Texto de contribuição para o encontro executivo da RENADE. Tocantins, Palmas, janeiro de 2013. Daniel Adolpho Daltin Assis Sistema socioeducativo e investimento público federal: metodologia inovadora na década. Nos termos do art. 4º, par. único, „d‟, do Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirado no art. 4º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as políticas destinadas, predominantemente, à infância e juventude devem ter orçamento público prioritário na agenda econômica e de planejamento de cada gestão (municipal, distrital, estadual e federal). O preceito responde ao princípio da prioridade absoluta. A verificação da elaboração e execução das leis orçamentárias, todavia, sempre fora uma difícil tarefa para a sociedade civil, o que, automaticamente, gera obstáculos ao exercício do direito à participação. Assim, a partir do documento “Um Mundo para as Crianças” (ONU, 2001) e do “Pacto pela Paz” (IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2003), criou-se a Metodologia Orçamento Criança e Adolescente (OCA)1. Desenvolvida por um consórcio de instituições2, constitui-se em uma planilha de programas e ações orçamentárias cujo público principal seja a infância e adolescência, nos eixos da promoção, proteção e desenvolvimento, e nas temáticas Saúde, Educação e Assistência Social e Direitos de Cidadania. Incentivadas a organizar seus dados na metodologia OCA, dentre as gestões das três instâncias federativas, algumas passaram a disponibilizar as planilhas já com o devido recorte. Atualmente, é possível observar, no portal do SENADO, dentro do departamento eletrônico SIGABRASIL, os dados do investimento federal planejados desde a Lei Orçamentária Anual de 2002 (LOA 2002). É com base nesses dados que realizamos a avaliação do planejamento orçamentário de atendimento socioeducativo, fundamental para compreendermos os rumos da política brasileira na década de 2000. Muito embora, em análises orçamentárias, seja comum a verificação de valores empenhados (comprometimento da verba para determinado fim), para a análise demonstrada a seguir, utilizamos como indicador o valor localizado no item “Liquidado (Subelemento)”, fase em que já se constata a realização do serviço ou entrega do produto e correspondente pagamento. Importa balizarmo-nos nessa fase porquanto se trata do valor já 1 De Olho no Orçamento Criança. Org. INESC, Fundação Abrinq e UNICEF. Brasilia, 2005. 2 INESC, Fundação Abrinq e UNICEF. dispensado para o fim planejado; do contrário, se verificado apenas o empenho, não se tem a certeza da realização do serviço ou entrega do produto – tampouco se há quitação ou dívida (“restos a pagar”) por parte do poder executivo. Orçamento Público Criança e Adolescente: dotação em expansão; execução insatisfatória. Desde 2002, a média anual do orçamento destinado aos programas da política de atendimento socioeducativo corresponde a 1,26% do Orçamento Criança. Mas, vale observar um desequilíbrio vertiginoso de 2003 (7,5%) para 2004, ano após o qual a taxa não mais passaria de 0,2% em relação ao orçamento geral da infância e adolescência. Nesse mesmo período, a execução orçamentária dos programas e ações relativas à política de atendimento socioeducativo fora liquidada em média de 72,27% do total ao ano. Quanto à organização funcional-programática do orçamento socioeducativo, observamos brusca alteração, passando de 06 (2002) para 41 programas (2010), e reduzindo para 25 em 2011. A isso podemos atribuir alguns fatores mais evidentes: a) na década de 2000, a estruturação da Secretaria Especial de Direitos Humanos – e atual Secretaria Nacional de Direitos Humanos -, elevada ao status de Ministério, unidade orçamentária autônoma; b) a promulgação das Resoluções 113 e 117 (2006), que estabeleceram o Sistema de Garantia de Direitos, seus órgãos, atribuições e interfaces com outros Sistemas, a exemplo do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), elaborado oficialmente na mesma época, uma das principais deliberações da IV Conferência Nacional da Assistência Social; c) a ampliação das Conferências de Direitos e Setoriais, cujas deliberações impactaram, ao menos em parte, o planejamento de investimento nas respectivas políticas de infância e adolescência; d) a normatização do Fundo Nacional de Assistência Social e sua implementação no Sistema de Garantia de Direitos. Esse processo resultou em uma ampliação do investimento orçamentário nas políticas para criança e adolescente. Especialmente, a partir do Fundo Nacional, as verbas orçamentária e financeira avolumaram-se significativamente no entorno das ações de proteção social aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa; e) a Resolução 119/2006 e sua previsão sobre o SINASE, atualmente veiculado pela lei federal n. 12.594/2012: marcantes para o desenvolvimento de diretrizes nacionais de atendimento socioeducativo, a ser contemplado por maior investimento público, especialmente pelos Fundos Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, dentro dos quais localizamos significativa verba de repasse às instâncias estaduais, distritais e municipais. Sistema socioeducativo e os Planos Plurianuais No período em observação, destacamos dois Planos Plurianuais (PPA): 2004-2007 e 2008-2011. Ocasionalmente, trata-se de planos encerrados, o que facilita nossa análise. a) PPA 2004 – 2007. No Plano Plurianual iniciado em 2004, encontramos informações planejadas que não necessariamente correspondem à execução realizada. Em seu anexo I, estabelecem-se as seguintes diretrizes a ver com a temática: “13. Humanização dos centros de atendimento às crianças e aos adolescentes vítimas e em conflito com a lei;” e “14. Reformulação da concepção das instituições de reabilitação dos adolescentes em conflito com a lei.” (Anexo I, 34) Já no Anexo II, temos as seguintes tabelas: Da leitura da tabela e sua associação com as informações acerca da execução, concluímos que, embora tenha se compromissado com diversas metas orçamentárias, o governo federal não contemplou a ação 0826 (“Apoio a serviços de plantão interinstitucional ou de atendimento inicial”), para o qual se previa a destinação de R$ 4.286.598,00, mas houve dotação inicial de apenas R$ 1.980.357,00, isto é, 46% do planejado. No que tange à verba liquidada, a execução da ação foi significativamente menor, para a qual se gastaram apenas R$ 992.398,00, ou seja, 23% da previsão estabelecida no Plano Plurianual. Vale dizer que a ação deixou de existir no ano de 2006. Embora previstos no PPA, os valores dotados em cada ano na ação 2382 (“Produção de material esportivo por menores em conflito com a lei”) não atingem nenhuma das metas. Ademais, para aquela, destinaram-se apenas R$ 1.738.000,00, isto é, 43% do orçamento previsto, valor próximo à própria execução da ação, que não existe desde 2006. b) PPA 2008 – 2011. Do último Plano Plurianual encerrado, destacamos três tabelas: Curiosamente, o programa “1245 – Inclusão Social pelo Esporte” não constara de nenhuma das respectivas leis orçamentárias anuais. Para o programa “0152 - Pró-SINASE”, eram previstos R$ 354.628.256,00, entretanto, sua verba autorizada, durante os anos correspondentes, fora de R$ 332.605.637,00. Já a liquidação dessa verba atualizada fora de R$ 245.894.716,00, isto é, 69% da verba planejada no Plano Plurianual. Já à ação 8794 correspondiam R$ 216.980.509,00, dos quais foram dotados, ao final dos 04 anos, apenas R$ 178.551.218,00, sendo a execução liquidada em R$ 137.250.000,00, isto é, 63% do previsto para o quadriênio. Sistema Socioeducativo e Sistema Único da Assistência Social – um marco na década. Formado por diversas políticas sociais, o Sistema de Garantia de Direitos, em interface com o Sistema Único de Assistência Social, reserva, nesta relação sistêmica, espaço privilegiado para o sistema socioeducativo. Nos termos da NOB/SUAS (Resolução CNAS n. 130/2005)3, cabe à Assistência Social a responsabilidade pela maior parte do investimento no atendimento aos jovens que cumprem medida socioeducativa em meio aberto. Em meio fechado, por sua vez, a política socioassistencial deve atuar no fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, bem como, em especial, na retaguarda e articulação de serviços e benefícios demandados pelos jovens privados de liberdade e seus responsáveis. Lembramos que as medidas socioeducativas em meio aberto localizam-se na proteção social especial de média complexidade; as medidas privativas são identificadas na proteção social especial de alta complexidade. Ao gestor do Fundo Nacional cabe verificar, em cada município, a existência de Conselho Municipal de Assistência Social (art. 30, Lei Orgânica da Assistência Social), condição absoluta para o repasse da verba ministerial aos Fundos Municipais, nos quais se aloja significativa parcela da verba orçamentária destinada às políticas para infância e juventude, inclusive – e sobretudo – ao atendimento socioeducativo. Assim, não surpreende a informação oficial de, a partir de 2008 (LOA 2008), o governo federal destinar orçamento à política de atendimento socioeducativo por meio do Ministério do 3 Norma Operacional Básica – NOB/SUAS – Construindo as Bases para a Implantação do Sistema Único de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasília, 2005. Desenvolvimento Social e Combate à Fome, notadamente, pela via do Fundo Nacional da Assistência Social. Mais que isso, em 2008, dentro do programa “0152 – Atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei”, a dotação autorizada foi a segunda maior, correspondendo a 16,5% da verba total, com a ação “8524 - Serviços de proteção social aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas”. No ano de 2009, a verba equivalia a 26% do orçamento total destinado ao substitutivo programa “0152 – Sistema nacional de atendimento socioeducativo ao adolescente – Pró-Sinase”. Em 2010, subiu cerca de 1%, arremetendo para 62,7% (R$ 45.252.136,00) em 2011, o que lhe fez ocupar o primeiro lugar na escala de rubricas orçamentárias dentro do único programa federal voltado à política em questão. Superou, assim, a ação até então líder no recebimento de verba: “8794 – Apoio à construção, reforma e ampliação de unidades de semiliberdade e internação”, tradicionalmente de valor mais elevado, haja vista a graúda despesa de capital gerada para sua consecução. Vale anotar que, em 2011, o orçamento federal registrou a ausência de verba liquidada nessa ação, o que revela, no campo da responsabilização juvenil, um possível vetor rumo à substituição do paradigma da privação de liberdade pela restrição de direitos (medidas em meio aberto). Entretanto, ao verificarmos a execução dessas ações, percebemos que a liquidação da ação 8524 fora tão oscilante quanto insatisfatória, já que, anualmente, atingiu as marcas de 70%, 86%, 66% e 80,5%, respectivamente. Financiamento do OCA no Brasil Realmente, quando o assunto é orçamento, os dados ficam mais segmentados do que quando lemos documentos diretamente ligados a planejamento e gestão (gênero daquele). Em suma, interessante apontar no orçamento geral criança e adolescente (OCA) a porcentagem cabida aos programas do campo de adolescentes em conflito com a lei - ali, em torno de 0,3%, conforme se observa ano a ano. Mas, importa darmos continuidade a esse modelo de estudo, já que é assunto de alta relevância e, ao mesmo tempo, invisível nas avaliações de políticas públicas; é o canal para entendermos, com uma boa precisão, as prioridades de gestão e de governo.