (ou conivência declarada) e pífia aplicação de sanção pelos órgãos responsáveis (CMN e Bacen), cumulado à necessidade de crédito imprescindível ao desenvolvimento nacional. O Judiciário não pode ser a única instituição capaz de regular e corrigir tais relações; cabe ao Estado promover a predominância dos interesses coletivos sobre interesses privados por meio da implementação da função social no direito contratual, diminuindo desigualdades, coibindo exemplarmente os abusos e impulsionando o desenvolvimento nacional. 15 - O controle dos conteúdos contratuais, em quaisquer de seus níveis, auxiliam no equilíbrio das forças dentro da economia, evitando prevenir abusos inerentes ao sistema capitalista, contrários aos princípios e preceitos constitucionais. Tal interferência busca impedir o excesso, sem fugir da prática legal, mantendo segurança jurídica e resguardando os interesses dos empresários e consumidores. Porém, a Pesquisa mostrou que neste setor ocorre uma situação de desequilíbrio entre as partes. 16 - Em nível de controle privado, as associações de consumidores não possuem força efetiva de negociação, relegando à Convenção Coletiva de Consumo, autêntica letra morta no CDC; em caminho oposto, as associações que representam as instituições encontram-se em constante lobby junto aos órgãos do Poder Público, para que condutas contratuais contrárias à 180 boa-fé, assumam aspecto de legalidade. 17 - Em nível de controle administrativo, ocorre uma verdadeira situação de peleguismo entre as instituições financeiras, legislativo e órgãos de administração dos agentes econômicos (CMN/BACEN), na manutenção e implementação de cláusulas contrárias à boafé, via legislação (v.g. lei 10.931/2004) ou Resoluções do BACEN. Respondendo aos óbices dentro do setor estatal para coibir abusos ocorridos no âmbito dos contratos bancários, podese verificar que o principal entrave para um efetivo controle dos abusos cometidos pelas instituições é a ausência de um órgão diretamente responsável pelo trato negocial e pelas condições contratuais impostas pelas instituições financeiras aos consumidores de serviços bancários, razão dos inúmeros abusos do direito que deságuam irremediavelmente em situações de enriquecimento ilícito pelas instituições e de superendividamento dos consumidores. 18 - Com relação ao controle judiciário, apesar sua efetividade em termos concretos, encontra-se sobrecarregado por ações individuais sem efeito prático para a coletividade. Neste sentido, a morosidade dos Tribunais Superiores no julgamento de questões financeiras cruciais para a economia, que cumulados com divergências, como nas Súmulas 297 e 381, tem criado uma dinâmica perversa no trato negocial, fornecendo subsídio à continuidade do abuso do poder refletindo em novas ações nos judiciários do país. 19 - É visível a necessidade do Estado adotar mecanismos de efetivo controle do conteúdo contratual no setor para desafogar o judiciário e evitar uma situação de descompasso na economia. A proposta de uma agência reguladora para o setor que trabalhe efetivamente no controle e equilíbrio contratual mostra-se como uma alternativa plausível para a quebra do atual modelo de gestão financeira. Constata-se assim os reflexos na economia que a ausência do principio da boa-fé, conjuntamente com uma conduta omissa dos nossos governantes, pode ocasionar no desenvolvimento do setor produtivo. O presente estudo buscou demonstrar que um efetivo controle do conteúdo contratual pode contribuir positivamente para com os interesses dos consumidores, sem prejudicar o sistema financeiro ou sufocar o crescimento econômico, atendendo assim às aspirações de justiça contratual almejados no país. Os novos axiomas principiólogicos resgatados nesta nova visão hermenêutica do Direito vêm ao encontro desta busca; a justiça dos contratos está na aplicabilidade do instituto de forma a ser justo com o próximo, seja ele um simples cliente, uma empresa, uma associação, um banco. Quaisquer legislação, doutrina, jurisprudência ou agência reguladora que proteja as partes na relação contratual deveria ser nula sem uma conscientização dos deveres das partes, em afastar 181 condutas nocivas na tarefa de buscar o que é justo, o que é vantajoso a todo e qualquer negócio: a continuidade da relação comercial e a boa-fé. 182 REFERÊNCIAS ABRÃO, Nelson. 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Agravo regimental no recurso especial nº 807052-RS. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 20 abr. 2006. Diário da Justiça, Brasília, p. 213, 15 maio 2006. ______. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 803481/GO (2005/0205857-0). Recorrente Cargill Agrícola S/A. Recorrido Luiz Ferreira Lima. Relatora ministra Nancy Andrighi. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça, Brasília, p. 462, 01 ago. 2007. ______. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 783404/GO (2005/0158134-4). Recorrente Cargill Agrícola S/A. Recorrido Ricardo Alves Resende. Relatora ministra Nancy Andrighi. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça, Brasília, seção 1, p. 364, 13 ago. 2007. ______. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. Recurso especial nº 271.214-RS. Relator ministro Ari Pargendler. Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, 12 mar. 2003. NR157 186 ______. Superior Tribunal de Justiça. Terceira turma. 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Disponível em: <ccr3.pgr.mpf.gov.br/revisao/atas/Atas.../atas...%20julgamento.../file>. Acesso em: 28 jan. 2010. 213 ANEXO 5 – Liminar proferida em Ação Civil Pública no TJPR Fonte: BRASIL. Procon. Liminar proferida em ação civil pública no TJPR. Disponível em: <http://www.procon.pr.gov.br/arquivos/File/acao_publica_tac_liminar_bancos.pdf>. Acesso em: 16 out. 2009. 214 ANEXO 5 – Noticia Agência EUA Fonte: OBAMA quer agencia de proteção financeira ao consumidor. Folha.com Mundo, 10 dez. 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1019640-obama-quer-agencia-de-protecaofinanceira-ao-consumidor.shtml>. Acesso em: 13 dez. 2011. 215 Fonte: OBAMA nomeia chefe para nova agência contra abusos financeiros - Economia. Disponível em: <http://noticias.br.msn.com/economia/artigo.aspx?cp-documentid=29542617>. Acesso em: 13 dez. 2011. 216 Fonte: BOHAN, Caren; CLARKE, Dave. Reuters Brasil, 05 dez. 2011. Disponível em: <http://br.reuters.com/articlePrint?articleId=BRSPE7B403R20111205>. 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