MOTIVAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO TÁCITO: O CASO DAS ORIENTADORAS QUE VIVEM VIGIANDO O PESO Autoria: Felipe Mathias Castello Branco RESUMO O objetivo do artigo é apresentar revelações do campo de pesquisa obtidas a partir de um estudo de caso qualitativo empreendido junto aos empregados de uma empresa prestadora de serviços de programas de emagrecimento, intensiva em conhecimento; acerca de suas motivações para serem multiplicadores de conhecimento, principalmente tácito. Apresentamse como framework teórico conceitos pertinentes a teorias da motivação e teorias do conhecimento. Os achados da pesquisa sugerem uma adequação entre o envolvimento requerido dos agentes transmissores de conhecimento tácito e seu drive motivacional ligado a fatores intrínsecos, com forte cunho afetivo, como realização pessoal, altruísmo e manutenção da autoestima elevada. Palavras-chaves: Conhecimento tácito, motivação, autoestima _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 1/18 INTRODUÇÃO Diversos pesquisadores da área de Administração e gestores que atuam no mercado sustentam que entender a fundo a motivação é importante para a organização, no sentido de que se conheça a dinâmica que impulsiona os colaboradores ao trabalho. A partir desse conhecimento, os administradores teriam uma oportunidade para realizar intervenções objetivas no processo de gestão de pessoal “visando compatilibizar a produtividade dos talentos aos objetivos organizacionais” (BEDRAN JÚNIOR & OLIVEIRA, 2009:04). Nesta pesquisa buscou-se investigar o que motivava os orientadores do programa de emagrecimento VP, empresa de serviços, intensiva em conhecimento, na tarefa de transmitir conhecimentos específicos do programa (explícito), bem como, e principalmente, compartilhar seu conhecimento tácito relativo a estratégias para o emagrecimento. O objetivo específico do estudo foi observar a relação entre motivação e a transferência de conhecimento [com alto grau de conteúdo tácito], conduzindo-se um estudo de caso sobre uma amostra de trabalhadores de uma empresa prestadora de serviços, intensiva em conhecimento. Para fins didáticos, o artigo está organizado em tópicos. Seguindo a este primeiro tópico, introdução, apresenta-se no tópico 2 o referencial teórico recortado para esta pesquisa. Em 3, descreve-se o método. O item 4 traz o estudo de caso; seguido dos resultados, conclusões e implicações no item 5. 1. REFERENCIAL TEÓRICO O marco teórico para as investigações suscitadas pelo trabalho desenvolvido pode ser localizado em estudos acerca gestão do conhecimento; focou-se especificamente nas pesquisas de Takeushi & Nonaka (2008), Darr et al (1995), Jones et al (1997), Davenport & Prusak (1998) e Tissen at al (1998), recortando principalmente as dinâmicas de transferência e compartilhamento. A este recorte, foi associada uma revisão de literatura que agrupou de forma resumida as teorias de motivação mais citadas academicamente e mais empregadas nas práticas gerenciais do mercado. Para efeito de visualização sistematizada, o referencial teórico foi organizado em dois subitens: 2.1 conhecimento e sua transferência, e 2.2 teorias da motivação. 1.1 CONHECIMENTO E SUA TRANSFERÊNCIA A transferência de conhecimento é identificada por vários autores como uma área chave da gestão do conhecimento (HENDRIKS, 1999). Estudos mais recentes focam não apenas na identificação de quando e como a transferência do conhecimento é realizada da melhor forma, mas preocupam-se igualmente em acompanhar as motivações que fazem com que o conhecimento individual – local onde de fato o conhecimento reside (HENDRIKS, 1999) – passe para o nível organizacional – onde ganha importância econômica e competitiva (DAVENPORT & PRUSAK, 1998; TISSEN et al., 1998). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 2/18 No cotidiano das empresas, barreiras à transferência eficiente de conhecimento tomam forma quando da ocorrência de estruturas organizacionais inadequadas para este processo; a existência de culturas internas menos propensas ao compartilhamento, e/ou segregação ou falta de confiança entre os agentes que devem fazer o conhecimento fluir pela organização (DAVENPORT & PRUSAK, 1998; TISSEN et al., 1998). Ruggles (1997) citado por Hendriks (1999) aponta três tipos de barreiras principais. São barreiras causadas por distância temporal, distância física e/ou distância social. Barreiras temporais dizem respeito aos entraves para a transmissão de conhecimento ao longo de diferentes gerações, ou, quando no presente, relacionados a inadequações de agendas entre os envolvidos nas dinâmicas de compartilhamento. A manutenção de uma “memória organizacional” e esforços para agendamentos de encontros (mesmo que virtuais, em fóruns de discussão contínuos) podem mitigar os efeitos das barreiras temporais. Barreiras espaciais podem ser minimizadas pelo uso de tecnologias de integração virtual. Barreiras de distância social, cultura, língua, e as barreiras subjetivas - referentes às diferenças do alcance mental ou conceitual dos participantes – tendem a figurar como as mais difíceis de serem transpostas (HENDRIKS, 1999). Diferentes ferramentas podem ser empregadas para promover e facilitar a comunicação entre grupos sociais heterogêneos. Exemplos que têm mostrado bons resultados, são mapas conceituais, glossários e tutoriais (HENDRIKS, 1999). Ainda assim, a questão da motivação para o compartilhamento entre os ‘trabalhadores do conhecimento’ demanda atenção criteriosa e detalhada. Hendriks (1999) situa o compartilhamento de conhecimento como algo relacionado à comunicação. Isso vai além da distribuição de informações, pois quando se realiza a transferência do conhecimento de uma pessoa para outra, o novo ‘detentor’ de tal conhecimento atua reorganizando as informações que recebeu; acrescentando-lhe suas impressões e contribuições particulares. Quem se torna objeto de transferência/ compartilhamento de conhecimento termina por atuar como um reconstrutor ou reformulador dos conteúdos que recebe. O compartilhamento de conhecimento presume uma relação entre duas partes pelo menos (HENDRIKS, 1999). Não apenas o detentor do conhecimento deve ser capaz de transmiti-lo – externalizá-lo – mas também a outra parte deve ser capaz de captá-lo – internalizá-lo (TAKEUSHI & NONAKA, 2008). Isso porque a transferência de conhecimento não está restrita a meios formais (como textos, informativos, treinamentos); mas inclui ações baseadas no conhecimento de algum princípio ou tarefa, explicações orais; ou mesmo o uso de outros elementos cognitivos que, vez ou outra nem são empregados conscientemente. Um exemplo pode ser a observação silenciosa da forma como alguém faz algo: o detentor do conhecimento pode não se dar conta de estar compartilhando o que sabe enquanto é observado por um aprendiz, durante a execução de uma tarefa (HENDRIKS, 1999). Teóricos argumentam, inclusive, que quanto maior for o conteúdo de caráter tácito contido no conhecimento que deve fluir pela organização, tanto mais próximas devem ser as interações pessoais (TAKEUSHI & NONAKA, 2008), e tanto mais frequente deve ser o uso de mecanismos informais para a transferência de conhecimento (HANSEN et al, 1999), como reuniões e treinamentos presenciais, interação direta e tutoria personalizada. Para a realização de transferência/compartilhamento de conhecimento tácito (prático e enriquecido com experiências pessoais de seu detentor) são necessárias altas doses de envolvimento pessoal entre os participantes [desta dinâmica] (TAKEUSHI & NONAKA, 2008). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 3/18 As motivações que levam o detentor de conhecimento a compartilhá-lo representam, portanto, questão de suma importância nesse processo. Este é o foco principal do presente artigo. A internalização do conhecimento recebido também está sujeita aos ‘motivos para ação’ (motivação) daqueles que o recebem. Ainda que investigar as motivações para a internalização de conhecimento não seja o escopo do presente trabalho, registraram-se aqui as possíveis formas de apreender conhecimento para uma retensão eficaz. Os reconstrutores de conhecimento podem se valer de processos como ‘aprender fazendo’, leituras amparadas por imagens ou mapas mentais, ou esforços para compreender um conteúdo codificado a partir de associações com conhecimentos prévios que possuam. 1.2 TEORIAS DA MOTIVAÇÃO Bedran Júnior e Oliveira (2009) abordam a motivação como um “conjunto de fatores psicológicos que agem entre si determinando a conduta do indivíduo” (BEDRAN JÚNIOR & OLIVEIRA, 2009:04). Tratando especificamente da motivação para o compartilhamento de conhecimento, Hendriks (1999) alega que se os indivíduos não estiverem motivados a compartilhá-lo, não importará o quanto uma empresa se proponha a investir em tecnologia da informação na tentativa de facilitar as trocas: é pouco provável que os detentores de conhecimento utilizem os recursos disponibilizados, à sua potência máxima. Desta forma, o foco central da gestão do conhecimento em uma organização recai sobre a motivação para a transferência e compartilhamento entre os indivíduos; antes mesmo de se pensar nos meios para a realização de tais atividades. Historicamente, o modelo administrativo tradicional de Frederick Taylor, do início do século XX, supunha que a motivação deveria ser realizada por meio de incentivos salariais (maior produção, maior ganho). Sua crença básica era que os administradores compreendiam melhor o trabalho, que os trabalhadores que o exerciam. Estes últimos seriam preguiçosos e podiam ser motivados apenas por dinheiro. Em oposição ao pensamento taylorista de que os administradores podiam motivar os empregados ao reconhecer as necessidades sociais dos trabalhadores, fazendo com que se sentissem importantes, ganharia projeção com uma abordagem mais humanizada das relações de trabalho. Segundo o Modelo das Relações Humanas Mayo (1880-1949), o tédio e a repetição das tarefas reduziriam a motivação. Por outro lado, segundo as proposições de Hawthorne (1804-1864), os contatos sociais teriam o poder de ajudar a criar e manter a motivação dos empregados. Pretendendo uma visualização esquemática do recorte teórico adotado por este artigo, apresenta-se, a seguir, um quadro que resume as teorias de motivação focadas para embasar a pesquisa realizada, a partir de Maslow (1954), seguiram-se as proposições de McGregor (1960), Vroom (1964) e Herzberg (1968; 1987). Foram levadas em consideração as implicações de tais teorias para a área de transferência do conhecimento, sem que se fizesse distinção entre ‘teorias de conteúdo’ e ‘teorias de processo’. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 4/18 Teoria e principal teórico Teoria da Hierarquia das Necessidades Maslow (1954) Principais postulados Segundo a Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow, as necessidades humanas se organizariam por grau de importância e influência. As mais básicas estão no primeiro nível de um esquema organizado em forma piramidal que ascende até as mais complexas. A teoria foi criticada por não levar em conta as formas como o comportamento é afetado dentro de uma hierarquia (MACCOBY, 1988), mas, ainda assim, é citada até os dias atuais. Segundo esta teoria, a motivação para os ‘trabalhadores do conhecimento’ estaria ligada aos três níveis superiores: relacionamentos, estima e realização pessoal. Modelo de Recursos Humanos Douglas McGregor (1960) Preconizava a existência de dois eixos principais de esforços para aumentar a motivação dos empregados. O eixo X, associado ao pensamento tradicional taylorista, entendia o trabalho como desagradável aos empregados. Ainda que os trabalhadores entendessem o trabalho como necessário, este seria evitado sempre que possível. Os empregados deveriam, portanto, ser motivados pela força, dinheiro e/ou elogios. O eixo Y, mais próximo das proposições do Modelo das Relações Humanas, sugeria que, sob circunstâncias corretas, os empregados poderiam obter satisfação no trabalho; podendo assumir responsabilidades dentro da organização. Teoria de Expectativas Vroom (1964) Esta teoria levou em consideração as diferenças que existem entre os indivíduos, e as situações que se apresentam na dinâmica do trabalho. Pressupunha que o esforço para se atingir um alto desempenho resultaria da percepção, por parte do trabalhador, da possibilidade de que o alto desempenho pudesse ser realmente alcançado, e que a recompensa valeria o esforço despendido para tanto. Teoria dos Dois Fatores Hezberg (1968, 1987) A teoria de Hezberg (1968) distingue fatores motivacionais de fatores higiênicos. Os fatores higiênicos diriam respeito às condições que rodeiam o empregado enquanto no ambiente de trabalho. Salário, status, políticas da empresa, relações interpessoais, condições de trabalho, conforto e segurança no trabalho não seriam capazes de gerar motivação por si; mas a ausência de tais itens poderia impactar negativamente a motivação, ou mesmo causar desmotivação. Os fatores que agiriam como motivadores diriam respeito ao sentimento de realização e crescimento. Alguns desses fatores seriam: o senso de responsabilidade, a liberdade para exercer autonomia operacional, a superação de desafios significados para o trabalhador, o uso pleno das habilidades pessoais, o estabelecimento de objetivos, as conquistas e o reconhecimento profissional que culminasse em oportunidades de promoção. Uma vez ausentes, esses fatores reduziriam a satisfação no trabalho (o que não implicaria obrigatoriamente, uma desmotivação). Figura 01: Resumo das Teorias da Motivação consideradas neste estudo Edward Lawler (1971), articulando acerca da Teoria das Expectativas de Vroom (1964), defende que a motivação dos trabalhadores depende de quatro pressupostos relacionados ao comportamento dos indivíduos. Para Lawler (1971), i. uma combinação de fatores ambientais e individuais determinam o comportamento da pessoa; ii. os indivíduos tomam decisões conscientes sobre seu comportamento, iii. os indivíduos têm necessidades e interesses diferentes e iv. os indivíduos baseiam-se em suas expectativas de que um determinado comportamento os levará a um resultado desejado, quanto têm diante de si diferentes alternativas de comportamento a adotar. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 5/18 O Modelo de Expectativas (VROOM, 1964), ainda contempla três princípios: a) a expectativa do resultado do desempenho, na qual os indivíduos esperam certas consequências advindas de seus comportamentos; o que afetaria as decisões sobre como se comportam; b) a valência: que diz respeito ao poder de motivar alguém segundo os seus interesses e as coisas que têm mais valor para esta pessoa – o que varia de indivíduo para indivíduo, e c) a expectativa de esforço-desempenho, na qual os indivíduos tendem a escolher o nível de desempenho que ofereça os resultados mais satisfatórios. Quando focados em resultados, algumas recompensas são intrínsecas, como sentimentos de autorrealização e autoestima; outras são extrínsecas, como promoções, aumentos salariais, elogios conferidos por agentes exteriores, como um supervisor, por exemplo. O desejo de obter ganhos e desenvolvimento físico, ou mental; contribuem para o desenvolvimento de produtos ou serviços. O desejo de alcançar status social e interação (VROOM, 1964); o desejo de obter reconhecimento e respeito; a busca por diversão; a necessidade de garantir a sobrevivência (MACCOBY, 1988; MASLOW, 1954); a necessidade de afiliação, realização e poder (McCLELLAND, 1971); imbricam de forma dinâmica os conteúdos motivacionais: componentes evidentes nos comportamentos dos ‘trabalhadores do conhecimento’. Altos níveis de desempenho, declarações de satisfação com o trabalho realizado e reconhecimento percebido podem ser associados à própria valência dos trabalhadores, retornando para esses em um tipo de círculo virtuoso; retroalimentado. 2. MÉTODO A pesquisa que se apresenta é um estudo de caso qualitativo, realizado a partir de observação transversal, realizada em campo e amparada por pesquisa teórica referencial. A empresa escolhida como objeto de estudo atendeu ao critério previamente estabelecido de ser intensiva em conhecimento. Nesta empresa, aqui chamada “VP”, buscou-se identificar a motivação dos profissionais que atuavam como ‘multiplicadores de conhecimento’, para realizar transferências/ compartilhamento de conteúdo, principalmente tácito. A partir da seleção da empresa onde realizar a pesquisa, estipulou-se a população para análise (os funcionários que trabalham como multiplicadores de conhecimento) e desta, selecionou-se uma amostra que seria o foco central de nossa investigação. A empresa contava, em agosto de 2011, com 170 multiplicadores do conhecimento específico do programa de emagrecimento que comercializa, em todo o Brasil (com escritórios em 13 estados e/ou por meio de material para autoestudo) – chamados internamente de orientadores. Em São Paulo trabalhavam à época, 40 orientadoras. Dentre essas, 50% formaram o nosso grupo amostral. O grupo apresentava idade média de 43 anos, nível de instrução mínimo equivalente ao ensino médio completo e tempo médio de trabalho na empresa igual a 7,5 anos. O instrumento de pesquisa de campo utilizado foi uma entrevista em profundidade. As vinte orientadoras formariam a amostra foram selecionadas de forma aleatória (por sorteio) quando da presença em uma reunião funcional que ocorre mensalmente, no escritório central da empresa, na capital paulistana. As entrevistas ocorreram no mês de agosto de 2011, com validação telefônica um mês depois. São Paulo é o maior mercado em número de clientes da empresa investigada, e é o estado que concentra o maior número de profissionais que se dedicam a multiplicar conhecimento gerado nessa empresa (orientadores). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 6/18 As questões propostas nas entrevistas foram elaboradas a partir da definição do escopo investigativo do estudo, que pretendeu relacionar as dimensões transferência/ compartilhamento de conhecimento e motivação. Uma antecipação teórica do que poderia ser encontrado em campo, quando associadas essas duas temáticas, evidenciou a emergência de fatores extrínsecos ou intrínsecos (VROOM, 1964) e/ou higiênicos ou motivacionais (HEZBERG, 1968), como pertinentes ao caso em construção. O roteiro de entrevista contou com três questões que nos guiaram na interação com os entrevistados. Ainda assim, os participantes foram esclarecidos que poderiam fazer comentários adicionais, livremente; tão logo se sentissem à vontade para elaborar mais completamente seus pensamentos; ampliar as questões surgidas, ou mesmo sugerir aspectos não contemplados pela arguição inicial. As respostas foram transcritas e as orientadoras entrevistadas foram convidadas a verificar se as transcrições faziam jus às suas declarações feitas. No mês seguinte, setembro de 2011, parte das entrevistadas (06) recebeu telefonemas, que objetivaram dar a elas a chance de ratificar (ou mesmo, retificar) suas declarações anteriores. Tal procedimento seguiu as sugestões feitas por Eisenhardt (1989) para a validação de entrevistas pessoais empregadas como instrumento para estudos de casos: contato telefônico posterior, com, pelo menos 30% dos entrevistados. As questões que nortearam nossas entrevistas foram: 1. O que te motivou a se tornar um(a) orientador(a) do programa de emagrecimento VP?; 2. Você ainda se considera motivado(a) com a atividade de orientador(a)? Em caso afirmativo, o que te motiva a continuar trabalhando como orientador(a)? e 3. Que tipo de conhecimento você percebe que transmite aos Associados VP? A partir das respostas obtidas, analisamos a incidência de termos e ideias centrais nas falas das entrevistadas, agrupando suas declarações segundo temas chave – construídos a partir do referencial teórico selecionado. 3. O ESTUDO DE CASO Apresenta-se neste item o estudo de caso que originou este artigo. Objetivando fornecer os resultados de forma organizada e sucinta, o estudo de caso é apresentado em 4.1 o caso, a empresa e 4.2 revelações do campo de pesquisa. 3.1. O CASO, A EMPRESA A empresa selecionada para o presente estudo de caso, aqui chamada “VP” é intensiva em conhecimento. É prestadora de serviços especializados em programas de emagrecimento desenvolvidos pela detentora da marca nos Estados Unidos e comercializados por meio de material informativo (de produção própria) e realização de reuniões semanais, nas quais grupos de clientes obtêm informações e dicas sobre adequação alimentar, práticas de atividades físicas moderadas e adoção de hábitos saudáveis gerais. Os clientes, chamados na empresa de ‘associados’, frequentam reuniões motivacionais semanais e pagam pelo serviço de palestras e monitoramento de seu peso. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 7/18 “O programa, em sua base, tem palestras de motivação e a parte prática. O associado quer respostas objetivas, inteligentes e seguras para as suas dúvidas. Mas, ao mesmo tempo, procura apoio e alguém que entende e mostre interesse pelas suas dificuldades e conquistas. Creio que me sinto preparada e com conhecimentos para equilibrar ambas as possibilidades.” (Adela, orientadora VP). Os orientadores são funcionários que conduzem encontros semanais com grupos de clientes do programa de emagrecimento a partir de temas definidos pela matriz (apresentados em palestras motivacionais de 30 minutos em média). Nas palestras, o conhecimento explícito (contido em livretos que são entregues e comentados), se mistura com conhecimento tácito acerca da perda de peso. Para se tornar um orientador VP a empresa estabeleceu ser condição mandatória ter realizado de forma bem sucedida o programa de emagrecimento (processo que eles chamam “tornar-se um associado vitalício”) e manter o seu peso meta (peso saudável estipulado de acordo com padrões estabelecidos pela AMS – Associação Mundial de Saúde – que leva em conta o IMC – Índice de Massa Corpórea – e a altura de cada indivíduo). Segundo essa lógica de recrutamento, focado em ‘associados vitalícios’ como multiplicadores, os orientadores representariam um poderoso acervo de conhecimento tácito para compartilhar com os clientes. “[Transmito] principalmente o conhecimento da vivência do programa, tanto do sucesso quanto das dificuldades. Eles percebem que se a orientadora conseguiu, eles conseguem. (...) O conhecimento teórico do programa unido ao conhecimento prático, leva uma segurança aos associados, que conseguem ver que todos somos capazes de alcançar nossos objetivos: basta colocar em prática e seguir com disciplina o que o programa oferece.” (Renata, orientadora VP). Os orientadores desempenham basicamente o papel de multiplicadores de conhecimento junto aos ‘associados’. Sua tarefa é trabalhar os temas semanais das reuniões e orientar os clientes segundo os passos propostos para a realização do programa. O conhecimento explícito (disponibilizado nos materiais didáticos, segundo orientação científica e pedagógica da matriz norteamericana, que os desenvolve, desde o início da empresa; na década de 1960) é partilhado juntamente com o seu conhecimento acerca das melhores práticas para se alcançar um emagrecimento saudável e duradouro (conhecimento tácito). Os orientadores acompanham a evolução de peso dos ‘associados’ por meio de pesagens semanais, que ficam registradas em históricos individuais. Os orientadores são funcionários contratados no sistema CLT. Recebem salário fixo com direitos trabalhistas, para manter pelo menos dois grupos (reuniões) ativos, mais benefícios adicionais (plano médico, plano dentário e participação nos lucros anuais), ao que se somam comissões por abertura de novos grupos, vendas de materiais e outras premiações possíveis. As reuniões podem ser formadas em horários de conveniência do orientador; em locais variáveis (pode haver grupos em igrejas, escolas, clubes e outros ‘locais itinerantes/móveis’) e segundo a demanda havida. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 8/18 Os encontros VP seguem uma lógica de mecanismos próximos da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), mas seus orientadores não são psicólogos (MAGALHÃES, 2008). Os funcionários responsáveis pelas palestras são repetidamente alertados pela matriz a deixar claro para seus ‘associados’ que em seu trabalho no VP, eles não falam como psicólogos, médicos, fisioterapeutas ou nutricionistas (mesmo que algum orientador tenha, por ventura, qualquer uma dessas formações). “Ali, os orientadores são, tão somente, especialistas no programa VP.”(Sônia, orientadora). Os orientadores são ‘associados vitalícios’. Todos têm que frequentar uma reunião funcional mensal, na qual ocorre a sua pesagem, realizada pela gerente do estado (têm todos que manter o seu peso saudável) e recebem os temas a serem trabalhados no mês seguinte (conteúdo de conhecimento explícito). Tais reuniões são oportunidades para treinamento interno, reciclagem e recebimento de orientações gerais. Uma padronização dos conteúdos específicos dos temas das reuniões, e da forma de apresentá-los, começou a ser organizada em 2007. A partir de 2011, com a contratação de um profissional com experiência em pedagogia empresarial (levado à matriz brasileira para montar uma área interna de Treinamento e Desenvolvimento), as reuniões mensais de funcionários passaram a incluir um momento de treinamento em didática. No mesmo ano, a empresa começou a desenvolver um serviço de coaching interno. Até abril de 2012 o programa de coaching ainda se encontrava em estágio inicial. Naquele momento, ainda se resumia à divulgação de dicas para melhoria de comunicação, feedback e atuação colaborativa para o compartilhamento de conhecimentos. Um portal de intranet dedicado ao compartilhamento de conhecimento, chamado ‘Conexões’, foi lançado no final de 2011, para complementar os esforços de gestão do saber organizacional. Até o primeiro semestre de 2012, servia mais como canal de informações divulgadas pela matriz (sentido vertical) do que uma área para trocas efetivas entre os funcionários. 3.2. REVELAÇÕES DO CAMPO DE PESQUISA Apresenta-se, a seguir, uma consolidação das respostas obtidas durante a pesquisa de campo. Os quadros que seguem resumem as declarações dos entrevistados. Analisou-se a incidência de termos e ideias em suas falas e, a partir daí, foi proposto um agrupamento, segundo temáticas chave pertinentes ao referencial teórico elaborado. Citações da fala das orientadoras ouvidas ilustram trechos das entrevistas. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 9/18 3.2.1 MOTIVAÇÕES INICIAIS PARA SE TORNAREM ORIENTADORES A pergunta: O que te motivou a se tornar um(a) orientador(a) do programa de emagrecimento VP? Aqui, buscou-se verificar a motivação inicial para associados vitalícios se tornarem profissionais que têm na transferência do conhecimento a sua tarefa principal. Motivações para se tornarem Orientadoras Fatores extrínsecos (VROOM, 1964) e fatores higiênicos (HEZBERG, 1968) citados Fatores intrínsecos (VROOM, 1964) e fatores motivacionais (HEZBERG, 1968) citados Ser ajudada Manter o peso, continuar fazendo o programa, continuar em contato com os grupos Horários flexíveis de trabalho; ter tempo livre para outras atividades produtivas; poder conciliar trabalho com lazer Ganhar um dinheiro extra Empregar o conhecimento adquirido Entrar no mercado de trabalho; voltar ao mercado (depois de uma gravidez, por exemplo) Ajudar/ atender/ ensinar/ transmitir experiências e conhecimento para quem apresentava o mesmo problema de peso Fazer a diferença Autoestima, autorrespeito (força despertada, saber que é capaz) Acreditar no programa Encarar um novo desafio Realização profissional; fazer o que gosta (lidar com pessoas); sentir paixão pelo programa e pela atividade de orientar 14 das 20 respostas incluíram termos 17 das 20 respostas incluíram termos associados associados a fatores extrínsecos e/ou higiênicos a fatores extrínsecos e/ou motivacionais Figura 02: Motivações iniciais para as associadas vitalícias se tornarem orientadoras “[Fui motivada a tornar-me orientadora] por paixão, e pelo prazer de poder ajudar e ser ajudada.” (Polly, orientadora VP ). “Emagreci 35 quilos. Quando cheguei à meta de peso saudável, junto com o boletim de Associada Vitalícia veio a ficha para cadastro de interessados em trabalhar na empresa (...) a orientadora e a Auxiliar me motivaram a me candidatar. Identifico-me com o programa, com os conteúdos abordados (mudanças de hábitos alimentares e busca de estilo de vida mais saudável). Valorizo esses aspectos na minha vida. “Aceitar o desafio de fazer algo totalmente diferente do que tinha tentado antes. Até então, sempre fizera apologia do tipo “eu me gosto gorda.” Gosto de trabalhar com abordagens com as quais me identifico. Conciliar trabalho com prazer. “A possibilidade de harmonizar outras atividades profissionais (eu já tinha uma carreira profissional) com a atividade de orientadora, dando reuniões à noite. “Expectativa de ganhos financeiros. ‘Manter o meu peso saudável, pois juntamente com o emagrecimento eu ganhei o controle da hipertensão.” (Carmen, orientadora VP) _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 10/18 3.2.2. INTERESSES E ORIENTADORAS INDÍCIOS DE VALÊNCIA NA FALA DAS Aqui, buscou-se averiguar indícios de valência e interesses pessoais das orientadoras, carregados para a prática profissional da transferência de conhecimento. A análise das motivações das orientadoras também permitiu uma leitura a partir da perspectiva dos “interesses” e “valores” – que justificam suas ações, escolhas e comportamentos. Interesses declarados (HENDRIKS, 1999; TAMPOE, 1996) Valores (valência) sugeridos (VROOM, 1964) Interesse pautado em reciprocidade: desejar Interesses por reconhecimento e apreciação ser também o objeto para obtenção de benefícios e/ou senso de responsabilidade Em 7 das 20 respostas, as entrevistadas Das 20 entrevistadas, 11 declararam declararam objetivamente que ‘manter o peso, objetivamente, em suas respostas, desejos continuar praticando o programa (tendo acesso às altruísticos de ajudar, motivar, atender pessoas e novidades) e continuar sendo ajudadas’ estavam transmitir o conhecimento que adquiriram entre os principais motivos para terem se tornado experimentando nelas mesmas o programa. orientadoras. Como são ‘associadas vitalícias’, objetivam continuar participando, de perto, do programa de emagrecimento. (Uma atitude mais egocentrada) (Uma atitude mais altruísta) Figura 03: Interesses declarados na fala das orientadoras, para trabalhar como multiplicadoras de conhecimento “O que me motivou a ser orientadora do VP foi a oportunidade de transmitir às pessoas com problema de peso tudo aquilo que foi importante para a minha qualidade de vida. Além disso, poder me manter em contato direto com um programa que sempre enxerguei como inteligente, dinâmico e sustentável.” (Maria Isabel, orientadora VP). “Queria muito voltar ao mercado de trabalho, mas não queria ficar muito tempo longe do meu filho, e também queria continuar tendo tempo para trabalhar. O programa é algo que eu tinha absorvido muito bem e gosto de trabalhar com pessoas. Era a oportunidade de tentar algo diferente, que eu acreditava realmente, pois para mim, deu certo.” (Andrea, orientadora VP). 3.2.3. MOTIVAÇÕES ORIENTADORAS QUE AS MANTÊM TRABALHANDO COMO A pergunta: Você ainda se considera motivado(a) com a atividade de orientador(a)? Em caso afirmativo, o que te motiva a continuar? Buscou-se aqui, identificar a motivação dos funcionários, para continuar transmitindo conhecimento explícito (do programa VP) e tácito (das dicas para o emagrecimento), como atividade profissional. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 11/18 Motivações para continuarem como Orientadoras Fatores extrínsecos (VROOM, 1964) fatores higiênicos (HEZBERG, 1968) citados e Ser lembrada como fonte de conhecimento e inspiração (ser vista pelos seus grupos como “uma autoridade” ou “referência” no assunto emagrecimento) Ser reconhecida/ homenageada como corresponsável pelo sucesso do Associado Possibilidade de conciliar com outra atividade profissional. Horários e locais de trabalho que permitem flexibilidade Manter-se “atuante” no mercado de trabalho Manter o seu peso saudável por continuar a fazer o programa ativamente Boas condições de trabalho: dinâmico e não repetitivo Fatores intrínsecos (VROOM, 1964) e fatores motivacionais (HEZBERG, 1968) citados Identificação com o programa (“ter se apaixonado” pelo que faz). Sentir prazer; realização naquilo que faz; sentir-se competente e capaz O sucesso dos Associados; perceber que ajuda e motiva os Associados Seu próprio desenvolvimento e bem estar pessoal; autorrealização Empatia, aproximação, formação de laços fortes com os Associados (sentimento de grupo; de pertença) compartilhando experiências e estratégias para mudanças Senso de responsabilidade; sensação de dever cumprido; realização 8 das 20 respostas incluíram termos associados a fatores extrínsecos e/ou higiênicos, como motivos para continuar atuando como orientadoras. 20 das 20 respostas incluíram termos associados a fatores intrínsecos e/ou motivacionais como a razão para a continuidade de sua atuação como orientadoras. Figura 04: Motivações declaradas pelas orientadoras para continuarem no VP atuando como multiplicadoras de conhecimento “[O que me motiva a continuar sendo orientadora é] a oportunidade de fazer a diferença na vida dos Associados que eu oriento. Cada Associado que consegue seus resultados deixa em mim a sensação de vitória; de conquista. É muito bom ver os rostinhos felizes de cada um deles contando seus resultados vitoriosos; como isso foi importante para a vida deles e o quanto esta “corrente” ajuda cada vez mais e mais pessoas.” (Maryléa, orientadora VP). “O prazer de ver os resultados, o carinho que recebo e posso oferecer, o fato de me manter dinâmica no mercado de trabalho, os horários compatíveis com a minha vida pessoal, além do retorno financeiro, é claro!” (Adela, orientadora VP). “Adoro o meu trabalho. Acredito no que faço e principalmente pude realizar a proposta que me levou a ser uma Orientadora; ajudar as pessoas a realizarem seus sonhos de emagrecer e permanecer em seu peso ideal. Fico muito feliz quando recebo meus associados vitalícios que, além de vir me visitar (pois criamos um forte laço de amizade e cumplicidade), continuam em seu peso ideal já há muitos anos, assim como eu. Quando acontece o contrário (alguns voltaram a engordar, mas nunca o tanto quanto emagreceram), voltam acreditando que posso ajudá-los mais uma vez.” (Suely, orientadora VP). “Quando recebo algum associado dizendo que pensou sobre algo que foi dito na palestra, ou que se sente motivado e capaz de conseguir; que gosta da energia das reuniões, enfim, saber que consegui, de certa forma, motivar alguém a buscar-se, é motivador para mim. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 12/18 Sentir realmente que faço parte de algo bom e que sou um instrumento disto tudo, capaz de atingir de forma positiva. Isso, sem dúvida, é muito gratificante.” (Renata, orientadora VP). 3.2.4. TIPO DE CONHECIMENTO QUE AS ORIENTADORAS DECLARARAM COMPARTILHAR Finalmente, foi pedido que as orientadoras entrevistadas indicassem o tipo de conhecimento que percebem transmitir. A pergunta: Que tipo de conhecimento você percebe que transmite aos associados do VP? Duas entrevistadas limitaram-se a listar os assuntos abordados pelo programa de emagrecimento, como se fizessem um checklist de procedimentos que um associado deveria seguir. As demais falaram mais amplamente, combinando sua percepção relativa a conhecimento explícito (conteúdos do programa), com conhecimento tácito permeado de forte conteúdo emocional. “Mais do que programa alimentar, já bem explicado pelo material divulgado a cada semana, tento fortalecer as pessoas a desenvolverem hábitos saudáveis que se baseiam também em buscar força e qualidades interiores que estão dentro de cada um e que só precisam acordar e fortalecer a cada semana. É motivação pura; para que ele consiga ser vitalício e reter seu sucesso, multiplicando e divulgando, levando seu testemunho a outros.” (Micci, orientadora VP). “O VP tem associados de todos os tipos, dessa forma, o conhecimento é total. Científico, técnico, autoconhecimento, motivacional, para que todos possam abraçar as mudanças necessárias referentes a um novo estilo de vida.” (Agnes, orientadora VP). “Segurança, confiança, autoestima. Aprendi que não podemos emagrecer apenas o corpo, mas nossa cabeça também deve pensar magro. Também falo para eles como era o meu relacionamento com a comida antes e como é hoje. Passo para os meus associados exatamente o que aprendi: um emagrecimento completo.” (Suely, orientadora VP). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 13/18 4. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS As teorias da motivação não devem ser abordadas de forma estanque, quando tratamos da compreensão da dinâmica para o compartilhamento e trocas de conhecimento. As bases teóricas auxiliam-nos a compreender de forma integrada o que pode direcionar os comportamentos dos agentes envolvidos na transferência do conhecimento. O compartilhamento de conhecimento não é um processo estanque, que acontece por si só. É, outrossim, um processo interdependente a uma série de fatores sobre os porquês do conhecimento ser compartilhado, a forma como isso se dá e os atores implicados nesta dinâmica (detentores do conhecimento e reconstrutores do conhecimento). 4.1. RESULTADOS, CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES Realizando uma leitura do caso apresentado, a partir da tipologia proposta por Hezberg (1987; 1968), as principais motivações das Orientadoras VP são pronunciadamente ligadas a fatores motivacionais. Tal caráter motivacional ganha um aspecto positivo se confrontado com a visão de Hendriks (1999), quando este postula que, do contrário, se as motivações estiverem alicerçadas sobre fatores higiênicos, o compartilhamento de conhecimento é menos propenso a ocorrer. Segundo Tampoe (1996) e Hendriks (1999) elaborando sobre a teoria de Hezberg (1987; 1968): i. as pessoas compartilham conhecimento porque esperam reconhecimento e apreciação pelo seu trabalho intelectivo, por oportunidades de obter promoções ou por causa de um senso de responsabilidade; ii. as pessoas compartilham conhecimento porque esperam ou desejam obter reciprocidade, ou seja, que os outros também compartilhem o que sabem. Dessa forma, aqueles que compartilham conhecimento no presente, serão escolhidos para se tornar, em outros momentos, novos reconstrutores do conhecimento. Ratificar (ou refutar) o sugerido por tais autores, no contexto VP, enquadrou-se entre as possibilidades de revelações do campo de pesquisa. Os achados desta pesquisa sugerem uma integração pertinente entre as duas principais dimensões do framework teórico aqui elaborado: compartilhamento de conhecimento e motivação. Altos níveis de motivação subjetiva associados a vínculos emocionais favorecem a inclinação dos indivíduos (VROOM, 1964; HEZBERG, 1968) a compartilhar conhecimento tácito (TAKEUSHI e NONAKA, 2008). A partir do envolvimento e comprometimento pessoal dos orientadores VP com as temáticas que são pauta de sua atividade laboral cotidiana, esses excedem os limites meramente expositivos da transferência de um conhecimento explícito contido nos materiais que acompanham os temas das palestras. O envolvimento emocional confere ao conhecimento tácito compartilhado um conteúdo mais vivencial [do conhecimento geral a ser transmitido]. Tanto para os detentores desse conhecimento, quanto para aqueles que o recebem (segundo observações das próprias os orientadoras). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 14/18 Observou-se um tipo de motivação que aqui será chamada de altruística (ajudar o próximo) e um tipo de motivação que pode ser entendida como egoística (continuar fazendo o programa sem ter que pagar por ele, obtendo monitoramento mensal do próprio desempenho para manterem-se no peso saudável, e ainda sendo pagas para isso); que caminham lado a lado. Um exemplo disso são as declarações que combinam a ideia de “ajudar quem tem problemas de peso [como eu tive]” com a ideia de “ser ajudada, pelo programa e pelo grupo, a manterme no peso.”. Uma evidência que se tornou patente a partir das observações realizadas, está relacionada aos diferentes drives motivacionais, quando em dois momentos distintos da carreira de orientador. No momento que trata das motivações iniciais (aquelas que levaram as entrevistadas a escolherem se tornar multiplicadoras de conhecimento), observou-se um equilíbrio entre fatores intrínsecos e extrínsecos; entre motivacionais e higiênicos. Entretanto, os motivos declarados para a sua permanência como orientadoras – e talvez, por esse motivo mesmo essas entrevistadas continuem na atividade (ante outras que não estejam mais na empresa) – são os fatores intrínsecos e motivacionais, carregados em suas falas de grande teor emocional. Esses foram citados muito mais frequentemente que fatores extrínsecos ou higiênicos. Portanto, percebe-se adequação entre o que foi observado no VP, em termos de motivação de suas orientadoras, e o conceito de tacitness amplamente trabalhado por Takeushi e Nonaka (2008): quanto mais conhecimento tácito, maior a necessidade de envolvimento pessoal/ emocional daqueles agentes que o transmitirão no sistema. O que, por sua vez, se harmoniza com as proposições de Hansen et al (1999) que preconizam que tanto mais tácito o conhecimento a ser empregado, tanto maior deverão ser os mecanismos informais utilizados para a transmissão desse conhecimento. Finalmente, a pesquisa que se apresenta, contribui para os estudos acadêmicos administrativos, no sentido de sinalizar para a adequação da combinação entre postulados de teorias da motivação (HEZBERG, 1968; VROOM, 1964), e estudos mais recentes sobre transferência/ compartilhamento do conhecimento (TAKEUSHI & NONAKA, 2008; HANSEN et al, 1999; DAVENPORT & PRUSAK, 1998; TISSEN at al, 1998; JONES et al, 1997; DARR et al, 1995). 4.2. LIMITAÇÕES DO ESTUDO Algumas limitações, entretanto, podem ser identificadas no estudo. Com referência à amostra observada, seu tamanho impossibilita uma generalização, ainda que representando metade do contingente de orientadoras que trabalham no estado de São Paulo – maior mercado do VP. O fato das entrevistas terem sido pessoais (ao invés do uso de questionários anônimos), também pode ter exposto o estudo a vieses. Não foi propósito, deste artigo, investigar o estágio de carreira em que se encontrava cada sujeito entrevistado (não contemplamos questões sobre sua satisfação profissional geral; averiguação sobre possíveis momentos de transição; estágios de desenvolvimento – ou estagnação – de sua carreira como ‘trabalhadores do conhecimento’). Reconhece-se que o envolvimento emocional dos associados vitalícios com o programa e, consequentemente com a empresa, pode ter influenciado suas motivações para que esses tivessem se tornado multiplicadoras de conhecimento VP – uma vez que ter realizado o programa, de forma bem sucedida; tornando-se ‘vitalício’ e desejoso de manter o peso ideal, é _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 15/18 uma condição mandatória para candidatar-se à posição de ‘orientador’. Desta forma, por não serem ‘vagas’ abertas a qualquer profissional do mercado; uma investigação acerca das motivações de tais profissionais apresentaria, a priori, grandes possibilidades de esbarrar em um contexto de identificação emocional, como o que se sugere aqui. Ainda que figure como uma limitação do estudo, impossibilitando a sua generalização, é válido propor que os achados desta pesquisa tragam alguma contribuição teórica e prática para a área de Administração. Implicações contributivas, à formação de teoria, e articulação de práticas administrativas trazidas por este trabalho, tem a ver com a atenção dada aos ‘trabalhadores do conhecimento’ no tocante à motivação para continuarem a desenvolver o seu trabalho de transferência/ compartilhamento: foco deve ser dado (e esforços devem ser feitos) ao fomento de fatores intrínsecos (VROOM, 1964) e motivacionais (HEZBERG, 1968). 4.3. AGENDA DE PESQUISA Considera-se pertinente a elaboração de um estudo quantitativo guiado por um instrumento de verificação anônimo, que busque medir o grau de satisfação dos orientadores e que verifique uma possível correlação entre tal grau de satisfação e as motivações daqueles ‘trabalhadores do conhecimento’ para atuar como multiplicadores de conhecimento tácito. Um objetivo adicional seria realizar uma verificação quantitativa das evidências que foram demonstradas neste estudo qualitativo, ratificando-as, ou mesmo contestando-as. De igual forma sugere-se pertinente uma investigação que relacione a atuação dos administradores (supervisores diretos da equipe, coaches, gerentes regionais) sobre a motivação dos orientadores (foco nos fatores extrínsecos da motivação). Relacionar o nível de satisfação dos orientadores com o que mais valorizam (identificando a valência de suas motivações) e realizar, ao final, uma triangulação entre os achados, poderia fornecer um quadro mais completo da dinâmica pertinente a esta temática. Finalmente, sob o ponto de vista dos clientes que são atendidos pelos orientadores, mostrase potencialmente lucrativa, em termos teóricos e das práticas gerenciais, uma investigação que relacionasse a motivação dos orientadores e os níveis de retenção de conhecimento, por aqueles que o receberam. As revelações do campo de pesquisa indicam impactos significativos (em termos de retenção e reconstrução), naqueles que recebem conhecimentos – este é mais um tema que poderá ser investigado de forma mais detalhada em estudos futuros. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 16/18 5. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO BEDRAN JÚNIOR, P.E. & OLIVEIRA, J.L.C.de. Motivação no trabalho: avaliando o ambiente organizacional. V Congresso Nacional de Excelência em Gestão. Julho, 2009. DAVENPORT, T.H. & PRUSAK, L. Working Knowledge, Boston MA Harvard Business School Press, 1998. DARR, E.D., ARGOTE, L. & EPPLE, D. The Acquisition, Transfer, and Depreciation of Knowledge in Service Organizations: productivity in Franchises. Management Science, vol. 41, n. 11, Focused Issue on Service Management (Nov., 1995), pp. 1750-1762. EISENHARDT, K.M. Building theories from case study research. 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