Anais do IX SIMCAM Simpósio de Cognição e Artes Musicais Marcos Nogueira, editor Anais do IX SIMCAM Simpósio de Cognição e Artes Musicais Universidade Federal do Pará Valéria Cristina Marques, Coordenadora Geral Belém, 27 a 30 de maio de 2013 Realização: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA Reitor Carlos Edilson de Almeida Maneschy Vice-Reitor Horácio Schneider Pró-Reitor de Planejamento Raquel Trindade Boges Pró-Reitor de Administração Edson Ortiz de Matos Pró-Reitor de Relacões Internacionais Flávio Augusto Sidrim Nassar Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal João Cauby de Almeida Júnior Pró-Reitora de Ensino de Graduação Marlene Rodrigues Medeiros Freitas Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitor de Extensão Fernando Arthur de Freitas Neves INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE Diretor Geral Celson Henrique Sousa Gomes Diretora Adjunta Benedita Afonso Martins ESCOLA DE MÚSICA Diretora Valéria Cristina Marques Vice-Diretora Thais Cristina Santana Carneiro Coordenador dos Cursos Técnicos da Escola de Música André Alves Gaby Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Música Cristina Mami Owtake Coordenação do Curso de Licenciatura em Musica – Parfor Ana Margarida Camargo Coordenação dos Cursos Técnicos – Pronatec Alessandra Ferreira Castro Coordenação da Câmara de Ensino Carlos Augusto Pires Vasconcelos Coordenação da Câmara de Pesquisa Alexandre Contente Coordenação da Câmara de Extensão Maria José Pinto da Costa de Moraes Promoção: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS Presidente Beatriz Raposo de Medeiros Vice-Presidente Maurício Dottori Secretária Clara Márcia de Freitas Piazzetta Tesoureiro Antenor Ferreira Correia Relações Públicas Rael Gimenes Toffolo Web Designer Pedro Paulo Santos COMITÊ CIENTÍFICO – SIMCAM9 Diretor Marcos Nogueira Coordenadores de Subárea Antenor Corrêa Clara Piazzetta Luis Felipe Oliveira Marcelo Gimenes Rosane Cardoso Araújo Sonia Ray Pareceristas Antenor Ferreira Corrêa, Beatriz Raposo de Medeiros, Caroline Brendel Pacheco, Clara Piazzetta, Clayton Vetromilla, Danilo Ramos, Diana Santiago, Graziela Bortz, Guilherme Bertissolo, Gustavo Gattino, Hugo Ribeiro, José Eduardo Fornari, Juan Anta, Leomara Craveiro de Sá, Luis Felipe Oliveira, Marcelo Gimenes, Marcos Nogueira, Marcus Alessi Bittencourt, Maurício Dottori, Maria Bernardete Castelan Póvoas, Marly Chagas, Noemi Ansay, Norton Dudeque, Pauxy Gentil-Nunes, Regina Antunes Teixeira dos Santos, Rita de Cássia Fucci Amato, Rosane Cardoso de Araújo, Rosemyrian Cunha, Sonia Ray, Thelma Alvares, Valentina Daldegan, Viviane Beineke IX SIMPÓSIO DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS – SIMCAM9 (INTERNACIONAL) Coordenação Geral Valéria Cristina Marques Presidente do Comitê Científico Marcos Nogueira Coordenação Executiva Cristina Mami Owtake Coordenação de Produção Adriana Clairefont Melo Couceiro Comissão Executiva Ana Margarida Lins Leal de Camargo Alexandre Contente Rômulo da Mota Queiroz Comissão de Comunicação Filipe Leitão Isac Rodrigues de Almeida Comissão de Infra-Estrutura Thais Cristina Santana Carneiro Lucas Oliveira Negrão Sérgio Roberto Damous Pereira Raul Vitor Oliveira Paes Comissão Artística Joziely Carmo de Brito Alessandra Ferreira Castro Comissão Financeira Rômulo da Mota Queiroz Ailana Guta Rodrigues Vieira Secretaria Geral Flaviana Moraes Pantoja Assistentes de Produção André Wilkes Louzada D’Albuquerque, Brena Cristina Souza Cordovil, Camila Silva Costa, Carlos Henrique Cascaes dos Santos, Diego Oliveira Quadros, Dhulyan Contente Paulo, Geraldo Carlos Silva de Sousa, Hézio Hiverlley Saldanha da Silva, Mara Lúcia Sousa da Silva, Ozian de Sousa Saraiva, Rafael Barros Barbosa, Regiane Lúcia Farias Freire, Rubens Estanislau Santos das Neves, Sandro dos Santos Santarém, Kezia Andrade Soares. Produção Gráfica e Logomarca Simcam9 Filipe Leitão CADERNO DE PROGRAMAÇÃO SIMCAM9 Diagramação Mariane Smith dos Santos Revisão Valéria Cristina Marques Cristina Mami Owtake Ana Margarida Lins Leal Camargo Adriana Clairefont Melo Couceiro Filipe Leitão SITE SIMCAM9 Coordenação e Design Filipe Leitão Desenvolvimento e Manutenção Leandro Machado Sousa - Plugue.net Conteúdo Valéria Cristina Marques Cristina Mami Owtake Adriana Clairefont Melo Couceiro Tradução Rômulo da Mota Queiroz Alexandre Contente Apresentação Prezado e prezada participante, S entimo-nos honrados e felizes com a sua presença na nossa cidade, na nossa universidade. Mais do que participar do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – SIMCAM9 (Internacional), você está participando de uma celebração: neste ano de 2013, comemoramos 50 anos de atividades musicais ininterruptas na Universidade Federal do Pará. Receber você aqui, para o SIMCAM9 (Internacional), é mais do que sediar um evento tão importante. É compartilhar com você e com todos, esses momentos de alegria, de confraternização e de renovação de esforços para a manutenção e a expansão dos nossos ideais de formação musical. Dentre todas as áreas de pesquisa em música, a cognição musical tem sido, desde sua origem, aquela que melhor acolhe e congrega todas as dimensões das atividades musicais. Sua natureza trans/multi/interdisciplinar permite a abordagem dos fenômenos musicais em variadas e diversificadas perspectivas, cada uma delas contribuindo, a seu modo, para a compreensão do complexo conjunto das atividades humanas às quais denominamos, de alguma maneira, MÚSICA. Portanto, o fato de estarmos iniciando a comemoração dos nossos 50 anos com o SIMCAM9 (internacional) é para nós de extrema significância. 9 Ao possibilitar o encontro de alunos, professores, pesquisadores, profissionais e comunidade em geral com a produção nacional e internacional na área de cognição musical, a realização do SIMCAM9, pela primeira vez em Belém, marca o início de uma nova etapa na qual as ferramentas conceituais da cognição musical se tornam acessíveis a um número maior de pessoas da nossa região. Por isso, queremos agradecer imensamente a todos os membros da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM), na pessoa da sua Presidente, Dra. Beatriz Raposo de Medeiros, pelo presente que nos deram aceitando vir a Belém para compartilhar seus conhecimentos e experiências; ao comitê científico e a todos os pareceristas, liderados tão competentemente pelo Dr. Marcos Nogueira, por nos brindarem com seu valoroso trabalho; a todos os setores da Universidade Federal do Pará que apoiaram incondicionalmente a realização do evento; aos docentes, técnicoadministrativos e alunos da Escola de Música da Universidade Federal do Pará, que com entusiasmo e dedicação participam da organização e da execução do SIMCAM9. Em especial, queremos agradecer aos autores e aos convidados nacionais e estrangeiros pela generosidade de compartilhar seus conhecimentos. De igual maneira, agradecemos a você, por sua carinhosa presença nesta celebração. Desejamos que esses dias sejam alegres e profícuos. 10 Esperamos que, ao nos despedirmos, tenhamos a certeza de que conseguimos revigorar e reforçar os laços que nos unem na ampliação e no desenvolvimento dos estudos e das investigações na área de cognição musical na Região Norte brasileira e, consequentemente, em todo o Brasil: nosso maior objetivo. Estamos, de fato, extremamente felizes por você estar aqui. Valéria Cristina Marques Coordenadora Geral – SIMCAM9 (Internacional) S ete anos aproximadamente decorreram desde o primeiro SIMCAM, idealizado e realizado por Beatriz Ilari, até a preparação inicial do nono SIMCAM, quando sugeri à Valéria Marques o tema geral: Estruturas cognitivas: tendências teóricas e empíricas. E agora, oito anos depois do SIMCAM inicial, chegamos a mais uma versão internacional do simpósio, desta vez, em meio à floresta amazônica e à beira do rio Guamá. Trazer ainda mais a norte do Brasil este SIMCAM, já é motivo de comemoração. Chegar a mais uma edição dos Anais do SIMCAM é mais um motivo para celebrarmos o trabalho da pesquisa em cognição musical que se renova no Brasil e recebe a contribuição de pesquisadores de outras partes do mundo. Devidamente fortalecidos pelo espírito das celebrações, devemos aproveitar ao máximo nossa condição de participantes aqui e agora do SIMCAM 9 para contribuir ainda mais, em nossas discussões presenciais, com a área de pesquisa em cognição e artes musicais no país. A escolha do tema geral se pauta fundamentalmente sobre a ideia de abarcar diferentes visões sobre cognição. As pesquisas de linhagem dualista, que separam a mente abstrata do corpo físico, bem como as de linhagem integrativa, em que o corpo é também estrutura cognitiva, teriam espaço sob o tema que busquei ser genérico o bastante e para o qual evitei conceitos como “mente”, ou qualquer outro que limitasse o tema a uma determinada visão em ciência da cognição. 11 Em meio aos trabalhos deste ano, subjaz apenas tenuamente uma opção pelo cognitivismo tradicional, e muitas vezes o trabalho empírico ou o estudo de caso, ou mesmo o experimental não evidenciam sua base teórica. Assim, convido todos os participantes deste SIMCAM amazônico a discutir a memória, o desenvolvimento musical, a performance musical, a gestualidade, os movimentos corporais, o ensino/aprendizado de música e a musicoterapia à luz da seguinte pergunta: o que o aspecto estudado explica sobre as estruturas cognitivas da música? Estou certa de que cumpriremos esta resposta ao longo dos quatro generosos dias de simpósio, dias esses vislumbrados há mais de um ano pela organização local, a quem expresso meus agradecimentos, aqui, juntamente com os agradecimentos ao Marcos Nogueira, diretor científico do simpósio. Beatriz Raposo de Medeiros Presidente da ABCM 12 com imensa satisfação que vemos, mais uma vez, o Simpósio de Cognição e Artes Musicais, SIMCAM, agora em sua 9ª edição, trazer a público um conjunto importante de comunicações de pesquisa nas diferentes subáreas da Cognição Musical. Cumpre destacar dois fatos relevantes que marcam o evento, em 2013. Este ano o principal fórum brasileiro de pesquisa em cognição musical completa sua passagem por todas as regiões do país, e os resultados não poderiam ser diferentes: a cada ano verificase uma participação mais consistente de pesquisadores radicados em todas as regiões brasileiras. Isso concorre para a minimização de um dos principais problemas assinalados pelos órgãos públicos que regulam e fomentam a pós-graduação e a pesquisa no país, qual seja o da notável assimetria dos centros de pesquisa e da produção em pós-graduação no território nacional. É com grande expectativa que vemos, portanto, na realização do SIMCAM pela Universidade Federal do Pará o ponto de partida para uma participação crescente de pesquisadores da Região Norte em pesquisa cognitiva na nossa área, de modo a que suas contribuições não tardem a se tornar efetivas. É O segundo fato a ser salientado é o significativo estreitamento dos laços da pesquisa brasileira em Cognição Musical com diversos centros de pesquisa e pesquisadores estrangeiros, com especial destaque para os latino-americanos. Além das pesquisas apresentadas pelos convidados estrangeiros, o SIMCAM9 coloca em discussão trabalhos apresentados por colegas de Itália, Portugal, Argentina, Chile e Colômbia. Não à toa este ano 13 marca também o início de um processo de formalização de convênios e acordos de cooperação da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais, ABCM, com instituições da América do Sul dedicadas à pesquisa na área. Entende-se como essencial a ampliação dessa rede para além do nosso continente. A comunidade científica encontrará nesta edição do Simpósio a publicação de pesquisas em: cognição musical e ergonomia; desenvolvimento cognitivo, psicomotricidade e práticas motivacionais em educação musical; musicoterapia; cognição e abordagem sistêmica em música; emoção e ansiedade em performance musical; memória e recepção da forma musical; cognição musical, imagem e linguagem; atenção, decodificação e percepção auditiva. Os trabalhos foram programados em sessões de apresentação oral, durante o evento, considerando-se alguns critérios de afinidade temática. Assim, os textos completos são aqui apresentados levando-se em conta esta ordem de apresentação. Todo o conteúdo do presente volume, conhecido durante o evento, será posteriormente disponibilizado no sítio eletrônico da ABCM. 14 Merecem todo o nosso respeito e agradecimento a equipe organizadora da UFPA, representada por sua coordenadora geral, Drª. Valéria Cristina Marques, pela iniciativa e esforço para realizar este evento tão significativo para o desenvolvimento da área no país, e a diretoria da ABCM, na pessoa de sua presidente, Drª. Beatriz Raposo de Medeiros, que vem obtendo conquistas importantes para a consolidação da principal entidade promotora da pesquisa em Cognição Musical no país. Agradeço, pessoalmente, o convite para presidir o comitê científico do Simpósio, assim como a generosidade com que diretores de avaliação e pareceristas aceitaram a tarefa de examinar os trabalhos submetidos. Marcos Nogueira Diretor Científico do SIMCAM9 Sumário PROGRAMAÇÃO GERAL, 20 CONFERÊNCIAS, 25 Reinhard Kopiez O audiovisual na performance musical como um desafio para a psicologia da música Fred Cummins Falando ao mesmo tempo: como podemos ser um ao falarmos Marcela Lichtensztejn Reabilitação neurológica e música: avanços em Musicoterapia MESAS REDONDAS Resumos, 31 PAINÉIS Música, Memória e Emoção, 37 Coordenação: Marcelo Gimenes Ronaldo da Silva, Ricardo Goldemberg, Marcelo Gimenes Em busca de um modelo de memória aplicável à audiação notacional, 38 Ana Carolina Tenorio, Raquel Mendes Rochia Santos, Marcelo Gimenes Emoção e ansiedade na performance musical, 50 Claudia Coutinho Liedke, Marcelo Gimenes Educação musical e texturas - Uma abordagem multissensorial, 62 Motivação, Tecnologia e Criação Musical, 73 Coordenação: Rosane Cardoso de Araujo Anna Rita Addessi, Rosane Cardoso de Araujo, Marina Maffioli, Fabio Regazzi, Gualtiero Volpe, e Barbara Mazarino Designing the MIROR-Body Gesture framework for music and dance creativity, 74 15 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Rosane Cardoso de Araujo, Anna Rita Addessi Children's musical improvisation in an interactive/reflexive musical context: an study, 95 Igor Mendes Krüger, Rosane Cardoso Araujo O Processo de aprendizagem da composição musical em aulas coletivas por meio das experiências vicárias, 106 16 COMUNICAÇÕES ORAIS Marcos dos Santos Moreira, Jairo Tadeu Brandão Ribeiro Performance pianística: Cognição e movimentos articulares na execução em estudos, 119 Sara Moraes, Ana Paula Perfetto Demarchi Avaliação ergonômica do trabalho dos violinistas da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL), 127 Guilherme Bertissolo Dinâmicas da experiência: abordagens para a relação músicamovimento, 139 Fernando Martins de Castro Chaib, João Catalão, Homero Chaib Filho A influência do gesto na performance em percussão: Análise percentual de dados experimentais, 149 Fernando Martins de Castro Chaib, Homero Chaib Filho, João Catalão A influência do gesto na performance em percussão: Análise fatorial de correspondências sobre dados experimentais, 161 André José Rodrigues Jr Desenvolvimento musical em crianças de 12 a 18 meses: um estudo exploratório, 173 Aparecida Camargo, Rosane Cardoso Araújo, Tiago Madalozzo O Projeto “Música & Cognição”, 183 Jessika Castro Rodrigues Contribuições do aprendizado musical para o desenvolvimento da área psicomotora de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, 194 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Tonia Gonzaga, Claudia Regina de Oliveira Zanini Relações entre Música, Musicoterapia e desenvolvimento cognitivo da criança com deficiência mental, 203 Ludmila Rodrigues da Silva, Claudia Regina de Oliveira Zanini Música, Musicoterapia e Emoção em interfaces com a Cognição, 214 Amanda Veloso Garcia Uma abordagem sistêmica em música, 225 Genoveva Salazar Hakim Práticas de audição em agrupações musicais do Proyecto Curricular de Artes Musicales, 238 Joziely Carmo de Brito Desenvolvimento cognitivo musical da criança de cinco anos com implicações ao ensino coletivo do violino, 250 Jonathan Guimarães e Miranda, Elizabeth Sumi Yamada, Sérgio Figueiredo Rocha, Sonia Maria Moraes Chada Ansiedade de performance musical entre estudantes de música de Belém do Pará: investigação através da Escala K-MPAI, 261 Ana Ester Correia Madeira, Teresa Mateiro Peculiaridades da motivação no contexto de uma aula de música, 273 Erico Artioli Firmino, José Lino Oliveira Bueno Efeitos de modulações tonais súbitas e gradativas entre tonalidades menores próximas e distantes sobre estimações subjetivas de tempo, 285 Marcelo Muniz, Maria Inês Nogueira Emoção e significado em música: um novo olhar sobre as propostas de Leonard B. Meyer, 297 Danilo Ramos, Adriano Elias, Elder Gomes da Silva Cultura e memória: considerações sobre a recepção musical, 308 Regina Antunes Teixeira dos Santos, Cristina Capparelli Gerling Considerações acerca do andamento: interpretações de pianistas profissionais e pós-graduandos do Ponteio 45 de Guarnieri, 319 17 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 18 Leandro Gumboski Interações entre A Generative Theory of Tonal Music e o Conceito de Dissonância Métrica: para um novo modelo analítico, 331 Eduardo Fabricio Frigatti No limite da terra fértil: breves considerações sobre o fracasso da forma musical, 342 Pablo Sebastián Toledo, Juan Fernando Anta Incidencia de la dispersión de las alturas en la inducción tonal, 350 Marcelo Fernandes Pereira Escrita polifônica e desenvolvimento motívico contidos no Estudo n.1 para violão de Camargo Guarnieri, revelados pelas considerações de John Sloboda a respeito de streams de alturas, 361 Juan Pablo Emilio Robledo Geração de intervalos musicais na fala em situações interacionais, 372 Andre Checchia Antonietti, Claudiney Rodrigues Carrasco O entendimento da canção “Me deixas louca” na trilha musical do seriado “A vida como ela é...”, 383 José Roberto do Carmo Jr Gramática da interação Texto-Melodia na canção popular, 394 Paulo José de Siqueira Tiné A estruturação poética da fraseologia em alguns exemplos de música popular do Brasil, 405 Jose Eduardo Fornari Aspectos sinestésicos da taxonomia do timbre musical, 417 Leandro Gumboski Bulgarian Bulge, de Don Ellis: um estudo analítico, 428 Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira, Antonio Deusany de Carvalho Junior A escuta da mídia: um estudo sobre a percepção de sons e música, 440 Ana Carolina Rodrigues, Maurício Loureiro, Paulo Caramelli Efeito do treinamento musical em diferentes modalidades da capacidade de atenção visual, 452 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Andre Sinico, Fernando Gualda, Leonardo Loureiro Winter Ansiedade na performance musical: um estudo sobre flautistas, 464 Anderson Cesar Alves, Ricardo Dourado Freire Expertise e motivação na performance musical, 477 Danilo Ramos, Juliano Carpen Schultz A comunicação emocional entre intérprete e ouvinte no repertório brasileiro para trombone e trompete, 489 Nery Borges, Werner Aguiar Relação entre pontos de referência e tipos de memória no processo de memorização do Estudo nº 7 para violão de Heitor Villa-Lobos, 500 Pablo da Silva Gusmão, Josemar Dias Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para Percepção Musical no ensino superior, 511 Graziela Bortz Decodificando níveis estruturais no solfejo melódico tonal, 522 Favio Shifres, María Inés Burcet Fatores expressivos e dramáticos na subjectiva estimação do tamanho dos intervalos melódicos, 533 Nayana Di Giuseppe Germano, Patricia Maria Vanzella, Mariana Elisa Benassi Werke, Maria Gabriela Menezes Oliveira Categorização de ouvido absoluto em estudantes de música de nível universitário das cidades de São Paulo e Brasília, 545 GRUPOS DE ESTUDO Música, Cognição e Saúde, 559 Criação Musical e Cognição, 561 Semântica Cognitiva e Música, 563 19 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Programação Geral Horário 27 de maio Segunda-feira 28 de maio Terça-feira 09:00 Sessões de Comunicações Orais Local: Atelier de Arte 11:05 Café com Arte Local: Centro de Eventos 11:30 Conferência “Speaking together how we speak as one” Fred Cummins (Irlanda) Local: Centro de Eventos 12:30 Almoço 15:00 Credenciamento Local: Centro de Eventos 16:00 Concerto Especial Sonia Ray Local: Centro de Eventos Painel Temático 2 Local: Centro de Eventos 17:00 Abertura Oficial Local: Centro de Eventos Café com Arte Local: Centro de Eventos 17:30 Conferência “Audio-visual music performance as a challenge to music psychology” Reinhard Kopiez (Alemanha) Local: Centro de Eventos Mesa redonda Reinhard Kopiez Cristina Capparelli Gerling Marcelo Gimenes Local: Centro de Eventos 18:30 EMUFPA Jazz Band Local: Centro de Eventos Grupos de Estudo Local: Atelier de Arte 19:30 Confraternização Local: Centro de Eventos Carimbolada Local: Atelier de Arte 20 Painel Temático 1 Local: Atelier de Arte Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 29 de maio Quarta-feira Horário 30 de maio Quinta-feira 09:00 Sessões de Comunicações Orais Local: Atelier de Arte Sessões de Comunicações Orais Local: Atelier de Arte 11:05 Café com Arte Local: Centro de Eventos Café com Arte Local: Centro de Eventos 11:30 Mesa redonda Cristina Zamani Cléo Monteiro Correia Gustavo Gattino Local: Centro de Eventos Conferência “Rehabilitación neurológica y música: avances em Musicoterapia” Marcela Lichtensztejn (Argentina) Local: Centro de Eventos 12:30 Almoço Encerramento Local: Centro de Eventos 15:00 Assembleia da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM) Local: Centro de Eventos 17:00 Café com Arte Local: Centro de Eventos 17:30 Mesa redonda Fred Cummins Beatriz Raposo de Medeiros Luiz Felipe Oliveira Local: Centro de Eventos 18:30 Grupos de Estudo Local: Atelier de Arte 19:30 Apresentação Artística Local: Atelier de Arte Saudosa Maloca: Travessia e almoço na Ilha do Cumbu – Rio Guamá (Por adesão) 21 Conferências Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Conferência 1 O audiovisual na performance musical como um desafio para a psicologia da música Reinhard Kopiez Graduou-se em violão clássico na School of Music in Cologne, recebeu seus títulos de mestrado e doutorado em musicologia na Technical University in Berlin. Vem atuando como professor de psicologia da música na Hanover University of Music and Drama, na Alemanha, onde dirige o Hanover Music Lab. Suas últimas publicações concernem aos seguintes assuntos: pesquisa sobre a relação entre a performance musical e destreza manual; análises historiométricas do repertório de Clara Shumann; o groove na música popular e a avaliação da performance audiovisual. É coeditor do manualpadrão de Psicologia da Música na Alemanha (Musikpsychologie. Das neue Handbuch, 2008, Rowohlt). Nos anos de 2009 a 2012, foi presidente da European Society for the Cognitive Sciences of Music – ESCOM (Sociedade Europeia para as Ciências Cognitivas da Música). Desde 2013, é editor do periódico Musicae Scientiae. 25 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Conferência 2 Falando ao mesmo tempo: como podemos ser um ao falarmos Fred Cummins 26 O doutor Fred Cummins atualmente é codiretor de um programa irlandês de pós-graduação em ciências cognitivas que oferece os níveis de mestrados e doutorados. Obteve seu título de doutorado em linguística e ciências cognitivas na Universidade de Indiana (EUA) em 1997. Também completou um ano de pós-doutorado na Universidade de Northwestern (EUA, Evanston, IL) e no IDSIA (Istituto Dalle Molle di Studi sull'Intelligenza Artificiale), um laboratório de inteligência artificial em Lugano, na Suíça. O foco original de sua pesquisa foi o ritmo da fala, que abordou utilizando um paradigma experimental, através do qual destacou semelhanças entre fenômenos aparentemente díspares que são observados no tempo da fala e nos movimentos realizados com os membros do corpo. Desde então, sua pesquisa tem abordado a coordenação individual e a coordenação entre os indivíduos. Cummins tem desenvolvido métodos experimentais para estudar a sincronização de habilidades específicas e tem investigado a integração da linguagem do corpo (o modo de olhar, piscar, gesticular) durante a fala. Recentemente, participou no desenvolvimento de um modelo dinâmico de mensuração do tempo de articulação o qual foi publicado nos influentes periódicos Psychological Review e Cognitive Science. A partir dos estudos realizados na Universidade de Indiana, Cummins vem empregando conceitos de sistemas dinâmicos e métodos de análise que contrastam com as abordagens computacionais e simbólicas, reminiscentes das ciências cognitivas dos anos 80. O corpo de trabalhos experimentais em desenvolvimento, portanto, serve como um amplo referencial de suporte às abordagens mais recentes sobre o comportamento e a experiência humana. Os referenciais pós-cognitivos enfatizam o papel do corpo e sua relação com o meio-ambiente, no sentido social e físico, empregando ferramentas da Matemática, dispostos também na Física Clássica, na Biologia e nas Ciências Naturais em geral. As contribuições de Cummins ajudam a estruturar abordagens dinâmicas, ecologicamente fundamentadas e encorpadas, a fim de se entenderem mente, cérebro e comportamento. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Conferência 3 Reabilitação neurológica e música: avanços em Musicoterapia Marcela Lichtensztejn Mestre em Musicoterapia, formada pela New York University – NYU (EUA) e pela Universidad de Buenos Aires (Argentina), certificada em Abordagem Nordoff-Robbins de Musicoterapia Criativa. Pianista e educadora musical (Conservatorio Nacional de Música Carlos López Buchardo – Instituto Universitario Nacional de Artes – IUNA, Argentina). Certificada pelo Colégio de Musicoterapeutas dos EUA (CBMT). Especialista em crianças e adultos, com ênfase em reabilitação neurológica, lesão cerebral, doenças neurodegenerativas, transtorno generalizado do desenvolvimento, músico-psicoterapia médica e tratamentos para a dor. Docente, pesquisadora, autora e conferencista internacional, seus trabalhos já foram apresentados nos EUA, Japão, Europa e América Latina. Membro do Comitê Editor do Music and Medicine Journal, Sage Pub. Atualmente é Chefe do Serviço de Musicoterapia e Diretora do Departamento de Terapias Baseadas nas Artes do Instituto de Neurología Cognitiva (INECO), Diretora e docente do Curso de Pós-Graduação em Musicoterapia da Universidad Favaloro. Integra a equipe de pesquisa do INECO nos estudos sobre música e estado de consciência mínima, doença de Alzheimer e transtornos da linguagem e movimento. 27 Mesas Redondas Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Mesas Redondas Resumos Marcelo Gimenes Alguns sistemas computacionais têm sido usados para gerar novas composições que simulam determinados estilos ou para a interação e performance musical, em tempo real. Poucos sistemas, contudo, dedicam-se ao estudo da evolução dos estilos musicais. Um deles, o sistema CoMA (Comunidades Musicais Autônomas) adota a modelagem computacional, a fim de recriar processos perceptivos e cognitivos humanos com o objetivo de simular a emergência e a evolução de estilos musicais em mundos artificiais. Figuras centrais desse sistema são os agentes inteligentes, que integram modelos baseados no mundo real (memória, personalidade, reprodução, ciclo de vida, etc.) e têm a capacidade de interagir entre si e com o mundo exterior, executando tarefas como a criação de composições e improvisações. A identidade musical dos agentes é analisada sob a ótica das transformações das suas memórias que, ao mesmo tempo, determina e reflete visões de mundo em constante mudança. Nesta palestra serão apresentados os fundamentos e os principais componentes desta pesquisa. Cristina Gerling No trabalho intitulado “Exorcizando Demônios e Conversando com os Anjos: Preparando para tocar a Fantasia Wanderer de Schubert”, proponho mostrar como a obra adquiriu os contornos expressivos e artísticos condizentes com a ocasião na qual foi apresentada- um recital de piano em série de alto nível de excelência através de quarto ensaios públicos gravados. Nos ensaios, dois alunos de pós-graduação assumiram o papel de professores e anotaram as partituras com suas observações. Da mesma forma, um professor também contribuiu com anotações nas partituras e outro professor assistiu a cada um dos quatro vídeos, comentando sobre os vários aspectos da performance. Trechos das gravações foram convertidos em gráficos para medição dos tempos médios em cada ensaio. Os resultados apresentados contêm uma descrição detalhada da rotina diária que antecedeu cada ensaio, das gravações, dos comentários tanto dos alunos quanto dos professores, convertidos em “guias de execução” (Chaffin, 2002). O cotejamento das informações reunidas possibilita acessar os resultados e proceder à verificação da evolução da realização artística da obra. 31 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Beatriz Raposo de Medeiros Cantar junto – ou em conjunto – é uma prática que demanda ao mesmo tempo a sincronização de duas capacidades: a musical e a da fala. A melodia de uma canção teria certa independência do seu texto (Peretz et al., 2003; Serafine et al. 1986), uma vez que a primeira estaria no domínio da música e o segundo, no domínio da linguagem (ou língua natural). No entanto, a tarefa de cantar em conjunto, para vários tipos de canção brasileira, é espontânea, natural e facilmente realizada. Na discussão desta mesa-redonda, gostaria de levantar algumas questões a respeito do ritmo, de modo geral, do ritmo na música – com exemplos do canto – e do ritmo na fala. A pergunta fundamental da pesquisa que venho desenvolvendo é: o que a sincronização pode nos revelar a respeito da nossa capacidade de integrar estruturas temporais diferentes como as da música e as da fala? Assumimos que, apesar de serem diferentes quanto à organização temporal, uma capacidade pode se adaptar à outra e defendemos a hipótese de que a organização temporal da fala se adapta à da música. Proporemos ainda uma conceituação objetiva tanto da síncope do samba – ou síncopa brasileira – como de ritmos binários não sincopados, mais facilmente encontrados no rock. Discutiremos a relação entre sincronização e padrões rítmicos diferentes entre si no canto, assim com tentaremos chegar a um conceito de ritmo que abarque os fenômenos temporais da língua e da música. Luis Felipe Oliveira 32 Nas últimas décadas surgiram diversas abordagens que buscam compreender os fenômenos cognitivos sob enfoques não tradicionais no âmbito da ciência moderna e que, apesar de não serem unificados em suas agendas de pesquisa, compartilham alguns pressupostos epistemológicos. Essas abordagens que estamos considerando como partes de um paradigma dinâmico no estudo da cognição almejam superar posturas cognitivistas clássicas, internalistas, que ou carregam o fardo do dualismo cartesiano ou reduzem o estudo de aspectos mentais a aspectos cerebrais. Em outras áreas da ciência cognitiva, tais teorias e abordagens já se encontram razoavelmente inseridas e dialogam de maneira evidente com posturas tradicionais; na área da cognição musical, ao contrário, encontra-se pouca literatura que trate a cognição musical a partir de concepções dinâmicas. Esta apresentação, inicialmente, apresenta algumas das motivações que parecem ser compartilhadas pelas abordagens dinâmicas da cognição. Posteriormente, apresentamos, sinteticamente, quatro teorias que consideramos parte desse paradigma: a psicologia ecológica; o enacionismo; a cognição incorporada e situada; a teoria dos Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sistemas dinâmicos. Por fim, elencamos algumas contribuições potenciais para a área da cognição musical e destacamos alguns trabalhos decorrentes das abordagens dinâmicas, explicitamente. Cristina Zamani El propósito de la ponencia será delinear las funciones cognitivas, comprender el perfil sensorial a nivel auditivo y la conducta musical que se evidencian en los trastornos del espectro autista (TEA). Se expondrá la aplicación de Musicoterapia basada en la práctica clínica en niños con TEA, desde una perspectiva neurocognitiva y desde la concepción actual de las neurociencias. La Musicoterapia que incorpora técnicas de la terapia paraverbal utiliza el uso de actividades rítmico-sonoro-musicales diseñadas específicamente para promover la interacción socio-afectiva, comunicativa y favorecer el despliegue de los procesos cognitivos. La música utilizada en esta modalidad musicoterapéutica incorpora una línea melódica simple, armonías sencillas, interválica especifica, canto conjunto, actividades duales dependientes rítmico-sonoras, tiempo sincrónico, y el uso particular de los componentes musicales (de manera singular o en combinación) complementadas con metodologías actuales en el tratamiento de los TEA las cuales son elaboradas y presentadas dentro del juego interactivo musical entre la terapeuta y el niño. Se mostrará a través de videos, la evolución de un niño con TEA durante 4 años de intervención en musicoterapia individualizada de abordaje educativo-terapéutico en el cual se evidenciaran los procesos sonoromusicales y fases de adquisición de las conductas musicales que beneficiaron al niño en el desarrollo de sus capacidades comunicativas, sociales, cognitivas y procesos creativos. Cléo Monteiro França Correia A compreensão das funções musicais tem sido objeto da pesquisa científica, não apenas pelo fato de estas envolverem estruturas cerebrais específicas, mas por serem, em grande parte, funcionalmente autônomas e independentes das relacionadas à linguagem verbal. A experiência musical não se resume apenas à percepção e memória, mas está relacionada também ao aspecto emocional. Os estudos sobre as respostas emocionais à música, através da utilização das técnicas de neuroimagem, têm sido escassos, mas têm trazido contribuições importantes sobre a compreensão da relação entre música, emoções e cérebro. Pretende-se: 1)Avaliar o desempenho de pacientes com doença de Alzheimer (DA) e controles nos testes de avaliação das funções musicais; 2)Correlacionar os achados da avaliação da memória musical e- 33 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mocional com a volumetria dos corpos amigdaloides e hipocampos em pacientes com DA e controles. Foram examinados pacientes com provável DA, em fase inicial, e controles através dos Testes para Avaliação do Ritmo Espontâneo, das Funções Musicais e da Memória Musical Emocional, parte da Bateria Neuropsicológica Breve (NEUROPSI), Teste de Memória Lógica e o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Realizou-se a volumetria das estruturas temporais mediais através da ressonância magnética. Foram avaliados 31 sujeitos: 16 controles e 15 pacientes com DA, matriculados no Ambulatório de Neurologia do Comportamento da disciplina de Neurologia da UNIFESP- EPM. Os grupos eram semelhantes nas variáveis demográficas. O grupo de pacientes com DA mostrou bom desempenho na maioria dos testes perceptivos, com exceção do relacionado à duração sonora, mas apresentou comprometimento no Teste de Transposição Audiovisual. O ritmo espontâneo foi mais rápido que nos controles. Quanto maior a volumetria do corpo amigdaloide e hipocampo, maior o escore na rememoração autobiográfica, criação de imagens mentais e contextualização das músicas. Conclusões: Os resultados sugerem que precocemente na DA pode haver comprometimento da percepção do tempo. Por outro lado, a memória explícita mostra-se prejudicada na fase inicial da doença, enquanto que a memória musical mostra-se preservada principalmente para músicas familiares. Esses dados permitem supor que a estimulação da memória musical pode se tornar um recurso possível para a reabilitação na DA. Gustavo Gattino 34 Atualmente, busca-se a maioria das respostas sobre a relação música e cognição em estudos das neurociências. No entanto, outra corrente de estudo vem sendo consolidada nos últimos anos: o estudo químico e biomolecular da música na cognição humana. Os estudos químicos têm o seu foco principalmente nos neurotransmissores, hormônios e células de defesa. Dessa forma, se investiga o efeito da música, a partir da quantidade dessas substâncias. Acredita-se que os efeitos de neuroimagem relacionados a música e cognição sejam consequências de um processo que se inicia por meios químicos e moleculares. Para entender este paradigma emergente é preciso buscar algumas repostas no estudo da Epigenética. O campo da Epigenética estuda modificações do genoma, herdáveis durante a divisão celular, que não envolvem uma mudança na sequência do DNA. As evidências sobre esse tema ainda são rudimentares. No entanto, acredita-se que este foco trará grandes respostas sobre a relação música e cognição, com aplicação direta na musicoterapia. Painéis Temáticos Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 MÚSICA, MEMÓRIA E EMOÇÃO Coordenação: Marcelo Gimenes Em busca de um modelo de memória aplicável à audiação notacional Ronaldo da Silva Ricardo Goldemberg Marcelo Gimenes Emoção e ansiedade na performance musical Ana Carolina Tenorio Raquel Mendes Rochia Santos Marcelo Gimenes Educação musical e texturas: Uma abordagem multissensorial Claudia Coutinho Liedke Marcelo Gimenes 37 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Em busca de um modelo de memória aplicável à audiação notacional Ronaldo da Silva Instituto de Artes - UNICAMP [email protected] Ricardo Goldemberg Instituto de Artes - UNICAMP [email protected] Marcelo Gimenes NICS -UNICAMP [email protected] 38 Resumo A prática da audiação notacional por músicos profissionais tem-se mostrado uma atividade relevante no estudo da obra musical. Sob o ponto de vista da cognição musical, esta competência é fruto da atividade de memória, que pode ser melhor compreendida por meio de seus estágios funcionais: memória sensorial, memórias de curto e longo prazo, e memória de trabalho. Diante de pesquisas que estabelecem a capacidade da memória de curto prazo (MCP) em reter de 5 a 9 elementos de informação, estudos recentes sobre a memória de trabalho visual (MTV) têm sugerido que a capacidade do armazenamento de memória não diz respeito apenas a um número fixo de elementos a serem levados à MCP, mas que torna importante levar em conta a diversidade e profundidade de informações que estes elementos trazem. O presente artigo apresenta o conhecimento que se tem a respeito da capacidade da memória de trabalho visual e avalia sua aplicabilidade frente à prática da audiação notacional, gerando questões que serão investigadas em um estudo de natureza empírica. Palavras-chave: audiação notacional, percepção musical, cognição musical Towards a Memory Model Applicable to Notational Audiation Abstract:The practice of notational audiation by professional musicians is an important activity in the study of music. From the viewpoint of music cognition, specifically, this competence is the result of the activity of the memory, which can be best understood through its functional stages: sensory memory, short and long-termmemory, and working memory. Con- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sidering investigations that established the capacity of the short-term memory (STM) to retain 5-9 pieces of information, recent studies on visual working memory (VWM) have suggested that the capacity of memory storage is not just about a fixed number of elements but the diversity and depth of the information contained in these elements. This paper presents knowledge about the capacity of our visual working memory and assesses its applicability to the practice of notational audiation, generating questions that will be investigated in an empirical study. Keywords: notational audiation, music perception, music cognition 1. Introdução As pesquisas musicais que abordam a questão da memória muitas vezes investigam aspectos relacionados com a performance (Lisboa, Chaffin, & Begosh, 2010), a memorização musical (Aiello & Williamon, 2002) e o processo de leitura à primeira vista com o uso do instrumento (Sloboda, 1984). Um aspecto menos discutido, objeto do presente artigo, diz respeito à leitura mental de uma partitura em que, no entender de Sloboda (1984, p. 222), o objeto da percepção é visual e não auditivo. Talvez a leitura mental da partitura sem fins de performance imediata possa ser considerada por alguns estudantes de música como uma atividade sem sentido diante da urgência de ouvi-la soar através do instrumento. Há, pelo menos três razões que apontam em sentido contrário a essas afirmações: uma emerge de pesquisas em neurociência, outra da saúde ocupacional e a última baseia-se na prática do estudo do instrumento. No que diz respeito ao primeiro aspecto, Sacks (2007, p. 44) sugere que “as imagens mentais deliberadas são claramente fundamentais para os músicos profissionais”, afirmação esta sustentada a partir das considerações efetuadas por Robert Zatorre e por Alvaro Pascual-Leone. O primeiro, depois de realizar estudos utilizando técnicas de neuroimagem, percebeu que “imaginar música [...] estimula o córtex motor, e, inversamente, imaginar a ação de tocar música estimula o córtex auditivo” (como citado em Sacks, 39 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2007, p. 42). Além disso, Pascual-Leone (como citado em Sacks, 2007, p. 43) sugere que: [...] a prática mental por si só parece ser suficiente para promover a modulação de circuitos neurais envolvidos nas primeiras etapas do aprendizado de habilidades motoras. Essa modulação não só resulta em acentuada melhora na execução, mas também parece deixar o indivíduo em vantagem para aprender a habilidade com menos prática física. A combinação da prática física e mental leva a um aperfeiçoamento da execução mais acentuado do que a prática física sozinha. De acordo com o ponto de vista da neurociência, a imaginação musical ativa as regiões cerebrais responsáveis por ações específicas e complementares à prática musical, sendo uma oportunidade de otimização do tempo de estudo diante do instrumento. No tocante à saúde ocupacional, para Bortz (2011, p. 6), “o treinamento mental, entre outros benefícios, mostra-se como uma ferramenta de economia de esforços, utilizado anteriormente por músicos brilhantes e por atletas [...] ferramenta esta que poderia evitar sofrimentos futuros”. Os sofrimentos a que ela se refere são a distonia focal, um distúrbio neurológico que se caracteriza por movimentos involuntários gerados pelo excesso de atividade muscular e estresse devido à demanda e cobranças profissionais. 40 A terceira razão que justifica o estudo mental da obra musical relaciona-se às oportunidades limitadas que o músico tem de estar diante do seu instrumento a fim de estudá-lo. Silva (2010) destaca o relato de uma percussionista sinfônica que estudava mentalmente as obras a fim de agilizar o estudo; “não era sempre que eu podia estar na frente de um tímpano”, comenta a musicista. Por outro lado, o estudo mental contribuiria para a criação da interpretação pessoal ao passo que, caso o instrumentista vá diretamente ao instrumento e se depare com suas limitações técnicas, esta seria prejudicada. Feitas estas considerações iniciais acerca da prática da leitura mental da partitura, procuramos localizar modelos teóricos que expliquem o seu fun- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cionamento sob o ponto de vista de processos cognitivos. A rigor, estudos experimentais sobre o funcionamento da memória visual no ato da leitura mental de uma partitura são praticamente inexistentes. Vale destacar, contudo, que o objetivo principal deste artigo é levantar questões iniciais sobre um modelo de memória aplicável a audiação notacional, preocupando-se por esclarecer conceitos, revisar a bibliografia específica, e revelar possível caminho de pesquisa. 2. A Audiação notacional Quando se fala da leitura mental da partitura, sugere-se que a eficiência dessa ação esteja condicionada ao nível de compreensão auditiva do conteúdo musical grafado. O pesquisador norte-americano Edwin Gordon, especialista em educação musical nas áreas de Psicologia e Pedagogia Musical, desenvolveu um termo que carrega em si esse conceito: audiação notacional. Preocupado em desvendar os caminhos da aprendizagem musical, Gordon (2000) estabelece um paralelo entre o processo de aprendizagem da linguagem verbal com o aprendizado da música. Segundo ele, haveria quatro vocabulários que emergem no desenvolvimento natural de uma criança: de maneira geral, primeiro se ouve (audição), em seguida aprendese a falar, após desenvolve-se a leitura, e por fim a escrita. Como uma maneira ideal para que seja operada a aprendizagem musical, Gordon (2000) também nomeia quatro vocabulários específicos: audiação, performance, leitura e escrita musical. De acordo com a teoria desenvolvida por Gordon, “a linguagem (de maneira verbal) e a música (de maneira sonora) são resultados da necessidade de comunicação. A fala e a performance são a maneira de se comunicar. E o que se comunica? O que está no pensamento” (Silva, 2010, p. 30). Dessa forma “a audiação é para a música o que o pensamento é para a linguagem” (Gordon, 1999, p. 42). O autor acrescenta: 41 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Se você é capaz de ouvir um som musical e de dar um significado sintático ao que você vê na notação musical antes mesmo de você tocá-la, antes que alguém a toque ou, antes mesmo de você escrevêla, então você está procedendo a audiação notacional. (Gordon, 1999, p. 42) Dessa forma, o estudo mental da partitura implica no processo da audiação notacional, que por sua vez é a emanação do “pensamento musical inteligente” do leitor (Goldemberg, 1995, p. 2), sendo que nesse caso os elementos musicais presentes na mente de quem “audia” são acionados por meio da percepção visual. Mas a percepção visual é apenas uma força catalizadora para despertar imagens sonoras que foram anteriormente armazenadas com o auxílio da percepção auditiva. A fim de compreender esse processo, é importante analisar brevemente alguns aspectos sobre o funcionamento da memória. 3. A memória 42 Segundo Baddeley, Eysenck et al (2010, p. 9), “a memória não é um órgão único como o coração ou o fígado, mas uma aliança de sistemas que trabalham juntos, permitindo-nos aprender com o passado e predizer o futuro”. Para Davidoff (2001, p. 205), o termo memória, num sentido amplo, diz respeito a vários “processos e estruturas envolvidos no armazenamento e recuperação de experiências”. De acordo com Sternberg (2008, p. 156), a realização desse processo abrange “mecanismos dinâmicos associados com armazenagem, retenção e acesso à informação sobre a experiência passada”. Do ponto de vista estrutural, o processamento da memória é realizado por inúmeras partes do cérebro. Segundo Miller (1956, p. 22), a “região medial temporal é importante por formar, organizar, consolidar e recuperar a memória, áreas do córtex são importantes para o armazenamento a longo prazo de conhecimento sobre fatos e eventos e como esse conhecimento é usado em situações cotidianas”. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3.1. Tipos de memória Baddeley, Eysenck e Anderson (2010, p. 6) esclarecem que, para fins de compreensão do processo funcional, a memória pode ser classificada em diferentes tipos, como a memória sensorial, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo: “nós distinguimos entre tipos de memórias como um meio de organizar e estruturar nosso conhecimento sobre a memória humana”. 3.1.1 Memória sensorial O ambiente externo pode gerar estímulos que ingressam à consciência via percepção tátil, olfativa, gustativa, auditiva (ecóica) e visual (icônica). Todas elas possuem esquemas particulares de funcionamento, especialmente com respeito às estruturas de captação desses estímulos. No entanto, a brevidade da permanência das informações retidas por essas vias de acesso têm-se mostrado como característica comum a todas elas. Por exemplo, segundo Snyder (2000), as informações presentes na memória ecóica podem se perder após 3 a 5 segundos. 3.1.2 Memória de curto prazo A memória de curto prazo (MCP) é o segundo sistema da memória em que as informações são temporariamente armazenadas (Kalat, 1999). De acordo com Davidoff (2001), seria o centro da consciência. Snyder (2000) refere-se a ela como uma memória imediata, mas menos permanente, pois se as informações não forem repetidas elas se perdem após alguns segundos (média de 3 a 5 segundos). George A. Miller, psicólogo e pesquisador norte-americano, publicou em 1956 na revista Psychology Review o artigo intitulado The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing informati- 43 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 on em que, após revisar inúmeros trabalhos sobre as limitações da memória humana em receber, processar e relembrar informações, conclui seus apontamentos sugerindo que a memória imediata (MCP) possui uma capacidade de armazenagem de informações de 7, mais ou menos dois elementos. Isto significa que além da capacidade temporal da MCP, há uma limitação do número de informação que ela pode processar. Sternberg (2008, p. 164) explica que “uma informação pode ser algo simples, como um dígito, ou algo mais complexo, como uma palavra”. Mesmo sendo sequencias de dígitos ou combinações de dígitos formando-se em palavras ou grupos numéricos, somente seria possível retê-los na MCP se somarem entre 5 a 9 itens ou blocos de informação (chunk). Conforme Miller (1956, p. 10) observou, “uma vez que a extensão da memória apresenta um número fixo de blocos (chunks), podemos ampliar o número de dígitos de informação que eles contêm simplesmente através da construção de blocos cada vez maiores, cada bloco contendo mais informações do que antes”. Este modelo teórico proposto por Miller (1956) tem sido aplicado à compreensão da MCP diante da manifestação musical. Snyder (2000, p. 31) ressaltou a grande complexidade do sistema auditivo em identificar fonemas, palavras, sentenças, melodias, ritmos e frases, mesmo sendo localizadas com frequências e tempos diferentes. Se não fosse essa capacidade cognitiva de formar agrupamentos sonoros e estabelecer seus conjuntos de limites, ouviríamos um som único, sendo a soma da paisagem sonora de um determinado momento. 44 Os limites dos agrupamentos melódicos, segundo Snyder (2000, p. 37) “são estabelecidos pelas mudanças da distância das alturas relativas (intervalo), direção do movimento, ou ambas, enquanto que os limites dos agrupamentos rítmicos são estabelecidos pelas mudanças no intervalo de tempo entre os eventos e os acentos”. Os blocos de informações armazenados pela MCP precisam continuamente ser reforçados na consciência, para que não caiam no “abismo in- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sondável do esquecimento”, nas palavras de James (1931). Dessa forma, a informação que não for perdida será conduzida à memória de longo prazo (MLP). 3.1.3 Memória de longo prazo A memória de longo prazo é indispensável no dia-a-dia das pessoas. Nomes de ruas, compromissos, experiências vividas, conceitos, tudo o que lembramos ou lembraremos um dia está ou estará inserida na MLP. Os eventos que acontecem além de 3 a 5 segundos não podem ser relacionados imediatamente, mas somente por meio de uma ação mental retrospectiva, isto é, por meio da lembrança. Snyder (2000, p. 69) observa que “nossa memória de longo prazo necessita ser inconsciente: se nela estivesse toda na nossa consciência, não haveria espaço para o presente”. No entanto, se as informações “arquivadas” na MLP não pudessem ser recuperadas e trazidas de volta à consciência, seriam como as que foram perdidas pela falta de reforço na MCP. Por isso, Sternberg (2008) compreende a memória de trabalho como um modelo integrador. 3.1.4. Memória de trabalho O termo memória de trabalho foi utilizado pela primeira vez por Richard Atkinson e Richard Shiffrin, em 1968, para sustentar o pressuposto da existência de um sistema que visa à manutenção temporária e a manipulação da informação com a utilidade de auxiliar na execução de inúmeras tarefas complexas (Baddeley et al., 2010). Snyder (2000, p. 48) estabelece a comparação: “a memória de trabalho se distingue da memória de curto prazo na medida em que ela constitui-se de processos de ativação de inúmeros níveis, incluindo o foco de consciência, não somente armazenagem de curto prazo”. Ele destaca, à seguir, que a memória de curto prazo é um dos componentes da memória de trabalho. 45 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3.2. Memória de trabalho visual (MTV) e a leitura mental da partitura De acordo com pesquisas realizadas por George Alvarez (Universidade de Harvard), observou-se que a MCP, dentro da atuação da MTV não se refere apenas ao tempo e à capacidade de armazenagem das informações conforme sugerido por Luck e Vogel (1997). De acordo com Alvarez e Cavanagh (2004, p. 109) “a variação no número de objetos que podem ser armazenados contradiz com qualquer modelo de memória visual de curto prazo que propõe que a capacidade é fixada apenas em termos de números de objetos”. As pesquisas de Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain (2009), Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkleet al (2011), entre outros, trazem à tona a complexidade dos estudos da atuação da memória de trabalho visual, do qual busca-se neste artigo a transposição para o ato da leitura mental da partitura musical. Segundo esse modelo de compreensão, a capacidade da memória de trabalho visual no âmbito musical deve ser levada em conta não apenas pelos números de blocos presentes simultaneamente, mas diante da diversidade e profundidade de informações que estes trazem. 46 Diante disso, é importante investigar se os parâmetros primários, altura e ritmo (Snyder, 2000) poderiam manter uma boa ‘resolução’ na MTV quando são apresentados juntamente com certos parâmetros secundários, por exemplo: timbre, dinâmica, andamento, articulação, letra. Em outras palavras, os parâmetros secundários não interferem na formação desses agrupamentos melódico-rítmicos, e estes não tem sua retenção diminuída, no foco da consciência, caso apresentem muitos itens a serem considerados? 3.3. Discussão e conclusões finais Este artigo discute questões iniciais sobre a busca de um modelo aplicável ao desempenho da memória visual de trabalho na leitura de partitura Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 musical. Vê-se como uma possibilidade metodológica adaptar a abordagem utilizadas por Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain (2009), Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkle e Alvarez (2011) a um estudo quase-experimental no campo da música, por meio de testes com músicos profissionais a serem convidados a audiarem diante do aparecimento de excertos musicais em etapas e níveis diferentes. Seguindo os modelos originais, pode-se tomar como uma opção de aplicação dos testes, a apresentação numa tela de computador de agrupamentos musicais que contenham apenas os dois parâmetros primários nomeados por Snyder (2000): a altura e o ritmo. A apresentação de cada agrupamento na tela do computador seguiria um espaço de tempo entre preparo, estímulo e retenção da informação, finalizando com as respostas de questões dentro do período limite de retenção da memória de curto prazo (9s.). Aos poucos, os testes seriam aprofundados com a inclusão de outros parâmetros secundários (Snyder, 2000), como dinâmica e articulação, a fim de se verificar se a capacidade/qualidade de retenção da memória de trabalho visual diminuiria com o aumento de informações. Tendo como norte tais considerações, uma pesquisa nesta direção poderá ampliar a compreensão sobre a capacidade e qualidade de retenção das informações musicais durante o processo de audiação notacional em músicos profissionais e buscará uma nova perspectiva para o avanço dos estudos nos campos da cognição e percepção musical. Referências Aiello, R., Williamon, A. (2002). Memory. In R. Parncutt & G. E. McPherson (Eds.), The science & psychology of music performance: creative strategies for teaching and learning. New York: Oxford University Press. 47 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Alvarez, G. A., Cavanagh, P. (2004). The capacity of visual short-term memory is set both by visual information load and by number of objects. Psychology Science, 15(2), 106-111. Baddeley, A., Eysenck, M. W., Anderson, M. C. (2010). Memory. New York: Psychology Press. Bays, P. M., Catalao, R. F. G., Husain, M. (2009). The precision of visual working memory is set by allocation of a shared resource. Journal of Vision, 9(10), 1-11. Bortz, G. (2011). A construção da representação sonora na mente do músico. Paper presented at the Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, Brasília. Brady, T., Konkle, T., Alvarez, G. A. (2011). A review of visual memory capacity: beyond individual items and toward structured representations. Journal of vision, 1-34. Davidoff, L. L. (2001). 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Por fim, o artigo trata da ansiedade na performance musical e apresenta algumas técnicas encontradas em pesquisas atuais que procuram minimizar sintomas corporais ligados diretamente à ansiedade. Palavras-chave: emoção, ansiedade, performance musical 50 Emotion and Anxiety in Music Performance Abstract: This paper presents an introductory overview about the emotional experiences evoked by music and how they affect the musical performance of singers and performers. It then presents issues that should be taken into account when analyzing and measuring the emotions related to music. It also shows how emotions are processed and their effect in our body. Finally, the paper discusses the anxiety in musical performance and presents some techniques found in current research seeking to minimize bodily symptoms directly related to anxiety. Keywords: emotion, anxiety, music performance Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 1. Introdução Campos de estudo tradicionalmente distintos como a musicologia e as neurociências têm cada vez mais procurado integrar-se a fim de desvendar questões comuns como as que dizem respeito ao nosso envolvimento emocional com a música. Sob o ponto de vista do intérprete pergunta-se por exemplo, até que ponto a execução musical, de um lado, seria capaz de controlar as emoções dos ouvintes ou, de outro, de que modo o envolvimento emocional do intérprete afetaria a sua execução. Outras indagações preocupam-se em determinar se, para os músicos profissionais, envolver-se emocionalmente com a música em demasia e permitir respostas emocionais autônomas levariam a uma incapacidade de executar. Afinal de contas, como e porquê as pessoas se envolvem com a música? Sloboda (2005b) entende que a música seria capaz de evocar ou realçar estados emocionais pelos quais passamos, podendo intensificar ou liberar emoções já existentes. É comum ouvirmos afirmações como “ao ouvir esta música eu me sinto em paz” ou então “esta música me deixa muito feliz”. A música aqui toma o papel de agente de mudança, em que o indivíduo se desloca de um estado emocional para outro. Inversamente, a música também pode levar o ouvinte a se entristecer uma vez que é capaz de evocar determinadas situações vividas no passado. Entre os músicos profissionais ouve-se com frequência a afirmação de que sentem uma “energia positiva” quando estão no palco. Envolver-se emocionalmente com a música durante uma execução poderia, por isso, fazer com que esses intérpretes consigam atingir o público de um determinado modo. Na área das neurociências, Damasio (como citado em Trainor & Schmidt, 2003, p. 312) esclarece que as emoções são induzidas em um número relativamente pequeno de estruturas cerebrais, em sua maioria subcorticais, pertencentes ao sistema límbico (amígdala, principalmente o núcleo central, o hipotálamo e o prosencéfalo basal). Para este autor, as emoções evoluíram através de mecanismos de adaptação evolutiva e executariam papel essencial na vida, como o amor para formar famílias e o medo para se proteger do perigo. Além disso, todas as experiências são emocio- 51 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 nalmente marcantes e influentes nas reações emocionais em situações futuras, mesmo que o individuo não tenha mais acesso consciente à experiência emocional original (idem). De fato, os processos envolvidos com as emoções afetam as pessoas, de um lado, através da liberação de moléculas químicas no sangue que atuam em diversas partes do corpo e, de outro, através da propagação de atividade neural para vários centros do cérebro e músculos. Como consequência disso, as repostas fisiológicas às emoções (e.g., contrações musculares, alteração na respiração e frequência cardíaca, mudança do fluxo de sangue e transpiração) são em geral bem aparentes, podendo variar de acordo com a pessoa ou uma situação específica (Trainor & Schmidt, 2003). 2. Medindo emoções Apesar de reconhecermos a relação de causa e efeito entre, de um lado, ouvir ou tocar determinada música e, de outro, o despertar de determinadas emoções, o principal problema enfrentado pelos pesquisadores da área diz respeito a como medir as emoções causadas pela música. É difícil definir com exatidão as emoções e a sua intensidade. Essa questão envolve diversos fatores, como veremos a seguir. 52 2.1. Questões conceituais A primeira questão a se considerar é a variabilidade inerente da resposta emocional, de um ouvinte para outro ou de uma ocasião para outra. Enquanto respostas emocionais a eventos não musicais estão ligadas ao comportamento (e.g., fugir em razão do medo), respostas emocionais ligadas a eventos musicais são menos imediatas e tangíveis. Chorar ao ouvir uma Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 música, por exemplo, não significa que o ouvinte esteja triste; alguma lembrança do passado, ou sensação de paz podem provocar o choro. Além disso, é importante considerar a variabilidade existente entre os indivíduos não somente no que diz respeito a lembranças emocionais mas também no que se refere a diferenças culturais. Afinal, conhecer uma determinada cultura musical possui estreita relação com nossa resposta emocional à música. 2.2. Questões metodológicas Além das questões conceituais acima apontadas, é importante considerar que as emoções são, por natureza, imediatas. Emoções podem ser guardadas na memória, mas elas não duram por muito tempo após o fato que a gerou, o que torna difícil a sua medição. Um método comumente adotado é a anotação do comentário verbal, descrevendo a emoção sentida. Outra possibilidade é convidar o ouvinte a escolher, dentre uma lista de palavras, aquelas que melhor relacionam sua resposta emotiva com a música ouvida. A dificuldade deste método é saber se o ouvinte utiliza as palavras para descrever a emoção provocada pela música ou para definir o que ele entende ser o caráter da música (Hevner, 1936 e Gregory & Varney, 1996, como citado em Trainor & Schmidt, 2003) A fim de superar essas dificuldades, uma alternativa frequentemente utilizada para medir a intensidade da emoção tem sido o uso de métodos de descrição não-verbal como a interação entre o ouvinte e um determinado objeto (e.g., apertar uma almofada, mover um ponteiro) (Sloboda, 2005a). Finalmente, ainda é possível utilizar o auto-relato em manifestações fisiológicas de forte emoção como o choro, por exemplo (Trainor & Schmidt, 2003). 53 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2.3. Questões estruturais Além das questões tratadas na seção anterior, existem questões adicionais que devem ser levadas em consideração ao se medir a resposta emocional da música como os aspectos estruturais concebidos pelo compositor e as características de performance que cabem ao intérprete. De forma geral, as pessoas costumam dizer que a tristeza é transmitida por calma, legato, tempo lento, grandes desvios da métrica, ao passo que a felicidade é transmitida por agudos, tempo rápido, staccato e pequenos desvios de métrica (Trainor & Schmidt, 2003). Em qualquer hipótese, a avaliação da experiência emocional deve ser cuidadosa. Há que se atentar ao fato de que algumas emoções possuem diferenças muito sutis. A tristeza e a ternura, por exemplo, podem ser evocadas por características estruturais muito parecidas como o legato e o tempo lento. 3. Classificando as emoções Conforme ressalta Sloboda (2005a), as emoções podem ser classificadas de acordo com diversos critérios, entre os quais, aqui destacamos, a valência e a intensidade. 54 A valência pode assumir dois valores, positiva ou negativa. A valência positiva está relacionada com um comportamento de aproximação (e.g., a sensação foi boa) enquanto que a negativa, com um comportamento de afastamento (e.g., a sensação não foi boa). O córtex pré-frontal ventormedial desempenha um papel na avalição de aproximação, apesar de o processamento emocional tender a ser mais lateralizado para a direito do que para a esquerda, há evidencias de que a lateralização segue a valência com as áreas pré-frontais esquerdas especializadas nas emoções positivas e áreas pré-frontais direitas em emoções negativas. (Trainor & Schmidt, 2003). A Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 intensidade diz respeito a quanto determinada emoção afeta ou não uma determinada pessoa. 4. A experiência emocional e sua relação com a cognição A natureza da experiência emocional e sua relação com a cognição têm gerado grande debate entre pesquisadores. Há os que aceitam a idéia de que a avaliação cognitiva ocorreria em um primeiro momento enquanto que a resposta emocional seria gerada em um momento posterior (Trainor & Schmidt, 2003). Em outras palavras, a cadeia de eventos se iniciaria com os processos cognitivos que codificam e classificam as informações do ambiente. Neste ponto de vista, as respostas emocionais seriam resultado desse processo. Para outro grupo de pesquisadores, as respostas emocionais seriam uma atividade inconsciente do sistema nervoso autônomo, ou seja, o passo inicial de um processo cognitivo que, posteriormente, as classifica e avalia. Neste contexto, James (James, 1950) sugere que as respostas emocionais seriam sensações associadas a uma resposta fisiológica. 5. As emoções e a ansiedade na performance musical Uma das questões mais importantes para o intérprete, tanto profissional quanto amador, diz respeito à ansiedade resultante do “medo do palco” (stage fright). De modo empírico, poderíamos afirmar que a ansiedade, quando controlada, resulta em uma performance com mais “energia” ao passo que, quando exagerada, pode comprometer a performance. 55 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os sintomas gerados pela ansiedade são geralmente respostas fisiológicas negativas e ocorrem em situações de grande exposição ou competitividade (Lehmann, Sloboda, & Woody, 2007). Os sintomas da ansiedade na performance são produzidos pela ativação do “sistema de emergência corporal” pelo ramo simpático do sistema nervoso autônomo, que é uma função adaptativa que prepara o corpo, por exemplo, para uma resposta atlética e são semelhantes aos que o corpo realiza quando se sente ameaçado ou com medo (Wilson & Roland, 2002). O medo de palco pode começar cedo na vida dos músicos. Muitas vezes, o incentivo exagerado ou a cobrança dos pais pela carreira do filho, chega ao ponto de limitar ou impedir a atuação deste no palco (Steptoe, 2001). Embora haja alguma redução da ansiedade com o aumento da idade e experiência do músico, sintomas descritos por músicos consagrados como Artur Rubenstein e Horowitz e os populares Barbra Streinsand e John Lennon atestam que o problema não está fundamentalmente ligado ao talento ou à capacidade de interpretação (Lehmann et al., 2007). Wilson e Roland (2002) propõem que um dos fatores que pode levar à ansiedade na performance é o estresse situacional, o qual se relaciona com as pressões ambientais e circunstâncias particulares de uma performance pública, audição ou competição. Identificar tais aspectos indutores de estresse poderia ajudar a incorporação de estratégias para ajustar esses problemas. 56 De acordo ainda com Wilson e Roland (2002), os fatores que levariam uma pessoa ansiosa a entrar em pânico no palco seriam (i) a superestimação da probabilidade de temer o evento, a (ii) superestimação da severidade do evento temido, (iii) a subestimação dos recursos de apoio e (iv) a subestimação das ajudas possíveis (o que outras pessoas poderiam fazer para ajudar). A Tabela 1 abaixo relaciona as funções corporais adaptativas com as respectivas sensações físicas, de acordo com estudos realizados por Lehmann et al (2007): Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Função corporal adaptativa Taquicardia para aumentar o nível de oxigênio nos músculos. Glândulas secretam suor para ativação do sistema de resfriamento corporal. Aumento da atividade pulmonar, alargamento das vias aéreas para melhor suprimento de oxigênio. Diminuição do fluxo de saliva. Fluxo de sangue aumenta nos músculos e diminui do sistema digestivo. Pupilas dilatadas. Músculos tensos, prontos para uma reação imediata. Sensação Palpitações. Suor excessivo, palmas das mãos e testa úmidas. Falta de ar Boca seca, nó na garganta. “Borboletas no estômago”, náuseas. Visão embaçada e problemas de foco. Tensão, mãos trêmulas, tremores musculares. Tabela 1. Como as mudanças físicas de excitação se traduzem em sintomas fisiológicos de ansiedade (Lehmann et al., 2007) 6. Estratégias para enfrentar o “medo do palco” Havendo uma predisposição geral para a ansiedade, para o perfeccionismo ou para o cultivo de ideias irrealistas sobre a própria performance, o intérprete poderia beneficiar-se de tratamentos com abordagem cognitiva (Lehmann et al., 2007). De acordo com Lehmann et al (2007), os sintomas de ansiedade na performance também poderiam ser tratados com exercícios físicos e remédios. Além disso, é importante que o músico tenha uma sensação de controle para se apresentar com confiança, tendo domínio da música a ser executada e evitando situações geradoras de tensão. Connolly e Williamon (2004, como citados em Ray, 2009), sugerem estratégias para o treino mental como preparação para uma performance, com o objetivo de não permitir níveis elevados de ansiedade, tais como: a) relaxamento; b) ensaio imaginário (visualização); 57 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 c) desenvolvimento de habilidades para situações específicas da performance; d) uso de habilidades mentais para o aprendizado de longa duração e preparação para as performances. Ray (2009) recomenda atenção à escolha do repertório e adequação ao nível técnico. Em outras palavras, o músico deve fazer um julgamento real sobre a dificuldade da obra escolhida e a sua capacidade de execução e levar em consideração o tempo de preparação técnica disponível da data da escolha do repertório até o dia da apresentação. Além disso, outros fatores que devem ser levados em consideração (Ray, 2009) são: a) cuidar do corpo, através de preparação física e atenção à alimentação; b) preparar-se emocionalmente, i.e., ter cuidados com a autoestima e aspectos externos à música; c) treinar a visualização da performance antecipadamente; d) estabelecer previamente metas individuais a serem alcançadas; e) treinar para não se inibir com a expectativa externa, ainda que proveniente de familiares e amigos; f) realizar pré-recitais, especialmente no caso de programas inéditos e, acima de tudo: g) levar em conta a busca pelo prazer de tocar ou cantar, já que a opção pela carreira musical geralmente leva em consideração o gosto pela arte e não deve se tornar um fardo ao executante. 58 Terapias com o uso de medicamentos e acompanhamento psicoterápico também têm sido mencionadas pela literatura. Em trabalhos citados por Wilson e Roland (2002) e Steptoe (2001), são relatados casos de músicos que fazem uso da auto medicação (drogas, álcool, valium e canabis) com o objetivo de diminuir os sintomas da ansiedade. Wills e Cooper (como citados em Wilson & Roland, 2002) porém afirmam que o uso não supervisionado de tais medicamentos não é recomendado uma vez que poderiam conduzir à dependência química. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Pesquisas realizadas por Clark & Agras e James & Savage (como citadas por Steptoe, 2001) mencionam o uso de tranquilizantes como buspirona, benzodiazepínicos e betabloqueadores. Contudo, a investigação com grupos de controle usando placebo mostraram diferenças insignificantes entre si, o que torna esses medicamentos pouco interessantes diante de possíveis efeitos colaterais (e.g. insuficiência cardíaca). Na área da psicoterapia, Wilson e Roland (2002) relatam casos de terapias comportamentais de dessensibilização sistemática, que envolvem relaxamento muscular e a exposição gradativa a cenas que tipicamente evocam situações de ansiedade. Em um caso típico, um músico com ansiedade e medo de palco poderia imaginar que está tocando uma peça fácil para um amigo em sua sala de estudo. Uma vez confortável com essa situação, este músico poderia imaginar estar tocando para duas pessoas numa grande sala de ensaio. Gradativamente essas situações incluiriam um número maior de pessoas estranhas até que o músico imaginasse estar tocando em um concerto. Lehmann et al (2007) e Wilson e Roland (2002), citam ainda as terapias cognitivo-comportamentais, que são meios de reestruturação cognitiva das formas habituais de pensamento do performer, como a hipnose e a Técnica de Alexander (AT). Esta última baseia-se na auto percepção do movimento e é aplicável a diversos casos como alívio de dores na coluna, reabilitação após acidentes, melhora na respiração, posicionamento correto ao tocar instrumentos musicais ou cantar, além de outros hábitos relacionados. Algumas estratégias cognitivas são ainda propostas por Wilson e Roland (2002): a) visualizar a ansiedade como positiva b) autoanálise positiva c) ensaios com imagens mentais d) estabelecimento de metas e) relaxamento 59 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 f) rotinas de pré-performance g) estabelecer hierarquias para a ansiedade h) estilo de vida saudável i) atingir um estado de fluxo (equilíbrio entre desafios e habilidades). 7. Conclusão A capacidade da música evocar emoções naqueles que a ouvem ou praticam é um fato extraordinário. Se, de um lado, essas emoções são em geral positivas, de outro, sob o ponto de vista do intérprete, quando negativas, podem gerar respostas fisiológicas às vezes incontroláveis, atrapalhar momentos que poderiam ser agradáveis ou até mesmo interromper carreiras profissionais promissoras (Steptoe, 2001). Desenvolver estratégias pessoais utilizando as propostas apresentadas pela literatura pode ser extremamente benéfico para que o músico possa evitar situações de ansiedade em suas performances. Apesar do avanço das pesquisas nesta área, a dificuldade de encontrar parâmetros objetivos ainda impõem obstáculos para alcançar resultados mais concretos. Aos muitos avanços já realizados, o surgimento de tecnologias de imagem (e.g., ressonância magnética funcional) que possibilitam o estudo do cérebro de forma menos invasiva certamente auxiliarão em futuras pesquisas. 60 8. Referências James, W. (1950). The principles of psychology (1890). Nova York: Dover. Lehmann, A., Sloboda, J., & Woody, R. H. (2007). Psychology for Musisicans: Understanding and Acquiring the Skills. New York: Oxford University Press. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ray, S. (2009). Considerações sobre pânico de palco na preparação de uma performance musical. In B. Ilari & R. C. Araújo (Eds.), Mentes em música (pp. 158-178). Curitiba: Editora DeArtes. Sloboda, J. A. (2005a). Emotional response to music: a review. In J. A. Sloboda (Ed.), Exploring the musical mind. Oxford: Oxford University Press. Sloboda, J. A. (2005b). Empirical studies of emotional response to music. In J. A. Sloboda (Ed.), Exploring the musical mind. Oxford: Oxford University Press. Steptoe, A. (2001). Negative emotions in music making: the problem of performance anxiety. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Music and Emotion, Theory and Research. Oxford: Oxford University Press. Trainor, L. J., & Schmidt, L. A. (2003). Processing emotions induced by music. In P. I. & R. J. Zatorre (Eds.), The cognitive neuroscience of music. Oxford. Wilson, G. D., & Roland, D. (2002). Performance anxiety. In R. Parncutt & G. E. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance: creative strategies for teaching and learning. Oxford: Oxford University Press. 61 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Educação musical e texturas: Uma abordagem multissensorial Claudia Coutinho Liedke Programa de Pós-Graduação em Música - UNICAMP [email protected] Marcelo Gimenes Programa de Pós-Graduação em Música – UNICAMP [email protected] 62 Resumo: Nos últimos anos, tem crescido o número de pesquisas buscando compreender como o cérebro humano processa e assimila informações provenientes de diferentes fontes sensoriais, bem como suas implicações em diversos aspectos do desenvolvimento cognitivo, incluindo os processos musicais. Este artigo apresenta um panorama introdutório embasado na literatura atual sobre os aspectos teóricos que orientam nossa pesquisa com a qual temos o intuito de investigar se crianças entre 7 e 10 anos teriam uma melhor apreensão dos diferentes tipos de texturas musicais através de experiências multissensoriais envolvendo o tato, a visão e o movimento corporal. A proposta foi direcionada a esta faixa etária tendo como fundamento as características do estágio piagetiano Operacional Concreto, tais como reversibilidade e descentração, considerando que as crianças nessa fase estruturam coerentes processos de construções mentais desde que vivenciados de forma concreta. As texturas apresentadas têm como fio condutor o desenvolvimento do tecido sonoro ao longo da História da Música Ocidental, partindo da monofonia dos gregos até a “pluralidade” do século XX. Embora essa abordagem envolva elementos extra musicais, ela tem por finalidade o desenvolvimento de uma compreensão musical mais aprofundada e dessa forma enriquecer a apreciação musical das crianças e suas produções criativas. Palavras-chave: cognição musical, experiência multissensorial, textura, educação musical Music Education and Textures - A Multisensory Approach Abstract: In recent years, there has been a steady increase of research seeking to understand how the human brain processes and assimilates information from different sensory inputs, along with implications on various aspects of cognitive development, including musical processes. This Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 paper presents an introductory review based in current literature on the theoretical aspects that guide our research which aims at investigating whether children between 7 and 10 years old would have a better understanding of different types of musical textures through multisensory experiences involving touch, vision and body movement. The proposal was aimed at this age group based on the characteristics of the Piaget’s Concrete Operational stage, such as reversibility and decentration, considering that in this phase children structure consistent processes of mental constructions as long as these are concretely experienced. The musical textures that will be addressed follow the history of western music development, from the Greek’s monophony to the “plurality” of the twentieth century. Although this approach involves non-musical elements, it aims at developing a deeper understanding of music and thereby enriching the appreciation of music and creativity. Keywords: musical cognition, multisensory experience, texture, music education Introdução Este artigo apresenta um panorama introdutório aos aspectos teóricos que instruem nossa pesquisa e procura relacionar o uso de informações extra musicais com a aprendizagem musical, mais especificamente no que diz respeito à textura musical. Na área educacional, já se tornaram tradicionais os métodos que reconhecem e exploram os benefícios de um “ensino multissensorial” (Stephenson, 2002). O método introduzido por Montessori há noventa anos, por exemplo, privilegia o uso simultâneo de experiências visuais, auditivas, táteis e cinestésicas (Seitz & Shams, 2008). Dalcroze, Kodaly, MeyerDenkmann, Paynter, Schafer e Wuytack (Ilari & Mateiro, 2011) são conhecidos na Educação Musical por adotarem uma abordagem multissensorial em que elementos não auditivos como o movimento, recursos visuais e linguagem são usados como ferramentas na formação de conceitos musicais. 63 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Pesquisas mais recentes nesta área (Maurer & Spector, 2009; Mitchel & Weiss, 2011) procuram definir como o cérebro processa as informações vindas simultaneamente de diferentes vias sensoriais. Segundo Levitin (2010, p. 47), “cada vez que ouvimos um padrão musical novo, nosso cérebro tenta estabelecer uma associação por meio de quaisquer pistas visuais, auditivas ou de outros sentidos”. Mitchel e Weiss (2011) demonstraram, por exemplo, que a aquisição de uma informação como resultado da junção de mais de um sentido é mais efetiva do que quando apenas um sentido é estimulado. A compreensão da fala seria melhorada quando o ouvinte não apenas ouve, mas também vê quem está falando (Giraud & Kriegstein, 2006; Sumby & Pollack, 1954). De fato, o ser humano continuamente constrói uma representação interna do mundo (Dischinger & Kindlein Jr., 2010) através de processos perceptivos em que os sentidos atuam de modo integrado (Seitz & Shams, 2008). Por essa razão, atividades multissensoriais podem proporcionar diversos benefícios educacionais (Souza, Hentschke, Oliveira, Del Bem, & Mateiro, 2002), como melhorar a compreensão e memorização (Luria, 1987). O ensino musical multissensorial 64 É comum observarmos no universo educacional o uso da música em grande parte como ferramenta no auxílio à assimilação de conteúdos não musicais, em situações que abrangem desde o decorar fórmulas de física ao reforço de condicionamentos como a “hora do lanche” ou “hora de ir para casa”. De fato, diversos autores (Barreto, 2000; Ilari, 2003; Snyders, 1992; Weigel, 1988) têm demonstrado que o contato com a música contribui para diferentes aspectos do desenvolvimento sensorial. Na direção oposta, como menciona a seção anterior, diversos pedagogos utilizaram estímulos extra musicais para reforço do conteúdo musical. O método criado por Émile Jaques-Dalcroze, por exemplo, relaciona elementos musicais com movimentos corporais (Mariani, 2011). ZoltánKo- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 dály, com o objetivo de facilitar o aprendizado musical inicial, elaborou uma sequência de gestos manuais, também conhecida como manossolfa, como ferramenta na aprendizagem de alturas (Houlahan & Tacka, 2008), além do uso de sílabas para cada figura rítmica (Silva, 2011). Gertrud Meyer-Denkmann cria paralelos entre as propriedades do som e suas “funções” (Souza, 2011, p. 238) a partir do uso de representações gráficas alternativas à notação tradicional, privilegiando os estímulos visuais. Outros órgãos sensitivos como o paladar e o olfato também foram explorados. Além das conhecidas esculturas sonoras (Schafer, 1991), Schafer propunha que seus alunos usassem diferentes fragrâncias nos braços de modo que, ao deslizarem o nariz fosse obtido um “glissando” de odores (Fonterrada & Murray, 2011, p. 299). A textura musical A despeito dos consideráveis avanços observados nesta área, grosso modo, um dos aspectos que têm sido negligenciados na pesquisa acerca do “ensino multissensorial” consiste na compreensão da textura musical. A pesquisa que apresentamos neste artigo (atualmente em fase introdutória) procura suprir esta lacuna e propõe investigar, precisamente, de que modo uma abordagem multissensorial contribuiria para a compreensão do conceito de textura musical. Michael Chion e Pierre Schaeffer (como citado em Falcón, 2011) entendem que o objeto sonoro pode ser organizado com base na quantidade de planos sonoros, nas hierarquias existentes entre esses planos, e no relacionamento entre eles. A textura resultaria “da qualidade da matéria sonora e os modos de organização a que esta é submetida” (Belloc, como citado em Falcón, 2011). Explorando algumas possibilidades de arranjo a partir de uma simples melodia, como Frère Jacques, Newman (1984) identifica a existência de algumas possíveis texturas. Entoada sem acompanhamento, tem-se a defi- 65 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 nição da monofonia, cantada como um cânone, da polifonia e, acompanhada por acordes de piano ou violão, da homofonia. Além desses tipos básicos (monofonia, homofonia e polifonia), Falcon (2011) menciona a existência de diversas outras texturas derivadas (como a figura-fundo, os blocos sonoros, a trama e a massa sonora, entre outros), que seriam formadas a partir de variações ou combinações das texturas básicas. Obviamente, a simples descrição das diferentes possibilidades de texturas musicais a partir da relação entre as vozes (ou de seus fatores culturais e históricos) é insuficiente para compreender os benefícios que uma análise do cenário auditivo poderia proporcionar. Para isso, seria necessário, segundo Schellenberg e Thompson (2002), uma análise mais aprofundada sobre o conjunto de processos que permitem perceber e organizar informações acústicas em fontes ou eventos sonoros. Um raro exemplo de uma abordagem multissensorial usada para a compreensão do conceito de textura musical encontra-se no trabalho de Schafer (1991). No livro “O Ouvido Pensante”, relata este autor a realização de experimentos em que ele e seus alunos referem-se à textura através de “efeitos visuais aproximados” (e.g., caos, combustão, confusões, tumultuosissimamente, constelações, nuvens, blocos ou placas, cunhas e contornos). Além disso, foram criadas, com o uso de vozes, texturas corais relacionadas a elementos da natureza. Como fonte para improvisações corais, foram utilizados poemas japoneses (Haiku). A pesquisa 66 Na pesquisa apresentada neste artigo, propomos investigar a influência da utilização de estimulação multissensorial na compreensão da textura musical em crianças de 7 a 10 anos tendo como fio condutor o desenvolvimento da construção do tecido sonoro ao longo da história da música ocidental, desde a monofonia dos gregos (Grout & Palisca, 2001, p. 19) até “multiplicidade sonora” do século XX (Griffiths, 1998, p. 183). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A faixa etária escolhida situa-se no estágio Operacional Concreto, de acordo com o sistema proposto por Piaget: Em um terceiro estágio aparecem as primeiras operações, mas as chamo de operações concretas devido ao fato de que elas operam com objetos, e ainda não sobre hipóteses expressadas verbalmente. Por exemplo, há as operações de classificação, ordenamento, a construção da idéia de número, operações espaciais e temporais e todas as operações fundamentais da lógica elementar de classes e relações, da matemática elementar, da geometria elementar e até da física elementar. (Piaget, 1972) Acerca dessa fase, Terra (2013) esclarece que, “embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as ações executadas mentalmente se referem (...) a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta.” Sob o olhar construtivista de educação, Beyer (2000) entende que o aprendizado se dá através de um processo de construção, por meio da constante interação que o “sujeito” mantém com o “objeto” (realidade) e com o contexto sócio-cultural no qual está imerso. Em outras palavras, a construção de conceitos ocorre por meio de ações que a criança opera sobre os objetos. É também neste período que a criança adquire gradativamente a reversibilidade, ou seja, “a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos” (La Taille, 1992, p. 17). Com relação a essa reversibilidade presente no pensamento operatório graças à passagem de um domínio figurativo para o operativo no desenvolvimento cognitivo musical das crianças, Beyer (2000) aborda a dinamização das experiências que antes eram apenas unidirecionais: A reversibilidade pode ser verificada também no binômio percepção-expressão, sendo que um retroalimenta o outro para os progressos sucessivos na música. Assim, a percepção musical é bidirecional. Também neste estágio a criança terá condições de ‘desmon- 67 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 tar’ a canção e montá-la novamente, analisando parte por parte e apreendendo o funcionamento das relações entre elas. Desta forma a criança inicia-se nas relações de conseqüência e nas noções de verticalidade de uma melodia. (Beyer, 2000) Segundo Beyer (2000), no estágio operatório concreto, a criança está apta para o aprendizado da escrita musical, não necessariamente da simbologia convencional. Zenatti (como citado em Beyer, 2000) aponta que “subjacente à capacidade de alfabetização musical encontram-se as estruturas cognitivas de seriação, classificação, relação e conservação. Necessita-se das três primeiras para a formação gradativa do esquema de tonalidade”. Metodologia Os aspectos metodológicos do presente projeto são de ordem qualitativa, ou subjetivista que, segundo Freire (2010), “considera a realidade como uma instância em interação dialética com o sujeito ou mesmo como resultante da percepção do sujeito e não como um fenômeno ‘em si’”. Pedagogos, como Meyer-Denkamnn, Paynter e Schafer (Ilari & Mateiro, 2011), incentivam atividades que promovam um desenvolvimento musical através da experimentação sonora, composição, improvisação e criação de arranjos. Segundo Bourdieu (2003), o grau de “competência artística” está intimamente ligado ao conhecimento dos códigos da mensagem, no caso, a obra musical, portanto, podemos deduzir que quanto mais os alunos dispuserem de familiarização com os elementos musicais, mais ferramentas terão para o seu crescimento musical. 68 Tendo em vista os aspectos do desenvolvimento musical deste período (estágio Operacional Concreto) como resultante da capacidade de abstração e assim compreensão do discurso musical, mas ainda fortemente ligado a situações que remetam ao concreto, esta pesquisa investiga se a manipulação de diferentes materiais contribuiria para a percepção de diferentes possibilidades de textura. Indaga-se, por exemplo, se a manipulação de uma corda, contribuiria para a percepção de uma melodia monofônica ou se o Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 manuseio de diversas linhas de lã auxiliaria na percepção da polifonia ou de outras texturas derivadas. Conclusão Este artigo apresenta um panorama teórico introdutório acerca do tema central da nossa pesquisa, que procura relacionar o uso de informações sensórias extra musicais com a aprendizagem musical, mais especificamente no que diz respeito à textura musical. Sendo uma pesquisa ainda em fase inicial e considerando o escopo deste artigo, não são expostos resultados concretos. Apesar disso, acreditamos que a descrição das questões aqui apresentadas poderão servir como ponto de partida para discussões e outras pesquisas de interesse nesta área. Referências Barreto, S. (2000). Psicomotricidade: Educação e Reeducação. Blumenau: Acadêmica. Beyer, E. (2000). Tendências Curriculares e a construção do conhecimento musical na primeira infância. Paper presented at the IX Encontro Anual da ABEM, Belém. Bourdieu, P., & Darbel, A. (2003). O amor pela arte: Os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Zouk. Dischinger, M., & Kindlein Jr., W. (2010). Metodologias de Análise da Percepção Tátil em Diferentes Classes de Materiais e Texturas para Aplicação no Design de Produtos Design & Tecnologia (pp. 28-38). Rio Grande do Sul. Falcón, J. (2011). Quatro Critérios para a Análise Musical Baseada na Percepção Auditiva. (Mestrado em Música), Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 69 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fonterrada, M., & Murray, R. (2011). Schafer: o educador musical em um mundo em mudança. In T. Mateiro & B. Ilari (Eds.), Pedagogias em Educação Musical (pp. 299). Curitiba: IBPEX. Freire, V. (2010). Horizontes da Pesquisa em Música. Rio de Janeiro: 7Letras. 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Analysis is grounded on concepts from Laban Movement Analysis. The pilot study includes recordings of several activities where children perform movements addressing one of the Laban Effort dimension. In particular, this initial study focuses on the Weight dimension. MIROR-Body gesture is one of the three components of the MIROR platform, developed in the EU-ICT project MIROR - Music Interaction Relaying On Reflexion (ICT-Technology-enhanced Learning, 2010-2013). Keywords: Miror-Body Gesture, reflexive interaction, music and dance education Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Projetando a estrutura do MIROR-Body Gesture para a criatividade em música e dança Resumo: Este texto apresenta um estudo piloto realizado com crianças, a fim de elaborar o design dos componentes de análise de movimento do MIROR-Body Gesture, um sistema tecnológico para exploração criativa da música e da dança, com base no paradigma "interativo/reflexivo". A análise é baseada nos conceitos de Rudolf Laban para a Análise do Movimento. O estudo-piloto inclui gravações de diversas atividades onde as crianças executam movimentos abordando uma das dimensões do conceito de “Effort” de Laban. Em particular, este estudo inicial centra-se na dimensão do “peso”. O MIROR-Body Gesture é um dos três componentes da plataforma MIROR, desenvolvido na União Européia – ICT MIROR Project – Music Interaction Relaying on Reflexion (ICTTecnologia avançada de aprendizagem, 2010-2013). Palavras-chave: MIROR-Body Gesture, interação reflexiva, música e dança educação This paper introduces a pilot study carried out with children in order to design and tune the movement analysis components of MIROR-Body Gesture, a framework for music and dance exploration, based on the “reflexive interaction” paradigm. MIROR-Body gesture is one of the three components of the MIROR platform, developed in the EU-ICT project MIROR - Music Interaction Relaying On Reflexion (ICT-Technologyenhanced Learning, 2010-2013). This paper presents the MIROR platform, the reflexive interaction paradigm, MIROR-Body Gesture, and the pilot study carried out with the children. 1. The MIROR platform The MIROR Platform is developed in the context of early childhood music education. It acts as an advanced cognitive tutor, designed to promote specific cognitive abilities in the field of music improvisation, composition and body-gesture, both in formal learning contexts (kindergartens, primary schools, music schools) and in informal ones (at 75 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 home, kinder centres, and so on). The “reflexive interaction” paradigm is based on the idea of letting users manipulate virtual copies of themselves, through specifically designed machine-learning software referred to as interactive reflexive musical systems (IRMS). By definition IRMS are able to learn and configure themselves according to their understanding of the learner's behaviour. Originally conceived for working with musical input, in MIROR the IRMS paradigm is extended with analysis and synthesis of multisensory expressive gesture to increase its impact on musical pedagogy of young children, by developing new multimodal interfaces. The MIROR project aims primarily at developing the potential of the reflexive interaction paradigm for the benefit of music education. This includes the design, implementation and validation of concrete pedagogical scenarios in which IRMS organize and stimulate the learning / teaching processes in the domains of music improvisation, composition and body performance. The MIROR Platform addresses music improvisation (MIROR Improvisation), composition (MIROR Composition), and exploration with/ of body gesture (MIROR Body gesture). The core architecture of the MIROR platform is displayed in Figure 1. This paper focuses on the MIROR-Body Gesture component and on a first eploratory study carried out with the children. camera Miror inputs midi audio Miror-impro Core applications Miror-body Miror outputs 76 Miror-compo Children UI Miror-log Teacher UI Miror-web Figure 1. The overall architecture of MIROR, with the various inputs, outputs, core modules, and user interfaces. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. The reflexive intaraction paradigm Interactive Reflexive Musical Systems, IRMS in short, were originally conceived at the SONY Computer Science Laboratory in Paris (Pachet, 2003). The notion of IRMS was developed by experimenting with novel forms of man-machine interactions, in which the user essentially manipulates an “image” of himself/herself. Indeed, traditional approaches in man-machine interactions consist of designing algorithms and interfaces that help the user to solve a given, predefined task. Departing from these approaches IRMS are designed without a specific task in mind, but rather as intelligent “Mirrors”. Interaction with users is analysed by IRMS to build progressively a (computational) model of the user in a given domain (such as musical performance). The output of an IRMS is a “mimetic response” to a user interaction. This general idea stemmed from a concrete project dealing with musical improvisation, The Continuator (Pachet 2003, 2006). An extensive series of exploratory studies was carried out with 3-5 yearold children since 2003. These studies showed that the IRMS paradigm not only works with children but that it yields a novel and efficient approach to learning/teaching, as it develops fascinating and spectacular child/machine interaction. This pioneering work was followed by many others, for example (Ferrari et al, 2006; Young 2006, Benghi et al. 2008). One of the most implication of these experiments has been the exploitation of the theoretical framework of the reflexive interaction paradigm and the implementation of the MIROR Project. The theoretical framework of the reflexive interaction paradigm includes references from the myth of Echo (Ovid) to the more recent semiological paradigmatic analysis (Ruwet 1966, Nattiez 1987) and the theory of similarity perception in music listening (Deliège 2011, Toiviainen 2007). Thanks to its capacities to replicate the musical behavior and evolve in an organic fashion with the user, IRMS translate into technological design several theoretical concepts of learning development and the theory of creativity. the theories on the mirror neurons (Rizzolatti et al., 2006); the theories of infant musical development, based on the mechanism of 77 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 repetition/variation and affective attunment (Stern, 2004; Trevarthen, 2000; Imberty, 2005), and several pedagogical perspectives on young children music education (McPherson, 2002; Young, 2004). In particular, IRMS especially promote the “optimal experience” described by the Flow Theory introduced by Csikszentmiahlyi (1996). IRMS generate very complex reactions, where the children are expected to form differentiated judgments about “self” and “others”. In literature, these forms of awareness are considered crucial for the building of the child's identity. IRMS, by means of their mirror effect, help towards the construction of a “musical self”, or, as Turkle (1984) says, a “Second self”, where not only the machine seems to think, but it also thinks like the user. The MIROR platform owes to the Laban Movement Analysis (LMA), elaborated by the Hungarian dance artist and theorist Rudolf Laban (18791958). This analytical approach is the basis of the expressive gesture analysis implemented as a component of MIROR-Body Gesture. This relationship between sound and movement through the Laban's aproach has been used by other researchers, for example, Kistner (2010), Mullins (2009), Kohn & Eitan (2009), Addessi & Maffioli (2002). The analysis of the interactive processes between children and the system is based on the theory of flow Csikszentmihalyi (1990), whereby the quality of engagement with the child's system is evaluated from a motivational, creative and emotional perspective. The relationship between flow theory and musical activities has been the subject of other studies, such as studies of Addessi, Ferrari & Carugati (2012); Custodero (2006); Addessi (2011), Araújo & Pickler (2008). 78 3. The MIROR-Body Gesture framework The basic concept of the paradigm of Reflexive Interaction is to establish a dialogue between the user and the machine, in which the user tries to “teach” the machine his/her musical language. The effectiveness of such a dialogue will be greatly increased by introducing the dimensions of expres- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sivity and emotion. Movement and gesture are a first-class conveyor of expressivity and emotion in contexts such as music, where communication is mainly non-verbal. The MIROR project includes the development of techniques for real-time analysis of expressive movement and gesture to further develop the children capacity for improvisation, composition, and creative performance. An innovative aspect of the MIROR project will be to endow Interactive Reflexive Musical Systems with the capability of exploiting mechanisms of expressive emotional communication. The MIROR Body-Gesture framework enables children to perform exploration of sound and of musical concepts by their body movements and gestures. The framework can integrate exploration activities, with different levels of complexity, spanning over different dimensions of sound and over different music concepts. Teachers can control the performance of the activities and can customise the sounds used in them, according to their needs. The framework can also save both the work of the children and the data gathered during a session in order to provide teachers with tools for evaluation. The architecture of the framework is sketched in Figure 2. Blue thick arrows are sampled data stream that are processed by the prototype (the live video and the motion capture data coming from the children interface, the extracted motion features, the output audio stream). Red thin arrows are commands the teacher provides through the teacher interface in order e.g., to select an exercise and its sound set and to start/stop the selected exercise. Commands refer to the work within a session. Commands to create, load, and close a session are also available, but they are not displayed in the figure. Yellow thin arrows are parameters’ values and control signals the framework generates depending on either the commands the teacher issues or the localisation of the objects in the potter framework (draft, working, or final area). These are used either to instantiate a specific exercise template (e.g., providing it with a specific sound to be processed) or to control other modules (e.g., to associate the sound obtained by the child to the object she is working on when the child freezes). The core of the architecture is the 79 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 crafting ing module including components for movement and gesture analysis and for mapping to sound and music. Indeed, children manipulate and craft sounds by their movement. The pilot study in this paper addressed data collection and analysis for designing the movement ement and gesture component of the crafting module based on concepts from Laban Movement Analysis. The major input for MIROR Body-Gesture Gesture is a Kinect sensor. Kinect is a motion sensing input device by Microsoft for the Xbox 360 video game console. Based around a webcam-style add-on peripheral for the Xbox 360 console, it enables users to control and interact with the Xbox 360 without the need to touch a game controller, through a natural user interface using gestures and spoken commands. Originally conceivedd for the Xbox, Kinect can also be connected to a common personal computed and can provide it with Motion Capture (MoCap) data. 80 Figure 2. Architecture of the MIROR-Body Body Gesture framework Kinect was chosen, instead of common video cameras, in order to simplify the set-up set of the MIROR Body-Gesture framework Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 This is particularly important, since the prototype needs to be installed prospectively at schools or kindergartens. Indeed, Kinect can perform background subtraction and motion tracking in almost non-controlled environments, thus enabling to remove constraints such as the need of a constant background and of constant lights. Moreover, Kinect does not need to buy and install further hardware, it can track multiple users, and it provides quite reliable 3D Motion Capture data. At the start-up Kinect still needs a calibration phase requiring the user to stay still in front of the sensor in a predefined calibration pose (standing with arms raised). Yet, such a drawback is minor with respect to the high benefit of working in non-controlled environment. The implementation of MIROR Body-gesture is grounded on the EyesWeb XMI platform (Camurri & Volpe, 2004; Camurri et al. 2005. See in particular Volpe et al. 2012) (www.eyesweb.org). 4. Methodology The integration of cross-disciplinary teams allows the creation of an effective spiral design approach characterised by the concept of interreliability. The results of one team, notably the technological team, influence and are influenced by the results of another team (the psycho and pedagogical team). Different research methods and approaches are used (basic research, experimental, observation, action research): these factors enable to study different aspects of a problem and to validate the results by means of cross-control. Such a spiral model of design is fundamental in the field of early child music education technology. This field demands a specific expertise on the cognitive, affective and sensory-motor child development, infant musicality and music learning processes. Concerning the MIROR-Body Gesture framework and the pilot study introduced in this paper, the working team is composed by pioneer investigators of expressive gesture analysis technology and by the leader of the first studies with children and reflexive musical systems, which are experts in cognitive musicology and music education. In order to implement the Laban Movement Analysis, an expert in LMA and dance education was involved in 81 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 the project. This expertise was also assured by the collaboration with the Mousikè Center in Bologna, specialised in children dance education based on the Laban Movement Analysis (Maffioli, 2009; Zagatti, 2004). The methodology is based on three levels of investigation: 1) Movement/sound connection: it represents the basic level of implementation of the framework. A grid of correlation between Laban movement parameters and musical features (shape, duration, sound, pitch) was created. 2) Reflexive interaction: this level deals with the implementation of several modes and rules of child/machine interaction, based on the reflexive interaction paradigm. 3) Pedagogical settings: psychological conditions of children, role of children, role of the teacher, role of the system, educational contexts and methodological approaches. 5. The pilot study 82 The MIROR-Body Gesture framework is in its initial stage. Therefore, a first aspect that needs to be investigated from a pedagogical perspective is the correspondence between movements and sounds. To this aim, a video archive addressing different parameters of Laban Movement Analysis (Effort, Body, Shape, Space) is collected by videorecording children performing movements and sounds. The video archive is complemented with informal interviews with children. The pilot study introduced in this paper focuses on the Weight component of Laban’s Effort, that may range from light to heavy. In order to collect video and interviews, several activities with children were organised, focusing on light/heavy movements. In order to stimulate the experience of children around light/heavy, the children were invited to perform several activities, including games, playing instruments, and dancing. Several informal interviews were also performed. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Method Participants: Children: 1 girl, 7 years old; 2 girls, 8 years old; 1 boy, 3 years old (he did not want to carry out the activities). The children dressed light-colored clothing. Operators: The activities with the children were leaded by two teachers specialised in dance and music education with children. Equipment: 1 computer, 1 Kinect, 2 videocameras; 1 fotocamera; musical instruments (drums and several different drumsticks); several pieces of music recordings, suitable to be perceived as light or heavy . Setting: The venue where the activities were carried out was the Mousikè School, in Bologna. The room was 70 m2, one wall of the room was covered with a dark curtain. 2 areas that represented 2 planets were created on the floor, with white tape. One planet was in front of the dark curtain. The Kinect sensor was in front to this planet, in order to capture the movements of the children. In order to allow automatic analysis of video data, the children dressed light-colored clothing to contrast with the dark background. Figure 3. Setting of the pilot study Procedure: The organization of the activities began at 11 am. The activities with the children happened between 14h00 and 16h00. The consent forms signed by the parents of the involved children were collected. The activities were recorded by 2 videocameras: one of them was connected with an EyesWeb application recording the activity of the child in front to the Kinect sensor (Fig. 3) and collected the data to be used for automatic 83 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 analysis; Another videocamera recorded all the activities and collected data to be analysed by psycho-pedagogical team. Sequence of activities with children: Preparatory activities Initially, some preparatory games were conducted with the objective to help the children to explore heavy and light movements. In the game the children imagined to be on “a planet”. On the “planet” the children performed the activities (Fig. 4). Initially, each child was asked to scream and whisper their names, accompanying them with a movement of the whole body; first with a light quality and then with a heavy quality. Finally, they were asked to do a light or heavy movement omitting to pronounce their names. During these activities, the children were suggested to try the movement and the voice emission standing up or anyway in contact with the floor. Then, activities of inventing smooth movements and heavy movements guided by the voice, and activities of observations and imitation of the movements of the feather (each child received a feather to play) were performed, as well as activities with heavy movements guided only by the voice. After performing different exercises, the children were invited to go on a "different planet", which was another space prepared in the same room, where they would extend the previous material focusing more on body gesture. 84 Activities devoted to the MIROR-Body Gesture In order to collect data suitable for designing the Laban analysis component of the MIROR Body Gesture framework, video recordings of children performing heavy and light movements were carried out. To this aim, children were introduced to the activities that follow (Fig. 4). Initially, children were asked to make a “sign of recognition”: raising Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 their right hand with palm forward, the children said their first name; raising the left hand with palm forward, the children said the last name; turning their hands (with the back to front), the children said their age. This initial activity was performed in order to enable the Kinect sensor to calibrate properly; the articulation of the activity is such that it allows for sufficient time for the Kinect sensor to calibrate. The first game was based on listening to pieces of music sometimes smooth, sometimes heavy, so that the children could perform movements with the music that they were hearing. The children, one at a time, entered the “new planet” while the others waited outside in a “spaceship”. To make the moves heavier or lighter, the children needed to prepare themselves, rubbing a feather or a stone in different parts of the body, to become heavy or light. By doing so, each time the child chose to turn heavy or light the movement of a part of her body, or of the whole body. Some movement actions were also tried out, such as walking, jumping, skipping, falling, and spinning. These actions were performed following the idea of lightness and heaviness. The second game consisted of the heavier or lighter imitation of animals. One child at a time, entered “the planet”, made the “sign of recognition,” and entered an “imaginary box”. The other children were outside and made sounds using musical instruments to support in the decision of moving heavily or lightly. At the end of the game, they had to guess what animal was represented. 85 Figure 4. Activities wth children devoted to the MIROR-Body Gesture Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Activities with drums devoted to the MIROR-Body Gesture The children explored the sounds of the drums with drumsticks. They were asked to produce “light sounds” and “heavy sounds” and they played sounds of “weak”(piano) and “high intensity”(forte), drumming with sticks. Then they were asked to play “light sounds” with “accelerando” and “rallentando”, and the same game was made with heavy sounds: they were asked to preserve the sound (light or heavy), even if they changed the speed. The aim of this game was to practice with sounds “light and heavy”, to make explicit the concept of light and heavy, to discuss with children about light and heavy sounds, and to collect the qualities of sounds according to what the children thought (Fig. 5). In order to put together sounds and movements, an other game was realised. One girl comes into the “planet”, does the “sign of recognition”, pretends to be an animal, while the other children play the drums with light or heavy sounds, by following a director, while the child in the box has to interpret through the body movements the sounds’ lightness and heaviness, following the variations played by the friends with the drums (for example: a butterfly flies in the sky when the drums produce light sounds, and then becomes heavy, as if she had eaten a lot, when the drums produce heavy sounds). 86 Figure 5. Acivities with drums and informal interview to the children Activities with the interface of the MIROR-Body Gesture Finally, the children were invited to observe the interface of the system Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 and to understand, by the different colours on the screen, when the system recognizes and starts to capture the body movements of the subject in front to the Kinect sensor (Fig. 6). They made experience with the interface and the Kinect. They found that the computer picked up their images and the use of the “kinect” was cause for great enthusiasm for the children. Figure 6. Activity with the interface of the MIROR-Body Gesture 6. Results In general way it was observed that all the activities were performed with much joy and interest by the children. While the children were doing the games, they were becoming more confident and freer in exploring their movements. The collection of data on heavy and light movements necessary for the development of body gesture system was successful. Data includes: -Live video (640x480, 30fps); -Blobs of the tracked children; -3D coordinates of body joints (head, neck, torso, waist, left collar, left shoulder, left elbow, left wrist, left hand, left fingertip, right collar, right shoulder, right elbow, right wrist, right hand, right fingertip, left hip, left knee, left ankle, left foot, right hip, right knee, right ankle, right foot). The accuracy of the measurements may depend on the environmental conditions. 87 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 The data are being processed. Video and 3D coordinates will be analysed in order to automatically classify movement as light or heavy. This includes extraction of features (e.g., kinematical features, direction of movement, amount of movement and so on). The features extracted from the video recordings will be used for training a machine-learning model, e.g., a Support Vector Machine. A similar study performed on the Space dimension of Laban’s Theory of Effort already obtained promising results, yielding an accuracy rate of about 90%. The pilot study will thus be exploited in a twofold perspective: (i) for understanding which features are more relevant for distinguishing between heavy and light movements in the specific context of children game playing, and (ii) to collect data for training the models. The analysis of the videos (movements and music analysis), emerged the following qualities of the children movements and sounds dealing with the Laban feature of Weight heavy/light: LMA (Laban Movement Analysis) Children's HEAVY movements BODY: parts of the body: legs and feet, + hands (fists); action: stomping the ground with force, marching, jumping on two feet with energy SPACE: direction: forward + left/right; Levels: above all high, and deep; Extensions: Near; Path: above all straight, but also curved 88 TIME: Speed: above all normal and slow WEIGHT: Energy or Force: strong and heavy; Accents: stressed; Degrees of tension: tense FLOW: Flux: interrupting + arresting; Action: stopped; Control: intermittent; Body: motion (marching) Music Analysis Children's HEAVY Sounds Gestures to produce the sounds: strong beats on the drum, with regular time strong beats on the drum, with “crescendo” (between mp – ff) and “accelerando” Musical contents: System of DURATION: with pulse, beat, accent, both rallentando/accelerando System of SOUND : timbre: dark, thick; texture: dense; register: low; dynamic: very strong; articulation: staccato, detached. System of SHAPE: segmentation; grouping of gestures, repetition/variations of gestures System of PITCH: only drums not tuned, so we do not have this parameter Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 EFFORT: Weight: firm; Time: susteined-sudden; Space: direct; Flow:bound Children's LIGHT movements BODY: Parts: full body, in particular the the legs, arms, the hands, the wrists; Actions: slip, transfer of weight, walking on tiptoe, waving his arms in a symmetrical way, turning SPACE Directions: forward + left/right; Levels: high, medium; Extensions: far; normal-big; Path: straight-curved TIME: Speed: quick-normal-slow; Tempo: prestomoderato-lento WEIGHT Energy or Force-weak; light-normal; Accents: unstressed; Degrees of tension: normal FLOW Flux: going; Action: continuous; Control: normal-intermittent; Body: motion EFFORT Weight: gentle; Time: sustained-sudden; Space: flexible-direct; Flow: free Children's LIGHT sounds Gestures to produce the sounds: Rubbing the stick on the drum Tapping lightly (gently) and slowly on the drum. Musical contents: System of DURATION: long durations, without strong accent System of PITCH: only drums not tuned,so we do not have this parameter System of SOUND: timbre: light, soft, thin; texture: rare ; register: acute middle register; dynamic: weak articulation: legato System of SHAPE: no segmentation; repetition, variation, no contrast This analysis and annotation of material by the psycho-pedagogical team will also serve as ground truth for automatic analysis. A quantitative analysis is being carried out by means the software Observer. From the psycho-pedagogic perspective the interviews with the children will be analysed in order to set the musical characteristics of light/ heavy. Analysis and set-up of the pedagogical setting and activities, including set-up the setting for further experimental studies. The results and the activities carried out so far allow us to collect and experiment on several scenarios for children and MIROR Body Gesture- 89 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 BeSound, analyse Laban' Effort features heavy/light in children, analyse heavy/light sound features in children, collect live videos to be used for automatic analysis and system training by the technological partner, test equipment, software, materials, space, share ideas and pedagogical issues with the teachers of the primary and kindergarten schools about the ecological setting for the experiments, the MIROR Body Gesture in the school, activities of training teachers. Conclusions This paper introduced a pilot study carried out with children in order to design and tune the movement analysis component of MIROR-Body Gesture, a framework for music and dance exploration, based on the “reflexive interaction” paradigm, implemented in the framework of the MIROR Project. Analysis is grounded on concepts from Laban Movement Analysis. The study will be exploited to implement exploration activities where, for example, children can behave as an object or an animal trying to reproduce their heavy or light movements, thus triggering corresponding sounds. This would provide a goal-directed and playful approach to both the exploration of qualities of sound and music and the invention of body and musical compositions. The effectiveness of the prototype derived from this pilot study will be evaluated in a second pilot study, including observation of children trying the prototype, to be run in framework of the MIROR project. Acknowledgment 90 This study was partially supported by the EU-ICT Project MIROR (Musical Interaction Relying On Reflexion, www.mirorproject.eu). The Authors thank the Mousikè Center of Bologna, Italy, for hosting the experimental activities with children. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 References Addessi, A.R. 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Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Children's musical improvisation in an interactive/reflexive musical context: An study Rosane Cardoso de Araujo [email protected] Universidade Federal do Paraná/CNPq Anna Rita Addessi [email protected] Università di Bologna Abstract: This paper introduces an study of the process of musical improvisation of two children in interactive/reflexive musical context. The data were collected in Italy within the MIROR Project (Music Interaction Relaying On Reflexion /Commission´s Seventh Framework Programme of the European Union) polo at the University of Bologna. Several improvisational sessions were carried out in a primary school, with two 8 yearold children who played together a keyboard augmented with an interactive reflexive musical system, improved in the MIROR Platform. In this study, children played several games with and without the system that organized responses to the various children musical interventions (melodic, harmonic, rythmic) by imitating the children's musical style. The analysis was based on the observation of video recordings collected during the sessions (2011), and was considered the elements of the flow experience (emotion, concentration); the musical elements of the children’s experience, (the exploration ways of playing, exploration of the keyboard); music improvisation (repetition, variation, musical ideas, elaboration, musical form, texture, musical gesture); and elements of social interaction between children. The results analysed so far indicate that the children engaging in interactive/reflective environments, and in the context of collective practice (in pairs), can generate a flow state, through intrinsic motivation and creative musical practice. Keywords: motivação, creativity, interactive/reflective musical context. Improvisação musical de crianças em um contexto musical interativo/reflexivo: um estudo Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre o processo de improvisação musical de duas crianças em contexto musical interativo/reflexivo. 95 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os dados foram coletados na Itália por meio do interactive/reflexive musical context. The data were collected in Italy within the EC-ICT MIROR Project (Music Interaction Relaying On Reflexion /Commission´s Seventh Framework Programme of the European Union) pólo da Universidade de Bolonha. Várias sessões de improvisação foram realizadas em uma escola primária, com duas crianças de 8 anos de idade que brincavam juntos num teclado ampliado com um sistema musical interativo/ reflexivo musical, concebido pela Plataforma MIROR. Neste estudo, as crianças realizaram jogos de improvisação com e sem o sistema, que organizava as respostas das crianças por meio de intervenções musicais (melódica, harmônica, rítmica) imitando o estilo de musical dos participantes. A análise foi feita por meio da observação de gravações de vídeo recolhidas durante as sessões (2011) e foram considerados nesta análise os elementos da experiência de fluxo(emoção, a concentração); os elementos musicais (formas de exploração por meio de jogos , exploração do teclado); improvisação musical (variação, repetição, ideias musicais, elaboração, forma musical, textura, gesto musical); e elementos de interação social entre as crianças. Os resultados indicam que as crianças envolvidas em ambientes interativos / reflexivo, e no contexto da prática coletiva (em pares), podem vivenciar o estado de fluxo, por meio da motivação intrínseca e da prática musical criativa. Palavras-chave: Motivação, criatividade, contexto musical interativo/reflexivo 96 The MIROR Project (Musical Interaction Relying on Reflexion) is being developed under the general coordination of Bologne University with the following partners’ collaboration: Università degli Studi di Genova; Goeteborgsa Universitet; National and Kapodistrian University of Athenas; The University of Exeter; Sony France (SONY FRANCE S.A.) e Compedia Software & Hardware LTD as the part of the Commission´s Seventh Framework Programme. The project has as the main focus the development of a technological PLATFORM programme that covers three technological interactive/reflexive systems that allow the child to take part on the activities of composition, improvisation and sound manipulation and motor creativity through the use of corporal movement. The MIROR Impro predicts the Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 reflexive interaction through musical improvisation; the MIROR Impro follows reflexive interaction through composition; and the MIROR Bodygesture has its focus on motor skills creativity. The interactive/reflexive musical systems (IRMS) were conceived by SONY Computer Science Laboratory in Paris (Pachet 2004) and they have been systematically investigated with children by Addessi & Pachet (2005; 2006); Addessi (et alii, 2006); Pachet (2004), among others. The first phase of the MIROR project started with the MIROR Impro experiments, were carried out with the collaboration of the universities of Bologna, Exeter, Athens and Gotemburg. The MIROR Impro system is an augmented system based on the Continuator, the first IRMS prototype. The interactive/reflexive systems are characterised by the ability to respond repeating the style of the child that plays a keyboard. The IRMS are noticed by the player as a kind of “sound mirror” (Pachet 2004). This particular type of technology is based on the reflexive interaction paradigm that has proven to be quite efficient in the learning music sphere. In this text we focused on a part of the research on the psychological experiments carried out by the Bologna University team. The Bologna team has worked with the psychological experiments on the MIROR Impro in two phases that involved 24 children (Twelve 4 year-olds and Twelve 8 year –old ones). In the first part, the experimental protocol, the images registered the children interacting with the MIROR Impro system went through a quantitative and statistical analysis process by using the Observer software (© Noldus). In this phase by using a behaviour observation table for the children, the flow experience (Csikszentmihalyi, 1999) lived by the children during the interaction with the system was analysed and quantified. The flow experience elements observed were focused attention, clear-cut feedback, clear goals, control of situation and pleasure. On a second phase were conducted micro-analysis processes of a quantitative character where the listening behaviour/conduct, the creative processes and the integration among the children were a few of the most explored elements. 97 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Therefore, in this presentation we introduced the results of a microanalysis process conducted via case study. The study was elaborated from the analysis of the video of two children interacting with the MIROR Impro system. The main objective for this study was to investigate the chidren’s musical ideas construction with their interaction with or without the MIROR Impro system confronting elements that may generate the flow experience. The case study was based on the Torrance and Ball (1990) categories about creativity and on Csikszentmihalyi on the Flow theory (Csikszentmihalyi 2003, 1999, 1996, 1990). According to this author, the "flow state" is generated from affective components of motivation that drive the execution of an activity, favouring the persistence of the person in his/her activity through components such as emotion, goals and cognitive operations (concentration). 1. Methodology The data for the carrying out of this study were collected in an Elementary school in the town of Casalecchio, Italy. In the complete protocol the children taking part were filmed in three activity sections. Each section maintained the 4 taks structure and following a randomly order: (A) task 1: the child is alone and plays a simple keyboard; (B) task 2: the child is alone and plays with the MIROR Impro; (C) task 3: the child is accompanied by a friend and play the simple keyboard; (D) Task 4: the child and her friend play using the MIROR Impro. 98 Around 200 tasks were analysed in the whole experimental protocol. This study was carried out by analysing the videos from a section with 4 tasks that was carried out by two 8 year-old girls. 1.1 Creativity According to Ostrower (1993) it is in the cultural context that man’s creative nature develops. To this author the creativity is a potential characteristic of a human being and not exclusive to a few. Ostrower Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 defends, therefore, a few ideas about creativity that are particularly relevant to this study: a) that creative processes are interconnected in two levels of human existence – individual and cultural; and b) that creating is forming something, that is, creating a form of structuring. Wechsler (1993) points to creativity as being understood as the result of an interaction of cognitive processes, personality characteristics, environmental variables and unconscious elements. This author explains creativity through the combination among cognitive abilities, personality characteristics and environmental elements. The creative processes in the present case study were considered from the children’s interactions both individual and collectively during the activities of musical improvisation and the interaction with the simple keyboard and the one with the MIROR Impro system. The activities analysis was based in a few of Torrance (1966) and Torrance & Ball (1990, 1984) indicators for the evaluation of creatitivity. The authors point out 11 creativity indicators: the presence of emotion; fantasy; movement; ideas combinations; resistence to closing; uncommon perspective; internal perspective; humour; image richness; image colouring and expressive titles. Our analysis was centered in 5 of those indicators that were considered constant in all sections: the presence of emotion; fantasy, movement, ideas combinations and internal perspective. 1.2 Emotion Emotion is cited as a creativity factor by Torrance and Ball (1990), and is also appointed by Csikszentmihalyi (1999) as a significative element for the pleasurable involvement of the child in the activity. During the tasks it was possible to identify several moments in which emotion (happiness, euphoria) was clearly present during the improvisation practice. In particular we have observed that emotion was a component present especially when the children were interacting with the reflexive MIROR Impro system. This enthusiasm the child felt with the reflexive system was also appointed in past studies by Addessi & Pachet (2005, 2006). The 99 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 result, therefore, comes to reinforce the past studies on the reflexive interactive system. 1.3 Fantasy Fantasy was also an element present during the improvisation process, in the interaction with the simple keyboard as well as with the reflexive MIROR Impro system. An example of this finding was verified after a longer period of collective observation, where the children taking part, after several musical creation experiments, found a sound model that they identified as a characteristic of “Horror movie”. Both girls shared this idea and followed it for a period of time trying to find different combinations for the construction of the “horror movie” idea. After that, the improvisation activity, they at last found a pattern for a “children movie”, so changing the image (fantasy). 1.4 Movement and gesture 100 Figure 1: “gesture” The indicator movement was considered in this study from the gestural creativity. According to Iazzeta (1997), the gesture is understood as a movement capable of expressing something. It is, therefore, a movement with a special significance, being more than a change in space, a corporal action or a mechanical movement. According to this author, in music one Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 can think in a physical gesture, but also in a mental gesture that refers to the physical gesture – in this case the movement. Godoy & Leman (2012, p.xix) defend that the musical experiences “are intimately linked with experiences of movements”, and that is why they propose the expression “musical gestures” to identify the combination between sound and movement. The authors defend the study on the relationship between movement and music via musical gesture concept, affirming that: “We feel that the study of musical gesture, as well as the mental images of musical gesture, is indeed reshaping our conceptions of music and sound in general” (Leman & Godoy, 2012, p. 04) In this study the creative element “movement”, visualized from the musical gesture, was evaluated as an intentional element used by the children to create expressive and musical effects and to control the particular produced sounds/sonorities. These procedures were observed in all tasks, from 1 to 4, both alone and with the interaction with the MIROR Impro system. 1.5 Ideas combination and internal perspective As to Torrance and Ball (1990) creativity indicators description of “ideias combination” were equally observed in the activities of improvisation developed with the simple keyboard and with the MIROR Impro system. The exploration, in its turn, followed a pattern formerly studied by Addessi & Pachet (2005; 2006), about the musical interaction with reflexive interactive system life cycle. During the interaction cycle the improvisation activities development, the activities carried out by the children brought creative elements generated by combinations done in both the individual as in the collective practice in the internal perspective category, as pointed out by Torrance and Ball. As well as emphasized by Addessi and Pachet (2006), the use of a reflexive-interactive system develops an individual creativity, but the group creativity as well. The observed elements were: Initial elements of free exploration (in each phase): scales, glissandos and clusters. Combined elements: Pattern search; Harmonic exploration; 101 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Pentatonic phrases creation; Creation of pentatonic phrases associated to rhythmic and harmonic elements; Ostinato creation. 2. Quantitative data analysis A quantitative analysis of the case study was carried out to measure the duration of each creativity indicator. Figure 2 shows the data results describing this analysis: TASK 1 – The TASK 2 - the child TASK3- with a child alone (2’20”) alone with MIROR friend (23”23”) Impro (2’34”) TASK4- with a friend, with MIROR Impro (6’21”) EMOTION 0’06” = 4 % 1’17” = 50% 1’06” = 5% 2’36” = 41% FANTASY ------ ----- 0’24” = 2% ------ MOVEMENT 0’17” = 12% ----- 1’27” = 6% 1’34” = 25% 1’03” = 40% 5’54” = 21% 2’32” = 40% IDEAS 0’29” = 21% COMBINATION Figure 2: quantitative analysis The quantitative data provide the basis for the analysis of qualitative data developed so far, showing that the elements “”emotion” and “ideas combination” here described were observed in a more emphatic way when the children were playing interacting with the MIROR Impro. 102 3. Creatitivy and flow To Csikszentmihalyi (1999), the flow state is also a creative process. So, in this study, we propose that some of the elements pointed out by the authors Torrance and Ball (1990) as creativity indicators, can be verified as the flow experience components as well. We have thus indicated, that some Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 relationships are found between the flow and creativity, and those are found from observing the children’s improvisational processes with and without the MIROR Impro system and are: (A) Practice structuring, that is, the building of musical patterns based on Torrance and Ball (1990) categories “combination of ideas” and “ internal perspective”, shows a process that Csikszentmihalyi (1999) in his Flow Theory associates with establishing clear goals. (B) Emotion – a state of joy, enthusiasm – defined by Torrance and Ball (1990) as a component of the creative process, is also described by Csikszentmihalyi (1999) as an element that constitutes the flow experience. (C) Lastly, Torrance and Ball’s categories analysed in this text as “movement” and “ fantasy” can be associated to a mental process that involves especially a situation of great concentration. A process where the psychic energy is focused solely on the activity so that the person is capable of maintaining a high level of concentration, is, according to Csikszentmihalyi, a key element to generate the flow state. All these aspects related to the flow theory have been widely discussed by Pachet (2004) and also about the flow machine, and by Addessi, Ferrari and Carugati (2012) on the data experimental observation with the children interaction with the flow machine. 4. Conclusion This case study revealed aspects of the children’s musical improvisational practice under a creative point of view that reveals the relationship of this process with the creativity indicators emotion; fantasy; movement; ideas combinations; and internal perspective. The qualitative analysis of this study shows that these benaviours are more evident when the child executes the MIROR Impro system. These data support the hypothesis in which the MIROR Project is based on, that is, that the reflexive interaction enhances musical creativity. Apart from that we have brought the hypothesis of these indicators being related to the flow indicators described by Csikzemtmihalyi (1999). Thus, the study-case gives support to the idea that 103 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 the IRMS are the flow machine. The results analysed so far indicate that the children engaging in interactive/reflective environments, and in the context of collective practice in pairs, can generate a creative musical practice. References Addessi, A. R.; Pachet, F. (2006) Young children confronting the continuator, an interactive reflective musical system. Musical Scientiae, Special Issue, 13-39. Addessi, A. R.; Pachet, F. 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De acordo com a obra de Albert Bandura, intitulada como “Teoria Social cognitiva”, verificamos que um dos principais fatores que colaboram para a forma de se motivar a aprender entre aulas coletivas, é a vivência de experiências vicárias, isto é, a aprendizagem por meio da observação e comparação com pares buscando uma melhor compreensão, sobre como ocorrem as experiências vicárias em aulas coletivas de composição, definimos o objetivo geral desta pesquisa: investigar aspectos motivacionais relacionados às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição, em aulas ministradas em grupo, em nível de graduação. Para alcançar este objetivo realizamos uma survey de pequeno porte com alunos de um curso de Bacharelado em Composição Musical. Nesta survey, aplicamos um questionário com alunos/compositores para verificar as relações das experiências vicárias nas tomadas de decisões composicionais de suas obras: no desenvolvimento do senso crítico; bem como, na motivação pela busca de uma maior qualidade artística das obras apresentadas em classe. Palavras chave: experiências vicárias, aulas coletivas de composição musical, motivação para aprendizagem Abstract: The subject of this article is on the motivational process of learning composition in group lessons. According to the work of Albert Bandura, titled “Social Cognitive Theory”, we find that one of the main factors that contribute to how to motivate yourself to learn from group lessons, is the experience of vicarious experiences, ie, learning by through observation and comparison with peers seeking a better understanding Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 about how vicarious experiences occur in group lessons in composition, we set the goal of this research: to investigate motivational aspects related to vicarious experiences in the learning process of composition, in classes taught in group, at the undergraduate level. To achieve this goal we conducted a survey of small businesses with students of a course Bachelor of Music composition in this survey, we applied a questionnaire to students / songwriters to verify the relationships of vicarious experiences in making compositional decisions of this works, the development of a sense critical, as well as the motivation for the pursuit of greater artistic quality of the works presented in class. Keywords: vicarious experiences, group lessons in musical composition, motivation of learning 1. Introdução A aprendizagem da composição musical geralmente se dá em encontros individualizados entre o estudante e seu professor, o que possibilita uma serie de discussões bastante profícuas sobre os resultados obtidos nas composições e estudos composicionais apresentados pelo aluno. Porém, em aulas individuais, as tomadas de decisões sobre correntes e objetivos estéticos, formas de resolução de problemas técnico/composicionais, desenvolvimento do senso crítico do aluno/compositor e os critérios relacionados à qualidade artística das composições, ficam restritos aos conceitos e pré-conceitos do professor, ou do aluno, geralmente sem oportunizar um debate mais amplo e diversificado que conte com a participação de outros compositores e estudantes de composição. Em contextos onde as aulas de composição ocorrem em grupo, acreditamos que criam-se novas possibilidades de aprendizado, pois, cada aluno apresenta suas obras e compartilha com seus colegas todas as suas tomadas de decisões, abrangendo escolhas sobre a corrente estética onde se inserem suas obras, utilização de técnicas composicionais e formas de resolução de problemas que encontrou para as diferentes seções de suas obras, oportunizando aos colegas amplo debate sobre o processo composicional. 107 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Nosso foco, neste estudo, não é discutir a eficiência das duas formas de aulas de composição, individual ou em grupo, pois acreditamos que os alunos se motivam a compor e a aprender composição em ambos os modelos. Pretendemos, nesta pesquisa, trazer como objeto de estudo a questão da aprendizagem da composição em aulas coletivas. Nossa hipótese é que os alunos/compositores se influenciam pelas composições apresentadas pelos colegas de forma a utilizar elementos composicionais advindos de correntes estéticas diferentes das quais estão habituados a utilizar em suas composições, assim como, utilizar técnicas composicionais as quais não estão familiarizados. Além disso acreditamos que as aulas de composição em grupo podem ser um ambiente de incentivo para que cada aluno se esforce para obter os melhores resultados artísticos possíveis em suas composições, sabendo que estas serão apresentadas em sala perante os seus colegas, contribuindo assim para a formação e desenvolvimento do senso crítico sobre composição musical e o fazer musical de forma geral. 108 Baseados na hipótese apresentada, acreditamos que as aulas de composição em grupo propiciam uma serie de fatores que contribuem para motivar os alunos a aprender e realizar da melhor forma possível suas composições. Estes fatores motivacionais encontram referencias na obra de Albert Bandura, intitula “Teoria Social Cognitiva”. Por meio desta teoria, o autor afirma que as pessoas são influenciadas e influenciam o meio onde vivem, pois “criam sistemas sociais para organizar, guiar e regular as atividades humanas” (Bandura, 2008, p.16). A teoria social cognitiva traz como foco o comportamento humano, considerando a dinâmica das influências vividas nos âmbitos comportamentais, pessoais e ambientais” (Pajares & Olaz, 2008). Segundo Pajares e Olaz (2008), na teoria social cognitiva um dos principais fatores que afetam o pensamento humano são as crenças de autoeficácia, que se formam através de diferentes fatores, como: experiências pessoais de êxito, experiências vicárias, verbalizações persuasivas e por reações afetivas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Neste trabalho, por tratarmos da aprendizagem da composição musical em aulas coletivas, nos ateremos às chamadas experiências vicárias, que nas palavras dos autores ocorrem por meio da vivência do sujeito ao “[...]observar outras pessoas executando as tarefas” (Bandura apud Pajares & Olaz, 2008, p. 104). Ou seja, por meio da observação e comparação com seus pares, as pessoas aprendem a desenvolver crenças, a enfrentar situações, a adquirir experiências diversas. Baseados nas informações apresentadas até então, a questão que surgiu como norteadora desta investigação, pôde ser sintetizada por meio da seguinte pergunta:“As experiências vicárias, vivenciadas durante as aulas de composição em grupo, realmente podem ser motivadoras para o processo de aprendizagem?” Nosso principal objetivo com este trabalho foi investigar aspectos motivacionais relacionados às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição, em aulas ministradas em grupo, em nível de graduação. Para a realização desta pesquisa, o método escolhido foi um levantamento de pequeno porte (survey de pequeno porte). Para isso, contamos com a participação voluntária de oito alunos do curso de Bacharelado em Composição Musical, da região sul do Brasil. Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um questionário contendo questões referentes ao aprendizado da composição em aulas coletivas. A justificativa para esta investigação foi centrada na idéia de que um estudo que relacione a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, especificamente do ponto de vista da vivência de experiências vicárias na composição musical, ainda é inédito do país. Tal estudo, portanto, pode trazer dados relevantes tanto para a área da cognição musical, quanto para a área da educação musical, uma vez que trata sobre prática e ensino da aprendizagem da composição, do ponto de vista psicológico/motivacional. 109 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. As experiências vicárias Para tratar do objeto desta pesquisa – as experiências vicárias nas aulas de composição em grupo – é relevante destacar as contribuições que a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura (1986, 1997, 2008) tem proporcionado para os estudos sobre motivação e música. No Brasil, vários pesquisadores têm desenvolvido pesquisas sobre música e motivação com base nos estudos de Bandura, como, por exemplo, Cavalcanti (2009); Araujo, Cavalcanti e Figueiredo (2009; 2010); Cereser (2011); e Silva (2012). Estes estudos têm trazido resultados importantes para as investigações sobre motivação com foco em práticas de ensino, prática musical e aprendizagem. Segundo Bandura (2008), a Teoria Social Cognitiva apresenta uma perspectiva sobre o homem como agente, isto é o homem que age por meio de prognósticos, planejamentos e é auto-regulador de suas atividades. Estas ações, por sua vez, levam a um processo de autoconsciência funcional, no qual o homem reflete sobre seus atos, sobre sua eficácia e sobre a integridade de suas ideias e pensamentos. Pajares e Orlaz (2008) explicam que Bandura considera a capacidade da auto-reflexão um aspecto de destaque da teoria social cognitiva. Segundo os autores, é por intermédio da auto-reflexão “que as pessoas tiram sentido de suas experiências, exploram suas próprias cognições e crenças pessoais, autoavaliam-se e alteram o seu pensamento e seu comportamento” (Pajares e Olaz, 2008, p. 101). Assim, o processo de auto-reflexão é o que gera as crenças de autoeficácia no indivíduo. As crenças de autoeficácia, por sua vez, são o núcleo central da teoria social cognitiva. 110 De acordo com Pajares e Orlaz (id), as crenças de autoeficácia são “percepções que os indivíduos têm sobre suas próprias capacidades”, o que, de acordo com os autores, influenciam fortemente todos os aspectos da vida cotidiana. Os autores explicam que as crenças de autoeficácia são criadas a partir de quatro fontes principais: (a) experiência ou domínio; (b) experiências vicárias; (c) persuasões sociais; e (d) estados somáticos e emocionais. Dentro de nosso estudo, portanto, trazemos em relevo os pro- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cessos de modulação do comportamento por meio do enfoque nas experiências vicárias. As experiências vicárias são vivenciadas quando as pessoas observam outros indivíduos executando diferentes tarefas. De acordo com Pajares e Olaz (2008), este processo de modelação é especialmente importante na construção do senso de autoeficácia. Costa (2008) explica que, de acordo com os estudos de Bandura, a imitação é um dos elementos primordiais da aprendizagem e que o uso de modelos instiga a aquisição de respostas novas. Sendo assim, o processo de modelação, resultado de uma experiência vicária, pode ter três efeitos: a)modelar padrões de respostas que não se encontram no repertório do observador, ou seja, através da observação de um modelo se pode prender novas respostas; b)inibir ou desinibir respostas previamente aprendidas e que estavam “adormecidas”; c)instigar o desempenho de respostas similares às respostas de um modelo, que no caso, funcionam como pistas. (Costa, 2008, p.129). Estes efeitos, resultantes da experiência vicária, é que consideramos plausíveis de verificação no contexto desta pesquisa. Por meio da investigação dos processos de aprendizagem da composição em grupo é possível observar a modelagem de padrões de respostas; a inibição ou desinibição de respostas aprendidas; e a instigação do uso de modelos considerados como pistas nos processos de criação musical. 3.Apresentação dos Dados Para este trabalho, realizamos uma Survey de pequeno porte. Segundo Machado (2007, p.62), a survey é um método que “envolve a realização de uma pesquisa de campo, na qual a coleta de dados é efetuada através da aplicação de questionário ou formulário junto à população investigada.” 111 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Para a aplicação do nosso questionário de pesquisa, entramos em contato via email, com os responsáveis por um curso de Bacharelado em Composição Musical, assim como, com o chefe de departamento de uma instituição de ensino pública do sul do Brasil. Neste email, explicamos os objetivos da pesquisa e pedimos permissão para aplicar o questionário com os alunos desta instituição. Após aceita a solicitação para a realização da pesquisa, fomos até a instituição, nos horários em que os alunos/participantes se encontravam em aula, para aplicar o questionário. O questionário foi respondido por oito participantes voluntários, do curso de Bacharelado em composição, no dia 16 de Janeiro de 2013, contando com alunos de três turmas diferentes (2º, 6º e 10º semestres). O questionário aplicado aos alunos/compositores apresentava cinco questões objetivas. São elas: (A) Ver os seus colegas propondo os objetivos estéticos das composições, contribui para a formulação dos objetivos estéticos de suas obras? (B) Assistir as sugestões do professor, sobre as possibilidades de resolução de eventuais problemas composicionais nas obras de seus colegas, colabora com a resolução dos problemas composicionais encontrados em suas obras? (C) Quando um colega apresenta em uma de suas obras uma técnica composicional, a qual você não está familiarizado, você se motiva a utilizar esta técnica em uma de suas próximas composições? 112 (D) Observar o trabalho composicional dos colegas durante as aulas, contribui para o desenvolvimento de seu senso crítico? (E) O fato das aulas serem em grupo e você saber que o seu trabalho será ouvido pelos colegas da turma, aumenta a sua vontade de compor obras de maior qualidade artística? Para todas as questões mencionadas acima, os participantes tinham a opção de escolher uma alternativa em escala Likert de cinco pontos com as Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 opções: Sempre, quase sempre, às vezes, raramente e nunca. Com isso, foi possível realizar um levantamento estatístico sobre o quanto as experiências vicárias contribuem para o aprendizado da população pesquisada. Observando as respostas dos alunos/compositores para a questão A, verificamos que, 100% dos entrevistados, mesmo que raramente (12,50%), motivam-se a decidir sobre quais as correntes estéticas serão inseridas em suas obras através de experiências vicárias. (ver tabela 1) Tabela 1: Respostas da questão A Já na questão B, observamos que todos os participantes aprendem a resolver problemas composicionais através das experiências vicárias com muita freqüência, 50% dos entrevistados escolheram a resposta “Às vezes” e os outros 50% escolheram as respostas “Sempre” e “Quase sempre”, sendo 25% para cada uma delas. (ver tabela 2) Tabela 2: Respostas da questão B. 113 Para a questão C, 62,5% (25% “Sempre” e 37,5% “Quase sempre”) dos entrevistados admitem sofrer grande influência para utilizar técnicas composicionais, às quais não estão habituados quando um de seus colegas de classe utiliza uma destas técnicas em suas composições. Somente 12,5% dos participantes responderam que “Nunca” se influenciam pelo trabalho de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 seus colegas de classe para escolher novas técnicas composicionais para suas composições (ver tabela 3): Tabela 3: Respostas da questão C. Podemos observar através das respostas obtidas na questão D, que todos os alunos (75% “Sempre” e 25% “Quase sempre”) admitem que as aulas de composição em grupo, contribuem com muita frequência para a formação do senso crítico (ver tabela 4): Tabela 4: Respostas da questão D. 114 Com a questão E, podemos observar que as aulas de composição musical em grupo, contribuem significativamente para a busca de uma maior qualidade artística das composições apresentadas em classe. Pois, 87,5% dos participantes responderam que com muita frequência (75% “Sempre” e 12,5% “Quase sempre”) o fato de saber que suas composições serão ouvidas pelos colegas em classe, aumenta a vontade de realizar obras com maior qualidade artística. Somente 12,5% dos entrevistados (um participante) escolheram a opção “Nunca” como resposta para a questão E. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Tabela 5: Respostas da questão E. 4. Conclusão Através das respostas obtidas em nosso questionário, coletadas com os alunos de Bacharelado em Composição Musical, constatamos que para este grupo, as experiências vicárias que ocorrem em aulas de composição coletivas, influenciam as tomadas de decisões composicionais, que dizem respeito à estética às quais as obras estão inseridas, escolhas de técnicas composicionais a serem utilizadas, além de exercitar e desenvolver o senso crítico sobre composição musical e motivar a busca por melhores resultados artísticos. Com a obtenção de resultados sobre como ocorrem às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição musical em aulas coletivas, poderemos colaborar com professores e gestores educacionais, para que incluam em seus projetos pedagógicos atividades que estimulem os alunos a aprender através destas experiências, colaborando com o aumento da motivação dos alunos/compositores em pesquisar, estudar e consequentemente melhorar a qualidade artística de suas obras. 4. Referências Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E (2009). Motivação para aprendizagem e prática musical: dois estudos no contexto do ensino superior. ETD : Educação Temática Digital, v. 10, 249-272 115 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E. (2010). Motivação para prática musical no ensino superior: três possibilidades de abordagens discursivas. Revista da ABEM, v. 24, 34-44. Bandura, A. (1986). 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Polydoro, Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed. 116 Silva, R. R.(2012). Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o estudo da motivação de professores de piano. (Dissertação de Mestrado). Curitiba: UFPR. Comunicações Orais Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Performance pianística: Cognição e movimentos articulares na execução em estudos Marcos dos Santos Moreira [email protected] Universidade Federal de Alagoas - UFAL Jairo Tadeu Brandão Ribeiro [email protected] Universidade Federal de Alagoas - UFAL Resumo: Os instrumentistas, e pianistas em especial, tem, necessariamente em suas realidades profissionais, que lidar com o condicionamento físico e a atividade muscular, pressupostos e condições inerentes à preparação e realização da performance. Independentemente do nível, da estrutura corpórea de cada um desses músicos executantes e do repertório trabalhado, necessário é tal condicionamento e preparo da musculatura envolvida com a atividade pianística. Tal artigo propõe uma discussão tais atividades no gênero musical Estudos, mesmo concisa, mais pertinente. Palavras-chave: Piano, Execução musical, Cinesiologia e Biomecânica. A questão da técnica pianística, abordada cientificamente e embasada na anatomofisiologia humana, somente se desenvolveu com mais evidência a partir do século XIX. Verificaremos no tópico que contextualiza a pedagogia do Piano[1], embora alguns teóricos abordem a técnica pianística considerando os importantes aspectos sociológicos, psicológicos e tantos outros. Entretanto, não está no objetivo do trabalho o detalhamento de tais aspectos ainda que eles, de alguma maneira, possam eventualmente ser citados. O presente texto, bastante introdutório, considera que esta abordagem faz parte da realidade não somente dos executantes profissionais, mas também dos alunos e educadores-professores de piano. Em se tratando de técnica pianística, em especial a chamada técnica analítica, na maneira como 119 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 está será tratada no presente texto, é importante que se tenha na base de tal abordagem o devido conhecimento de biomecânica e cinesiologia. Na realidade, é o aspecto da fisiologia e da motricidade que está sendo priorizado aqui. Técnica pianística pressupõe um conjunto complexo de movimentos articulares e tais movimentos, em profundidade, só poderão ser esclarecidos e bem entendidos mediante o entendimento da fisiologia articular das playing-units[2], através das quais as coordenações musculares da atividade pianística se processam. Definindo tal análise, utilizamos tópicos de convergência através de pontos distintos; a literatura médica e a musical. A análise fica em torno do gênero musical: Os Estudos para Piano. Demonstramos assim, de forma objetiva, tais relações deste tema relevante para o desenvolvimento no ato do tocar. Interfaces entre literaturas: a área médica, os Estudos e a pedagogia do Piano Os estudos pianísticos, mais precisamente o gênero Estudos, foram adaptados de acordo com a evolução do próprio instrumento. Para o compositor Liszt, “o Piano é o microcosmo da Música” (Watson: 1989, p.142) e assim sendo as preocupações e mecânicas na composição musical e na estrutura física só aumentaram no século XIX. O universo musical no qual Liszt vivia necessitava de aprimoramentos e isso não somente na execução instrumental, mas também na própria mecânica do piano. Na biografia do referido compositor, Watson, biografo inglês, cita: 120 Com Liszt, a inovação [tecnológica do instrumento] está sempre a serviço da expressão. Técnica é refinamento. Para ele era algo a ser transcendido: a mecânica da música era secundária para a interpretação de seu conteúdo e para a transmissão desse conteúdo aos sentimentos do ouvinte. Isso não significa que não seja essencial uma técnica verdadeiramente sólida, ou que seus frutos não sejam mostrados (Watson: 1989, p.144). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os Estudos a partir do romantismo deixaram de ser apenas uma aplicação preparatória para outros gêneros pianísticos. Incorporou-se a própria arte da interpretação deixando de ser apenas um recurso mecânico para outros estilos, mas incorporando em si mesmo a própria arte da virtuosidade. Assim, esta herança da inquietação da perfeição na execução não se encontra apenas nos moldes dos estudos de Liszt. Percorre por uma linha, digamos genética, que se inicia nos longínquos Gradus ad Parnasum de Clementi no século XVIII aos estudos de Ligati no século XX. Citamos toda a parte que permeia este espaço como os Estudos de Czerny, Schumann, Chopin, Kalkbrener, Burgmüller, Rachmaninov, Scriabin, Godowsky, entre outros. No âmbito nacionalista, por exemplo, temos Souza Lima, Almeida Prado, Oswaldo Lacerda e Vieira Brandão. Como o Piano brasileiro está essencialmente ligado à herança destes citados compositores, dificuldades de execução em tais estudos pianísticos similares podem ser encontradas, o que naturalmente demanda um certo cuidado na análise das coordenações musculares a serem utilizadas e naturalmente no momento da performance. Na história da própria execução instrumental, e naturalmente na pedagogia do piano, diversas obras contextualizam e evidenciam a interação entre pontos da prática instrumental e o movimento utilizado. Tais exemplos foram citados em Famous Pianists & Their Technique de Reginald R.Gerig (1974). Nesta obra, encontramos tratados e atitudes pedagógicas de muitos pedagogos importantes de ações cognitivas relacionadas à técnica instrumental. Ludwig Deepe (1828 – 1890) [3], Theodor Leschetizky (1830 – 1915) Rudolf Maria Breithaupt (1873 – 1945) e Tobias Mathay (1858 – 1945). Quanto ao tema propriamente dito, pelo menos dois cientistas abordaram a técnica pianística considerando a anatomofisiologia: Otto Rudolf Ortmann (1899 – 1979) e Arnold Schultz (1903 – 1972): 121 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 [Ortmann] summarized: Time – relationship between muscular contraction and duration of stroke may, therefore, be considered a basic element of coordination….Force variations are directly related to speed variations; with an increase in speed there will come an speed in force (GERIG: 1974, p. 425)[4] Schultz´s important contribution to the technical literature centers itself in two significant areas: the clarification and evaluation of the various movement types used in all piano playing, and a thorough going study on the different muscular coordinations possible in finger technique. (Idem, 1974, p. 425).[5] Assim, a fisiologia articular, de alguma maneira já se situava na literatura pedagógica pianística de séculos anteriores. Literatura Médica: Cinesiologia e biomecânica Naturalmente, a técnica instrumental, atividade psicomotora, relaciona-se com a escrita musical, atividade cognitiva, que, em determinadas situações, exige do executante não somente um alto nível de conhecimento técnico-teórico, mas também uma boa preparação física e muscular, e não somente isso: é necessário também que o músico-executante utilize e desenvolva o seu conhecimento proprioceptivo, biomecânico e sinestésico. Primeiramente, necessária se faz uma definição a cerca do que vem a ser cinesiologia. Hamill e Knutzen afirmam: 122 Em primeiro lugar, cinesiologia como o estudo científico do movimento humano pode ser um termo abrangente utilizado para a descrição de qualquer forma de avaliação anatômica, fisiológica, psicológica ou mecânica do movimento. (HAMILL e KNUTZEN: 2008, p. 4) Paralelamente, biomecânica é: O conteúdo da biomecânica foi extraído da mecânica, uma área da física que consiste num estudo do movimento e no efeito das forças incidentes em um objeto. Desse modo, ocorreu o surgimento da Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 biomecânica, o estudo da aplicação da mecânica a sistemas biológicos. A análise biomecânica avalia o movimento de um organismo vivo e o efeito de determinadas forças sobre esse organismo. (idem: 2008, p.4). Fig.1[6] Na área musical, tais citações e ilustração, podem ser interpretadas na medida em que a técnica pianística pressupõe a utilização de um conjunto complexo de ações articulares das suas playing-units e o entendimento de tais ações é fundamental para a construção e segurança do desempenho e interpretação musical. Assim, a análise cinesiológica mediante o entendimento da natureza da ação articular na técnica pianística pode certamente acelerar o estudo, em muitos casos exaustivo, e atender melhor às demandas da escrita musical bem como otimizar os resultados tão esperados em termos dos mais diversos e ricos recursos do piano. Movimentos articulares na atividade pianística Análise do movimento humano: cinesiologia e biomecânica O Gênero musical Estudos para piano Fig.2 Interfaces da Música com a fisiologia articular 123 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Normalmente, em suas muitas e repetidas horas de estudo, considerando-se também os momentos de execução, os instrumentistas são submetidos a uma grande carga de estresse de todo o tipo: emocional, psicológico e principalmente muscular, essa realidade os coloca susceptíveis a uma série de distúrbios como, por exemplo, as afecções músculo-esqueléticas e tendíneas, as compressões dos nervos periféricos e as distonias focais. Essa última, por se tratar de problema que tem origem no sistema nervoso central, não será considerada na abordagem do trabalho. Basicamente são comprometidas as seguintes estruturas, em se tratando de síndrome músculo-esquelética em músicos: músculo e tendão. Quanto às partes acometidas por tais desordens, estudos realizados em músicos de um modo geral e músicos de orquestra, pianistas inclusive, apontam para um maior nível de ocorrência nas seguintes partes anatômicas: ombro, coluna cervical, coluna dorsal, punhos e mãos, coluna lombar. Conclusões No caso dos Estudos ou quaisquer exemplo de obra virtuosística, comum de se exercitar mais explicitamente uma variedade maior de movimentos articulares, diversos trechos convergem para uma análise minuciosa de interfaces entre temas que, embora distintos, se encontram principalmente nos aspectos técnicos conhecidos da área musical como, por exemplo: arpejos, escalas, notas dobradas, sextas dentre outros. 124 Enfim. Músicos executantes, particularmente pianistas, deveriam rever suas atividades de execução, não apenas pela interpretação artística, mas sob a ótica da saúde. Desta forma teriam mais consciência destes movimentos articulares abordados que por conseqüência, traria segurança, cognição corporal e resultados de desempenho mais satisfatórios na exposição da sua arte interpretativa pianística. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Notas [1] Escolhemos o gênero Estudos, apenas como uma referencia. Poderíamos focar quaisquer outros gêneros da literatura pianística relacionada a dificuldade técnica e utilização específica do movimento. É relevante ressaltar que tal abordagem inclui também peças de dificuldade técnica menor ou de qualquer nível. O Estudo como citamos é apenas um recorte e por ser mais completa em relação aos pontos citados no texto. [2] Unidades ou partes do corpo humano relacionadas à atividade pianística: mão, braço, torso.... [3] Ludwig Deppe é considerado por muitos pedagogos do piano com sendo o pai da técnica de peso. [4] Ortmann resumiu: a relação de tempo entre a contração muscular e duração do golpe pode, por conseqüência, ser considerada um elemento básico de coordenação. Variações de força estão diretamente relacionadas a variações de velocidade; aumentando-se a velocidade, aumenta-se a força. [5] A importante contribuição de Shultz para a literatura técnica está centrada em duas áreas significantes: o esclarecimento e avaliação dos vários tipos de movimentos utilizados em toda a atividade pianística e no estudo das diferentes coordenações musculares possíveis à técnica digital. [6] Na figura 01 acima ilustrada visualiza-se a fisiologia da mão e antebraço (parte dorsal) onde é possível visualizar alguns dos vários músculos relacionados às coordenações musculares dos movimentos da atividade pianística. Referências: Azevedo, C. A. (1996).Técnica pianística: uma abordagem científica. São João da Boa Vista: Air Musical. Bejani, FJ. (1933). Performing artists occupational disorders. In J. A. DeLisa & B. M. Gans (Eds), Reabilitation medicine (pp. 1165-90) Philadelphia: Lip – pincott. Dawson, WJ. (1988). Hand and upper extremity problems in musicians: epidemiology and diagnosis. Med Probl Perform Art, 3: 19- 21. Hall, S.J. (1993). Biomecânica básica.Rio de Janeiro:Guanabara Koogan. 125 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ______. (2007). Ação pianística, desempenho e controle do movimento – uma perspectiva interdisciplinar. Anais do III Simpósio de Cognição e Artes Musicais. Salvador: EDUFBA, pp. 540-548. Hamill, J & Khudzen,K. (1999). Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo:Manole. Newmark, J, Hochberg FH. (1987). “Doctor, it hurts when I play”: painfull disorders among instrumental musician. Med Probl Perform Art, 2: 937. Sakai N. (1992). Hand pain related to keyboard techniques in pianists. Med Plob Perform Art; 7:63- 5. Shumway-Cook, A; Woollacott, M. (2003). Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2. ed. Barueri: Manole. Uszler, M. et al. (1999). The well-tempered keyboard teacher. New York: Schirmer Books. 126 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Avaliação ergonômica do trabalho dos violinistas da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL) Sara Pinto da Costa de Moraes [email protected] Universidade Estadual de Londrina Ana Paula Demarchi Perfetto [email protected] Universidade Estadual de Londrina Resumo: Este estudo buscou identificar, por meio do método da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), os fatores de risco para a profissão de violinista de orquestra. Concluiu-se que a profissão oferece riscos físicos e cognitivos que devem ser analisados para a criação de estratégias que facilitem e diminuam os riscos do trabalho desses profissionais. Palavras-chave: Ergonomia; Ergonomia Cognitiva; Músicos; Violinistas. Ergonomic Assessment of the Violinists of “Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina” (OSUEL) Abstract: This study aimed to identify, through the method of Ergonomic Work Analysis (EWA), risk factors for the profession of orchestral violinist. It was concluded that the profession offers cognitive and physical risks that must be analyzed for the creation of strategies to facilitate and reduce the risks of their work. Keywords: Ergonomics; Cognitive Ergonomics; Musicians; Violinists. Introdução Este trabalho teve como proposta a realização da avaliação ergonômica do trabalho dos violinistas da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL). A OSUEL foi fundada em 1984 e está inserida nas atividades da Casa de Cultura, pertencente ao Centro de Educação, Comunicação e Artes da 127 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Universidade Estadual de Londrina, Paraná. Os ensaios acontecem no período da manhã, geralmente das 8h30min às 12h totalizando aproximadamente 22h30min de ensaios semanais, salvo a última quinta-feira de cada mês, quando ocorre o concerto mensal e em função disso, os músicos são liberados na sexta após o concerto. Dentre o naipe de cordas, apenas 9 são violinistas. Como este número de músicos é insuficiente para atender a demanda de, por exemplo, uma sinfonia, músicos são chamados para se juntarem à orquestra, por meio de edital de Chamamento Público, de acordo com o repertório a ser trabalhado pelo maestro. Porém, este trabalho se deteve apenas aos 9 músicos violinistas concursados, excluindo da pesquisa os demais integrantes que participam da orquestra por meio de Chamamento Público. Desses 9 músicos violinistas, 6 são do naipe de Primeiro Violino e 3 no naipe de Segundo Violino. Sabe-se que para ser um instrumentista profissional é preciso se dedicar totalmente ao estudo do instrumento, tendo muitas vezes que se abster de momentos de lazer em função de concertos e recitais e até mesmo para estudar ou “tirar as músicas” para essas apresentações. Nessa profissão, geralmente se acredita que o músico apenas se divirta, porém é difícil imaginar o que se passa por trás das brilhantes apresentações. Em uma orquestra, por exemplo, o extenso repertório com alto grau de dificuldade, a exigência e pressão do maestro e do próprio músico, são fatores que levam muitos músicos a desenvolverem doenças psicossomáticas como as tendinites e até mesmo desgastes mnemônicos e estafa. 128 O violino, por ser um instrumento muito complexo, necessita de um alto nível técnico para ser bem executado, exigindo do violinista horas de estudo diário, além dos ensaios coletivos para atingir certo grau de excelência. Somado a isso, os ensaios de orquestra exigem ativação da memória de longo e curto prazo, concentração, percepção do ambiente, tudo isso sem praticamente nenhuma possibilidade de mudança de função. Em um ensaio de orquestra, o violinista se vê obrigado a se manter sentado em uma cadeira sem possibilidade de mudança de postura, sem Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 possibilidade de interagir com os músicos ao seu redor e sem poder se retirar do local do ensaio, a não ser em casos extremos. Esses fatores geram desgastes. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo verificar os fatores de risco para a profissão de músico violinista de orquestra. 1. O Músico/Violinista Quando se pensa em música, logo se pensa em prazer, equilíbrio emocional e lazer, sendo assim difícil associá-la a doenças e fatores de risco para o músico. Nos dias de hoje, o número de evidências de que os músicos encontram-se expostos a fatores de riscos causadores de lesões relacionados à profissão está aumentando (Trelha et. al., 2004), fazendo assim a dor ser uma constante na vida desses profissionais (Oliveira; Vezza, 2010). O surgimento de distúrbios psicossomáticos é frequente e os fatores que geram esses distúrbios foram citados por Frank e Mülhen (2007) como a pressão e expectativa – própria e do público, ansiedade de palco, labilidade emocional, assim como o clima de trabalho e a concorrência. Trelha (2004), concordando com Frank e Mühlen, relaciona as cargas físicas e emocionais da própria atividade a esses distúrbios psicossomáticos (Trelha et. al., 2004). Para os violinistas de orquestra, o principal fator de risco, tanto físico quanto cognitivo, são as diferenças acústicas quando ocorre a mudança de local de ensaio e concerto, pois “exigem maior atenção para a parte musical (esforço visual), concentração para a percepção sonora e contagem dos compassos, além de alterações na interação com o instrumento (força e postura corporal)” (Petrus, 2005). Apesar do grande número de fatores de risco, os músicos não levam a sério os problemas de saúde, tendo em vista a grande satisfação sentida por meio da reação do público (Dimatos, 2007). Para agravar todos esses fatores, a postura em relação ao instrumento é assimétrica e nãoergonômica (Frank; Mühlen, 2007), pois o violino é um instrumento assimétrico e exige do músico movimentos diferentes nos braços. O braço 129 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 esquerdo segura o instrumento e os dedos da mão esquerda dedilham o mesmo, demonstrando a música tocada. A mão direita segura o arco e retira o som das cordas do violino, levando o braço direito para cima e para baixo, de acordo com o som e a música tocada (Dimatos, 2007). A quantidade de força e o movimento ao tocar, somados ao trabalho de coordenação e motricidade fina, resultam na técnica individual do instrumentista, elaborada através dos anos e fincada na memória sensitivomotora. O que determina se a técnica é mais ou menos desenvolvida são a sequência de movimentos e tensões musculares fisiológicas, o que tem papel importante na origem de problemas. Como exemplo, entre violinistas existem métodos diferentes na postura dos dedos e da mão esquerda, o que interfere diretamente no resultado musical e na carga sobre articulações e músculos. (Frank; Mühlen, 2007) As posturas irregulares constantemente adotadas durante o ato de tocar, a falta de pausas regulares, a inadequação do mobiliário e a falta de intervenção da fisioterapia na orquestra influenciam direta ou indiretamente no risco de desenvolvimento de DORT’s (Subtil; Bonomo, 2012). Somados a isso, apenas o ato aparentemente simples de friccionar as cordas de um instrumento para obter sons, organizados desta ou daquela maneira, neste ou naquele estilo, encerra problemas essenciais para os violinistas (Salles, 1998). 2. Análise ergonômica do trabalho (AET) 130 Compreender o trabalho é sempre um desafio, pois ele é fruto de um emaranhado de variáveis que precisam ser apreendidas em um determinado contexto. (Abrahão et al., 2009). Por este motivo, dentro da ergonomia, a escolha de um método adequado para observar estas variáveis é um fator fundamental. Dentre os diversos métodos existentes, foi escolhido a Análise Ergonômica do Trabalho. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Iida (2005) afirma que a Análise Ergonômica do Trabalho visa aplicar os conhecimentos da ergonomia para analisar, diagnosticar e corrigir uma situação real de trabalho (Ilda, 2005). Para isso, pressupõe a utilização de distintas técnicas, cuja importância para a análise depende da problemática e da configuração da demanda (Abrahão et al., 2009). É um método bastante aberto, uma vez que as ferramentas usuais da coleta de dados podem variar, pois a sua escolha é feita em função da natureza dos problemas colocados no momento da demanda e evolui segundo os desafios do contexto, já que os determinantes da tarefa são múltiplos, com diferentes facetas (Abrahão et al., 2009). Esta metodologia, segundo Bouyer (2008) favorece a abertura da Janela fenomenológica, ou seja, nela há a possibilidade da exploração da experiência humana em situação de trabalho real com um grande rigor, portanto dados que envolvem a forma como o próprio trabalhador vivencia e experimenta, internamente, as situações tomadas para o estudo. Este método é realizado em cinco etapas: Análise da demanda, Análise da tarefa, Análise da atividade, Formulação do diagnóstico e recomendações ergonômicas. 3. Discussão e resultados No dia 12 de fevereiro de 2012, ocorreu um incêndio no Teatro Ouro Verde, palco dos ensaios e concertos da OSUEL. Por sorte, apenas uma pequena parte do arquivo de partituras se perdeu e todos os instrumentos de grande porte que já ficavam no teatro, como os instrumentos de percussão, os contrabaixos e os pianos foram salvos graças à ajuda de voluntários. Apesar disso, a OSUEL ficou sem o espaço físico para a realização dos ensaios, então a administração da orquestra, junto com a direção da Divisão da Casa de Cultura, que é o Setor no qual a orquestra está inserida, optaram por adaptar o cronograma da orquestra para não interrompê-lo, transferindo as atividades para o Cine Teatro Com Tour, que também pertence à Universidade Estadual de Londrina. 131 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Como o Cine Teatro Com Tour é um espaço utilizado principalmente para a exibição de filmes, foi necessário realizar adaptações físicas no ambiente para melhor atender as necessidades da orquestra. Dentre as adaptações estão a instalação de 6 luminárias em cada lado do palco e a colocação de lâmpadas acima da orquestra, já que o ambiente era escuro para a visualização da partitura. Porém, apesar das modificações no ambiente, houve grande insatisfação dos músicos, que afirmavam que a iluminação, apesar de melhorada, ainda era ineficiente para a leitura da partitura, obrigando-os a “forçar a vista” durante o ensaio. Outro motivo de insatisfação com o novo local de trabalho foi o cheiro de lixo do ambiente durante as primeiras horas da rotina diária de trabalho, em função do lixo despejado por uma rede de supermercados no depósito logo atrás do Cine Teatro Com Tour. Para resolver esse problema, a vigilância sanitária foi chamada, sendo assim o supermercado multado e o problema resolvido. O carpete existente no espaço também foi motivo de descontentamento entre os músicos, pois alguns alegaram sentir sintomas alérgicos. A mudança de local de ensaio/concerto foi descrita por Petrus (2005) como o principal fator de risco tanto físico quanto cognitivo, pois ocorre a diferença acústica entre os ambientes, exigindo do músico “maior atenção para a parte musical (esforço visual), concentração para a percepção sonora e contagem dos compassos, além de alterações na interação com o instrumento (força e postura corporal)”. 132 Após meses de ensaios no Cine Teatro Com Tour, os músicos de cordas passaram a relatar dores na região da coluna em função da inclinação do piso, típico de um cinema. Para tentar amenizar esse problema, peças de madeira foram desenvolvidas somente para os primeiros violinos para serem encaixadas na perna anterior esquerda das cadeiras, o que deveria deixar a cadeira em plano reto, resolvendo o problema. Porém, não houve nenhuma medição para o desenvolvimento dessas peças, que acabaram ficando muito altas, inclinando a cadeira para o outro lado. Além disso, essas peças não eram fixas, podendo estas se soltar da cadeira. Como Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 consequência, os músicos acabavam limitando os movimentos e desviando a atenção do maestro, colegas e até à música em si. Como essas peças foram criadas apenas para os integrantes do naipe dos primeiros violinos, um integrante do segundo violino utilizou uma tábua de madeira para minimizar o problema e manter-se mais confortável. Um fator de grande desgaste cognitivo, não só entre os violinistas, mas entre todos os músicos da orquestra é a mudança de maestro entre os ensaios de cada temporada, já que a orquestra trabalha também com o sistema de maestro convidado. Nesse sistema, nas primeiras semanas de ensaio, o spalla passa a ser o maestro, para preparar a orquestra para a chegada do maestro convidado, que ensaia apenas na última semana e rege os concertos. Os músicos ficam acostumados à regência e à interpretação do spalla e depois têm que se adaptar ao novo maestro, causando desgaste e exigindo um grau maior de atenção na nova regência. Além disso, o spalla acaba sendo sobrecarregado, pois tem que estudar toda a regência, além de estudar as partes de orquestra. Outro fator observado que também gera grande desgaste cognitivo é a poluição visual nas partituras. Geralmente, a cópia tirada para cada estante vem com arcadas impressas para facilitar a leitura e evitar que os músicos parem o ensaio para anotarem a nova arcada. Porém, sempre há alterações nessas arcadas, então os músicos são obrigados a escrever em cima da marcação da cópia. Como resultado a partitura acaba ficando com riscos de lápis em cima da arcada impressa e isso gera confusão na informação, aumentando a possibilidade de erro e criando uma partitura poluída e confusa. As únicas três mulheres pertencentes ao naipe de violinos da orquestra estão tocando por meio de edital de chamamento público, não podendo então ser entrevistadas, o que implica dizer que apenas homens participaram da pesquisa. Dos nove entrevistados, apenas um possui menos de 42 anos de idade. Todos começaram cedo no instrumento com idades variantes entre 6 e 14 anos e apenas um iniciou aos 18 anos, idade considerada tardia para o aprendizado de um instrumento que exige muitos 133 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 anos e horas de dedicação. Todos os entrevistados participaram de alguma orquestra antes de entrar na OSUEL, contando as orquestras jovens, criadas geralmente nas escolas de música e conservatórios, como prática para a vida profissional, e até mesmo outras orquestras profissionais. Oito dos nove violinistas estão na orquestra há mais de 17 anos e apenas um toca há apenas cinco anos. Este é um fator importante a ser discutido, pois esses músicos estão há bastante tempo desempenhando a mesma função em um cargo em que não há a possibilidade de mudança de tarefa. Isso favorece a falta de motivação e interesse no trabalho. Todos os entrevistados iniciaram seus estudos em conservatórios de música e possuem curso superior completo, porém apenas seis deles se graduaram em curso de música. Desses seis, cinco são formados no curso de licenciatura e apenas um em performance do violino. Isso pode ser explicado pelo fato da cidade de Londrina não oferecer o curso de bacharelado em instrumento, o que obrigou os músicos a procurarem um curso relacionado às atividades que realizam, no caso, o curso de licenciatura. Dos cinco que possuem pós-graduação, todos são na área de música e apenas 2 possuem mestrado. Uma informação interessante é que oito dos músicos só procuraram o curso de graduação depois de ingressarem na orquestra. 134 Todos os entrevistados possuem outras atividades em paralelo à orquestra, inclusive uns acumulam até mais de duas atividades. Cinco dão aulas de violino, sete participam de grupos que tocam em eventos como casamento e aniversários, três integram grupo de música de câmara, três regem outras orquestras, um toca em grupos de jazz e choro e apenas um realiza outra atividade não incluída nas atividades de música, a pintura. Então, além do estudo individual para manter a técnica em dia, os estudos do repertório tocados na orquestra e os ensaios, os violinistas ainda se ocupam de outras atividades que acabam por roubar o tempo que seria destinado ao descanso e relaxamento. As atividades como tocar em outros grupos, seja de jazz, choro, música de câmara e reger outras orquestras, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 requer disponibilidade de tempo de ensaio, estudo e análise dos respectivos repertórios, o que acaba por sobrecarregar o músico de atividades. Com isso, o músico passa mais tempo tocando o instrumento, lendo partituras, corrigindo falhas, se concentrando na música, gerando um maior aumento de sobrecargas tanto físicas quanto cognitivas. Isso acorda com os dados coletados, confirmando que apenas um dos violinistas nunca teve problemas relacionados ao trabalho como dor e lesões. Quatro dos violinistas relataram ter tido tendinite em alguma região do braço esquerdo, um relatou ter tido algum problema em antebraço direito, um relatou disfunção da articulação temporo-mandibular, dois desgastes da estrutura do ombro direito, um em cervical e um caso de estafa psicológica com internação em função da proximidade de um concerto específico. De todos esses casos, apenas seis procuraram tratamento com especialistas e apenas quatro realizaram sessões de fisioterapia. É importante relatar que apesar do grande avanço e divulgação da fisioterapia, ergonomia e pesquisas relacionadas à saúde do trabalhador, muitas pessoas ainda não têm consciência da importância disso para a sua saúde e qualidade de vida. Foi perguntando aos músicos se eles sentiam algum tipo de desconforto após os ensaios. Quatro relataram cansaço, três relataram dores musculares na região da coluna e braços, um relatou dor de cabeça, dois relataram dor na vista em função da iluminação do ensaio, sendo que um deles afirmou se sentir estressado após os ensaios em função da iluminação e do barulho excessivo. Foi relatado também tensão na região cervical, um caso de fisgada em ombro direito, onde o músico afirmou que ao longo do dia fica cada vez mais difícil levantar o braço para realizar atividades diárias e houve um caso de zunido nos ouvidos. Quanto às questões relacionadas à atividade prescrita e real, os violinistas não encontraram problemas em definir. Todos acreditam que a função do violinista é tocar o que lhe é exigido na orquestra e que para 135 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 conseguir isso, é necessário estudo de técnica e de repertório em casa. Sabendo disso, está incluído no horário de trabalho dos músicos da orquestra, duas horas no período da tarde justamente para esse fim, os estudos. Considerações finais Com os dados analisados foi possível observar que os principais fatores de risco para os violinistas de orquestra são a mudança de ambiente de trabalho, a mudança de maestro, a estrutura do local do ensaio, a iluminação inadequada e o barulho excessivo, o acúmulo de atividades não relacionadas com a orquestra, o grande nível de auto cobrança em manter a técnica em dia para executar da melhor maneira possível o repertório exigido e a falta de motivação em função da falta de possibilidade de mudança de função. 136 Para diminuir os problemas citados, sugerimos que sejam realizadas palestras aos músicos sobre os benefícios do alongamento e que sejam orientados a se alongarem antes e após cada ensaio/estudo e que se alonguem sempre que possível durante os mesmos. Outra sugestão é inserir luminárias nas estantes para melhorar a iluminação nas partituras. Para amenizar o problema do alto volume sonoro, é possível realizar a compra de biombos de acrílico desenvolvidos justamente para evitar que os músicos, principalmente de cordas e madeira, tenham a exposição excessiva ao som. Em relação à inclinação do piso, os encaixes de madeira podem ser medidos e fixados nas mesmas para evitar acidentes. A mudança de sistema de maestro convidado para a de maestro residente é um importante fator para a diminuição do desgaste cognitivo dos músicos. Os dados aqui levantados revelam o quão importante são os estudos mais aprofundados e mais investimentos em pesquisas na área de ergonomia e fisioterapia aplicada à profissão de músico no intuito de facilitar a vida desses profissionais os quais exercem atividades que exigem um grande esforço físico e cognitivo. A partir dos resultados dessas Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 pesquisas será possível o desenvolvimento de estratégias que facilitem a vida e diminuam os riscos tanto físicos quanto cognitivos. Referências Abrahão, Julia. et al. (2009). Introdução à ergonomia: da prática à teoria. São Paulo: Edgard Blucher. Bouyer, Gilbert Cardoso. (2008). Ergonomia cognitiva e mente incorporada. São Paulo: Edgard Blucher. Dimatos, Ana Maria Massad. (2007). Condições de saúde e de trabalho de violinistas da camerata Florianópolis. (Tese de Doutorado) - Curso de Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Frank, A.; Von Mühlen, C.A. (2007). Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência de fatores de risco. Revista Brasileira de Reumatologia. v. 47, n. 3, pp. 188-196, mai/jun. Iida, Itiro. (2005). Ergonomia: Projeto e Produção. (2nd ed.). São Paulo: Edgarg Blucher. Oliveira, C. F. C.; Vezza, F. M. G. (2010). A saúde dos músicos: dor na prática profissional de músicos de orquestra no ABCD paulista. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, v. 35, n. 121, p. 33-40. Petrus, A. M. F. (2005). Produção musical e desgaste musculoesquelético. Elementos condicionantes de carga de trabalho dos violinistas de uma orquestra. (Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção). Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais. Salles, Mariana Isdebski. (1998). Arcadas e golpes de arco. Brasília: Thesaurus. 137 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Subtil, M.M.L.; Bonomo, L.M.M. (2012). Avaliação fisioterapêutica dos músicos de uma orquestra filarmônica. Per Musi, Belo Horizonte, v. 25, n. Jan/Jun. Trelha, C. S, et. al. (2004). Arte e saúde: freqüência de sintomas músculo esqueléticos em músicos da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. Londrina, v. 25, pp. 65 – 72, jan/dez. 138 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Dinâmicas da experiência: abordagens para a relação música-movimento Guilherme Bertissolo [email protected] Universidade Federal da Bahia/Bolsista CNPq Resumo: Nesse artigo serão abordadas quatro possíveis feições para a relação entre música e movimento que mobilizam conceitos e pressupostos das metáforas conceituais e dos esquemas imagéticos baseados na experiência corporal. As principais elocuções sobre do tema serão tecidas a partir de uma literatura emergente que aplica a noção de esquemas imagéticos, as metáforas conceituais, investigações oriundas das neurociências e mecanismos da memória para possibilitar insights e desdobramentos nas práticas musicais. O contexto de música e movimento permite descortinar estratégias de entendimento musical, além de oferecer um rico campo para experimentações no domínio da criação. Nesse sentido, nossa pesquisa de doutorado (no PPGMUS/UFBA) abordou a relação entre música e movimento no contexto da Capoeira Regional, onde não há a separação conceitual entre os domínios. Essa interação foi operacionalizada a partir da inferência em campo de quatro conceitos que mobilizam a relação entre música e movimento para a composição musical: ciclicidade, incisividade, circularidade e surpreendibilidade. Palavras-chave: Movimento em música, metáforas conceituais, esquemas imagéticos Dynamics of experience: approaches for the music-motion relationship Abstract: In this paper we will approach four views for the relationship between music and movement whose concepts and assumptions derived from conceptual metaphors and image schemata based upon body experience. We will discuss the subject related to emergent literature which offers interesting insights and developments for music studies through the notions of image schemata, conceptual metaphor, neuroscience researches and memory mechanisms. The context of music and movement allows us to reveal strategies of musical understanding and represents a rich field for experiments in music creation. Indeed, our PhD research (at PPGMUS/UFBA) focused upon the relationship between music and 139 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 movement in the context of Capoeira Regional, where there is no conceptual separation between both domains. This interaction was engendered by four concepts infered in the context whose application of music and movement for composing music is intended: ciclicity, sharpness, circularity and surpreseness. Keywords: movement in music, conceptual metaphor, image schemata 1. Introdução O estudo das relações entre música e movimento tem se mostrado um contexto prolífico na pesquisa. Abordaremos nesse artigo quatro incursões no campo da teoria que abordam essa questão, pelo viés da experiência corporal, veiculando aspectos relacionados às metáforas conceituais (Lakoff e Johnson 2002, 2003, 1999), os esquemas imagéticos baseados na experiência (Johnson 1990), abordagens na neurociência e a memória. 2. Brower e os esquemas metafórico-musicais 140 Brower (2000) apresenta uma incursão sobre a noção de movimento em música pelo viés das metáforas conceituais. Nesse artigo, a autora aborda temáticas que se relacionam com as noções de força e movimento, pelo viés dos esquemas imagéticos e metafórico-musicais (Brower 2000, p. 324). A autora afirma que “padrões musicais prestam-se a este tipo de mapeamento metafórico, sendo marcados por alterações de razão e intensidade que se traduzem facilmente em força e movimento” (p. 324). Dessa forma, o sentido musical está relacionado ao mapeamento de padrões ouvidos em uma obra musical. Esses padrões são intra-obra, esquemas musicais e esquemas imagéticos, extraídos da nossa experiência corporal (p. 324). Brower (2000, p. 327) aborda a experiência corporal como parâmetro para metáforas conceituais em música: “nossa experiência corporal do mundo físico (o domínio-fonte) para a música (o domínio-alvo) produzem os conceitos metafórico-musicais de espaço musical, tempo musical, força Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 musical e movimento musical”. O mapeamento exerce um papel fundamental, já que mapeamos padrões dentro da própria música, veiculando relações com esquemas musicais (mapeamentos intra-musicais) e esquemas imagéticos (mapeamentos inter-domínios). A experiência musical está contaminada pela experiência do próprio corpo. A autora propõe, pois, esquemas imagéticos mobilizados no entendimento musical: contêiner, ciclo, verticalidade, equilíbrio, relação centroperiferia e trajetória (Brower 2000, p. 326). Esses esquemas são relacionados com as proposições de Johnson (1990). A partir desse modelo, Brower propõe esquemas metafórico-musicais para melodia, harmonia e estrutura de frase, descrevendo cada um deles a partir dos esquemas imagéticos. Com essas ferramentas, a autora discute a ideia de música como narrativa e apresenta aplicações práticas na análise de Du bist die Ruh, de Schubert. Em um escrito mais recente, a autora aplica a noção de esquemas metafórico-musicais e espaço triádico de alturas sob o ponto de vista da teoria neo-riemanniana (Brower 2008)1. Há o pressuposto de que nossa experiência de relações de alturas são governadas, pelo menos parcialmente, por projeções metafóricas de padrões abstratos da nossa experiência corporal (esquemas imagéticos), que podem ser representados graficamente. A partir de projeções metafóricas entre nossa percepção visual e aspectos da tonnetz e outras abstrações geométricas da teoria neo-riemanniana, a autora estabelece um corpus por sobre o qual fundamenta quatro análises: um moteto do século XV, Haydn, Brahms e Wagner. 3. Spitzer: uma abordagem ampla para a metáfora no pensamento musical Spitzer (2004) oferece uma consistente visão panorâmica para o pensamento da metáfora em música, onde a noção de movimento em música é discutida consistentemente: “a música se comporta como o corpo em movimento, e [...] ouvintes projetam suas experiências de movimento corporal na sua audição de processos musicais” (Spitzer 2004, p. 10). Spitzer parte da 141 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ideia de “ouvir como” (hearing as) de Wittgenstein para oferecer uma possibilidade de abordagem teórica que mistura conhecimento e percepção, partindo da ideia de que a maneira como “conceitualizamos música não é, em princípio, diferente da maneira como conceitualizamos o mundo” (p. 16). Para o autor, a metáfora é vislumbrada a partir de três domínios principais: representação, linguagem e incorporação (embodiment) (Spitzer 2004, p. 12). Pensar a metáfora como modelo para a experiência musical contradiz duas das principais ideias herdadas do pensamento objetivista aplicado à musica: música não pode ser ouvida e música é abstrata (p. 15). O autor cita três exemplos de articulação entre a superfície audível da música e sua relação com esquemas musicais de nível básico, enfocando contraponto em Bach, ritmo em Mozart e melodia em Beethoven. É preciso salientar a interessante proposição de Spitzer a respeito do esquematismo como pivô entre as ciências cognitivas e a estética musical (Spitzer 2004, p. 54). De fato, como é uma literatura ainda recente e inicialmente não formulada para a aplicação em música, são poucas as incursões sobre a sua influência no domínio da estética musical. O autor propõe a perspicaz imagem dos esquemas imagéticos como dobradiça (hinge) entre mapeamentos intra-musicais e inter-domínios (cross-domain) (p. 55-6). Nesse sentido ele formula suas dobradiças entre pares: harmonia/pintura (tendo como dobradiça o esquema centro-periferia); ritmo/linguagem (sendo o esquema partes-todo a dobradiça); e melodia/vida (sendo trajeto, path, a dobradiça). 142 Spitzer propõe, pois, um modelo tripartite: esquematismo, metáfora e protótipos (categorias de nível básico projetadas em categorias superordenadas). Nesse modelo, o esquematismo é um elemento básico da experiência e do entendimento, por sobre o qual a metáfora se estabelece, na medida em que representam um mapeamento inter-domínios. As categorias de nível básico, relacionados aos esquemas da experiência, são projetadas em categorias superordenadas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ao apresentar esse modelo, Spitzer aborda o artigo de Brower (2000). Ele critica o alinhamento que Brower faz no conceito de esquemas metafórico-musicais, já que, segundo ele, metáfora e esquemas imagéticos são instâncias diferentes. O anseio de Spitzer em oferecer um modelo filosófico para o pensamento musical a partir da metáfora o faz tentar estabelecer separações conceituais entre instâncias bastante tênues da experiência, plenamente contaminadas no entendimento. Não há a separação tão delimitada entre metáfora conceitual e esquemas imagéticos. A questão é que ambos são baseados na experiência, portanto contaminados. A crítica a Brower, pela consideração do alinhamento entre metáfora e esquema, não parece ser um elemento que possa invalidar ou mesmo por em xeque o argumento oferecido por essa abordagem. 4. As perspectivas na neurociência da música A neurociência da música, ou neuromusicologia, é um campo de estudo em franco desenvolvimento, que tem produzido resultados bastante significativos no domínio do entendimento do fenômeno da música. Phillips-Silver (2009) oferece um interessante survey das perspectivas atuais que consideram a imbricação entre música e movimento pelo viés da neurociência, no que concerne aos efeitos no cérebro de experiências possibilitadas pelos domínios do corpo em movimento e auditivo. A autora parte de um ponto de vista categórico afirmando de saída que “movimento é uma parte intrínseca da experiência musical. Música e movimento co-ocorrem desde a primeira relação musical” (Phillips-silver 2009, p. 293-4). São apresentados diversos exemplos de correlação entre música e movimento em vários contextos culturais, ocidentais e nãoocidentais, colimando na hipótese posteriormente provada. A ideia de que nossas experiências cotidianas influenciam diretamente o nosso entendimento musical, pressuposto das abordagens baseadas nos esquemas metafóricos-musicais, é aventado pela autora quando afirma que “música é frequentemente uma experiência multi-sensorial, e estímulos sensoriais de 143 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sons e movimento corporal moldam nossa definição conceitual de música” (p. 294). A autora formula questões de pesquisa que nortearão seu artigo: por que música e movimento são tão inextricavelmente ligadas? Por que essa interação é crucial para as etapas iniciais do desenvolvimento humano? Por que se argumenta que todos os humanos virtualmente compartilham certas capacidades musicais? O que pode a música fazer para o desenvolvimento do cérebro? (Phillips-silver 2009, p. 294). A autora apresenta respostas e insights para essas questões em quatro diferentes perspectivas. Primeiramente, sob a égide das teorias evolucionistas e sob os pressupostos biológicos, a autora tece comentários sobre a importância da sincronização de movimentos com a música na experiência humana, desde a relação entre mãe e filho na primeira infância, até um estudo experimental que demostrou influência entre escolha de parceiros e capacidades musicais e em dança em um grupo adultos (Phillips-silver 2009, p. 295). 144 Uma segunda perspectiva diz respeito à percepção de pulso e sincronização de movimentos. A autora apresenta um interessante paradoxo relacionado aos ritmos sincopados que, ao inserirem pausas em tempos fortes e operarem deslocamentos nos acentos, ironicamente acabam por representar uma forte sensação de sentimento de pulso. Há aqui uma discussão sobre resultados de pesquisas empíricas que comprovaram o reconhecimento de padrões de pulso e a capacidade de reconhecimento de métrica musical e impulsos sonoros simples, onde a sincronização é um aspecto importante no entendimento. Há um foco em se entender as regiões do cérebro afetadas no reconhecimento de pulsos e na habilidade de sincronização entre os movimentos corporais a esses estímulos. Uma importante consideração nessa perspectiva é a descoberta de que os sistemas de audição e sensório-motor são integrados na percepção e entendimento musicais (Phillips-silver 2009, p. 300). Essa assertiva reforça de maneira contundente a ideia de que o entendimento, o significado e a conceituação musicais são diretamente influenciados pelos domínios da experiência corporal cotidiana, refletidas nos esquemas metafórico-musicais. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Na terceira perspectiva é veiculada pela égide do desenvolvimento infantil, a partir de experiências de reconhecimento de padrões métricos e pulsos musicais em crianças. Destaquemos a realizada pela própria autora, que testou o interesse de crianças de sete meses de idade submetidas a padrões musicais, demostrando uma maior medida de interesse em padrões rítmicos familiares, ou seja, aos quais eles haviam sido previamente submetidos através do movimento corporal (Phillips-silver 2009, p. 304). Resultados semelhantes foram obtidos com adultos, de maneira a sugerir, segundo a autora, que “música não é apenas o que nos faz mover, mas a maneira como nos movemos molda o nós ouvimos” (p. 305). Ou seja, nossa percepção musical é um processo multi-sensorial e estruturas de entendimento musical surgem do movimento. Finalmente, a quarta perspectiva aborda a neuropsicologia, em especial em relação a um distúrbio chamado amusia, uma anomalia congênita que atinge 4% população mundial, onde um indivíduo é incapaz de reconhecer uma melodia ou padrões melódicos. Um fato curioso é que a amusia não afeta a capacidade de percepção métrica, de modo que em diversas culturas, onde o ritmo é tão ou mais importante do que o domínio das alturas, não é possível afirmar que uma pessoa portadora de amusia seja destituída de entendimento musical. A principal contribuição desse artigo no domínio dessa pesquisa é o reconhecimento e legitimação da complexa e intricada interação dinâmica entre música e movimento para os processos de significação musical e construção de estruturas de conhecimento, sob o ponto de vista do desenvolvimento e zonas de ativação do cérebro. A descoberta de que sistemas de audição e sensório-motores são integrados nas habilidades de reconhecimento de padrões rítmicos e de sincronização, assim como as evidências de que conceituamos e entendemos música a partir do movimento, demostram a pertinência da consideração da interação entre música e movimento para a criação musical. 145 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5. Movimento na memória: a abordagem de Snyder Snyder aborda a questão do movimento em música a partir das metáforas e em especial pela sua articulação na memória, recuperando os temas previamente discutidos. A metáfora ganha nesse contexto a dimensão da memória. “Metáfora é a relação entre duas estruturas de memória” (Snyder 2000, p. 107). Nesse sentido, os “esquemas imagéticos podem dessa forma servir como uma ponte entre experiência e conceituação” (p. 109). É justamente nesse contexto da experiência e sua articulação entre domínios, possibilitada pela memória, que os esquemas tem importância fundamental nos processos cognitivos. Eles são tão básicos para a nossa ideia de como o mundo funciona que são usados não apenas literalmente, mas também metaforicamente para representar muitos outros tipos de ideias, mais abstratos. A relação entre a metáfora e a conceituação, para o autor, tem explicação em recentes descobertas na neurociência, que percebeu que a mesma parte do cérebro responsável pelo senso de posição espacial também desempenha papel fundamental no estabelecimento de memórias de longo prazo, o que explicaria o motivo de usarmos metáforas espaciais para entender conceitos abstratos (p. 110). 146 As ideias de Snyder oferecem um contexto bastante profícuo. É de grande importância a sua consideração de que “entender possíveis conexões metafóricas entre música e experiência pode nos ajudar não apenas a entender música, mas também a criá-la” (Snyder 2000, p. 111). O autor discute a importância de categorias perceptuais (p. 83) e conceituais (p. 85). Os esquemas desempenham aqui um papel importante, tanto em sua relação mais geral (p. 97) quanto com suas correlações com a música (p. 100). A importância do movimento na teoria de Snyder é fundamental. Após analisar as diversas instâncias da memória e esquemas cognitivos (como as leis de proximidade, similaridade e continuidade) de agrupamento de elementos musicais, ele formula a ideia de esquemas imagéticos. Há uma pequena diferença de abordagem em relação a Brower, considerando ligeiras variações de nomenclaturas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 6. Considerações finais A temática da relação entre música e movimento aplicada o compor oferece um rico campo de desdobramentos criativos. Comentários sobre a pesquisa do autor omitidos. No Brasil, os escritos de Marcos Nogueira têm avançado no campo da relação entre música e movimento para a composição. A sua abordagem também ocorre pelo viés das metáforas. Segundo ele, “a questão central da experiência de tempo em música é o entendimento do tempo como uma nossa experiência no contato com a 'mudança' que é movimento” (Nogueira 2009, p. 758). Em nossa abordagem na pesquisa de doutorado, formulamos um arcabouço conceitual oriundo da experiência no contexto da Capoeira Regional, onde não há a separação conceitual entre música e movimento. Com esse arcabouço dialogou em diversos níveis, tanto teóricos, quanto aqueles que dizem respeito diretamente ao compor, tais como ideias, materiais e processos. Já que conceituamos e ouvimos música pela experiência corporal, os esquemas imagéticos e as metáforas conceituais são uma evidência contundente para a pertinência da consideração das correlações entre aspectos cinéticos e musicais oriundos da Capoeira Regional como fonte de ideias e processos para o compor. Notas [1] A teoria neo-riemanniana é uma corrente que estuda as relações entre centros tonais a partir de engendramentos entre espaços de alturas, e suas possíveis interlocuções com figuras geométricas em deslocamentos imagéticos. Maiores detalhes sobre a teoria neoriemanniana, cf. Cohn (1998). 147 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento. (Tese de doutorado não publicada). Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA. Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory, 44 (2), 323–379. _____. (2008). Paradoxes of pitch space. Music Analysis, 27/i, 51–106. Cohn, R. (1998). Introduction to neo-riemannian theory: a survey and a historical perspective. Journal of Music Theory, 42 (2), 167–80. Johnson, M. (1990). The Body in the Mind: The bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: University of Chicago Press. Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh: The Embodied Mind and Its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books. _____. (2002). Metáforas da vida cotidiana. Campinas/São Paulo: Mercado das Letras/EDUC. Nogueira, M. (2009). Metáforas de movimento musical. Anais do XIX Congresso da ANPPOM. Curitiba: Programa de Pós-Graduacao em Música – UFPR. Phillips-Silver, J. (2009). On the meaning of movement in music, development and the brain. Contemporary Music Review, 28 (3), 293–314. 148 Snyder, B. (2000). Music and Memory: an introduction. Cambrigde/London: The MIT Press. Spitzer, M. (2004). Metaphor and Musical Thought. Chicado/London: University of Chicago Press. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A influência do gesto na performance em percussão: Análise percentual de dados experimentais Fernando Martins de Castro Chaib [email protected] Universidade de Aveiro João Catalão [email protected] Universidade de Aveiro Homero Chaib Filho [email protected] Universidade de Aveiro Resumo: Este artigo mostra como foi realizado um tratamento descritivo, através de uma análise percentual, dos dados experimentais obtidos ao observar a influência do gesto corporal sobre as sensações de continuidade, suspensão e conclusão de um trecho musical em percussão. Dentro da complexa relação estabelecida entre o percussionista e o texto musical apresentado em grande parte das produções para percussão, procuramos compreender até que ponto o corpo poderá ser um agente auxiliador no processo de transmissão de sensações específicas sobre a música executada em uma performance percussiva. A complexidade deste processo experimental nos obrigou a dividir os resultados obtidos em dois artigos. Este trabalho trata-se da 1ª parte de publicação dos dados adquiridos e analisados a partir dos pesos percentuais. Palavras-chave: Gesto; Percussão; Influência; Performance; Estatística descritiva. The Influence of Gesture on the Percussive Performance: Descriptive Analysis of Experimental Data – Part I – Percentage Approach Abstract: This paper discusses the influence of corporal gesture on the sensations of continuity, suspension and conclusion of a percussion musical excerpt from a descriptive statistical analysis data obtained on a specific experiment. From the complex relationship between the percussionist and musical text displayed largely on percussion 149 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 productions, we seek to understand how far the motion body could be a supportive agent in the process of transmission of specific feelings about the music performed in a percussive performance. The complexity of this experimental process forced us to divide the results into two articles. This work comes from the 1st part of publishing data acquired since the experiment exposed here also suffered a factorial analysis of correspondences, can be found in the subsequent Article from this one ". Keywords: Gesture; Percussion: Influence; Performance; Descriptive statistic. 1. Introdução Este artigo demonstrará uma análise estatística descritiva dos dados adquiridos através da realização do experimento “Sensação de continuidade de um trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) [1]. Ao procedermos a Análise Percentual dos Dados (APD), procuramos identificar os níveis de influência em termos percentuais dos estímulos áudio (A), visual (V) e audiovisual (AV) e gestos (expressivo – GE e técnico - GT) sobre as sensações continuidade, suspensão e conclusão de um trecho musical, realizados em uma performance percussiva em específico. 2. Análise Percentual dos Dados (APD). 150 O intuito desta análise foi o de observarmos as relações nas tabelas que se seguirão, em termos percentuais, entre as linhas (onde estão os estímulos), entre colunas (onde estão as sensações) e entre linhas e colunas. Ressalta-se que esse tipo de análise limitou-se aos resultados deste experimento em particular, sendo esta uma forma de ilustrá-los. Considerando os Fatores Contextuais (CHAIB et. al. 2012: 242); os Estímulos, Indivíduos e Grupos (CHAIB et. al. 2012: 241); os gestos (e - expressivo e t - técnico) e as respostas dos participantes no experimento, elaboramos uma Matriz para a APD (Fig.1). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Em Fig.1 podemos visualizar em cada linha os estímulos A, V e AV, para execução técnica (t) – ou gesto técnico GT- ou execução expressiva (e) – gesto expressivo GE que geraram 36 respostas. Nas colunas podemos ver os Fatores Contextuais F1 a F8, e as respectivas sensações de continuidade (a), suspensão (b) e de conclusão (d). Cada elemento da tabela é o número de respostas dadas para cada sensação, segundo cada estímulo. Baseados nos dados dessa Matriz, elaboramos um conjunto de tabelas denominadas Fig.2, Fig.3, Fig.4, Fig.5, Fig.6 e Fig.7. Em Fig.2, observamos que Fig.2a nos indica nas colunas os fatores (F) subdivididos pelas sensações a, b e d e nas linhas a representação dos estímulos, onde: I – Representa o total global, ou seja, a soma de todas as respostas, independentemente do estímulo; II – Representa o estímulo A no total global; III - Representa o estímulo V no total global; IV - Representa o estímulo AV no total global. Em Fig.3, observamos que Fig.3a ilustra nas linhas a representação do total dos estímulos Ae + Ve + AVe para o gesto expressivo (GE) e At + Vt + AVt para o gesto técnico (GT). Nas colunas estão representados os fatores (F) subdivididos pelas sensações a, b e d onde foram computadas as diversas percentagens que nos ajudaram a compreender tais resultados. Ela demonstra os valores percentuais por fator (F) e sensação, na soma de todos os estímulos em GE e GT. Em Fig.3b percebemos, nas linhas, cada estímulo (A, V e AV) agregado a cada gesto (GE e GT) sendo que, nas colunas, observamos os fatores (F) subdivididos pelas sensações de continuidade (a), suspensão (b) e conclusão (d). Essa tabela nos indica os valores percentuais totais em cada fator (F), por sensação, para cada estímulo em GE e GT. A tabela Fig.4 ilustra nas linhas cada estímulo (A, V e AV) agregado a cada gesto (GE e GT). Nas colunas observamos os fatores (F). Apresenta-se, nessa tabela, os valores percentuais por fator (F), sobre o total de cada estímulo em GE e GT. Será dizer que, do total atribuído no experimento a Ve, por exemplo, 34% das marcações desse estímulo correspondem a F8. As tabelas Fig.5, Fig. 6 e Fig.7 ilustram, nas linhas, as somas de estímulos (A/V, A/AV ou V/AV) aliados ao GE e GT e, nas colunas, os fatores 151 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 (F1, F3, F4, F6 e F8) subdivididos pelas sensações a, b e d. As tabelas indicam os valores percentuais na soma dos estímulos em GE e GT, sobre o total da sensação. 152 Fig.1: Matriz, onde: indivíduos (In.), Grupos (Gr.) e estímulos (Est.) nos Fatores Contextuais e sensações. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig.2: Apresenta Fig.2a e Fig.2b (valores percentuais - %). Fig.3: Apresenta Fig.3a e Fig.3b (valores percentuais - %). Fig.4: Valores percentuais (%) por fator (F), sobre o total de cada estímulo em GE e GT. Fig.5: Valores percentuais (%) na soma de V e AV (V/AV) em GE e GT, no total da sensação. 153 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig.6: Valores percentuais (%) na soma de A e AV (A/AV) em GE e GT, no total da sensação. Fig.7: Valores percentuais (%) na soma de A e V (A/V) em GE e GT, no total da sensação. 3. Interpretação dos índices percentuais A análise feita a partir dos dados contidos na Matriz indicou que os fatores F2, F5 e F7 obtiveram menor ocorrência de respostas aos estímulos, sendo ao todo 5 marcações para F5 (menos de 1% do total) e 18 para F2 e F7 (cerca de 3% do total). Em comparação com F8 (180 marcações, cerca de 31% do total) ou F4 (144 marcações, 25% do total), F2, F5 e F7 foram considerados sem muita influência para as sensações referentes aos estímulos reproduzidos e/ou gestos executados. Desta feita, focamos as nossas atenções sobre as situações onde foi possível estabelecermos uma relação de efeito dos estímulos exibidos, acerca dos dados adquiridos. Os fatores (F) que apresentaram pertinência para as análises foram F1, F3, F4, F6 e F8. Observemos a seguir uma avaliação com uma abordagem descritiva das respostas dadas em termos percentuais. • 154 Comparação por sensação e fator (F) aliando todos os estímulos, em: i. F1: A sensação de continuidade prevalece em F3, F4, F6 e F8, perdendo peso para suspensão e conclusão apenas em F1. Em verdade, a sensação de conclusão obteve maior peso apenas em F1 (45% das marcações, contra 37% de suspensão e 18% de continuidade), perdendo para as outras duas sensações nos restantes dos fatores analisados. Há de se destacar que F1 representou ausência de intervenção sonora do intérprete, ou seja momentos onde o Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 percussionista não esteve atuando, de forma direta ou indireta, sobre o instrumento. ii. F3 e F4: A sensação de continuidade obteve ligeira vantagem sobre suspensão. Em F4 ocorreu um “empate técnico” com 44% das marcações para continuidade e 43% para suspensão. Em F3 a diferença aumenta um pouco, mas também podemos dizer que as respostas sobre essas duas sensações foram bastante equiparadas, ficando continuidade com 41% das marcações contra 37% de suspensão. iii. F6: A sensação de suspensão teve ampla vantagem em relação às outras sensações, figurando com 65% das respostas contra 27% de continuidade e 9% de conclusão. Esse fator representou, dentre outras características, a duração de execução da nota tocada (nesse caso, o seu prolongamento através do rulo). Percebemos que esse atributo expressivo em conjunção com as outras características poderá ser um agente no despertar dessa sensação prevalente. iv. F8: Esse fator obteve 61% das respostas para continuidade, 31% para suspensão e 8% para conclusão. As 110 marcações para continuidade mostram uma discrepância em relação aos outros fatores e demais sensações. Há de se destacar a exata igualdade de ocorrências de respostas, aliando todos os estímulos, para GE e GT para as sensações de continuidade e suspensão (50% para cada gesto). Tendo a sensação de conclusão significado ínfimo (14 marcações), admitimos que pela igualdade das respostas em GE e GT – para os trechos sem momentos bruscos de “ruptura”, “quebra”, “tensão”, etc. – o tipo de gesto utilizado pelo percussionista não vem influenciar as sensações dos trechos executados, existindo pouca relevância para a sensação de conclusão. • Comparação por sensação de A em relação a V e AV em: i. F1: A sensação de continuidade perde peso sobre o estímulo A em relação aos estímulos V e AV. Observamos 23% das ocorrências para 155 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 o primeiro, enquanto anotamos 41% para o segundo e 35% para o terceiro. Por outro lado, analisando a sensação de conclusão, o estímulo A aparece com 33% das marcações contra 29% de V e 38% de AV. Para a sensação de suspensão o estímulo A aparece com 37% das respostas contra 40% de V e 23% de AV. É possível constatarmos já, através desses resultados, certa relevância dos estímulos V e AV para a sensação de continuidade dos excertos exibidos quando o intérprete não intervém sonoramente no instrumento, uma vez que A aparece com menos peso nessa sensação. Sobre as respostas assinaladas dentro de cada estímulo A obteve apenas 13% na sensação de continuidade contra 20% em AV, de forma isolada, e 21% em V. ii. F3: O estímulo A apresenta 33% das marcações em continuidade contra 44% para AV e 22% para V. Para as outras sensações A aparece com menores índices em relação aos outros dois estímulos. Em suspensão, o estímulo V predomina com 54% das respostas. De forma isolada, o estímulo A é mais influente que V em continuidade, mas sendo menos ocorrente que AV nessa sensação. Nesse fator observamos como o estímulo V interfere bruscamente na sensação de suspensão quando o que está em evidência são as discrepâncias de intensidade sonora. A postura do corpo do intérprete poderá ser um agente causador desses resultados. Em F3, A sempre perde peso em relação a pelo menos um dos estímulos que tem incorporado o aspecto visual (V ou AV), o que não ocorre necessariamente com V. 156 iii. F4: O estímulo A causou menor influência para a sensação de continuidade (27% contra 35% de V e 38% de AV). Porém, na sensação suspensão, A exerce maior influência (38,7% contra 37% de AV e 24% de V). Para a sensação de conclusão o estímulo A segue obtendo maior índice de respostas (42%), o mesmo que para AV, contra 16% de V. Deste Fator Contextual podemos atestar o fato de que a falta de visibilidade da performance vem induzir no espectador Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 a uma maior tendência à interpretação de momentos musicais sem prosseguimento, mas com características de “ruptura”, “quebra”, etc. iv. F6: Para a sensação de continuidade o estímulo A segue contando com menor influência em termos percentuais obtendo 25% das respostas contra 44% de V e 31% de AV. Nesse fator, curiosamente, A iguala-se a V em conclusão (20% para cada contra 60% de AV) e ao estímulo AV em suspensão (31% contra 38 de V). Da mesma forma que em F3 o estímulo V foi mais acionado na sensação de suspensão, mas aparece também predominante em continuidade. Dentre os fatores (F) analisados as respostas para a sensação de conclusão em F6 apontaram a maior disparidade em termos percentuais entre AV e os outros estímulos. • Relação por sensação de A + V (A/V) ou A + AV (A/AV) para: i. F1, F4 e F6 em continuidade: Nesses três fatores (F) o estímulo A, somado a qualquer um dos outros dois estímulos, segue sendo menos influente para essa sensação. Nesses fatores, em relação ao estímulo A, os estímulos V e AV (conjuntamente ou em separado) possuem maior influência na ativação de continuidade. Basta percebermos que se, em F1, AV for o ponto em comum para A e para V (A/AV e V/AV), o estímulo auditivo exercerá menor influência que o visual para essa sensação. O mesmo ocorre em F4 e F6. ii. F3 em continuidade: Contrariando os fatores F1, F4 e F6, a soma dos estímulos A e AV, exerce maior influência nessa sensação do que V + AV (V/AV). No entanto A/V perde peso nessa sensação para V/AV. iii. F1 e F4 em suspensão: O estímulo A somado ao V exerce maior influência do que qualquer outra combinação de estímulos para F1. Em F4, A surge como estímulo chave, uma vez que a soma do mesmo com V ou AV gera uma combinação de estímulos predominante sobre a sensação de suspensão. 157 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 iv. F3 e F6 em suspensão: A só aparecerá em maior evidência somado ao estímulo visual, uma vez que o estímulo predominante nessa sensação, em F3 e F6, é V. De outra forma, a soma de A com AV perde peso. v. F1, F3, F4 e F6 em conclusão: Em termos percentuais a soma A/AV supera A/V em todos esses fatores. Nos fatores F1 e F3 A/V também não supera a influência V/AV. Já em F4 os pontos percentuais para essas duas últimas somas de estímulos, nessa sensação, são exatamente iguais. A igualdade percentual aparecerá para A/AV e V/AV em F6. • Comparação por sensação de GT e GE sobre os estímulos V+ AV (V/AV) em: i. F1: Do total de respostas atribuídas na sensação de continuidade, foram dadas 76% das marcações, sendo que 47% a GE e 25% a GT. Para a sensação de suspensão as respostas foram as mesmas, 31%, para GE e GT. No que diz respeito às sensações de conclusão, o estímulo GT foi mais acionado possuindo 38% contra 29% de GE. Aqui, observamos como o gesto corporal teve efeito nas respostas, com maior tendência para a sensação de continuidade para GE, quando o corpo exerce maior deslocamento e movimento no espaço. Para a sensação de conclusão as respostas tenderam mais para GT (38% contra 29% de GE). 158 ii. F3: Das respostas atribuídas à sensação de continuidade (67%), GT obteve 41% das marcações contra 26% de GE. Na sensação de suspensão (80%) GE prevalece, com uma pequena margem de diferença, surgindo com 41% em relação a GT que aparece com 37%. A grande prevalência de GE ocorre na sensação de conclusão (71% das marcações), ao passo que GT detém 7%. Contrariando as análises sobre os outros Fatores Contextuais em relação a V/AV o GT foi mais influente na sensação de continuidade, e o GE surge como Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mais preponderante nas outras sensações com amplo predomínio em conclusão. iii. F4: Para V/AV, foram acionadas na sensação de suspensão 61,3% das marcações enquanto que conclusão recebeu 60% e continuidade 73%. O GE influenciou 43% das marcações em continuidade, contra 30% de GT. Para suspensão GT obteve 39% das respostas contra 23% de GE. Em conclusão GT recebeu 32% das marcações contra 26% de GE. Nas relações entre gesto e estímulos em F1 e F4 diremos que, a princípio, o GE obteve através dos estímulos V e AV maiores índices de influência sobre a sensação de continuidade, ao passo que na sensação de suspensão e conclusão o GT “equilibra” esse domínio. iv. F6: O estímulo V/AV surge com 75% das marcações em continuidade. O GE predomina figurando com 44% das respostas contra 31% de GT. Destacamos a exata igualdade de pontos percentuais para a sensação de conclusão, 40% para cada. Ademais, a sensação de suspensão também obteve percentagens bastante próximas sendo 36% para GT contra 33% de GE. O GE volta a ser mais influente na sensação de continuidade nesse fator, ao passo que para as outras sensações ocorre, entre os tipos de gesto, um equilíbrio pouco observado em relação aos outros fatores (F). 6. Impressões finais A APD evidenciou a influência dos movimentos corporais sobre as sensações de continuidade, suspensão e conclusão de um indivíduo numa performance específica em percussão. Neste artigo pudemos constatar que o aspecto visual (na forma de estímulo V ou AV) predominou nas sensações de continuidade. Já o estímulo A apareceu com menores índices, para AV ou para V, nessa sensação a partir dos Fatores Contextuais analisados. O aspecto auditivo pareceu influenciar mais as sensações de suspensão e conclusão, chegando mesmo a predominar em algumas situações. 159 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Nota [1] Toda a metodologia utilizada no experimento “Sensação de continuidade de um trecho musical” está disponível no artigo “A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um experimento sensorial” (CHAIB et. al. 2012). Referências Chaib.F.; Catalão, J.; Chaib Filho, H. (2012). A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um experimento sensorial. Anais do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais), pp.238-252. CEART/UDESC. Florianópolis. 160 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A influência do gesto na performance em percussão: Análise fatorial de correspondências sobre dados experimentais Fernando Martins de Castro Chaib [email protected] Universidade de Aveiro Homero Chaib Filho [email protected] Universidade de Aveiro João Catalão [email protected] Universidade de Aveiro Resumo: Este artigo apresenta os resultados conclusivos das análises dos dados recolhidos do experimento “Sensação de continuidade de um trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) através da técnica estatística Análise Fatorial de Correspondências (AFC). O objetivo principal dessa análise foi o de observar e constatar, através dos índices estatísticos, a influência do gesto na transmissão de sensações de continuidade, suspensão e conclusão captadas por um indivíduo sobre a performance em percussão. Os resultados aqui apresentados permitem ao intérprete percussionista delinear uma prática performativa onde a gestão dos gestos corporais tornam-se fundamentais para a construção da sua performance. Através das observações dos resultados poderemos perceber como a relação cognitiva, sensorial e perceptiva entre o performer e o espectador não podem ser ignoradas, correndo-se o risco de comprometer a qualidade do resultado performativo final. Uma vez alcançado o objetivo principal , será possível generalizar os resultados em performances realizadas sobre os mesmos moldes das apresentadas no experimento. Palavras-chave: Gesto; Influência; Performance; Percussão; AFC. The Influence of Gesture on the Percussive Performance: Correspondence Factorial Analysis under Experimental Data 161 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Abstract: This paper presents the conclusive results of data analysis collected from the experiment "Sensation of continuity of a musical excerpt" (CHAIB et. al. 2012) through the statistical technique Correspondences Factorial Analysis (CFA). The goal of this analysis was to observe and verify, through statistical indices, the influence of gesture in conveying sensations of continuity, suspension and conclusion taken by the audience about the percussive performance. The results presented here allow the percussionist follow a performativity practice where the managing body gestures become fundamental for the construction of its performance. Through the observations of the results we can see how the cognitive relationship, sensorial and perceptual between the performer and the audience cannot be ignored, thus running the risk of compromising the quality of the performance’s final result. Once achieved the main goal will be possible to generalize the results in performances conducted on the same lines presented in the experiment. Keywords: Gesture; Influence; Performance; Percussion; CFA. 1. Introdução 162 Este artigo apresenta os resultados da Análise Fatorial de Correspondências (AFC) realizada sobre os dados obtidos no experimento “Sensação de continuidade de um trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) que procurou evidenciar os níveis de influência do gesto sobre as sensações de continuidade, suspensão e conclusão de um indivíduo, na performance destinada à música para percussão [1]. Esse tipo de análise permite observar o comportamento de uma variável ou grupos de variáveis em covariação com outras. Seus resultados evidenciam regularidades no comportamento de duas ou mais variáveis, incluindo a determinação de quando e como dois ou mais grupos diferem em seu perfil multivariado. Isso nos permite admitir que as relações estatísticas obtidas no experimento poderão manter-se em eventos envolvendo a performance para percussão, que não apenas os aqui reproduzidos. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. Sobre a AFC A AFC, uma das técnicas de análise multidimensional [2], está dirigida para a análise de tabelas de contingência composta de dados discreto que representam contagem (nessa categoria não se enquadram dados contínuos como valores correspondentes a medidas de peso, altura, tempo, etc.). Na AFC, a tabela de contingência é representada como uma matriz nxm onde n é o número de variáveis e m o número de indivíduos. Seu conteúdo é o número de ocorrências (p.e. número de vezes que se aperta uma tecla) de um indivíduo em uma variável (se a sensação é de continuidade, suspensão ou conclusão). Aplicada a uma determinada tabela, a AFC gera fatores hierárquicos (na verdade, eixos fatoriais que definem espaços bidimensionais; tridimensionais; n-dimensionais) que agregam as variáveis ou indivíduos com respectivos graus de pertinência. Nessa hierarquia, o primeiro fator retém a maior quantidade de informações contida na tabela de contingência, é o de maior peso; o segundo fator retém a segunda maior quantidade de informação; o terceiro, a terceira maior quantidade, e assim por diante. Sendo o plano um espaço bidimensional, cada par de fatores gerados forma um plano. Aquele composto pelos dois primeiros fatores é o que agrega a maior parte das informações contidas na tabela de dados e denomina-se primeiro plano fatorial, sobre o qual, em geral, se atém a atenção de análise. Enquanto resultado, poderemos através dos fatores observar como as variáveis ou os indivíduos se relacionam; e no plano como variáveis e indivíduos se relacionam em relação aos próprios fatores. 3. Análise dos dados Os dados obtidos no experimento foram tratados para se constituir uma tabela de contingência (Fig.1), onde: 1) as linhas correspondem, através das execuções técnica (t) ou expressiva (e), aos estímulos fornecidos no experimento realizado: auditivo (At e Ae), visual (Vt e Ve) ou audiovisual (AVt e AVe); 2) as colunas correspondem às sensações de continuidade (re- 163 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 presentada pela letra a), suspensão ( pela letra b) e conclusão (letra d) em cada Fator Contextual (representados pela letra F). Assim, cada célula da tabela expressa o número de respostas dadas à uma sensação dentro de um fator contextual devido a um estímulo. A execução da AFC foi feita sobre os dados dessa tabela utilizando-se o software Statistical Analysis System (SAS) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Para a execução desse software, as colunas da tabela (Fig.1) foram denominadas Fnl, onde n varia de 1 a 8 e l são as letras que representam as sensações. Assim, F1a representará a sensação de continuidade para o Fator Contextual F1 ou F4d representará a sensação de conclusão no Fator Contextual F4. Fig.1: Tabela de Contingência (matriz) utilizada na AFC. Executado o SAS para essa tabela de contingência, a AFC engendra os fatores (ou eixos) que geram um espaço vetorial, no qual os pontos da tabela são projetados (ver Fig.6). Cada fator gerado retém uma quantidade de informação cuja soma, para todos os fatores é igual a quantidade de informação total contida na tabela inicial. 164 Os eixos fatoriais com maior quantidade de informação, são chamados “fatores principais”, e são ordenados, decrescentemente, pela ordem de importância. Os dois primeiros eixos fatoriais (os de maior peso), geram o primeiro plano fatorial que é o que retém maior quantidade de informação com respeito aos dados iniciais. Quando o primeiro plano fatorial retém acima de 70% da informação total, considera-se que existe a informação Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 suficientemente boa para a realização da análise e estabelecimento das relações entre linhas e colunas da tabela de contingência. A execução do SAS mostra que o primeiro plano fatorial reteve aproximadamente 74% da informação total, sendo que o primeiro eixo reteve 42,73% e o segundo 30,74% (Fig.2): Fig.2: Primeiro plano fatorial. Consideramos, assim, que o primeiro plano fatorial reteve informações suficientes para a caracterização dos eixos fatoriais e o estabelecimento de relações inter e entre as linhas (os estímulos) e as colunas (as sensações para cada fator contextual). Para explicitarmos tais relações tipificaremos os dois primeiros eixos em relação aos estímulos (linhas) e em relação às sensações (colunas). O uso do termo “importância para a formação de um eixo” se refere à caracterização com fins para a tipificação que permitirá a generalização dos resultados obtidos no experimento realizado. 4. Tipificação dos eixos fatoriais pelos estímulos (linhas) Estudamos a contribuição relativa de cada estímulo para a formação dos dois primeiros eixos fatoriais (peso associado à quantidade de informação retida por cada linha para a geração de um fator) e a maneira como esses estímulos se correlacionam, indicada pelo sinal (+ ou -) de suas coordenadas no plano (Fig.3): 165 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig.3: Contribuição parcial das linhas (estímulos) para a formação do 1º e 2º fatores (eixos); sinais das coordenadas nos eixos fatoriais. Vê-se que os estímulos que mais contribuíram para a formação do primeiro eixo (Eixo 1 em Fig.3) foram Ae, AVt e Vt, nesta ordem de importância. Sendo que, nesse eixo, os dois primeiros estímulos têm coordenada com sinal positivo e a coordenada do terceiro estímulo sinal negativo. Assim, no que diz respeito ao primeiro fator, existe correlação positiva entre os estímulos Ae e AVt e que têm correlação negativa com o estímulo Vt. A correlação positiva entre duas variáveis implica na mesma forma de variação entre elas: se uma aumenta, a outra também; se uma diminui, a outra também. Já a correlação negativa implica em variações contrárias: se uma aumenta a outra diminuirá e vice-versa. 166 Assim, o estímulo Ae provoca reação semelhante à provocada pelo estímulo AVt e que o estímulo Vt provoca reação inversa aos dois anteriores. Ou seja, a magnitude das respostas dadas ao estímulo AVt é diretamente proporcional à das respostas dadas devido ao estímulo Ae. Por outro lado, as respostas dadas ao estímulo Vt têm magnitude inversamente proporcional às dadas aos estímulos Ae e AVt. Isso significa que, quando o indivíduo ouve e vê, na execução técnica, dá respostas semelhantes às que dá para audição da execução expressiva (Ae). Porém, quando apenas vê, na execução técnica (Vt), responde de maneira inversa da que quando ouve. O segundo eixo fatorial (Eixo 2 em Fig.3) caracteriza-se pelos estímulos Ve (que possui coordenada negativa), AVe (com coordenada positiva) At (com coordenada negativa), nesta ordem de importância para a geração Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 desse eixo. Para esse eixo fatorial, existe correlação positiva entre os estímulos Ve e At e negativa entre esses e o estímulo AVe.. Tal fato nos indica que Ve e At provocam sensações semelhantes entre si e mutuamente distintas de AVe. Tais caracterizações nos permite tipificar o primeiro eixo fatorial como “do estímulo Ae e AVt”. Os pontos correspondentes às colunas que tiverem coordenadas positivas no primeiro eixo corresponderão a sensações causadas preponderantemente por esses estímulos. O segundo eixo pode ser tipificado como “eixo associado ao GE (gesto expressivo)”, sendo que os pontos correspondentes às sensações com sinal positivo em suas coordenadas do segundo eixo, serão causados preponderantemente pelo estímulo AVe; as sensações com sinal negativo no segundo eixo, terão sido causadas preponderantemente pelo estímulo Ve. Ou seja, o GE associa-se às sensações causadas pelos estímulos Ae e Ve, enquanto o estímulo Ve, corresponderá às sensações associadas à parte negativa do segundo eixo. 5. Tipificação dos eixos fatoriais pelas sensações (colunas) A caracterização das colunas (as sensações expressas devido aos estímulos) permitirá observar quais tipos de sensações relacionam-se predominantemente aos estímulos ao associarmos as colunas aos eixos. Vê-se, pela Fig.4, que as sensações de maior peso na formação do primeiro eixo fatorial foram de suspensão (letra b) em F7, F8, F4, F3 e de conclusão (letra d) em F4, nesta ordem de importância. A correlação entre F7b, F4b e F4d é positiva (veja-se o sinal de suas coordenadas), como também com Ae e AVt que mostram-se os principais estímulos a causar essas sensações. Por outro lado, o sinal negativo das coordenadas das sensações F8b e F3b nesse primeiro eixo, indica que poderão sofrer leves influências do estímulo Vt. O segundo eixo fatorial tem como principais responsáveis pela sua formação as sensações F8d, F2d, F8a, F5b, F6a e F6d, nessa ordem de im- 167 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 portância. Desde que as sensações F8d, F5b e F6d têm coordenadas positivas nesse eixo, estarão provocadas pelo estímulo AVe. Já, as sensações F6a, F2d e F8a foram provocadas pelo estímulo Ve. 6. Interpretação do gráfico Tendo sido feitas as tipificações dos dois primeiros eixos fatoriais, segundo estímulos e caracterizadas as sensações que têm maior importância para o surgimento dos dois primeiros eixos fatoriais, ficamos habilitados para a interpretação do gráfico do primeiro plano fatorial. Observamos, porém, que os pontos no gráfico são projeções dos pontos originais definidos pela tabela de contingência. A AFC proporciona uma medida, chamada qualidade de representação do ponto no plano, que nos diz quão próximo ao plano está o ponto projetado. Essa medida varia de zero a um: um ponto com qualidade de representação igual a 1, estará exatamente sobre o plano, mais firme será a relação entre o ponto e os eixos; a qualidade de representação mais próxima de 0, mais distante do plano estará o ponto. Tal informação é importante para que não haja confusão ao se estabelecer as relações entre pontos e eixos, na observação do gráfico desse plano. A tabela Fig.5, traz, em ordem decrescente os valores para a qualidade de representação de linhas e colunas. 168 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig.4: Contribuição parcial das colunas (sensações) para a formação do 1º e 2º Eixos Fatoriais; sinais das coordenadas nos eixos fatoriais. Vemos que, à exceção de Vt e At, os demais estímulos estão muito bem representados, o que permite estabelecer relações influência entre esses estímulos e as sensações, próximas a eles, que também tiverem boa qualidade de representação. Assim, seguindo esse procedimento, poderemos dizer qual estímulo provoca tal sensação e como esta sensação se correlaciona com as demais. Como exemplo, tomemos a sensação F1d com qualidade de representação igual a 0,9. Pela observação do gráfico da AFC (Fig.6), notamos que essa sensação se situa mais próxima do Eixo 2, pela parte positiva. Assim, considerando a tipificação feita e a posição de F2a no gráfico, podemos dizer que o estímulo AVe causou a sensação de continuidade em F2. 169 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ao considerarmos a mesma tipificação e a posição de F6a no gráfico, próximo ao estímulo Ve, observamos a sua influência para a sensação de continuidade em F6. Fig.5: Qualidade de representação para os estímulos e para as sensações no primeiro plano fatorial. 170 Fig.6: Gráfico da AFC, onde: Dimension 1 = Eixo 1. Dimension 2 = Eixo 3. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Podemos dizer que as influências sofridas pelas sensações nos Fatores Contesxtuais (F) variaram de estímulo para estímulo, sendo que Ae e AVt tiveram mais peso nas sensações próximas ao Eixo 1 e Ve e AVe nas sensações próximas ao Eixo 2. Os estímulos AVe e Ve condisseram com o sentido de continuidade nos fatores F2 e F6. O Ve também surge como agente influenciador em F3, para a sensação de continuidade. Para F4 por exemplo, a sensação de suspensão obteve maior influência em AVt. A sensação de continuidade em F4 também teve maior peso através desse mesmo estímulo. 7. Considerações finais Independentemente de ser GT ou GE, o estímulo audiovisual (AV) foi o que surgiu com maior peso nos dois eixos, em relação a A e V, tendo maior influência para as sensações de continuidade, suspensão e conclusão. Tratando-se propriamente de música, era de se esperar que o estímulo A se evidenciasse, porém, é realmente relevante o resultado referente ao estímulo V. Percebemos que, por esse prisma, o aspecto visual não pode ser ignorado na performance destinada à música para percussão. Sobre esse ponto de vista e através dos elementos aqui apresentados, constatamos que todos os estímulos (A, V e AV) e atitudes do gesto (GE e GT) presentes no experimento causaram, sob distintos níveis, influência nas sensações de continuidade, suspensão e conclusão a cerca dos trechos executados. Nos resultados da AFC a expressividade da execução, representada por GE, figurou com maior peso de influência representado pelos estímulos A, V e AV. Já o GT surge como agente influenciador através do estímulo AV (os estímulos V e A tiveram pouco peso e menores níveis de influência aliados ao GT). Outrossim F1 tem, na sensação de conclusão, maior influência a partir do estímulo AVe. Desta feita afirmamos que, sendo GT ou GE, a visualização dos movimentos corporais (estando em convergência ou não com o estímulo auditivo) exerceram influência sobre as sensações de conti- 171 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 nuidade, suspensão e conclusão dos participantes do experimento sobre uma performance percussiva. Notas [1] A metodologia utilizada no experimento está disponível em “A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um experimento sensorial”. ANAIS do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais). CEART/UDESC. Florianópolis. (CHAIB et. al, 2012). [2] Cujo tratamento teórico foi devido a Benzécri (LEBART et.al. 2000, p.67). 8. Referências Batista J. M., e J. Sureda. (1987). Análisis de correspondencias y técnicas de clasificación: Su interés para la investigación en las ciencias sociales y del comportamiento. Infancia y Aprendizaje n.39/40, 171-186. Chaib.F., J. Catalão e H. Chaib Filho. (2012). A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um experimento sensorial. Anais do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais). CEART/UDESC. Florianópolis. Lebart L., A. Morinea e M. Piron. (2002). Statistique exploratoire multidimensionnelle. 3a ed. Paris: Dunod. 172 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Desenvolvimento musical em crianças de 12 a 18 meses: Um estudo exploratório André José Rodrigues Jr [email protected] Universidade Braz Cubas – UBC Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que estudou o desenvolvimento musical em crianças de 12 a 18 meses. Por meio da pesquisa ação, observamos e analisamos o comportamento musical de dois bebês, Rayana e Lucas, entre 12 e 18 meses, alunos do pesquisador. Os resultados da pesquisa apontaram que as aquisições dos bebês são coerentes com teorias do desenvolvimento cognitivo de Piaget, bem como com teorias do desenvolvimento musical de Delalande e Swanwick, sendo a mudança de foco do gesto motor para o gesto sonoro uma das principais características do desenvolvimento musical desta idade. O estudo mostrou que o desenvolvimento dos bebês também é coerente com o pensamento de Vygotsky, já que o papel de professormediador foi fundamental nesse processo. Palavras-chave: Música, educação musical, desenvolvimento musical, desenvolvimento cognitivo. Musical Development in children between 12 and 18 months: A exploratory study Abstract: This work aims to presents the results of a researching that have studied the musical development in children between 12 and 18 months. Through action research, we observed and analyzed the musical behavior of two babies, Rayana and Lucas, between 12 and 18 months and who take music lessons with the researcher. The results showed that the musical acquisitions of the babies are coherent with Piaget’s theory and also with Delalande and Swanwick’s theories of musical development. The changing focus of the motor gesture to the sound gesture is one of the main features of musical development of this period. The study showed that babies' development is also consistent with Vygotsky's thinking, since the teacher-mediator‘s role was relevant in this process. Keywords: Music, music education, musical development, cognitive development. 173 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Introdução A educação musical para bebês exerce em mim um grande fascínio. Há quase oito anos trabalho como professor de música de crianças de zero a três anos de idade. Em 2011, durante o curso de especialização em Educação Musical, desenvolvi uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo onde pudemos acompanhar e observar dois alunos nesta faixa etária: Rayana (15-18 meses) e Lucas (12-15 meses), por meio de uma pesquisa-ação, com a participação ativa do pesquisador junto aos bebês. Durante as oito semanas, o pesquisador “provocou” os bebês com atividades musicais. Essas aulas foram filmadas e posteriormente, analisadas pelo pesquisador e sua orientadora. Os dados foram então confrontados com o referencial teórico estudado. O presente artigo tem como objetivo apresentar o resultado dessa pesquisa. Como base para o estudo do desenvolvimento cognitivo da criança, utilizamos as ideias de Jean Piaget (1982) e Vygotsky (1984, 1989). Para estudar o desenvolvimento musical da criança, optamos pelo “Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical” de Swanwick e Tillman (1986) e pelas “Condutas da Produção Musical” de Delalande (1995), uma vez que ambas têm como base a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget e também consideram alguns aspectos das ideias de Vygotsky acerca do desenvolvimento da criança. 174 Os estudos a respeito da interação entre visão, audição e outros sensores na percepção dos bebês, foram amparados pelos conceitos de Parentalidade Intuitiva (PAPOUSEK M, 1996) e de Musicalidade Comunicativa (MALLOCH, 1999). Estes dois conceitos são considerados por Parizzi e Carneiro (2011) como fundantes na educação musical no primeiro ano de vida da criança e serviram como norteadores para o desenvolvimento de nosso trabalho. Também abordamos os movimentos corporais e as manifestações vocais presentes nos dois primeiros anos de vida como formas de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 o bebê se expressar e se relacionar com a música, partindo das pesquisas feitas principalmente por Beyer (2004) e Parizzi (2009). Durante as aulas percebemos um grande interesse por parte dos bebês estudados. Eles permaneciam atentos durante quase toda a aula, o que não é comum nessa idade, a menos que seja uma atividade de real interesse deles. Dentro dessas aulas conseguimos perceber algumas relações entre os movimentos corporais e as manifestações vocais com o desenvolvimento cognitivo musical dos alunos. Movimentos Corporais Beyer (2004, p.334) classificou três tipos de movimentos em bebês entre 18 e 24 meses: vigilante inativo voluntário, o bebê pára corporalmente para a escuta; movimento coordenado voluntário, os movimentos são ordenados em função das atividades propostas; movimento impulsivo, as ações são desordenadas em relação à organização espaço-temporal própria das atividades propostas. Apesar de esta classificação ter sido feita em um estudo com bebês entre 18 e 24 meses, percebemos a existência desses padrões de comportamento também nos bebês envolvidos nesta pesquisa. Durante as aulas, os bebês apresentaram essas três classes de movimento, sendo que a primeira, o vigilante inativo voluntário, foi frequente nos momentos com alguma novidade como um instrumento, uma música ou um som novo. Nestes casos, quando o aluno ficava sem movimentos corporais, podíamos perceber a atenção deles totalmente voltada para a fonte da novidade: o professor, o instrumento ou os outros alunos. É interessante notarmos que em vários momentos que estávamos utilizando os instrumentos musicais, a Rayana permanecia em estado de vigilante inativo voluntário explorando o instrumento musical, muitas vezes tocava e parava para olhar o instrumento como se procurasse de onde vem o som, fase que, para Piaget, é marcada pela busca da criança pela novidade. Ela busca entender o som ao invés de se contentar com os movimentos corporais e reflete assim a mudança de interesse do gesto motor para o sonoro, o 175 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 que para Delalande e Swanwick representa uma das principais mudanças no desenvolvimento musical da criança dessa idade. Isso não acontecia com o Lucas que é três meses mais novo. Ele permanecia tocando e, quando parava, focava sua atenção nos outros alunos ou nos professores ao invés de observar o instrumento musical. Fazendo uma relação com as ideias de Delalande, onde a criança passa de um interesse pelo gesto motor para um interesse pela sonoridade, entendemos que os dois mostram-se em níveis diferentes dentro do estágio de exploração. Enquanto o Lucas está com a atenção voltada para o gesto motor a Rayana está mais voltada para o sonoro procurando a origem desse som no instrumento. Percebemos a presença de movimentos impulsivos principalmente quando a criança se identificava com a música, ou para chamar a atenção do adulto e demonstrar a vontade de que continue. Ao reconhecerem uma música, os bebês manifestam esse reconhecimento nos movimentos corporais. Estes movimentos não estão diretamente ligados à música ou atividade em si, mas à identificação do aluno, ou seja, duas músicas podem ter ritmos e andamentos totalmente diferentes e despertarem o mesmo movimento nos alunos, pois se trata de um movimento mais ligado ao lado afetivo por reconhecer a música do que pela música propriamente dita. 176 A terceira classe de movimentos, os movimentos coordenados voluntários se mostraram presentes principalmente quando trabalhamos contrastes de andamento ou em imitações sonoras e onomatopeias. Nos contrastes de andamento, os bebês acompanhavam a mudança de andamento com o corpo e com instrumentos musicais. Em músicas onde há onomatopeias e imitações de movimentos corporais, essa classe também é constante. No entanto, quando os gestos são novos ou difíceis de serem imitados, os bebês permanecem em estado de vigilância inativa. Podemos perceber essa passagem por meio da música “Clac Clac Clac” (Ziskind, 2006) onde usamos várias onomatopeias. Na primeira aula, a Rayana quase não imitou os gestos, pois eram todos novos para ela; na segunda aula, conseguiu imitar um número maior de gestos; na sexta aula, ela imitou todos os gestos. Assim, percebemos uma passagem da predominância de vigilância inativa voluntá- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ria (primeira aula) para predominância de movimentos coordenados voluntários (sétima aula). Com o Lucas, também percebemos esse percurso. Porém, como alguns gestos pareceram ser mais difíceis para ele imitar, predominou a classe de vigilância inativa voluntária. É interessante notar que algumas imitações eram antecipadas principalmente pela Rayana, o que mostra que ela apenas por ouvir a música lembrava do movimento e não necessitava de um modelo para imitá-lo: uma manifestação autêntica da imitação diferida (Piaget, 1982). Portanto, os movimentos foram uma indicação de como a criança estava se relacionando com a música e com os sons. Nas músicas novas, os bebês ficaram durante um tempo maior em estado de vigilância inativa voluntária, o que acontecia também nos gestos mais complicados e difíceis de imitar. Os movimentos estavam mais presentes nas músicas que as crianças reconheciam e gostavam, sendo que estes movimentos, algumas vezes, estavam relacionados a duas questões: à questão afetiva, pelo fato de os alunos reconhecerem ou gostarem da música; às questões relacionadas à música propriamente dita. Frente à utilização dos instrumentos musicais, mesmo não sendo novidade para os alunos, eles se mostraram algumas vezes em estado de vigilância inativa voluntária, principalmente a Rayana, que é mais velha. Acreditamos ser um referencial de que nesse momento ela está mais interessada nos sons e em de onde eles vêm, do que no gesto motor. Manifestações Vocais Parizzi (2009, p.117) afirma que ao completar um ano de idade, as vocalizações dos bebês trilham dois caminhos distintos, visando ora o canto, ora a fala. As vocalizações voltadas para a fala analisadas nas gravações das aulas muitas vezes seguiram um padrão próximo ao “balbucio canônico” que se caracterizam pela repetição de sílabas. Algumas vezes, apesar de o bebê não falar a palavra em si, as cuidadoras intuitivamente atribuem um significado a 177 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 essas vocalizações, exercendo, assim, a parentalidade intuitiva (Ibidem), Além disso, algumas vocalizações são parecidas com grito, podendo ser uma manifestação de que a criança está gostando ou quer que algo continue, o que, segundo Piaget (1982) indica que a criança quer “prolongar um espetáculo interessante”. As músicas que mais tiveram manifestações vocais, tanto para o Lucas quanto para a Rayana, foram as que tinham onomatopeias ou imitavam sons do ambiente. Porém, as manifestações vocais assim como os movimentos corporais eram mais frequentes com músicas e sons que os alunos eram capazes de reconhecer. No caso da música “Clac clac clac” (Ziskind, 2006), na primeira aula a Rayana fez apenas movimentos, na segunda aula ela fez a primeira vocalização em um trecho, enquanto na sexta aula ela vocalizou em quase todas as partes. Algumas vocalizações também imitavam sílabas em destaque na música, o que segundo Parizzi (2009, p.118) pode ser notado a partir do segundo ano de vida do bebê. As vocalizações feitas pelas crianças tentando imitar e acompanhar uma música que conheciam apareceram no final de alguma frase musical e eram manifestações de curta duração onde prevalecia a sonoridade das vogais. Essas manifestações, porém, apareceram apenas na Rayana. No Lucas, percebemos uma tentativa de imitar a sílaba na música “A barata”, mas ele imitava apenas o gesto da boca, visto nos outros alunos e nos professores, sem, entretanto, conseguir imitar o som. 178 Assim, percebemos que as manifestações vocais ocorrem com maior frequência em onomatopeias e sílabas que tenham mais impacto sonoro, como finais de frases. Além disso, ocorreram geralmente em músicas já conhecidas pelas crianças e, com menor frequência, em músicas que são novas para elas. Outro item que devemos levar em questão é a idade, já que a Rayana, que é três meses mais velha que o Lucas, apresentou um número bem maior de vocalizações, enquanto acompanhava as músicas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Conclusões Através da participação ativa do pesquisador, da contribuição das ADI´s (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) nas aulas, e da participação dos outros bebês da turma, pudemos observar como ocorreu o processo de mediação, que, para Vygotsky, é um dos fatores principais do desenvolvimento. Os bebês se mostravam mais interessados e participativos quando nós os provocávamos com mudanças repentinas de andamentos, sons novos e movimentos corporais. É importante lembrar que essa mediação foi realizada por movimentos corporais e manifestações vocais expressivas e musicais, realizadas pelo professor. Assim, os recursos musicais característicos da musicalidade comunicativa criaram um ambiente no qual a audição, a visão e outros sensores dos bebês puderam interagir, o que gerou um ambiente mais favorável ao desenvolvimento dos bebês. Foi nítida a manifestação dos alunos quanto a capacidade para imitar, tanto em imitações literais como em diversas tentativas de imitação, coerentes à teoria do desenvolvimento de Piaget. Os bebês conseguiram imitar muitos movimentos que estavam fora do seu campo de visão como movimentos dos olhos e bocas, mas tinham mais facilidade nos movimentos com os braços e as mãos. Também percebemos uma manifestação da imitação diferida, quando Rayana imitava alguns movimentos antecipando o trecho da música que estávamos cantando. Durante as atividades com instrumentos musicais, os dois alunos estudados não apenas tocavam, mas exploravam e observavam o instrumento como se procurassem algo. Isso reflete outra característica principal nas crianças de 12 a 18 meses, segundo a teoria de Piaget, que é a busca pela novidade. Observamos essa característica também no interesse dos alunos por sons e movimentos novos. A mudança de foco do gesto motor para o gesto sonoro presente nas ideias de Swanwick e Delalande como uma das principais mudanças no desenvolvimento musical do primeiro estágio (exploração/materiais sonoros) também é percebido nas atividades com instrumentos musicais, quan- 179 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 do os alunos passam a se interessar mais pelo som do que pelo movimento. Isso também aconteceu com a Rayana em algumas imitações vocais onde ela repetiu uma vez com o gesto motor, depois interrompeu o gesto motor e começou a adequar o som para que ficasse “mais parecido” com o som realizado pelo professor. Pudemos perceber as três categorias de movimentos corporais apresentadas por Beyer (2004), a saber: vigilante inativo voluntário, movimento coordenado voluntário e movimento impulsivo. No geral, os movimentos coordenados voluntários estavam mais presentes nas músicas conhecidas pelos bebês e com gestos motores e vocalizações fáceis de imitar. Frente a uma música desconhecida, a um som ou movimento novo, os alunos permaneciam em estado de vigilante inativo voluntário, o que também acontecia quando paravam para observar os outros alunos ou os instrumentos que estavam tocando. Os movimentos impulsivos eram mais frequentes quando o aluno demonstrava interesse pela música ou atividade. Esses movimentos apresentavam uma organização rítmico-motora que segundo Parizzi (2009) está ligada à sensação de duração e são responsáveis pela consolidação da experiência do tempo na criança. Os movimentos observados nos bebês foram parecidos, porém a Rayana tinha mais facilidade do que o Lucas em imitar sons fora de seu campo visual, o que atribuímos à diferença de idade, já que ela é três meses mais velha do que o Lucas. 180 As manifestações vocais, ao contrário dos movimentos corporais, foram bem diferentes nos dois alunos. As vocalizações da Rayana eram mais voltadas para o canto, já as do Lucas foram, em grande maioria, voltadas para a fala; porém observamos nele movimentos da boca análogos aos movimentos que fazíamos ao cantar. Acreditamos que, assim como com os movimentos corporais, a diferença de idade foi o fator que diferenciou os alunos neste aspecto, o que levou o Lucas a imitar mais os gestos motores, enquanto a Rayana já estava imitando os gestos sonoros. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Assim, percebemos que os dois bebês estudados manifestavam grande interesse pelas músicas, pelos sons e por movimentos novos. Porém, ao se depararem com novidades (músicas, sons e movimentos desconhecidos), eles permaneciam imóveis e atentos ao invés de se movimentarem ou vocalizarem. Conforme a música, o som ou movimento iam se tornando mais familiares aos alunos, a frequência de imitações aumentava, sendo que as imitações de movimentos corporais apareciam antes das imitações de manifestações vocais. O contato com instrumentos musicais diversos e com diferentes tipos de vocalizações e movimentos corporais propiciaram aos bebês um ambiente mais rico incentivando-os à observação e exploração sonora. Essa exploração gerou uma aquisição importante para o seu desenvolvimento musical: a mudança do gesto motor para o gesto sonoro. Epilogo... Torna-se relevante acrescentar algumas questões finais. É fundamental que o educador conheça o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento musical da criança. Sem esse conhecimento, torna-se difícil perceber as conquistas de cada criança, conquistas essas que, se mediadas pelo professor, podem alcançar níveis ainda mais altos. Entendendo em que estágio a criança se encontra e quais as características dessa fase, o educador consegue ter mais clareza das necessidades e interesses do aluno, planejando assim propostas musicais que não ultrapassam as possibilidades das crianças, mas que também não subestimam a sua capacidade. As manifestações musicais dependem também das aquisições motoras e vocais, sendo que não é possível, principalmente nos primeiros anos de vida, separar as aquisições musicais das demais aquisições do bebê. É necessário, portanto, que o trabalho do educador musical considere não apenas o desenvolvimento musical, mas também o cognitivo, integrando essas duas vertentes do desenvolvimento. 181 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências 182 Beyer, Esther. (2004). Som e movimento: a influência da música nas ações motoras dos bebês. Anais do XIII Encontro Anual da ABEM. Rio de Janeiro: ABEM. Carneiro, Aline; Parizzi, Betânia (2011). Parentalidade Intuitiva e Musicalidade Comunicativa: conceitos fundantes da educação musical no primeiro ano de vida. Revista da ABEM, n. 25. Delalande, François (1995). La música es um juego de niños. Buenos Aires: Ed. Ricordi. Malloch, Stephen N. (1999-2000). Mothers and infants and communicative musicality. Musicae Scientiae, Special Issue. Papousek, H. (1996). Intuitive parenting: a hidden source of musical stimulation in infancy. In: I. Deliege e J. Sloboda, Musical Beginnings: origins and development of musical competence. Oxford: Oxford University Press. Parizzi, Maria Betânia. (2009). O desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a seis anos: um estudo a partir do canto espontâneo. (Dissertação de doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. Piaget, Jean. (1982). O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Ed. Zahar. Swanwick, Keith. (1995). Música, pensamiento y educación. Madrid: Ed. Morata. Swanwick, Keith; Tillman June. (1986). The sequence of musical development: a study of children´s composition. British Journal of Music Education, v. 3, N. 3, Cambridge: Cambridge University Press. Vygotsky, Lev S. (1984). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. ______. (1989). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes. Ziskind, Hélio. (2006). Trem Maluco. São Paulo: MCD. 1 CD. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 O Projeto “Música & Cognição” Aparecida Camargo [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Rosane Cardoso Araújo [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Tiago Madalozzo [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Resumo: O presente estudo de caso descreve uma pesquisa em andamento no Programa “Semeando Inclusão Social” através do projeto “Música & Cognição”, cujo objetivo é possibilitar a melhora na qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral, através de aulas de piano e musicalização. O projeto “Música & Cognição” vem sendo desenvolvido por profissionais e voluntários vinculados à Universidade Federal do Paraná. Teve origem na percepção de que a baixa estima apresentada pelas crianças dificultava o aprendizado em diferentes aspectos da vida. Sendo a música a atividade escolhida em virtude de haver apresentado excelentes resultados em experiência anterior sendo bem aceita pelas crianças. O presente estudo de caso, conduzido por meio de observações, entrevista e análise documental, pretende destacar os resultados obtidos até o momento no Projeto “Musica & Cognição”, de forma a perceber as contribuições da proposta em análise como uma importante atividade na melhora da qualidade de vida e cognição para as crianças do projeto em questão. Palavras chaves: música e cognição, paralisia cerebral, crianças 183 1.Introdução O presente trabalho é um estudo de caso sobre o projeto “Música & Cognição”, o qual está vinculado ao programa “Semeando Inclusão Social”, desenvolvido na Universidade Federal do Paraná. O projeto visa ensinar crianças com paralisia cerebral hemiplégica ou diplégica, que fazem parte da Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 pesquisa com Toxina Botulínica A (TBA), a tocar piano. O propósito é verificar se através do aprendizado da música – no caso, o piano – há diminuição da espasticidade, melhora na qualidade de vida e nas capacidades cognitivas dessas crianças. O programa “Semeando Inclusão Social” é uma iniciativa da Professora Dr.ª Lúcia Helena Coutinho dos Santos, a qual é responsável pelo ambulatório de espasticidade em Pediatria do Centro de Neurologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CENEP/HCUFPR). O programa também está vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPR. Para a apresentação do programa à comunidade foi desenvolvido um catálogo em formato de cartilha. O catálogo/cartilha, nasceu da percepção da necessidade das crianças em relação à autoimagem e a baixa estima “característica da população com paralisia cerebral, e de todos os indivíduos que se veem diferentes na sociedade”. O mesmo tem em sua abertura um texto escrito pela própria Dr. Lúcia Helena Coutinho dos Santos, a qual sugeriu sua utilização para propiciar os necessários esclarecimentos sobre o programa “Semeando inclusão social” e o projeto Música & Cognição. 184 O CENEP, referência na assistência à criança e adolescente com Paralisia Cerebral, segundo Santos (2009), possui um grupo de profissionais composto por: neuropediatria, ortopedia infantil, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrição, psicologia, neuropsicologia, psicopedagogia, musicoterapia, odontologia, enfermagem, serviço social, administração, secretaria e voluntários, envolvidos na assistência, ensino e pesquisa. Para Edgar Morin (2000), a transdisciplinaridade é a necessidade da união de saberes no sentido de respeito à alteridade dos saberes e dos que utilizam desses saberes, os seres humanos, como seres únicos e com direitos seja qual for sua verdade, religião, sexo, cultura, raça etc (Nicolescu,1999). O Projeto “Música e Cognição” está fundamentado em pesquisas realizadas recentemente pela neurociência e neuropsicologia, como (Deutsch (2008); Levitin, (2010)) as quais apresentam os resultados que a música, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 no caso em questão vivenciado através da musicalização e o aprendizado de um instrumento musical, podem facilitar a aquisição de capacidades cognitivas em crianças e adolescentes típicas que sofreram injuria cerebral e ou com sequelas de paralisia cerebral com vistas à melhora das capacidades cognitivas e consequentemente na qualidade de vida. Neste sentido, a questão norteadora para esta pesquisa foi baseada na seguinte pergunta: como vem sendo desenvolvido este trabalho de musicalização através do piano com crianças portadoras de Paralisia Cerebral? O objetivo geral é investigar por meio de um estudo de caso, a atividade de musicalização realizada no âmbito de um projeto social – “Música e Cognição” – como um meio para auxiliar no tratamento de crianças com Paralisia Cerebral do ponto de vista cognitivo e motor. Como objetivos específicos: a) levantar dados sobre o programa “Semeando Inclusão Social” e sobre o projeto “Música e Cognição”; b) verificar os principais resultados obtidos até o momento com o projeto “Música e Cognição”. A justificativa para esta pesquisa é trazer em relevo dados sobre este trabalho pioneiro que vem sendo realizado pela equipe de professores/pesquisadores do CENEP, como forma de contribuição aos estudos que trazem como foco a música e cognição em tratamentos de crianças com Paralisia Cerebral. 2.Um pouco sobre a Paralisia Cerebral Santos (2009) esclarece que a Paralisia Cerebral é um termo utilizado para descrever indivíduos com dificuldades de movimento e postura, com limitação nas atividades da vida diária (AVDS) decorrentes de alterações, ou injurias não progressivas no cérebro fetal (antes do nascimento) ou lactente (pós-parto). As consequências mais comuns e recorrentes são as desordens motoras acompanhadas ou não de epilepsia, distúrbios sensoriais de percepção, cognição, comunicação e comportamento. 185 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A espasticidade é a causa mais frequente de incapacidade em crianças com Paralisia Cerebral. A tendência no decorrer do desenvolvimento é que se torne mais incapacitante, pois, os membros afetados fazem um processo de enrijecimento e fechamento em si mesmo devido ao encurtamento do feixe muscular, podendo causar lesão óssea. Assim, quanto antes houver intervenção, menores serão as perdas. A Toxina Botulinica A é utilizada para reverter esse quadro e até minimizar a sua ocorrência. A substância proporciona um relaxamento no músculo espástico que pode ser duradoura, permitindo à criança tenha as experiências motoras que lhe propiciarão desenvolvimento. O projeto Música & Cognição aliado a outros projetos visa atuar junto à equipe médica no desejo de que a criança que recebe a Toxina Botulinica A, condições de vivenciar experiencias motoras estimulantes que propiciem o aprender ou reaprender movimentos considerados o mais próximo possível do padrão de “normalidade” para o(s) membro(s) afetado(o). 3.A toxina Botulínica do tipo A A toxina botulínica do tipo A tem por característica liberar a musculatura do padrão de espasticidade possibilitando que a criança possa ter a liberação da musculatura do membro afetado por um tempo do padrão espástico, e com auxilio do membro sadio ou suporte tecnológico – seja o computador, próteses ou órteses, por exemplo, as talas – que lhe possibilitem o tocar piano ou teclado. 186 Tocar piano no teclado, no caso do projeto “Música & Cognição”, foi escolhido por ser uma atividade que utiliza as duas mãos e pede apoio com a postura e os pés. Além disso, o teclado é de fácil acondicionamento e transporte, contendo recursos que estimulam a curiosidade na sua utilização, enriquecendo a prática musical. A música e a prática pianística, por ser uma atividade prazerosa e que propõe se desenvolvam formas de utilização do corpo como um todo e do Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 intelecto, pode ser uma forma de liberar os músculos da tensão, criando novas memórias, percepção de si mesmo e possibilitando novas experiências. Neste ponto se encontra a importância do projeto Música & Cognição. A Toxina liberando o músculo espástico e auxiliada pelo trabalho da música ao piano, pode criar memórias novas de movimento. Vale ressaltar, a criança com Paralisia Cerebral tende a esquecer do membro paralisado. Ao tocar piano ela precisará estar atenta e concentrada, e criando a necessidade de utilizar o membro paralisado ativará pela prática da música, as áreas cerebrais como um todo de maneira prazerosa, construindo uma nova consciência corporal. A criação de novas memórias de movimento através da utilização do membro esquecido devido à lesão cerebral, segundo Zonta (2009), podem se tornar memórias permanentes. 4.A paralisia cerebral e a atividade musical Segundo Springer e Deutsch (2008) após pesquisas com músicos de cérebros perfeitos e músicos que sofreram lesão cerebral, a ideia de que haja um hemisfério cerebral para a música e outro para a fala não é está sendo discutida. O que ocorre é que existem áreas cerebrais cujos aspectos são para: “o processamento musical que requerem julgamento sobre a duração, a ordem temporal, a frequência e o ritmo, envolvem diferencialmente o hemisfério esquerdo, enquanto o direito está diferencialmente envolvido quando são exigidos os julgamentos, sobre memória tonal, timbre, reconhecimento de melodia e intensidade” (Deutsch, 2008, p.221). Dado de suma importância para essa pesquisa, pois confirma ser a música uma excelente ferramenta na melhora cognitiva por trabalhar o cérebro de forma integral. Justine Sergent (apud Deutsch, 2008), pesquisadora do Montreal Neurological Institute, na província de Quebec no Canadá, realizou um 187 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 estudo observando três componentes durante a atividade cognitiva musical: tocar instrumento, ouvir escalas tocadas pelo próprio instrumentista ou outra pessoa, e ler partitura. “A ativação associada a ouvir escalas musicais foi no córtex auditivo dos dois hemisférios, e na região temporal superior do hemisfério esquerdo, independentemente de as escalas terem sido tocadas para o sujeito ou por ele” (Sergent, apud Deutsch, 2008, p.222). O ouvir música, ativou as mesmas áreas, mas também ativou a região temporal superior direita, mostrando uma ativação bilateral do lobo temporal. Já a leitura de partitura musical “ativou o córtex visual dos lobos occipitais”, mas não envolveu as áreas normalmente ativadas pelo processamento visual de palavras. Segundo a autora, ao invés disso, uma área na junção dos lobos occipital e parietal esquerdos, envolvida no processamento espacial, foi ativada, sugerindo que em contraste com a leitura de palavras, as informações relevantes na notação musical são derivadas da análise da localização espacial das notas na partitura, que é diretamente associada aos intervalos entre as alturas do som. Já ao se tocar teclado e ler partitura, duas regiões adicionais foram ativadas, uma delas segundo a autora é o lobo parietal superior dos dois hemisférios. “Acredita-se que essa atividade represente transformações da notação musical no posicionamento visualmente guiado dos dedos envolvido na execução de uma peça musical. A outra área de ativação envolveu a região do lobo frontal esquerdo (...) acima da área de Broca” (Sergent apud Deutsch, 2008 p. 222). 188 Uma vez que a área de Broca cumpre um papel essencial na organização da sequência motora subjacente à produção da fala, Sergent sugeriu que uma função semelhante seja cumprida pela área adjacente durante o desempenho no teclado. Esse estudo indicou que a leitura de partitura e seu desempenho em um instrumento musical resultam na ativação de áreas corticais distintas, porém, adjacentes àquelas subjacentes às operações verbais semelhantes. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Levitin (2010) estudioso da ciência da música sob a perspectiva da Neurociência cognitiva – campo do conhecimento que faz conexão entre a Psicologia e a Neurologia – é referência de fundamental importância. Sua pesquisa mostra o efeito causado no cérebro humano pela prática de tocar um instrumento musical lendo partitura, na pespectiva da plasticidade cerebral, e em especial no cérebro que sofreu lesões. Um fato relevante para essa pesquisa, apresentado por Levitin, (2010) refere-se à posssibilidade de o treinamento fazer com que parte do processamento musical se transfira do hemisfério direito (imagístico) para o esquerdo (lógico). Segundo o autor é um processo do desenvolvimento que parece indicar uma maior especialização hemisférica. 5.1. Metodologia A presente pesquisa é um estudo de caso sobre o trabalho realizado no CENEP-HC UFPR, através do programa “Semeando Inclusão Social” e mais especificamente sobre o projeto “Música & Cognição”. Para coletar os dados foram utilizadas diferentes fontes, tais como, documentos sobre o projeto, observações em campo e depoimentos de envolvidos com o projeto. 5.1 O projeto “Música & cognição” Sessenta crianças em atendimento no CENEP-HC UFPR foram avaliadas e apresentavam irregularidades no desenvolvimento cognitivo, então percebeu-se a necessidade de fazer alguma coisa para melhorar esse quadro. Diante da situação, a médica idealizadora, juntamente a equipe de profissionais da instituição referida, propôs o programa “Semeando Inclusão social” do qual o Projeto “Música & Cognição” faz parte. O projeto teve como proposta idealizadora o atendimento às crianças com aulas práticas de piano, teoria musical no teclado eletrônico e aulas de musicalização. Paralelamente, foi previsto também que as crianças teriam 189 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 participação como ouvintes e posteriormente como músicos ativos em audições mensais. Ao final de cada ano os alunos seriam reavaliados pela equipe da área da Psicologia e afins para a verificação do desenvolvimento cognitivo tanto na música como em outras áreas do conhecimento. Através de questionários seriam avaliadas, com o objetivo de verificar se houvera melhora na qualidade de vida da criança e da família. Para viabilização do projeto foram recebidos de doação da comunidade curitibana 23 teclados e um piano, além de outros instrumentos de corda e sopro. A primeira etapa do projeto foi prevista para ocorrer durante dois anos. O projeto-piloto iniciou em maio de 2010, então com quatro alunos. Após essa fase foram feitas adequações. A princípio a intenção era de que as aulas acontecessem em grupo, no entanto, observando-se o baixo aproveitamento das crianças, as aulas de teoria e prática no instrumento foram alteradas para a modalidade individual, e iniciaram-se as aulas de musicalização, em grupo. O início da segunda etapa ocorreu em setembro de 2011. As crianças passaram a ter uma aula individual ao piano/teclado e em seguida em grupo aula de musicalização. 190 As crianças selecionadas para o projeto tinham idade entre nove e dez anos, e além das dificuldades motoras apresentavam também um quadro de hiperatividade e déficit de atenção. Inicialmente as professoras eram Henriqueta Garcez Duarte, como voluntária, e Ângela Nogarolli, professora e musicoterapeuta do HC. Em seguida, com as adaptações e a necessidade de mais professores outros integrantes se somaram ao quadro de professores (que se mantém até 2013): Henriqueta Garcez Duarte, Leonor Mello, Zélia Pizzato e Andrezza Guerra, todas voluntárias. Também participam do projeto Ângela Caetano e Aparecida Camargo, como bolsista extensão do curso de Música Bacharelado - UFPR, além de mais duas alunas, também bolsistas pelo mesmo programa de bolsas, graduandas de Terapia Ocupacional, Carolline Bazzani Dranka e Giovana Aline dos Santos. A coordenadora do projeto “Música & Cognição”, continua sendo Ângela Nogarolli, Musicoterapeuta e professora de música do HC-UFPR. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5.2 Alguns resultados relatados no estudo de caso Os dados sobre os primeiros resultados do projeto “Música & Cognição” foram coletados especialmente por meio de depoimentos. Em relato sobre os benefícios da atividade musical para o filho, uma mãe disse que ele fazia uso de medicamento de uso continuo e que, no fim de 2012, o médico havia retirado a medicação, ele não precisa mais, dificil afirmar que seja apenas por causa da música que esse fato se deu, eles são atendidos por uma equipe multidisciplinar no CENEPE, no entanto o fato de melhor sociabilização na escola e a diminnuição da ansiedade e melhora da capacidade de concentração, que também ocorreu, e foi relatado pela mãe, e percebido nas aulas, sim pode ser em virtude das aulas de música. Também sobre o desenvolvimento das demais crianças, inicialmente, em conversa com os professores, eles relataram terem percebido que os participantes estavam desenvolvendo as habilidades musicais muito lentamente. Após investigação foi percebida a falta de horas de estudo em casa. Assim, em conversa franca e direta apresentou-se às crianças e aos pais a importância da participação deles no projeto, e ainda, caso o mesmo seja bem sucedido, outras crianças serão beneficiadas com a mesma oportunidade que eles estão tendo. Com isso se percebeu uma sensível melhora no desenvolvimento em especial no instrumento. Na sequência, em relato dos pais eles afirmaram que os filhos passaram a estudar pelo menos uma hora por dia em casa. Uma das professoras relatou que um aluno que é hemiplégico à direita, demonstrou ser muito musical e ter facilidade no aprendizado do instrumento. Ela afirmou que após quatro meses ele começou a demonstrar interesse em utilizar os dedos da mão direita a qual tem paralisia, iniciando pelo indicador, o qual ele utilizava sempre com a ajuda da mão esquerda. Ele foi orientado pela professora para que na medida do possível utilizasse o dedo sem o apoio, mas pela vontade, utilizando o cérebro para decidir, pois assim o dedo aprenderia o movimento e iria praticá-lo intencionalmente. A professora relatou ter percebido que a cada semana ele adquiria mais força no dedo e, ao final de 2012, percebeu-se que ele não mais precisava de apoio 191 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 para utilizar o dedo e já fazia uso do indicador da mão direita sem muito esforço. 6.Conclusão Os resultados relatados neste estudo de caso, sobre o projeto Música & Cognição, trazem, portanto, dados relevantes para a comunidade científica tanto da área da Medicina quanto da área da Música e Cognição. Espera-se, por meio desta pesquisa, destacar a relevância sobre as pesquisas interdisciplinares que trazem contribuições significativas sobre aspectos cognitivos envolvidos na aprendizagem musical. O projeto “Música e Cognição”, embora ainda em andamento, é um projeto no qual já é possível vislumbrar dados enriquecedores sobre tais aspectos. 7.Referências Andrade, Margaret Amaral de; Anete Susana Weichselbaum, Rosane Cardoso de Araújo. (2008). Critérios de Avaliação em Música: Um Estudo com licenciandos. R.cient./FAP, Curitiba, v.3, (p.53-67). http://www.fap.pr.gov.br/arquivos/File/RevistaCientifica3/09_Rosa ne_Anete_Margaret.pdf 21/12/2012 às 23:00 Araújo, Rosane. Motivação e ensino de música. In B. Ilari & R. C. Araújo (org.), (2010), Mentes em música (pp.117-136) UFPr; Curitiba. 192 Csikszentmihalyi, Mihaly. (1999). A descoberta do fluxo. A psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Tradução Pedro Ribeiro. Rio de Janeiro; Rocco. Geralis, Elaine (org.). (2007). Crianças com Paralisia Cerebral guia para pais e educadores. Segunda edição; Tradução – Maria Regina Lucena BorgesOsório. São Paulo. Artmed. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ilari, Beatriz Senoi (Ed.). (2006). Em busca de uma mente musical, ensaios sobre os processos cognitivos em música da percepção à produção. Curitiba. UFPR. Levitin, Daniel. (2010). A música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão humana. Tradução de Clovis Marques; 2ª ed. Rio de Janeiro. (Ed.) Civilização brasileira. Morin, Edgar at all. Terra-patria. (2003). 4ª ed. (tradução; Paulo Neves). Porto Alegre. (Ed.) Sulina. Nicolescu, B. O manifesto da transdisciplinaridade. (1999) São Paulo; Trion. Springer, Sally P. e Deutsch, Georg. (2008). Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito Perspectivas da Neurociência Cognitiva. 5ª edição; Tradução – Dra. Hildegard T. Buckup. São Paulo. Santos (Ed). Zonta, Marise Bueno. (2009). Efeitos do tratamento da espasticidade com toxina botulínica dotipo A na função motora grossa de lactentes com paralisia cere bral forma hemiplégica / Marise Bueno Zonta. – UFPR; Curitiba, http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/19140/T ese%20Marise%20Zonta.pdf?sequence=1 (10/08/2012) 193 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Contribuições do aprendizado musical para o desenvolvimento da área psicomotora de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo Jessika Castro Rodrigues [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA Aureo de Freitas Junior [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA 194 Resumo: Esta pesquisa tem como título Contribuições do aprendizado musical para desenvolvimento da área psicomotora de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo. Compreendendo que o indivíduo autista reage ao aprendizado musical, interessa saber os efeitos da educação musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. Este estudo se justifica tanto por sua relevância social quanto científica, no intuito de contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária possibilitando, a crianças com necessidades especiais, oportunidade de expressão artística por intermédio do cumprimento de um direito de cidadania, promovido por uma educação includente, sem distinção, além de contribuir para o desenvolvimento de estratégias que poderão estimular educadores a ressignificação permanente da prática docente. O objetivo geral é analisar os efeitos da educação musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. A pesquisa é um estudo de caso e como técnica de coleta de dados foi utilizados a observação direta espontânea e registros. Os resultados evidenciam que o aprendizado de música estimula o desenvolvimento na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo enquanto oportuniza a capacidade de expressão artística. Palavras-Chave: Autismo; Educação Musical; Área psicomotora Learning musical contributions to the development of psychomotor area of children with Autism Spectrum Disorder Abstract: This research is titled contributions to musical learning psychomotor development of the area of children with Autism Spectrum Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Disorder. Understanding the autistic individual reacts to musical learning, interested in knowing the effects of music education in the area of psychomotor student with Autism Spectrum Disorder. This study is justified both by their relevance as social science, in order to contribute to the formation of a more just and egalitarian society possible, children with special needs, opportunity for artistic expression through the enforcement of a right of citizenship, promoted by inclusive education, without distinction, besides contributing to the development of strategies that will encourage educators to reframe permanent teaching practice. The overall goal is to analyze the effects of music education in the area of psychomotor student with Autism Spectrum Disorder. The research is a case study and how data collection technique was used to record spontaneous and direct observation. The results show that learning music stimulates psychomotor development in the area of student with Autism Spectrum Disorder while the ability to nurture artistic expression. Keywords: Autism; Music Education; psychomotor area A música em pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo A música está presente nos diversos setores da vida, envolvendo toda e qualquer distinção estabelecida. Koellreuter afirma que “A música é, em primeiro lugar, uma contribuição para o alargamento da consciência e para a modificação do homem e da sociedade” (Brito, 2001, p.26). Dessa forma, a música se torna um meio indispensável de educação, oferecendo contribuição essencial à formação do ser humano. A Educação Musical em nossos dias demonstra sua importância no cenário brasileiro, cabendo também ser percebida no contexto de pessoas com transtorno de desenvolvimento e dificuldade de aprendizagem, como é o caso da pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A palavra autismo foi utilizada pela primeira vez com Eugen Bleuler (1857-1939), com o propósito de designar a perda de contato do indivíduo com a realidade. Posteriormente Lorna Wing (1928) revela características específicas que envolvem transtornos de interação social, da comunicação e 195 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 da função simbólica, formando o que se conhece por Tríade de Lorna Wing. Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo apresentam um déficit motor associado às capacidades motoras gerais e finas, movimentos estereotipados, postura e equilíbrio anormal, apraxia dos membros (desordem neuromotora que afeta severamente a realização de movimentos planejados e voluntários). Estes déficits foram descritos desde Kanner e Asperger: Kanner (1943), quando publicou seus artigos a respeito do autismo, referiu-se a uma falta de coordenação motora geral, especialmente na marcha e Argerger (1994) falava mesmo em falta de coordenação fina, principalmente no que dizia respeito à escrita (Vasconcelos, 2007, p.48). A música se revela como um meio de envolver pessoas, mesmo com diferentes graus de desenvolvimento, para realizarem atividades em grupo, promovendo e aproveitando o potencial do indivíduo. Hentschke (2003) declara que existe um preconceito com relação ao que é fazer música, proveniente da ideia de que o acesso ao conhecimento musical estaria restrito aos talentosos e aos economicamente privilegiados. Mas revela que todos são capazes de aprender e se expressar por meio da linguagem musical. Louro (2006) acredita que o diferencial entre um aluno com deficiência e um sem deficiência está no modo e no tempo em que cada um se apropria do conteúdo proposto. 196 Compreendendo que o indivíduo autista reage ao aprendizado musical, interessa saber os efeitos da educação musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 O autista e a área psicomotora Para se realizar o atendimento educacional do autista torna-se necessário tomar conhecimento do desenvolvimento global da criança, relacionando com as dificuldades enfrentadas pelos autistas. O desenvolvimento se dá por meio do corpo onde o utiliza como instrumento se valendo da capacidade de pensar e raciocinar, de se comunicar e se relacionar com o outro, podendo se tornar independente. Segundo Alves (2007, p. 122) a psicomotricidade é a “interação das diferentes funções motoras e psíquicas”. Os movimentos organizados e integrados atuam, em função das experiências vividas pelo sujeito, da qual Lussac (2008, p. 5) acredita que a ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização. No intuito de compreender a psicomotricidade, Defontaine citado por Lussac (2008, p. 5) apresenta a triangulação corpo, espaço e tempo. Esta triangulação é destacada por De Meur & Staes na relação entre a motricidade, a mente e a afetividade facilitando a abordagem global da criança. (De Meur & Staes, 1991, p. 5) Para Jacques Chazaud, citado por Alves “a psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades, dos gestos, das atitudes e posturas, enquanto sistema expressivo, realizador e representativo do “ser-em-ação” e da “coexistência” com outrem” (Chazaud apud Alves, 2003, p. 15). Na área psicomotora trabalha segundo Pereira (2004) a coordenação motora grossa: andar, sentar, etc. Coordenação motora fina: enfiar contas, encaixar, empilhar, etc. Equilíbrio estático (parado) e dinâmico (em movimento), lateralidade em si e em espelho, esquema corporal (nomes e funções das partes do corpo). A educação psicomotora acontece por meio do corpo e do movimento da criança. Lussac (2008) quando cita o Currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro explicita como acontece essa educação. 197 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A criança é vista em sua totalidade e nas possibilidades que apresenta em relação ao meio ambiente, isto é, a educação deve ser feita em função da idade e dos interesses das crianças. Desta forma, a passagem de uma fase para outra será gradativa e dentro do tempo próprio de cada criança. O professor deve acompanhar este tempo sem tentar forçar uma antecipação. Por isso, a psicomotricidade tem como ponto de partida o desenvolvimento psicológico da criança, na medida em que acompanha as leis do amadurecimento do sistema nervoso através da mielinização. (Lussac, 2008, P.9) Os indivíduos com transtorno autista apresentam um déficit motor associado às capacidades motoras gerais e finas. Estes déficits foram descritos desde Kanner e Asperger e foram citados por Vasconcelos (2007) Kanner (1943), quando publicou seus artigos a respeito do autismo, referiu-se a uma falta de coordenação motora geral, especialmente na marcha e Argerger (1994) falava mesmo em falta de coordenação fina, principalmente no que dizia respeito à escrita (apud. p.48) Vasconcelos (2007) cita Safe Minds (2001, cit. Por Correia, 2006), que refere que os indivíduos com PEA apresentam movimentos estereotipados, postura e equilíbrio anormal, apraxia (desordem neuromotora que afeta severamente a realização de movimentos planejados e voluntários) dos membros, descoordenação motora geral, e problemas com os movimentos voluntários. Objetivo 198 Considerando estes fatos e em consonância com a questão central de pesquisa, destaca-se como objetivo geral analisar os efeitos da educação musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Metodologia Para o alcance do objetivo proposto foi adotada a abordagem qualitativa devido à natureza subjetiva da pesquisa. Esta pesquisa é um estudo de caso pela característica peculiar de investigação que envolve este processo, procurando compreender o fenômeno pesquisado. Para a realização desta pesquisa foi selecionado o Programa Cordas da Amazônia (PCA) da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA), onde foi selecionada uma turma de intervenção com crianças e adolescentes com transtorno autista e sem nenhum transtorno por ser uma turma que adota a proposta de aulas de violoncelo em grupo. A turma era composta por dez (n=10) estudantes, todos do sexo masculino, dentre eles três (n=3) com diagnóstico de autismo e sete (n=7) sem diagnóstico de nenhum transtorno. A clínica/intervenção de música aconteceu no período de 21 de setembro a 09 de dezembro de 2010. Na qual era atendida pelo turno da tarde às terças e quintas. A duração de cada aula era de 45 minutos, havendo, portanto, a carga horária semanal de 90 minutos. Os estudantes foram iniciados musicalmente por meio da vivência lúdica, onde ao mesmo tempo em que aprendem a conhecer as notas, figuras musicais, claves, compassos, pausas, ritmos e ler partituras, inicia-se o ensino do Violoncelo, sem os rigores técnicos importantes. Desta turma foi selecionado um participante com idade de 11 anos (no período da intervenção completou 12 anos) com diagnostico de autismo, alfabetizado e não iniciado musicalmente. No período da intervenção, estava cursando o 3º ano do Ensino Fundamental. O participante foi diagnosticado com autismo aos 6 anos de idade, apresentando um déficit cognitivo. A turma recebeu um total de aulas equivalente a vinte duas (n=22), sendo que o estudante autista compareceu a dezenove (n=19) aulas que correspondem a 86.4% de presença. 199 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Como técnica de coleta de dados foi utilizada a observação indireta que foi feita por meio de filmagem das aulas que foram degravadas para observação nesta pesquisa. Para a realização desta pesquisa, nas aulas de violoncelo contou-se com a presença de um professor e um monitor com conhecimento acerca do instrumento musical. A cada aula o monitor preenchia um relatório de observação o que também foi utilizado para esta pesquisa. Como instrumento de coletas de dados foi utilizada a Escala de Áreas de Aquisição do Desenvolvimento Global desenvolvida pelo prof. Ludgero para avaliar alterações na área psicomotora em decorrência das aulas de música. A escala foi desenvolvida para avaliar o desenvolvimento global de crianças recém-nascidas até os 3 anos. A escala foi adaptada para a percepção do desenvolvimento global com ênfase na área psicomotora na aula de música com atividades que sejam relacionadas à idade do estudante relacionando as principais dificuldades de um indivíduo com diagnóstico de autismo. A categorização dos comportamentos de base foi realizada pela observação e degravação do vídeo da primeira aula, realizado no dia 23 de setembro e o comportamento final pela observação e degravação do vídeo do penúltimo dia de aula, dia 7 de dezembro. Resultados 200 Observando os resultados ao categorizar o desenvolvimento do aluno no período de três (n=3) meses foi verificado que na área psicomotora, em relação às aulas de violoncelo apresentou melhoras quanto as dificuldades relacionadas a síndrome, como na diminuição de movimento repetitivos e estereotipados que já eram leves e se tornam quase imperceptíveis. Pode-se observar que a maior dificuldade dele era na área de coordenação motora, onde não tinha o domínio da mão e dos dedos. No aprendizado do instrumento esta é uma exigência trabalhada. O estudante autista, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mesmo sendo mais lento que os outros, teve um grande êxito na realização desta tarefa. Quanto à posição da mão esquerda, o gráfico não demonstrar variação de aprendizado devido a exigência de posições tecnicamente corretas que o autista não demonstrou. Porém os movimentos da mão esquerda aconteceram: a mão esquerda fez os movimentos no braço do violoncelo e conseguia atingir a afinação porque o estudante seguia corretamente as marcas coloridas colocadas no braço do violoncelo, podendo ser notada uma reação positiva na área psicomotora em relação à mão esquerda. Na mão direita, a pesquisa revela que a velocidade do aumento de conteúdo prejudicou a captação pelo estudante. Apesar disto ele consegue resultado positivo na qualidade do som. Isto pode ser uma demonstração de que mesmo lentamente e com dificuldade na posição dos dedos, o resultado cognitivo-motor foi alcançado. O aprendizado de música estimula o desenvolvimento na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo enquanto oportuniza a capacidade de expressão artística. Os resultados alcançados nesta pesquisa, embora relevantes, não são um fim em si mesmos. A continuidade destes estudos poderá seguir vertentes tão diversas quanto significativas como a elaboração de currículos adequados, métodos eficientes, técnicas abrangentes e recursos educativos funcionais e, consequentemente, a formação continuada de professores para que sejam estimulados a ressignificação permanente da prática docente. 201 Referências Alves, F. (2003) Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak. Brito, T. A. de. (2001). Koellreutter educador – o humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Petrópolis. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ______. (2008) Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 20 de jan. De Meur, a. & Staes, L. (1991). Psicomotricidade: Educação e reeducação níveis maternal e infantil. Editora Manole. Louro, V. (2006). Educação Musical e deficiência: propostas pedagógicas. São José dos Campos: Ed. do autor. Lussac, R. (2008). Psicomotricidade: História, Desenvolvimento, Conceitos, Definições e Intervenção Profissional. Universidade Castelo Branco. Pereira, C. L. (2004) Áreas de Aquisição do Desenvolvimento Global. Power Point – Material Didático Uepa, Hentschke, L; Bem, L. D. (2003) (org.) Ensino de Música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna. Pereira, C. L. (2004). O Desenvolvimento Infantil e o Brinquedo. Revista Comunicação Universitária. ______ (n.d.) Observação participante. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-03-05]. Disponível na www: URL: http://www.infopedia.pt/$observacao-participante. Vasconcelos, T. (2007) Efeitos de um Programa Psicomotor em Indivíduos com Perturbação do Espectro Autismo: Três estudos de Casos. Universidade do Porto. 202 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Relações entre Música, Musicoterapia e desenvolvimento cognitivo da criança com deficiência mental Tonia Gonzaga [email protected] Universidade Federal de Goiás - UFG Claudia Regina de Oliveira Zanini [email protected] Universidade Federal de Goiás - UFG Resumo: A proposta deste estudo é apresentar as relações existentes entre a música, a musicoterapia e o desenvolvimento cognitivo da pessoa com deficiência mental, uma vez que os sons acompanham todos os indivíduos desde a formação intrauterina. Realizou-se um levantamento bibliográfico, no qual se percebeu que, apesar de estruturalmente, todos os seres humanos possuírem os mesmos componentes para se desenvolver, funcionalmente, o indivíduo com deficiência mental exigirá mais tempo, compreensão e carinho para suas aquisições cognitivas ao longo da vida. Os resultados ressaltam que a musicoterapia, utilizando-se dos elementos musicais no decorrer de um processo terapêutico, pode contribuir para o processo de aquisições cognitivas, em especial do deficiente mental. Na musicoterapia, cada som trazido pelo indivíduo, de forma consciente ou inconsciente, pode estimular o processo contínuo de desenvolvimento de funções cognitivas, entre outros aspectos, como a cognição social e as diversas inteligências. Palavras-Chave: cognição, musicoterapia, deficiência mental Relations between Music, Music Therapy and Cognitive Development of Children with Mental Disabilities Abstract: The purpose of this study is to present the relationships between music, music therapy and cognitive development of persons with mental disabilities, since the sounds accompany all individuals from training intrauterine. We conducted a literature review, in which it was realized that, although structurally, all humans possess the same components to develop, functionally, the individual with mental disabilities will require more time, understanding and affection for their purchases along the cognitive life. The results indicated that music therapy, using the musical ele- 203 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ments during a therapeutic process, may contribute to the cognitive process of acquisitions, particularly the mentally retarded. In music therapy, sound brought by each individual, consciously or unconsciously, can stimulate the continuous process of development of cognitive functions, among other aspects, such as social cognition and the various intelligences. Keywords: cognition, music therapy, mental deficiency 1. Introdução A importância da música se revela na história da humanidade, marcando presença em diversas situações na vida do indivíduo. Pode ser a música que relembre uma pessoa querida, a música que faz chorar por remeter a um momento triste, a música dos enamorados, de réquiem e até a canção que nina o bebê. A música está presente, inclusive, na vida intra--uterina por meio dos movimentos peristálticos, batidas cardíacas etc. (Benenzon, 1985). Bréscia (2003) pontua a seguinte citação de Platão (Filósofo grego, 427 – 347 a.C) : A música não foi concedida aos homens pelos deuses imortais com o único fim de lhes deleitar, agradavelmente, os sentidos, mas sim e, sobretudo, para acalmar as perturbações da alma e os movimentos tumultuosos que, necessariamente, experimenta um corpo, como o nosso, cheio de imperfeições (p.26). 204 A mente transforma sequências de sons em experiências cognitivas e estéticas significativas, que podem permanecer na memória por toda a vida (Patel apud França, 2008). A música pode influenciar o comportamento humano de tal forma, que é possível melhorar o humor, acalmar a inquietação e a ansiedade, facilitando o sono e a alimentação, como também, contribuir para o bem-estar, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 aumentando as chances de uma sobrevida maior (Trehub apud França, 2008). Através da música é possível estabelecer relações. Sem que esta seja a ideia primeira, quando pessoas dançam, cantam ou apenas ouvem uma mesma música, de certa forma existe um relacionamento. Tais experiências podem auxiliar na percepção de si mesmo e no aprofundamento da vida pessoal (Bréscia, 2003). Tendo em vista o relato de alguns autores como Amiralian (1975), percebe-se que crianças com deficiência mental não possuem tal facilidade para se relacionar ou se comunicar. Isso devido a dificuldades características da deficiência mental, que gera dificuldade comunicativa, de socialização, ou mesmo, de ordem cognitiva. Segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10) o retardo mental pode ser definido como: leve, moderado e profundo, à medida que se diagnostica o agravamento mental da criança. No Brasil, em 2001, foi publicado como Decreto 3956/2001, o texto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, onde, no seu artigo 1º, define deficiência como [...] “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. 2. Breve Percurso Histórico sobre Deficiência Mental Durante toda a história, nota-se o desconforto em lidar com o diferente. Este desconforto gerou medo, sofrimento, riscos e empecilhos ao desenvolvimento social. As pessoas diagnosticadas como deficientes eram excluídas e abandonadas. Na Grécia Antiga, corpos de pessoas saudáveis eram cultuados, enquanto os corpos de pessoas com deficiência eram queimados (Platão, 2001). 205 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Kanner (apud Aranha, 2001), diz que a única serventia dos deficientes mentais, encontrada na Literatura, é a de bobo ou palhaço, para diversão dos senhores. Por volta do século XVI, surgiram os primeiros hospitais psiquiátricos que serviram apenas de depósitos humanos, onde os deficientes mentais ficavam confinados. No século XVIII, relata Pessot (1984), deficientes mentais passaram a ser trancafiados em suas próprias casas, pois a família já não mais poderia se isentar de responsabilidade e não mais atribuir a culpa a seres divinos e mágicos. Deixar os deficientes mentais nos asilos, sem abandoná-los, tornou-se uma opção para muitas famílias que acreditavam proporcionar-lhes condições de vida mais apropriadas, uma vez que nessas instituições os deficientes mentais eram alimentados e não perturbavam a família. O mesmo autor afirma que até a metade do século XIX, a deficiência mental era vista como alienação mental, loucura e doença; porém, com o passar do tempo, surgem estudos sobre a aprendizagem das pessoas com deficiência mental. Médicos, filósofos e pedagogos buscam respostas para as causas, na esperança de encontrar uma solução. Mudanças ocorreram ao longo do tempo, porém isso não significa que o preconceito tenha sido eliminado, mas apenas foi amenizado. Vigotsky recusava-se a denominar uma pessoa como deficiente, mas sim como diferente, uma vez que o olhar não era voltado àquilo que porventura faltasse no indivíduo ou ao que ele jamais teria, mas acreditava que o desenvolvimento aconteceria para todas as crianças (Daniels, 1993). 206 Para Vigotsky (1997), a sociedade limitava o deficiente mental muito mais que sua patologia. Ele argumenta: Não à deficiência por si mesma, não à insuficiência por ela mesma. A criança com deficiência mental está formada não só por seus defeitos; seu organismo a reconhece como um todo. A personalidade como um todo se equilibra e se compensa com os processos de desenvolvimento da criança. É importante saber não somente que en- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 fermidade tem uma pessoa, mas também que pessoa tem a enfermidade (p. 62). Preocupados em identificar os tipos de apoio necessários para o amplo desenvolvimento das potencialidades do deficiente mental, diversas categorias profissionais tem formado equipes multidisciplinares que podem ser constituídas por: neurologista, fonoaudiólogo, psicólogos, musicoterapeuta, fisioterapeuta, entre outros, visando atendimentos inter ou transdisciplinares. Para Zurro et al (1991), multidisciplinaridade significa: Um grupo de indivíduos com contributos distintos, com uma metodologia compartilhada frente a um objetivo comum, cada membro da equipe assume claramente as suas próprias funções, assim como os interesses comuns do coletivo, e todos os membros compartilham as suas responsabilidades e seus resultados (p.29). 3. Objetivo Geral Pesquisar como a Musicoterapia pode contribuir para o desenvolvimento cognitivo e melhoria na qualidade de vida da criança com deficiência mental. 4. Metodologia Desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre a relação da Música e da Musicoterapia com a cognição no desenvolvimento de pessoas com deficiência mental. Foram realizadas buscas em bancos de dados eletrônicos e na bibliografia impressa sobre a influência da música nos processos mentais e na deficiência mental. 5. Música, Musicoterapia e Desenvolvimento Cognitivo Para que haja desenvolvimento intelectual, segundo Piaget (1964), é necessária a existência de uma busca incessante por equilíbrio, por meio da 207 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 assimilação e acomodação, ou seja, a cada nova situação a que é exposto, o indivíduo com deficiência mental se submeterá a um processo de equilibração com o meio do qual faz parte. Após este equilíbrio, é possível verificar estruturas funcionais cada vez mais complexas. O autor reafirma este pensamento quando relata que: A cada instante, pode-se dizer, a ação é desequilibrada pelas ações que aparecem no mundo, exterior ou interior, e cada nova conduta vai funcionar não só para restabelecer o equilíbrio, como também para tender a um equilíbrio mais estável que o do estágio anterior a esta perturbação (Piaget, Op.Cit., p.14). Corroborando com o pensamento de Murakami (2007), em seu artigo O bem que a Música faz, quando afirma, “a música é o homem e o homem é a música, pois ela toca o nosso inconsciente antes mesmo que tenhamos chance de responder racionalmente a ela”, pode-se dizer que a música se revela importante no desenvolvimento do ser humano como um todo. O cérebro cria uma realidade de informações sensoriais e as aplica no comportamento inteligente (Kolb E Whishaw apud França, 2008). Observando a presença inerente da música na vida da criança, acreditase no potencial terapêutico da musicoterapia, como uma forte aliada para auxiliar no desenvolvimento cognitivo. Pensando nisso, o musicoterapeuta busca, através de estímulos constantes, atingir o cérebro das crianças que tenham algum tipo de deficiência ou síndrome, usando todos os elementos da música, por meio de experiências musicais (Bruscia, 2000), como estratégia para compensar distúrbios da memória e também para auxílio para estimular, aprender e reter informações. 208 Sadie (1994, p.638), afirma que: “crianças mentalmente deficientes e autistas geralmente reagem à música, quando tudo o mais falhou”. Desta forma, acredita-se que a música parte do indivíduo, de modo que sua patologia é expressa em sua produção, o que auxilia a focar no problema e buscar a promoção da mudança. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Na musicoterapia, considera-se o (s) paciente/cliente (s), o terapeuta e a música que podem se combinar e interagir de diferentes modos. Entretanto, o elemento chave é a música e a interação cliente-música é o núcleo central da musicoterapia que molda as dinâmicas de todas as outras relações (Bruscia, 2000). Von Baranow (1999) esclarece que o conceito de música em musicoterapia é diferente do conceito formal ou do popularmente conhecido, que privilegia a estética e a organização dos sons. É indiferente se os sons ou músicas resultantes são bonitos ou feios, afinados ou desafinados, de boa ou má qualidade, pois não são julgados segundo regras estéticas. De acordo com a World Federation of Music Therapy (Ruud apud Bruscia, 2000): Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor integração intra e interpessoal e consequentemente uma melhor qualidade de vida (p.286). A musicoterapia é muito usada na educação especial, e existem pesquisas que comprovam hoje a sua eficácia, no equilíbrio emocional e psicológico do cliente/paciente com deficiência. De acordo com Uricoechea (apud Sousa, 2007, p.11), “a pessoa com deficiência mental apresenta bons resultados diante do estímulo musical, tanto quanto pessoas ditas normativas”. Estudiosos como Schullian e Shoen (1999) relatam que a música é percebida pelo lado do cérebro que recebe os estímulos das emoções, sensações e sentimentos sem, ao menos, antes ser submetida à parte cerebral responsável pela razão e inteligência. Desta forma, os mesmos autores destacam que: 209 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A música contorna completamente os centros que envolvem a razão e a consciência, não depende das funções superiores do cérebro para entrar no organismo, ainda pode excitar por meio do tálamo o posto da intercomunicação de todas as emoções, sensações e sentimentos. Uma vez que um estímulo foi capaz de alcançar o tálamo, o cérebro superior é automaticamente invadido e, se o estímulo é mantido por algum tempo, um contato íntimo entre o cérebro superior e o mundo da realidade pode ser desta forma estabelecido (apud Oliver, 2007, p.70). A música, segundo Olivier (2007), facilita a aprendizagem, por isso deve ser usada sábia e cuidadosamente, porque, a partir da escuta da música há uma alteração do equilíbrio dos eletrólitos, podendo levar a mudanças de humor, tanto positiva como negativamente, provando claramente a importância de um sério estudo e preparo para o seu uso. Schullian e Shoen, citados por Oliver (Op. Cit) ressaltam que a “música é feita do material mais estimulante e poderoso conhecido entre os processos perceptivos. A música opera sobre a faculdade emocional humana com mais intensidade e rapidez do que qualquer outro ato” (p. 39). Para que a neuroplasticidade cerebral atinja o seu ápice, é importante apresentar estímulos para o indivíduo o mais cedo possível, pois a infância é o período em que, mais do que em qualquer outro, o cérebro está apto a adquirir novas habilidades (Lima e Fonseca, 2004). Os estímulos musicais devem ser utilizados desde a mais tenra idade, isto é, na primeira infância. 210 Formiga et al (2004) acreditam que o período essencial para iniciar a estimulação é a partir de quatro meses. A estimulação não deve sofrer interrupção no seu processo de continuidade nos diferentes estágios ou sequência do desenvolvimento da criança. A necessidade da intervenção precoce é fundamentada e justificada pela plasticidade neuronal, não somente pelos seus benefícios, mas para que déficits cognitivos e comportamentais sejam reduzidos ou até evitados. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 6. Breves Considerações Procurou-se, com este estudo, tornar conhecido o potencial dos que têm algum grau de deficiência mental e esclarecer que o objetivo da musicoterapia não é revelar talentos, mas buscar o resgate do potencial do paciente. A música penetra, diferentemente, áreas da psiquê humana mais facilmente do que outras fontes de estímulos, tendo como resultado a manifestação da emoção, da sensibilidade, de timbres diversos, de ritmos, de melodias e de harmonias, numa espécie de linguagem emocional, levando-nos a reagir em uma grande e variável escala, em áreas e percepções somente experenciadas através dela (Von Baranow, 1999). Pesquisadores como Uricoechea, Von Baranow, Bruscia, entre outros, demonstram que não é utópico pretender buscar de dentro do paciente o próprio resgate, mas que a música permite penetrar-lhe o âmago para que isso aconteça, promovendo desenvolvimento cognitivo, interação social e melhor compreensão. Como já exposto anteriormente, há uma interação entre paciente/música/terapeuta sendo que a música é a chave que possibilita esta relação, além de permitir que o deficiente mental reaja de diferentes maneiras a cada som por ele ouvido e sentido (Bruscia, 2000; Sadie, 1994). Finalmente, por meio deste estudo, compreendeu-se que a Musicoterapia pode auxiliar o desenvolvimento cognitivo do deficiente mental, proporcionando-lhe melhor relação com a sociedade (cognição social), promovendo sua autoestima, melhorando sua qualidade de vida, além de contribuir para o contínuo desenvolvimento de funções cognitivas como a percepção, a atenção e a concentração, bem como das demais inteligências e habilidades. Referências Amiralian, M. L. T. M. (1986). Psicologia do Excepcional. Coleção: Temas Básicos de Psicologia, v. 08, São Paulo: EPU. 211 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Aranha, M. S. F.. (2001). Paradigmas da Relação da Sociedade com as Pessoas com Deficiência. UNESP- Marilia. Benenzon, R.O. (1985). Manual de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros. Brasil (2001). Decreto N. 3956, de 8 de outubro de 2001. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm. Acesso em 25/01/ 2013. Bréscia, V. P. L. (2003). Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. Editora Átomo. São Paulo: Edições PNA. Bruscia, K. E. (2000). Definindo Musicoterapia. Tradução Mariza Velloso Fernandez Conde. 2 ed. – Rio de Janeiro; Enelivros. Daniels, H. (org.). (1993). Vigostsky em Foco: pressupostos e desdobramentos. Papiros Editora, 4ª edição. Campinas, SP. Formiga CKMR; Pedrazzanni ES; Tudella E. (2004). Desenvolvimentos motor de lactentes pré-termo participantes de um programa de intervenção fisioterapêutica precoce. Rev. Bras. Fisioterapia. Vol. 08, nº 3. França, C. C.. (2008). Predisposição e Desenvolvimento Musical na Primeira Infância: conexões entre a Neurociência e Psicologia Cognitiva da Música. Revista da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais. UFPR – Vol. 3, n. 2. Curitiba: de Artes UFPR. 212 Lima, CLFA; Fonseca, LF. (2004). Paralisia Cerebral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Murakami, C. D. (n.d.). Musicoterapia: O Bem que a Música faz. Disponível em: <http://docs.com/13VI > Acesso em 25/01/2013. Olivier, Lou de. (2007). Psicopedagogia e Arteterapia. Teoria e prática na aplicação em clínica e escolas. Rio de Janeiro: Editora WAK. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Pessot, I. (1984). Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, Ltda. Piaget, J. (1999). Seis Estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Platão. (2001). A República. São Paulo: Martin Claret. Sadie, S. (1994). Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Sousa, de T.P. (2007). A Musicoterapia como Auxílio na Comunicação de Pessoas com Deficiência Mental. (Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Musicoterapia da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás), UFG. 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Teve-se como descritores os seguintes termos: “Música e emoção”, “Música e cognição” e “Música e coração”. Baseou-se em autores como Lent (2001), Morin (1999), Lundy-Ekman (2004), Melo (2011), Norman (2002), Correia (2009), Hanslick (1981), Gardner (1999) e Bruscia (2000). Não se pretende elaborar conclusões, mas sim explicitar que o “pensar junto”, “pensar com”, pode existir na junção dos temas “música, emoção e cognição” e que existe um pano de fundo que os deixam bem próximos. Assim, acredita-se que estudos inter e transdisciplinares serão cada vez mais bem-vindos para a ampliação dos pensares em contextos que insiram música, musicoterapia, cognição, emoções e neurociências. Palavras-chave: música, musicoterapia, emoção e cognição. 214 Music, Music Therapy and Interfaces with Emotion in Cognition Abstract: This study aims to understand the relationship between music, emotion and music therapy with cognitive aspects of individuals. Developed literature review on the relationship between music, music therapy, emotion and cognition. We conducted a search in electronic databases and bibliography on the influence of music on our emotions. The descriptors terms was: "Music and emotion", "Music and cognition" and "Music and heart." It was based on authors such as Lent (2001), Morin (1999), Lundy-Ekman (2004), Melo (2011), Norman (2002), Correia (2009), Hanslick (1981), Gardner (1999) and Bruscia (2000). This is not Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 to draw conclusions, but explain that "thinking together", "think", can exist at the junction of the topics "music, emotion and cognition" and that there is a background that make them very close. Thus, it is believed that interand transdisciplinary studies will increasingly welcome to think about the expansion of the contexts in which to insert music, music therapy, cognition, emotion and neuroscience. Keywords: music, music therapy, emotion and cognition. 1. Introdução Pensar na idéia de que existe alguma relação entre a música e as emoções humanas é comum. Frequentemente os indivíduos utilizam termos emocionais para se referir às músicas que escutam nos mais variados contextos vivenciados. Para Anderson (2005), citado por Lima, Iwamoto e Destro Filho (2008), “a música favorece uma saudável expressividade emocional, a fluidez dos pensamentos e a serenidade das reflexões, induzindo um estado de maior segurança” (p. 1387). Existem variações de pensamento quando se fala em “música e emoção”. Podem-se citar dois argumentos do crítico musical alemão Eduard Hanslick, defendidos no seu livro Do Belo Musical (1891), que as músicas não podem nem provocar, nem tampouco exprimir emoções definidas, e da Teoria dos afetos, constituída no período Barroco. O primeiro argumento de Hanslick (1981) visa atacar a idéia de que a música pode provocar emoções definidas. Formula-se de maneira bastante simples, com o seguinte exemplo: se a música pudesse provocar emoções definidas, então haveria uma relação causal necessária entre ela e a emoção provocada no ouvinte; mas não há tal relação, uma vez que pessoas diferentes podem reagir com emoções diferentes à mesma música. O segundo argumento ataca a tese de que a música pode exprimir ou representar emoções definidas. Parte da idéia de que as emoções têm um elemento intencional, ou seja, um conteúdo que envolve estados mentais, como crenças, desejos, etc. Por exemplo: alguém sente medo caminhando durante uma tempestade. Têm-se dois aspectos desta emoção: 1) a resposta fisiológica 215 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 da pessoa que a sente e 2) o elemento intencional, nomeadamente a crença de que os raios podem matar. Mesmo que os argumentos de Hanslick sejam interessantes e refutem a idéia de que a música é absoluta, d'Aversa (2010) argumenta que a música é um meio de provocar e exprimir emoções definidas. Ainda resta o fato de que a música, de alguma maneira, afeta o ser humano emocionalmente. Assim, parece ser relevante conhecer o processo das emoções pelo qual o homem é afetado, por meio da música, e esclarecer a natureza destas experiências a serem explicadas. 2. Objetivo Geral Compreender as relações entre música, musicoterapia e emoção com os aspectos cognitivos dos indivíduos (gregários por excelência). 3. Metodologia Desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre a relação entre música, musicoterapia, emoção e a cognição. Realizou-se uma busca em bases de dados eletrônicos, incluindo periódicos de música brasileiros, como: Revista Brasileira de Música, Opus, Música Hodie e Permusi, e na bibliografia impressa sobre a influência da música em nossas emoções. Teve-se como descritores os seguintes termos: “Música e emoção”, “Música e cognição” e “Música e coração”. 216 4. Resultados e Discussão Lent (2001) explica que ouvimos sons em virtude de vibrações que são conduzidas através do ar. Tais vibrações, na forma de ondas sonoras, são transformadas em impulsos nervosos e levadas ao cérebro que as interpreta Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 como espécies diferentes de sons que levam, de algum modo, à experiência de alguma emoção. Como afirma Morin (1999, p. 131), “temos um cérebro mamífero com o sistema límbico, que permitiu o desenvolvimento da afetividade; enfim, temos o córtex e, sobretudo o neocórtex, que desenvolveu formidavelmente o cérebro do Homo sapiens.”. Segundo Lundy-Ekman (2004), o termo límbico, que significa “limite” poderia ser aplicado à atividade do sistema como um limite entre as áreas conscientes e inconscientes do encéfalo. O sistema límbico é na verdade uma estrutura cerebral, que muito embora não se tenha chegado a um consenso completo sobre ela, a maioria das autoridades inclui que as seguintes áreas a constituem: hipotálamo, núcleos anteriores e mediais do tálamo, córtex límbico, hipocampo, porção basal do prosencéfalo e amígdala, que para LeDoux (1998), é a “sentinela emocional”. Essa ideia de que as emoções residem nas características musicais aconteceu, principalmente , no período Barroco, baseada em uma antiga analogia entre música e retórica. Os músicos da época buscavam novas tendências de expressão musical e, nesse período, apareceu uma de suas principais características, a busca por uma forma de linguagem musical que servisse ao texto de maneira que os sons pudessem, de fato, exprimir os sentimentos, como amor, ódio, felicidade etc. (Bukofzer, 1947) Matthesson (1713), citado por Melo (2011) expõe a relação entre as emoções e as tonalidades. É importante destacar que não há um consenso com relação a este pensamento entre os compositores, portanto seguem abaixo os quadros, informando qual é a visão sobre a emoção, a partir de Matthesson e de outros compositores citados. ele: 217 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Figura 1 - Escalas Maiores e Sentimentos de acordo com quatro autores Figura 2 - Escalas Menores e Sentimentos de acordo com quatro autores É importante também perceber que, por mais que os autores não concordem, com relação à nomenclatura da emoção, de alguma forma, se aproximam de emoções como triste ou alegre. Deste modo, os tons menores remetem-se à ideia de tristeza enquanto os maiores à ideia de alegria. 218 Segundo Norman (2002), afeto e cognição podem ser ambos considerados sistemas de processamento de informação, mas com diferentes funções e parâmetros operacionais. O sistema afetivo é crítico, associando valência positiva ou negativa ao ambiente de forma rápida e eficiente. O sistema cognitivo interpreta e dá sentido ao mundo. Cada sistema influencia o outro: algumas emoções - estados afetivos - são orientados pela cognição que é orientada pelo afeto, conclui o autor. A mente humana é inacreditavelmente complexa e, embora os indivíduos basicamente tenham a mesma forma de corpo, também têm diferenças individuais significantes. Emoções, humores, características e personalidade são todos os aspectos e modos diferentes nos quais as mentes trabalham, especialmente ao longo do domínio emocional, afirma Norman Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 (2003). Emoções mudam comportamento relativamente a curto prazo, porque elas respondem aos eventos imediatos. Emoções podem durar períodos relativamente curtos, minutos ou horas. Humores são mais ou menos duradouros, pode-se medir em horas ou dias. Então, afinal o que é emoção? Para Lent (2001), a emoção é uma experiência subjetiva acompanhada de manifestações fisiológicas. Esse autor ainda afirma que existem três grandes utilidades para as emoções: a sobrevivência do individuo, a sobrevivência da espécie e a comunicação social. Ainda considera que existem dois grandes grupos de emoções, as positivas, que geram prazer, e as negativas, que provocam desprazer. O medo, a ansiedade e o estresse, por exemplo, são emoções negativas, talvez em grau diferente da mesma experiência emocional. Se a emoção tem a definição descrita acima, a música afeta o homem emocionalmente “porque cria ambientes de humor aos quais reagimos em um nível subconsciente e não verbal” (McClellan, 1994, p.143). Os efeitos da música podem ser sentidos em diferentes ambientes e situações sociais. Correia (2009, p. 344) afirma que atingir as emoções é um dos principais objetivos da música, e que por esta razão filmes, anúncios, instituições religiosas, “crêem no fato de que o tipo certo de música pode proporcionar, com sua imagem, mudanças emocionais no ouvinte”, podendo afetar inclusive as emoções para “melhorar o desempenho em corridas de longa distância, na ginástica e em modalidades esportivas de competição, aumentando a resistência física e contribuindo para o controle da dor”. LeDoux (1998, p.24) ressalta que a mente humana não existe sem emoção e afirma: “as criaturas tornam-se almas de gelo - frias sem vida desprovidas de desejos, temores, tristeza, sofrimentos e prazeres”. Um profissional que atua em processos terapêuticos que têm se tornado cada vez mais conhecido por participar de estudos envolvendo muitos dos aspectos trazidos neste estudo (música, humores, emoções e processos cognitivos) é o musicoterapeuta que, ainda precisa considerar em sua ação, as diferentes nacionalidades e culturas. 219 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A Musicoterapia, segundo Bruscia (2000), possui quatro métodos principais, com propósitos terapêuticos, que são: improvisação, re-criação, composição e audição. Segundo o autor, cada método possui objetivos e variações e, em todos, há como serem trabalhadas particularmente as necessidades de cada paciente. A música é a principal ferramenta de trabalho do musicoterapeuta. O profissional acredita no potencial terapêutico da música, em seu alcance e em suas possibilidades como reveladora e restauradora da alma humana, como se observa na afirmação de Milleco Filho, Brandão e Milleco (2001): “a musicoterapia pode ser definida como uma terapia auto-expressiva, que estimula o potencial criativo e a ampliação da capacidade comunicativa, mobilizando aspectos biológicos, psicológicos e culturais” (p. 80). Para Novaes (2009), a música usa de símbolos para se constituir e esses símbolos são organizados, como explica: A música é uma linguagem que organiza as freqüências sonoras utilizando elementos rítmicos, melódicos e harmônicos, em construções que podem ser simples, como o caso das canções (ou idéias musicais lineares) até atingir complexidade multidimensional como a fuga . (Novaes, 2009, p.32) Em Musicoterapia, a relação entre música e linguagem pode ser observada a partir de diferentes olhares. Langer apud Gardner (1999) assinala que o papel da música na mediação da comunicação entre terapeuta e paciente e a expressão (comunicação) do paciente estabelece-se através do aspecto musical. Para Ruud (1991): 220 Se a música é vista como uma representação não verbal da emoção ou a estrutura de uma emoção -, temos a possibilidade de nos ocupar de uma espécie de atividade comunicativa onde a música atua como veiculo de comunicação direta como uma pessoa no nível emocional ou, geralmente implícito, no nível natural (p. 167). A música não comunica somente aquilo que é exclusivamente musical, mas também pode incorporar outras modalidades de comunicação como Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 palavras, movimentos e imagens (Bruscia, 2000). Perez (apud Sakai; Lorenzzetti; Zancheta, 2004) afirma que no processo musicoterapêutico, a pessoa entra em contato com sensações, estados de espírito, sentimentos e emoções, expressando aspectos de sua vivência pessoal, abrindo uma nova porta à sua existência, ao progresso e à transformação, tomando então consciência de si por meio desta expressão. Levitin (2010) acrescenta que uma parte crucial da emoção está na métrica, ou seja, emoção e a métrica musical estão intimamente ligadas à emoção, desta maneira unidas para que possamos sentir, desde o sentimento às reações físicas. Para o autor, a música comunica emocionalmente e podem ocorrer sistemáticas violações das expectativas em qualquer domínio - alturas, timbre, contorno, ritmo, andamento. As alterações no ritmo cardíaco e pulso, provocados pela música, levam ao pensamento de que a música e a emoção estão diretamente ligadas. Segundo Hodges (apud Blasco, 1999) têm resultados diferentes, dependendo da experiência realizada, e, algumas vezes, são contraditórios, bem como os resultados quanto às alterações na respiração. Zampronha (2002), por sua vez, comenta que a emoção é influência da cultura. Assim, como se pode perceber, a música, a emoção e a cognição estão intimamente ligadas e se influenciam mutuamente, afetando os indivíduos (gregários por excelência). 5. Considerações finais A partir dos dados pesquisados observou-se que, na medida em que a música é também reflexo do cotidiano, das interações pessoais, faz-se necessário expandir, contrair, acelerar, retardar, fazer pausas e refletir. A única maneira de se fazer sentir essas variações de tempo é por meio de um sistema cerebral, que extrai informações de quando é preciso fazer os acentos. Concorda-se com Levitin (2010), quando acrescenta que uma parte crucial da emoção está na métrica, ou seja, emoção e a métrica musical estão intimamente ligadas nos momentos de sentir e pensar. 221 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Não se pretende elaborar conclusões, mas sim explicitar que o “pensar junto”, “pensar com”, pode existir na junção dos temas “música, emoção e cognição” e que existe um pano de fundo que os deixam bem próximos. Assim, acredita-se que estudos inter e transdisciplinares serão cada vez mais bem-vindos para a ampliação dos pensares em contextos que insiram música, musicoterapia, cognição, emoções e neurociências. Referências Alencar, Eunice M. L. S. de & Virgolim, Angela M. R. (Org.) (1994). Criatividade: Expressão e desenvolvimento. Petrópolis: Vozes. Bukofzer, M. F. Music in the Baroque Era – From Montiverdi to Bach. W.W.Norton & Company.Icn.New York 1947. Correia, C. M. F. (2009). Música, emoção e memória musical. In M. Nascimento (Coord.) Musicoterapia e a reabilitação do paciente neurológico. São Paulo: Memnon. Blasco, F. (1996). Evaluación de los efectos psicológicos de la música através de um diferencial semántico. Revista Brasileira de Musicoterapia (523) Ano I. Número 2. Rio deJaneiro: UBAM. D'Aversa, R. A. S. (2012). Música e emoção. Acesso em: <http://criticanarede.com/musicaeemocao.html>, disponível em: 29/10/2012. 222 Gardner, H. (1999). Arte, mente e cérebro: Uma abordagem cognitiva na criatividade. Porto Alegre: Artmed. Gatti, P. (1997). A expressão dos afetos em peças para cravo de François Coupeirin (1668-1733). Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Artes. Grout, D. V. e Palisca, C. V. (2007) História da música ocidental. Tradução: Ana Luiza Maria, Lisboa, Gradiva. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Hanslick, E. (1994) Do Belo Musical (1891) Trad. A. Mourão. Lisboa: Edições 70. Ledoux, J. (1998). O cérebro emocional [Tradução de Terezinha batista dos Santos]. Rio de Janeiro : Objetiva. Leinig, C. E. (1977). Tratado de Musicoterapia. São Paulo: Sobral Editora Técnica Artes gráficas LTDA. Lent, R. (2001). Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência/Robert Lent. São Paulo: Editora Atheneu. Levitin, D. J. (2010). A música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão humana. (Tradução de Clóvis Marques). 2ª Ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira. Lima, E. de; Iwamoto, Eizo; Destro Filho, J. B. (2008). Musicoterapia no processo cirúrgico de partos e os efeitos da música para as pacientes, familiares e equipe médica. Anais do 21º Congresso Brasileiro De Engenharia Biomédica. Salvador. Lundy- Ekman, L. (2004). Neurociência: fundamentos para reabilitação. (Tradutores Fernando Diniz Mundim, Vilma Ribeiro Souza Varga). Rio de Janeiro: Elsevier. Mattheson, J. (1993). Der Vollkommene Capellmeiter. Tradução e comentário de Harriss Ernest.EUA;UMI (Dissertation Services), Michigan, UMT. McClellan, R. (1994). O poder terapêutico da música. Tradução: Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Siciliano. Melo, F. de. (2011). Teoria dos Afetos. Disponível em: <http://historiadamusica2011. blogspot.com.br/2011/07/teoriados-afetos-teoria-dos-afetos.html>, Acesso em: 08/11/2012. Milleco Filho, L. A.; Bandão R. M. R.E.; Milleco. R. P. (2001). É preciso Cantar: Musicoterapia, cantos e canções. Rio de Janeiro: Enelivros. 223 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Morin, E. (1999). Repensar a reforma, reformar o pensamento: A cabeça bem feita. Instituto Piaget. Norman, D. (2002). Emotion Design: attractive things work better. Interactions Volume 9 Issue 4 July, pp: 36-42. ______ Attractive Things Work Better. Revised February 24, 2003. Disponível: http://www.jnd.org Acessado em: 10/12/2012. Ruud, E. (org). (1991). Música e saúde. São Paulo, Summus. Sakai, F. A.; Lorenzzetti, C; Zanchetta, C. (2004). Musicoterapia corporal. Anais da Convenção Brasil Latino América, Congresso Brasileiro e Encontro Paranaense de Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu. Centro Reichiano. 224 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Uma abordagem sistêmica em música Amanda Veloso Garcia [1] [email protected] UNESP – Campus de Marília Resumo: Muitas são as dificuldades que encontramos ao tentar compreender culturas diferentes da nossa. Ao tentar entender as diferentes práticas musicais, e os processos cognitivos e significativos que lhes acompanham, podemos acabar por lhes impor nossos próprios significados ou por não abarcar a sua real complexidade. Dessa forma, diversos autores ligados a práticas etnomusicológicas de análise se dedicaram a pensar estes problemas. Diante de tais preocupações, neste trabalho, pretendemos apresentar a possibilidade de a análise musical ser entendida a partir do “pensamento complexo” nos moldes em que é apresentado por Edgar Morin. Apresentaremos também alguns pontos centrais da perspectiva ecológica de James J. Gibson: a hipótese do Princípio de Mutualidade, e os conceitos de affordances, invariantes e nicho. Acreditamos que tais conceitos se constituem de ferramentas adequadas para identificar padrões culturais distintos. Desse modo, pretendemos mostrar o quanto uma abordagem sistêmica da análise musical permite compreender melhor não apenas a música e seus significados, mas principalmente os próprios organismos e seu contexto. As práticas musicais de diferentes culturas decorrem de elementos que identificam estas, acreditamos que uma abordagem sistêmica em música proporcionará compreender os sistemas em que estas se inserem bem como os organismos que as praticam e elementos de seu contexto. Defendemos que este tipo de análise pode enriquecer a compreensão dos elementos característicos que identificam tais nichos culturais e permitir olhar para nossos próprios nichos musicais com outros olhos. Palavras-chave: abordagem sistêmica, significado musical, relação organismo-ambiente A Systemic Approach in Music Abstract: There are many difficulties we encounter when trying to understand cultures different from our own. When trying to understand the different musical practices, and the significant processes that accompany these, we can eventually impose our own meanings to these or not include their real complexity. Therefore, several authors have related the practice ethnomusicological analysis devoted themselves to think these problems. 225 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 The face of such concerns, in this paper, we intend to present the possibility of musical analysis be understood from the "complex thinking" in the way it is presented by Edgar Morin. We will also present some central points of the ecological perspective of James J. Gibson: the hypothesis of the Principle of Mutuality, and the concepts of affordances, invariants and niche. We believe that these concepts are appropriate tools to identify distinct cultural patterns. We intend to show how a systemic approach to music analysis allows not only better understand the music and its meanings, but also the organisms and its context. The musical practices of different cultures derive from elements that identify them, we believe that a systemic approach to music will provide understanding the systems in which they insert as well the organisms and elements of context. We argue that this type of analysis can enrich our understanding of the characteristic elements that identify such cultural niches and allow to look at our own musical niche with new eyes. Keywords: systemic approach, musical meaning, relation organismenvironment 1. Introdução Buscar entender essas manifestações musicais de outros continentes significa estudá-las, e estudá-las exige um conhecimento mais aprofundado da sociedade em foco, ao mesmo tempo que conhecer outras civilizações é também emancipar-se das normas ao próprio redor, relativizando-as, para, inclusive, enxergar a própria cultura com outros olhos, e, por conseguinte, ouvi-la com outros ouvidos. (Pinto, 2008, p. 07) 226 Diversos autores procuraram entender as relações entre música e cultura, privilegiando, em alguns casos, a influência de uma sobre a outra. Entre tais autores podemos citar principalmente Platão, Nietzsche e Adorno. Para Platão, a música era um elemento importante na educação dos cidadãos gregos que tinham seu comportamento moldado por esta. Nietzsche, num primeiro momento, vê a música como afirmação da vida. E, como decorrente da Indústria Cultural, em Adorno, a música é objetificada. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Tais abordagens, embora tragam diversos elementos interessantes, não se mostram suficientes para compreender as diferentes culturas e consequentes práticas musicais. Indígenas, africanos, orientais, ocidentais, latinos, entre outros, apresentam especificidades em suas práticas e experiências musicais. Diante disso, há pouco mais de cem anos, iniciou-se um movimento que deixou em segundo plano questões como “o que é música?” para se dedicar à compreensão do “por que a música é deste modo?”. Tal escola, denominada de “Etnomusicologia”, que se consolidou a partir dos anos 1950 com a fundação da Society for Etnomusicology nos EUA, busca entender as práticas musicais como algo além do elemento sonoro de maneira que a análise etnomusicológica não deve se limitar à estrutura do fenômeno musical, mas dedica-se a entender os fenômenos culturais enraizados que produziram tal comportamento musical. Como entende Merriam (1964, p. 7), autor de um dos clássicos da área The Anthropology of Music, “A música é um produto do comportamento humano e possui estrutura, mas sua estrutura não pode ter existência própria se divorciada do comportamento que a produz”. Neste contexto, a música não pode ser entendida apenas como produto, mas como comportamento humano. Diversos autores se ocuparam, e continuam se dedicando, ao estudo da etnomusicologia de modo a romper com as barreiras eurocêntricas da música, entre eles B. Nettl, C. Seeger, L. B. Meyer, entre outros; e, no Brasil, R. J. M. Bastos, A. Seeger, A. T. Piedade, D. L. Montardo, etc, passando até mesmo pela contribuição de Mário de Andrade na primeira metade do século. Entretanto, neste texto, a partir das preocupações elencadas por aqueles que se dedicam à etnomusicologia, procuraremos refletir principalmente sobre nosso papel nessa compreensão acerca das diversas práticas culturais. Para tanto, adotaremos o conceito de “complexidade” para compreender tais processos, buscando apresentá-lo como uma das várias formas de justificar as preocupações enunciadas acima. 227 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Neste trabalho, procuraremos expor o “pensamento complexo” conforme apresentado por Edgar Morin (2000) de modo a oferecer meios de abarcar as diferentes culturas musicais. Acreditamos que a adoção do viés sistêmico propicia entender melhor não apenas a própria música, mas também os próprios organismos e, inclusive, nosso papel enquanto observadores além de proporcionar um novo olhar sobre nossa própria prática cultural. Temos como objetivo ao utilizar ferramentas de análise do pensamento complexo pensar a dimensão estética de modo contextualizado com ênfase nas relações significativas de nichos específicos. Haja vista que há diferentes aspectos cognitivos envolvidos na experiência musical, para tal abordagem contextualizada adotaremos quatro pontos centrais da perspectiva ecológica de James J. Gibson (1904 - 1979): a hipótese do Princípio de Mutualidade, e os conceitos de affordances, invariantes e nicho. Acreditamos que este tipo de análise pode enriquecer a compreensão dos elementos característicos que identificam tais nichos. 2. O pensamento complexo 228 Morin (2000, p. 21) define o termo “sistêmico”, originário da palavra “sistema”, como um “conjunto organizado de partes diferentes, produtor de qualidades que não existiriam se as partes estivessem isoladas umas das outras”. Para compreender em que contexto este conceito tem seu sentido, enunciaremos os princípios centrais elencados pelo autor para caracterizar o pensamento complexo. Para exemplificar tais princípios utilizaremos a situação hipotética de um improviso musical executado por um dos músicos de um grupo com o acompanhamento dos demais. O primeiro princípio apontado é o “Princípio sistêmico” (Morin, 2000, p. 32). Com inspiração em Pascal, tal princípio concebe o todo como mais – ou menos – que a soma das partes. É neste viés que temos o conceito de “emergência”. Na interação entre elementos – partes – de um sistema podem surgir elementos novos e que não se encontravam em nenhuma das Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 partes isoladamente e nem se constituem da soma dos elementos. Sistemas complexos podem ser caracterizados, de modo geral, como sistemas informacionalmente abertos compostos por conjuntos de relações entre elementos distintos que interagem entre si com funcionalidade. Para exemplificar podemos pensar no improviso musical: as notas que serão consideradas sonoramente agradáveis em um improviso dependerão daquilo que está sendo tocado e, dessa forma, se um dos músicos errar as notas as condições se alteram. Nesse viés, o acaso tem seu papel bem como os indivíduos que executam a música com suas particularidades, pois o modo como se executa pode alterar o sentido das notas. Uma nota por si só, fora de um contexto, não será sonora ou não, pois o contexto é que determinará sua função – agradável, tensa, desafinada, etc – na música. É a interação entre os elementos da música executada que faz com que emerja esta relação, esta não corresponde isoladamente a nenhum dos elementos envolvidos bem como não diz respeito apenas à soma deles. O segundo importante princípio é o “Princípio hologramático” (Morin, 2000, p. 32). Este visa explicitar a relação parte-todo de modo a entender que não apenas a parte está no todo, mas o todo também está nas partes. Para compreender ta enunciação basta pensarmos no exemplo em questão: ao improvisar o músico busca corresponder ao que está sendo tocado pelos demais músicos, e isto influencia suas escolhas, do mesmo modo, este pode inserir elementos novos que alteram o que os demais músicos estão executando. Como indica Morin (2000, p. 23), “Produzimos a sociedade que nos produz” e, no caso que estamos utilizando como exemplo, o músico também produz os parâmetros que ditarão seu improviso. Dessa maneira, é produtor e produto simultaneamente e não há uma causa única neste processo. Com isto, é preciso que se altere a noção de causalidade clássica e, nesse viés, temos o terceiro princípio elencado, que é chamado de “Princípio do anel retroativo” (Morin, 2000, p. 32-33). Pensada inicialmente por Norbert Wiener, tal ideia rompe com o princípio de causalidade linear que prega que todo efeito tem um causa proporcional. A causalidade defendida 229 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 pela teoria de sistemas complexos é chamada de causalidade circular porque entende que “o efeito atua retroativamente sobre a causa” (Morin, 2000, p. 22). No exemplo que estamos utilizando tal relação é evidente, pois aquilo que os músicos de acompanhamento executam influencia o músicoimprovisador bem como este altera o que os primeiros tocam sendo influenciado por esta mudança também e assim sucessivamente. Outro importante princípio é o “Princípio de auto-eco-organização” (Morin, 2000, p. 33). Este indica que as ideias de dependência e autonomia devem ser entendidas como ligadas. No exemplo supracitado, embora os músicos executem individualmente seus respectivos instrumentos, aquilo que executam depende do que os demais tocam que lhe oferecem os parâmetros de tonalidade e de ritmo. Logo, como ressalta Morin (2000, p. 04), os conceitos de autonomia e dependência não podem ser separados, são complementares. O último princípio que ressaltaremos é o “Princípio da reintrodução daquele que conhece em todo conhecimento” (Morin, 2000, p. 34). Consideramos este como um dos mais importantes, pois entende que “todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e num determinado tempo” (Morin, 2000, p. 34). 230 Contudo, vemos que o pensamento complexo tem muito a contribuir para a compreensão dos processos significativos e práticas musicais e seus respectivos nichos culturais. Nesse viés, a música passa a ser vista como um processo emergente de um sistema complexo e irredutível às suas partes (organismos-ambiente). A ideia de que há práticas musicais “melhores” que outras perde sentido, pois estas devem ser entendidas dentro de um contexto – sistema – que lhe é próprio. Além do que, o último princípio apresentado nos lembra que nosso aporte cultural interfere em nossas análises e, dessa maneira, devemos enunciar nossos pressupostos e esforçar-nos ao máximo em compreender outras culturas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Uma vez que inserimos a música no domínio da complexidade, iremos a seguir, com o auxílio da perspectiva ecológica de Gibson, oferecer ferramentas para identificar os processos significativos das distintas culturas. 3. A abordagem ecológica Gibson (1966, 1979) propôs uma teoria – Teoria da Percepção Direta – que tem em seu cerne o Princípio de Mutualidade e os conceitos de affordances, invariantes e nicho. O princípio de mutualidade corresponde à ação recíproca que se desenvolve entre organismo e ambiente. Como ressalta Gibson, “animal e ambiente formam um par inseparável. Cada um implica o outro. Nenhum animal poderia existir sem um ambiente que o rodeia. Do mesmo modo, embora não seja tão óbvio, um ambiente implica um animal (ou, pelo menos, um organismo) a ser circundante” (1986, p. 8, tradução nossa). Dessa forma, organismo e ambiente formam um sistema integrado. Desta relação mútua de complementaridade decorre o que o autor chama de affordance (Gibson, 1986, cap. 8). O autor define tal conceito como “o que o ele (o ambiente) oferece ao animal, o que provê ou fornece, seja benéfico ou prejudicial” (1986, p. 127, tradução e parênteses nossos). As affordances constituem a informação significativa percebida diretamente pelos organismos sem a mediação da representação – e, por isso, a teoria Gibsoniana recebeu o nome de Teoria da Percepção Direta – e que oferecem possibilidades para a ação. Como exemplifica Clarke a música proporciona uma gama de affordances: “música disponibiliza (affords) dança, adoração, trabalho coordenado, persuasão, catarse emocional, marcha, bater os pés, e uma miríade de outras atividades” (2005, p. 38, tradução e parênteses nosso). A diferença de affordances de um organismo para outro se deve à estrutura corporal e história coevolutiva de autoajuste com o ambiente que disponibiliza determinadas informações significativas que constituem o nicho do organismo, isto é, depende do sistema (organismo+ambiente) em que este está inserido. 231 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 O conceito de nicho é de extrema importância na abordagem gibsoniana. Para o autor, “nicho não é exatamente o mesmo que o habitat da espécie; um nicho se refere mais para como um animal do que para onde ele vive. Eu sugiro que um nicho é um conjunto de affordances” (1986, p.129). Dessa forma, um nicho consiste numa junção do habitat de um organismo com seu mundo próprio que se constitui de suas experiências, necessidades, estrutura corporal, entre outros elementos que estabelecem as affordances próprias de um organismo. E, nesse viés, o nicho diz respeito a possibilidades cognitivas de experienciar o mundo. Aquilo que o organismo captará em uma música estará de acordo com seu nicho musical que consiste no contexto musical do organismo que pode ser formado pela soma dos sons ambientais do local em que vive, repertório cultural e contextual, gostos musicais, interesses, práticas musicais, estrutura auditiva, treinamento formal de música, habilidades, e todos aquelas práticas que fornecem os elementos para que o organismo perceba os sons de um modo específico, ou seja, que fornecem um conjunto específico de affordances. 232 As affordances são resultado da recíproca evolução do sistema organismo-ambiente de modo que dependem da estrutura de ambos. Embora algumas affordances estejam disponíveis para uma espécie inteira, cada organismo tem um conjunto único de affordances: “Affordances são dependentes da estrutura do organismo. Esta estrutura tem sido referida como efetividades do organismo; o seu tamanho, forma, estrutura muscular, capacidades de movimento, necessidades e sensibilidades que fazem a ação no ambiente possível” (Windsor & Bézenac, 2012, 104, tradução nossa). É importante ressaltar que affordances não são fixas ou estáticas, mas se constroem continuamente nesse acoplamento organismos-ambiente e, tanto um quanto o outro, podem se alterar. Dessa forma, embora o organismo pertença a um nicho musical específico, poderá, devido sua efetividade, estar conectado a outros e ser passível de experienciar outros nichos musicais. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 O que tornam as affordances possíveis é a disponibilidade de informação significativa no ambiente. Esta consiste de padrões chamados por Gibson de invariantes (Gibson, 1986, p. 73-75). As invariantes se constituem de propriedades do ambiente que mantém certo grau de permanência que permite a um organismo identificá-las dentro de um sistema como um padrão, de modo que as invariantes fornecem informação sobre algo. As invariantes se constituíram de processos coevolutivos de longa duração e, sendo assim, são inerentemente significativas e não precisam ser interpretadas, exceto quando se está fora de seu nicho. Estas podem ser de dois tipos: estruturais, aquelas que são invariantes devido as suas características físicoquímicas; ou transformacionais, aquelas que são invariantes devido a seus padrões de movimento, são invariantes na mudança. Para entender tal relação pensemos na seguinte situação hipotética: um disco de baião tocado nas ruas do centro de São Paulo. Ao perguntarmos para as pessoas qual o gênero da música que está tocando obteremos diferentes respostas. Aquelas familiarizadas com o estilo logo de início perceberão algumas características tais como o conjunto de instrumentos específicos do estilo (triângulo, zabumba e sanfona), o ritmo da música com seu acento específico, determinados assuntos nas letras, entre outros. Ainda que o sujeito não conheça os nomes dos instrumentos ou qual a fórmula de compasso, se já tiver ouvido o gênero poderá reconhecer o estilo e responder que se trata de um baião. Da mesma maneira, se o sujeito for músico, captará além dessas invariantes, outras como a tonalidade característica do estilo sabendo especificar qual é esta, a progressão de acordes utilizada, etc. Entretanto, alguém que nunca ouviu um baião ou não tem familiaridade suficiente com o gênero não perceberá nenhuma dessas invariantes e é provável que não saberá responder que estilo é este. Já um nordestino pode identificar invariantes diferentes como o acento próprio do ritmo que permite a affordance dançar o estilo, ou perceber diversos elementos que são significativos justamente por o sujeito compartilhar uma história evolutiva com o contexto que está sendo contado ou com as pessoas que também vivenciaram este contexto, como por exemplo, a seca, a fome, o calor, a mi- 233 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 gração para as capitais, etc. Nesse caso de identificação com a história contada, o sujeito pode captar affordances emotivas e, por exemplo, chorar. Affordances irão diferir dependendo do contexto e da vivência prévia dos organismos e, por isso, a música não pode ser entendida alheia a seu sistema organismo-ambiente. O estilo foi reconhecido a partir de invariantes auditivas que caracterizam o tipo de acento, tipo de ataque sonoro, timbre, tonalidade, entre outros. Há, por exemplo, invariantes estruturais, como o timbre dos instrumentos executados, e transformacionais, como o ritmo específico do gênero. As invariantes fornecem informação sobre algo, no caso, o gênero baião. Affordances não se reduzem nem ao mundo físico nem ao organismo, estas decorrem da relação – emergente – entre ambos. Nesse viés, tudo que gera uma affordance é significativo para o organismo, em contrapartida, o que o sistema perceptivo do organismo não está ajustado para captar não possui significado para ele. 234 Isto reforça a ideia de que há diferentes formas de ouvir música nas culturas. Por exemplo, a música indiana utiliza escalas diferentes das ocidentais e caracteriza-se pelo uso dos chamados comas, que são intervalos musicais menores que o semitom, que é o menor intervalo existente na música ocidental. Devido a isso, em geral, tal música soa desafinada aos ouvidos ocidentais, porque estes ouvintes coevoluíram com o sistema tonal e têm hábitos de escuta decorrentes deste. Podemos dizer o mesmo da música dodecafônica sistematizada por Schöenberg. Tal música se caracteriza por se utilizar do chamado sistema atonal, que tem este nome justamente por contrariar os preceitos do sistema tonal. Tal música também causa estranheza àqueles acostumados ao sistema tonal. As relações entre as notas estabelecida pela música tonal gera affordances aos ouvintes tais quais esperar a resolução de uma nota de tensão, ter a sensação de repouso quando o primeiro grau da escala é tocado, e assim por diante, o que não se encontra na música atonal. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Podemos considerar também as etnias que se utilizam da música como prática ritual tais quais algumas etnias indígenas. A música indígena está intrinsecamente ligada ao ritual e, por isso, requer o gesto e a dança em sua execução, além de estar ligada a algo além da mera execução de um som. Esta, dependendo do contexto, pode gerar affordances de socializar, cultuar os deuses, se comunicar com os ancestrais, curar, catarse, exorcismo, magia, entre outros. É a partir do nicho musical que se torna possível ao organismo perceber determinados sons e não outros e, consequentemente, detectar determinadas invariantes e affordances. Como destaca Clarke, “Parte daquela perspectiva (do sujeito) é totalmente individual – produto de habilidades, necessidades, preocupações e história pessoal de um indivíduo percebedor” (2005, p. 125, tradução e parênteses nosso). Vemos, então, que a abordagem ecológica Gibsoniana oferece ferramentas adequadas para se pensar processos significativos musicais diferentes, pois permite identificar elementos significativos nas diferentes práticas musicais de maneira que o que há para ser analisado dependerá daquilo que o contexto (sistema organismo-ambiente) fornece e valoriza e não de preceitos defendidos por aquele que analisa. Desse modo, consideramos a música como um sistema complexo no qual cada elemento só ganha valor enquanto se relaciona com os demais. Podemos exemplificar utilizando o caso do jazz. Alguns dos músicos afronorte-americanos mais importantes do gênero inseriram em sua forma de tocar elementos da música africana com o objetivo de mostrar sua identificação com a revolução negra que estava ocorrendo. Assim, para compreender tal prática musical é preciso levar em conta este elemento e não apenas as escalas, ritmos e notas executadas. Bem como para se analisar processos significativos de outros jazzistas não se pode levar em conta apenas esses preceitos. 235 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 4. Considerações finais Procuramos argumentar, neste artigo, que a cognição musical se liga a processos específicos de coevolução organismo-ambiente que resultam no nicho de um sujeito. Neste âmbito, quando se trata de análise só podemos considerar possibilidades de audição ou ouvintes específicos inseridos em um contexto próprio. Partindo da preocupação etnomusicológica de compreender a música em seu próprio significado e não a partir dos significados que nós, enquanto analisadores, lhes atribuímos; apresentamos, neste trabalho, algumas contribuições da abordagem sistêmica e da perspectiva ecológica. Acreditamos que tal arcabouço teórico nos permite identificar os padrões das diferentes culturas, e aqueles que nos ligam a estas, para tentar compreender seus processos significativos e entender melhor até mesmo nossos próprios processos. Uma abordagem sistêmica da análise musical permite compreender melhor não apenas as práticas musicais envolvidas, e seus respectivos processos cognitivos/significativos, mas principalmente os próprios organismos e seu contexto. As práticas musicais de diferentes culturas decorrem de elementos que identificam estas, acreditamos que uma abordagem sistêmica em música proporcionará compreender os sistemas em que estas se inserem bem como os organismos que as praticam e elementos de seu contexto. Tal tipo de análise pode enriquecer a compreensão dos elementos característicos que identificam tais nichos culturais e nossos próprios nichos. 236 Nota [1] Licenciada e bacharelanda em Filosofia. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Clarke, E. F. (2005). Ways of Listening: An Ecological Approach to the Perception of Musical Meaning. New York: Oxford University Press. Gibson, J. J. (1986). The Senses Considered as Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin Company. Merriam, A. (1964). The Anthropology of Music. Evanston: Northwestern University Press, 1964. Morin, E. (2000). Da necessidade de um pensamento complexo. In F. Martins & J. Machado (orgs.), Para Navegar no século XXI, tecnologias do imaginário e Cibercultura (2ª ed.). Porto Alegre: Sulina/Edipucrs. Pinto, Tiago de Oliveira (2008). Etnomusicologia: da música brasileira à música mundial. Revista Usp, São Paulo, n.77, p. 6-11. Windsor, L. W.; Bézenac, C. Music and affordances. (2012). Musicae Scientiae, v. 16, n. 1, p. 102-120, Reino Unido. 237 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Prácticas auditivas em agrupaciones del Proyecto Curricular de Artes Musicales (PCAM) Genoveva Salazar Hakim [email protected] Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC) Colômbia Resumen: Desarrollar la audición musical es un objetivo frecuentemente asociado con asignaturas teórico-musicales como Solfeo o Formación Auditiva, entre otras. No obstante, es de suponer que en asignaturas de formación instrumental, individuales y colectivas, también se desarrollan competencias auditivas según sean los repertorios, los formatos instrumentales y las mediaciones involucrados en la performancia. Este estudio se pregunta por las concepciones que se tienen de las prácticas de audición en las asignaturas de interpretación instrumental Ensamble, incluyendo las diferentes tradiciones propuestas en el currículo. El propósito es caracterizar las prácticas de audición musical en Ensambles de tradición académica, popular urbana y regional campesina en el PCAM. El procedimiento implicó el análisis y la interpretación de datos obtenidos en documentos institucionales y mediante trabajo de campo. Para el análisis se utilizaron las categorías función, contenidos y materiales vinculados a las prácticas de audición. Los resultados expuestos enfatizan en la caracterización de las funciones de las prácticas de audición musical. Éstos son interpretados a través de las categorías ontologías de la música, procesos transmodales y transdominio y modos de conocimiento musicales. Palabras claves: Audición en ensamble, procesos transmodales y transdominio, modos de conocer musicales 238 Listening practices in groups from The Proyecto Curricular de Artes Musicales (PCAM) Abstract: Developing music listening is a goal frequently linked with Music Theory subjects such as Solfege or Ear Training. However, it can be supposed that subjects focused on individual and collective instrumental education also develop skills according to repertoires, ensembles, and the mediations involved in performance. This study investigates the conceptions of listening practices in subjects involving ensemble instrumental Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 performance, including different music traditions proposed in the curriculum. The purpose is to characterize the musical listening practices in ensemble courses of academic, popular and regional traditions in the undergraduate program of PCAM. The methodology involved the analysis and interpretation of data obtained from institutional documents and through field work. Three categories linked to musical listening practices were used in the analysis: function, contents, and materials. The present results emphasize the characterization of listening practice functions. The results are observed through interpretation categories such as music ontologies, cross-modal and cross-domain processes, and ways of knowing music. Keywords: Listening in ensemble, cross- modality and cross- domain processes, ways of knowing music En el ámbito de la educación musical formal, existen asignaturas de corte teórico musical asociadas habitualmente al rol de desarrollar la audición musical: Solfeo, Entrenamiento Auditivo, Formación Auditiva y Gramática, entre otras. No obstante, el desarrollo de la audición musical no es un propósito exclusivo de una asignatura de la malla curricular. Se trata de un compromiso compartido entre diversos espacios de formación curriculares y extracurriculares. Ha sido del interés de un grupo de docentes del PCAM de la UDFJC, indagar por las concepciones que se tienen de las prácticas de audición musical en diferentes asignaturas del Programa y en escenarios extracurriculares. Para tal propósito, se han desarrollado tres estudios entre los años 2008 y 2013 (Castillo, Salazar, Agudelo y Bernal 2011; Salazar, Castillo, Bernal y Agudelo 2011 y 2012) [1] En este texto se expone parte los resultados concernientes a las concepciones de las prácticas de audición en la asignatura Ensamble, centrándose en caracterizar las funciones que cumplen los procesos auditivos en este espacio. En el PCAM, las asignaturas Música de Cámara, Talleres, Ensambles y Electivas posibilitan a los estudiantes formarse musicalmente en prácticas de ejecución instrumental en conjunto, a lo largo de los 10 semestres de la 239 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 carrera. Los formatos de práctica obedecen a intereses de la institución por articular las realidades musicales del contexto regional, nacional y global a la academia. Se da también la oportunidad de conformar agrupaciones según las iniciativas de los estudiantes. Varias de estas agrupaciones han trascendido los escenarios académicos y han perdurado, alcanzando reconocimiento nacional. La observación de los Ensambles permite aproximarse a las prácticas de audición en la ejecución instrumental en conjunto, a la luz de diversas tradiciones musicales. De acuerdo con el objeto de estudio de la carrera (UDFJC, 2006), se abordan las tradiciones musicales académica, popular urbana y regional campesina. Aspectos como el tipo de repertorio, el formato instrumental y las mediaciones involucradas en el montaje hacen parte de los rasgos que caracterizan las tradiciones mencionadas. Los Ensambles de tradición académica abordan repertorios de diferentes períodos de la historia de la música en Occidente. Los formatos consolidados son: Banda Sinfónica (BS), Orquesta de Cuerdas (OC), Coro (Co) y el Ensamble de Música Contemporánea (EMCA). Una mediación típica para el montaje del repertorio es el uso de la partitura, aunque en el EMCA también es habitual el procedimiento de la improvisación libre. 240 Los Ensambles de músicas populares urbanas lo conforman la Big Band (BB) y el Grupo de Cuerdas Andinas (GCA). El repertorio de la BB se centra en el jazz, mientras que el GCA aborda músicas de la región andina colombiana y de otras regiones y países, y en ocasiones realiza montajes de composiciones académicas. Estos Ensambles, si bien utilizan la partitura, lo hacen con frecuencia de manera menos prescriptiva, especialmente en el caso de la BB en donde la improvisación es característica. El formato del GCA consta de una base similar a la estudiantina: guitarra, bandola andina y tiple. Éste se modifica semestre a semestre incluyendo instrumentos eléctricos, de viento, percusiones, piano u otros posibles, según sean los estudiantes inscritos y la exigencia de los repertorios. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Dentro de la tradición regional campesina, están los Ensambles Grupo Llanero (GLL) y Músicas Campesinas (MC). El repertorio utilizado por el GLL corresponde a músicas de la región de los Llanos Orientales colombovenezolanos, o basadas en sus géneros y estilos de interpretación. EL repertorio de MC lo conforman principalmente piezas de tradición campesina de la subregión andina cundi-boyacense (carranga) y de Santander (torbellino). En estos Ensambles el uso de la partitura no es relevante y se recurre más a la utilización de estrategias como la transcripción musical “de oído” realizada sobre el instrumento, a través de una grabación, o mediante la comunicación directa entre el profesor y los estudiantes. En cuanto a los formatos instrumentales, estos Ensambles tienen una base estable. Para el caso del GLL, el formato se conforma de arpa, bandola llanera, cuatro, bajo, maracas y canto. De manera similar a como ocurre con el GCA, el GLL se amplía usando otros instrumentos según los estudiantes que ingresan semestre a semestre. Por su parte, el formato de MC lo constituye el instrumental carranguero: requinto, tiple, guitarra, guacharaca, voz solista y coro. Otros instrumentos se incluyen según los usos de la tradición. Categorías de interpretación y de análisis La aproximación a las prácticas de audición musical en los Ensambles, ha tenido en cuenta aspectos como: (1) qué tipo de objetos, procesos y experiencias son considerados música; (2) qué modos de conocer participan en las prácticas auditivo-musicales; y (3) qué modalidades perceptuales y de la experiencia se articulan e interactúan con la audición. En el primer caso, se abordan categorías en relación con ontologías de la música, tales como: música como objeto, proceso y experiencia. Estas categorías han sido aplicadas en estudios hechos en espacios de formación teórico musicales (Vargas, López y Shifres 2007; Vargas y Chernigoy 2007). También han sido descritas por Bohlman (2001, p. 20), quien expone a su vez otras condiciones ontológicas de la música. 241 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 En cuanto a los modos de conocer musicales, se consideran las categorías conocimiento proposicional o declarativo, y conocimiento no proposicional, o procedimental (Shifres 2009 y Stubley 1992). El conocimiento no proposicional da lugar a modos de comprender la música de los que sólo podemos dar cuenta tocando, escuchándonos, moviéndonos, etc., pero no hablando o utilizando códigos formales de comunicación musical como la escritura, asociados a su vez a modos de conocimiento proposicional. (Shifres 2009). Otras categorías relacionadas son expuestas por Davidson y Scripp (1992) quienes aluden a modos de conocer musicales como la producción, la percepción y la reflexión, y a dos condiciones de ejecución de dichos modos, los cuales podrían asociarse al conocimiento no proposicional (en la ejecución) y a lo proposicional o declarativo (por fuera de o posterior a la ejecución). Respecto de las modalidades perceptuales y de dominios de la experiencia que confluyen en las prácticas de audición, se acude a las categorías transmodalidad y transdominio, respectivamente. Estas categorías han sido expuestas por Johnson (1987) desde la perspectiva de la cognición corporeizada y en el campo de la cognición musical han sido aplicadas en estudios sobre procesos de formación de conceptos, construcción de conocimiento y creación de significados musicales, por autores como Zbikowski (2002), Martínez (2005, 2009) y Shifres (2008), entre otros. 242 Las categorías delimitadas para la sistematización y análisis de los datos, buscan responder los qué, los para qué y los cómo involucrados en las prácticas auditivas. De tal forma se establecen las categorías Función, Contenidos y Materiales vinculados a las prácticas de audición, las cuales a su vez se desglosan en subcategorías e indicadores. En cuanto a la Función, se establecen subcategorías en relación con: (1) Apropiación de aspectos estructurales musicales y (2) Producción. La categoría Contenidos se organiza en tres grupos: (1) contenidos teórico, técnico, interpretativo y contextual musicales; (2) contenidos procedimentales especialmente en relación con el análisis musical; y (3) contenidos en cuanto a acciones tales como solfear, leer, improvisar, cantar o moverse. De Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 acuerdo con los materiales, hay grupos de subcategorías según apoyos, autoría, fuente, dimensiones, naturaleza, lugar de uso y tradiciones musicales. Metodología La indagación de las prácticas de audición se llevó a cabo con las asignaturas que para en el año 2010 eran reconocidas institucionalmente como Ensambles. Este proceso comprendió: (1) la fundamentación teórica y metodológica para la delimitación de categorías de análisis e interpretación, y para la elaboración de herramientas de recolección y sistematización de información; (2) el trabajo de campo: recolección de información obtenida mediante consulta a Programas de Asignatura (Syllabus), la aplicación de Encuestas y Entrevistas a docentes, y Observación de Clases con registro audiovisual; (3) el análisis de los recursos mediante la aplicación de categorías; y (4) la interpretación de resultados. Syllabus. Ninguno de los Ensambles contaba con un Syllabus específico. En su lugar se consultó el documento Programas de Asignaturas del PCAM el cual fue elaborado en su momento para la obtención del Registro Calificado en el 2006. Este documento expone un programa general para todos los Ensambles a traves de partes como: Nombre de los Ensambles y Docentes encargados, Prerrequisitos y Correquisitos, Créditos, Presentación (Justificación), Objetivos, Aspectos metodológicos, Evaluación y Recursos. Entrevistas y Encuestas. A todos los docentes de los Ensambles (N.: 8) se les aplicó la Encuesta y la Entrevista Estructurada, con preguntas relacionadas con las categorías de análisis. Observación de clases. Para la observación de clases se seleccionaron cuatro Ensambles bajo el criterio de representatividad de las tradiciones musicales abordadas en el PCAM: Coro y Ensamble de Música Contemporánea- EMCA (tradición académica), Big Band (tradición popular urbana) y Música Llanera (tradición regional campesina). 243 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Sistematización y análisis. Se elaboraron formatos para posibilitar la adjudicación de categorías de análisis a Syllabus, Encuestas, Entrevistas y descripciones de las observaciones de clases. El análisis tuvo en cuenta las unidades propias a cada recurso. Se determinó el porcentaje de aparición de las categorías por recurso y los datos cuantitativos se valoraron cualitativamente para observar tendencias de prácticas. A su vez, se llevó a cabo un análisis cualitativo a partir de las respuestas de los docentes en las Entrevistas, para poder caracterizar con mayor profundidad las prácticas auditivas. Resultados y conclusiones De lo observado en los Ensambles, se extrae la siguiente caracterización de las prácticas de audición. ¿Para qué se escucha en la asignatura Ensamble? Esta pregunta se respondió desde la observación de la categoría función, en articulación con la de contenidos y materiales. Una de las características importantes de las prácticas de audición en los Ensambles es la de posibilitar entender y apropiar rasgos estructurales y estilísticos de las músicas abordadas, en función de comprender su performancia. Estos procesos tienen lugar especialmente durante la ejecución, de tal forma que las maneras de entender y apropiar se basan en percepciones, producciones y reflexiones en la acción. Lo anterior deja ver la preponderancia de conocimientos de carácter no proposicional, es decir, más procedimentales. 244 Aunque la performancia es objeto de estudio en esta clase, la aproximación predominante a su conocimiento no es a partir de concebirla como un objeto externo. La performancia se vive más como experiencia construida intersubjetivamente en un escenario compartido como es la clase, en el despliegue mismo de habilidades de ejecución. Para esto, acciones como el monitoreo de la propia producción, la de los otros y especialmente la del conjunto juegan un papel importante en la Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ejecución. La audición es una modalidad de percepción que está en la base del monitoreo de la ejecución, la que a su vez involucra otras modalidades perceptuales. Esto deja ver la naturaleza transmodal o el cruce de modalidades de percepción requeridas para la ejecución en conjunto. En asocio con el monitoreo está la imitación, la cual es mencionada en relación con las prácticas de audición y con la adquisición de modelos de ejecución. Si se piensa en qué es lo que se imita y cómo se produce eso a imitar, la imitación también sería de naturaleza transmodal, por ejemplo, las posiciones corporales en vínculo con la producción sonora. En articulación con aspectos como la comprensión de rasgos estructurales y estilísticos está el uso de la transcripción, la cual a su vez es uno de los propósitos de las prácticas de audición. La transcripción incluiría modalidades como el registro de información en partitura u otro medio externo, y el “tocar de oído”. Según sus usos, la transcripción puede observarse como un modo de conocimiento proposicional: se transcribe en partitura o en otro medio para analizar aspectos estructurales y estilísticos musicales a partir de la observación del registro externo. El conocimiento de la estructura y del estilo a este nivel puede ser demostrable mediante la verbalización y la representación gráfica, lo que a su vez se asocia a conocimientos de tipo proposicional. De lo anterior llama la atención la creación de una partitura mediante la transcripción, como herramienta importante para el conocimiento de aspectos estructurales y estilísticos de músicas campesinas o de improvisaciones en músicas populares que originalmente no tienen representación gráfica. En el caso de formatos instrumentales de tradición regional campesina en donde el uso de la partitura no es habitual, la transcripción “tocando de oído” es un procedimiento inmediato y directo de captura de información. Se capturan rasgos estructurales y estilísticos durante la ejecución, que tienen que ver con la producción del sonido en cuanto a cualidades tímbricas 245 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 en relación con el accionar sobre el instrumento (articulaciones, ataques, posición de las manos). El “tocar de oído” compromete tipos de conocimiento que tienen que ver con procedimientos corporales, y de cualidades e intenciones sonoras describibles y demostrables a través de la ejecución instrumental. En este sentido, esta forma de ejecución musical puede verse como un modo de conocimiento no proposicional. Otra característica de las prácticas de audición importante en el Ensamble es la de desarrollar un tipo de escucha flexible y de interacción con el entorno. Los sentidos dados a estas categorías, se relacionan con la posibilidad de estructurar un pensamiento musical, y de actuar, apreciar, valorar, expresarse en y sobre diversas tradiciones musicales (formatos, estilos, mediaciones) y escenarios. A la estructuración de pensamiento musical contribuye la discusión y contrastación de experiencias logradas mediante la audición relacional de la propia ejecución, la de los compañeros y la del conjunto. Se contrasta la experiencia auditiva propia con la de los otros, en relación con las intenciones de los intérpretes, y con el apoyo de marcos de referencia conceptual, estilístico y contextual, todo esto en el ámbito de la clase y de experiencias curriculares por fuera de ésta. 246 Frente a lo anterior, se observa un propósito implícito del uso de la audición en función del desarrollo de competencias comunicativas, favorables a la interpretación musical. Aquí, la interpretación puede entenderse en una doble acepción. Por una parte, puede verse como expresión musical mediante la ejecución, en la que se demuestra el conocimiento de rasgos estilísticos y estructurales propios de las músicas abordadas. Por otra parte, la interpretación se entiende como la expresión verbal de lo experimentado musicalmente mediante la escucha y la ejecución, en donde tiene cabida referirse a los dominios emocional, perceptual, cognitivo, estético y valorativo propios y de los compañeros. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 De esta manera, se deja ver cómo las prácticas de audición en los Ensambles son un campo que posibilita reunir diversos dominios de experiencia, en actos de interpretación. A su vez, los actos de escucha propuestos en torno a la interpretación, son la base de la interacción de modos de conocimiento no proposicionales, bien sea en la experiencia de escuchar tocando o sin tocar, y proposicionales, a través de las declaraciones que se hacen sobre lo escuchado o tocado. Nota [1] Los estudios sobre audición musical fueron formulados como proyectos de investigación por Genoveva Salazar en los años 2008, 2011 y 2012, y aprobados por el Centro de Investigaciones y Desarrollo Científico de la Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC). Los dos primeros se focalizan en las prácticas de audición musical desde la perspectiva institucional y fueron desarrollados entre los años 2010 y 2012 por Genoveva Salazar, Directora e Investigadora principal, y Francisco Castillo, Maria Del Pilar Agudelo y Manuel Bernal, Investigadores Auxiliares, en el PCAM de la UDFJC. El tercer estudio está en curso e indaga por las prácticas de audición desde la perspectiva de los Estudiantes, y es desarrollado por Genoveva Salazar. Referencias bibliográficas Bohlman, Philip V. (2001). Ontologies of music. In N. Cook & M. Everist (Eds.), Rethinking Music (pp. 17-34) Oxford: Oxford University Press. Castillo, F.; Salazar, G.; Agudelo, P.; y Bernal, M. (2011). Caracterización de las prácticas de audición musical en asignaturas de formación instrumental. In A. Guiena; P. Jaquier; M. Valles y M. Martínez (Eds.), Musicalidad Humana: Debates actuales en evolución, desarrollo, cognición e implicancias socio-culturales. Buenos Aires: SACCOM. Davidson, L. and Scripp, L. (1992). Surveying the coordinates of Cognitive Skills in Music. In R. Colwell (Ed.) Handbook of Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer Books. 247 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Johnson, M. (1987). The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: The University of Chicago Press. Martinez, I. C. (2005). La audición imaginativa y el pensamiento metafórico en la música. In F. Shifres (Ed.) Actas de Las I Jornadas de Educación Auditiva. Buenos Aires: Universidad Nacional de La Plata. ______. (2009). Música, transmodalidad, intersubjetividad y modos de conocimiento: Contribución a los aspectos no conceptuales a una perspectiva corporeizada del conocimiento musical. Actas de la VIII Reunión de SACCOM. Buenos Aires: SACCOM. Salazar, G; Castillo, F; Bernal, M; y Agudelo, P (2011). Prácticas de audición en asignaturas teórico musicales y de contexto. In A. Guiena; P. Jaquier; M. Valles y M. Martínez (Eds.), Musicalidad Humana: Debates actuales en evolución, desarrollo, cognición e implicancias socio-culturales. Buenos Aires: SACCOM. ______. (2012). La audición musical en el espacio acadêmico: Instrumento Principal del Proyecto Curricular de Artes Musicales, Universidad Distrital Francisco José de Caldas. In M. Escobar y L. Gasparoni (Compiladoras), Nuevos Paradigmas. Segundas Jornadas de la Escuela de Música: Producción Musical, Interpretación, Docencia e Invetigación. Rosario: Universidad Nacional de Rosario. Shifres, F. (2006). Comprensión transmodal de la expresión musical. Actas de la V Reunión de SACCOM. Buenos Aires: SACCOM. 248 ______. (Director) (2009). El oído musical: definición y desarrollo desde una perspectiva intersubjetiva, situada, corporeizada y multimodal. (Programa de Incentivos al Docente- Investigador del Ministerio de Educación de la Nación en Argentina). Universidad Nacional de La Plata. (Documento facilitado por el Director del Proyecto). Stubley, B. (1992). Philosophical foundations. In R. Colwell (Ed.), Handbook on Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer Books. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 UDFJC. (2006). Documento Solicitud de Registro Calificado de Programas Académicos de Educación Superior. Proyecto Curricular de Arte Musicales (Documento Institucional) Vargas, G. y Chernigoy, L. (2007). Música como texto y música como ejecución en los programas de educación audioperceptiva de la UNR. In M.P. Jacquier y A. Pereira Guiena (Eds.), Objetividad- subjetividad y música. Actas de la VII Reunión de SACCOM. Argentina: SACCOM, pp. 251-255. Vargas, G; Shifres, F; López, I. (2007). Ontología de la música en la educación auditiva. Los modos de existencia musical que sustentan las prácticas de enseñanza y las estrategias de aprendizaje. In M. Espejo (Ed.), II Jornadas Internacionales de Educación Auditiva. Tunja: UPTC. Zbikowski, L. (2002). Conceptualizing Music. Oxford: Oxford University Press. 249 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Desenvolvimento cognitivo musical da criança de cinco anos com implicações ao ensino coletivo do violino Joziely Carmo de Brito [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA Resumo: Os tópicos de discussão a seguir representam um recorte da tese apresentada como requisito obrigatório para obtenção do título de doutora em educação musical. Tendo como tema central o ensino coletivo do violino para crianças de cinco anos, a pesquisa buscou investigar o desenvolvimento de aspectos técnicos, cognitivos e sociais ocorrentes durante o processo de aprendizagem dessas crianças e de que forma as metodologias aplicadas em sala poderiam ajudar o aprimoramento desses aspectos. A pesquisa de campo teve duração de quatro meses, o que possibilitou, ao final do processo, a sistematização de uma metodologia específica para o ensino coletivo do violino voltado para crianças de cinco anos. Neste artigo, o que se propõe é descrever brevemente o processo utilizado para a obtenção de respaldo científico no que se refere ao desenvolvimento cognitivo da criança de cinco anos com alusão ao ensino coletivo do violino. Para isso, foi necessário reunir fundamentações teóricas e empíricas sobre desenvolvimento cognitivo infantil, cognição musical e suas implicações para o ensino coletivo do violino. Palavras-chave: ensino coletivo do violino, cognição musical. 250 Cognitive Development of the Five-Year-Old Child with Implications to Collective Violin Teaching Abstract: The following discussion topics represent an excerpt of a thesis presented as an obligatory requisite for obtaining the title of doctor in music education. Having as the main theme the collective violin teaching for five-year-old children, the research aimed to investigate the development of technical, cognitive and social aspects that occur during the learning process of those children and how the methodologies used in the classroom might support the improvement of those aspects. The field research had a four-month length, which allowed, at the end of the process, the systematization of a specific methodology for collective violin teaching for five year-old children. In this paper, what is proposed is to briefly describe Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 the process used to obtain the scientific background with respect to the cognitive development of the five-year-old child with reference to violin collective teaching. For this, it was necessary to gather theoretical and empirical information about cognitive development of children, music cognition and its implications to violin collective teaching. Keywords: collective violin teaching, music cognition 1 Introdução Em estudos anteriores realizados com a classe de violino infantil da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA) [1] busquei, por meio de pesquisa bibliográfica e de campo, fundamentos teóricos e empíricos que norteassem o ensino coletivo do violino para crianças de 5 anos. A busca para tentar propiciar um aprendizado dinâmico e eficaz, que desenvolvesse não somente aspectos técnicos, mas também cognitivos e sociais, resultou em um relato de experiência e na elaboração de uma metodologia específica para atender às necessidades da faixa-etária trabalhada. Dando continuidade à busca por fundamentos teóricos, em trabalho posterior [2] investiguei e cataloguei trabalhos científicos que discutissem o ensino coletivo de cordas friccionadas, opção justificada pela escassez de trabalhos voltados para o ensino coletivo específico do violino. Os resultados dessa investigação mostraram que os pesquisadores que tiveram seus trabalhos catalogados buscaram, além do desenvolvimento técnico instrumental, o desenvolvimento cognitivo e social que o ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas pode proporcionar aos alunos. Partindo desses resultados, percebeu-se a necessidade de discutir os aspectos cognitivos e sociais envolvidos no aprendizado coletivo infantil, por entender que eles estão diretamente ligados ao processo de ensinoaprendizagem da criança que participa das aulas coletivas de violino da EMUFPA. Por se tratar de um recorte da minha tese submetida como parte da obtenção do título de Doutora em Educação Musical, apresento neste artigo, uma breve explanação sobre o processo de investigação do desen- 251 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 volvimento cognitivo musical da criança de cinco anos e suas implicações no aprendizado coletivo do violino. 2 Teoria sobre o Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget Jean Piaget é um dos pioneiros na tentativa de explicar de forma descritiva os processos de desenvolvimento cognitivo sob a forma sequencial de estágios, levando em consideração desde o nascimento até o início da idade adulta do ser humano, o que gerou quatro estágios divididos da seguinte forma: sensório-motor de 0 a 2 anos (esquemas comportamentais); préoperatório de 2 a 7 anos (esquemas simbólicos); operações concretas de 7 a 11 anos (esquemas operacionais) e o das operações formais de 11 anos em diante (esquemas operacionais) (Piaget, 2010, p.70). Segundo Jean Piaget (2010), o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre por meio de esquemas (estruturas mentais construídas pelo indivíduo para processar e identificar informações sensoriais - estímulos) que se constroem e se modificam através do processo de organização (processo constante de combinação entre aperfeiçoamento de esquemas antigos e a criação de novos esquemas) e adaptação (meio pelo qual o indivíduo ajusta os esquemas ao ambiente após a organização destes). A adaptação acontece por meio da assimilação (utilização dos esquemas existentes para processar a nova informação reforçando e consolidando as estruturas cognitivas do indivíduo) e da acomodação (para compreender as novas experiências o indivíduo transforma os esquemas conhecidos buscando resolver conflitos de informação naquele momento) (Shaffer, 2005). 252 Apesar de Piaget considerar que o desenvolvimento da criança acontece ordenadamente sob a forma de estágios definidos, a criança pode sofrer influências ambientais e culturais gerando um retardamento ou aceleramento de seu desenvolvimento intelectual. Pode-se, assim, considerar que a passagem da criança pelos estágios propostos por Piaget pode ocorrer de forma não tão rígida considerando-se o desenvolvimento individual (Shaffer, 2005). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Considerando que o meio pode gerar influências no desenvolvimento intelectual da criança, uma proposta de ensino coletivo do violino pode gerar perspectivas ao desenvolvimento de aspectos cognitivos, podendo contribuir de forma positiva para o desenvolvimento da criança. O público-alvo deste estudo foram crianças de cinco anos de idade; sendo assim, o estágio que se utilizou como referência foi o período préoperacional. Uma compreensão mais ampliada das características da criança pré-operacional ajudou a identificar com mais precisão quais elementos e aspectos deveriam ser estimulados nas aulas coletivas de violino dentro das possibilidades da idade proposta para esta pesquisa. 2.1 A Criança do Período Pré-operacional e suas Características De acordo com os estudos de Piaget, o estágio pré-operacional corresponde ao segundo período do desenvolvimento cognitivo humano e caracteriza-se pela predominância da percepção sobre a razão; o pensamento é ilógico, concentrado em si próprio e divide-se em duas etapas: préconceitual, de dois a três anos, e o intuitiva de quatro a sete anos (Hargreaves, 1986). Quando uma criança pré-operacional está brincando, ela utiliza o simbolismo para representar o que vê, o que torna a função simbólica o principal avanço desde período. A utilização de imagens para representar objetos, lugares e pessoas e resultantede sensações visuais, auditivas ou de toque invocadas internamente. O que ocorre na função simbólica é a utilização de símbolos para dar significado a aspectos do mundo conhecidos até então somente por meio da ação. A criança pré-operacional adquiriu a capacidade de representar mentalmente objetos e eventos apesar de possuir uma forte tendência a eventos perceptivos e motores (Shaffer, 2005; Hargreaves, 1986). De acordo com estudos de Piaget (2001), destacam-se os seguintes tipos de representação simbólica: imitação indeferida (a criança pré- 253 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 operacional com base em experiências vividas reproduz símbolos mentais que podem ser acionados e utilizados em ações presentes); jogo simbólico (a criança constrói símbolos que são utilizados como forma de representação e comunicação de desejos e necessidades do mundo, como por exemplo, a utilização do faz-de-conta nas brincadeiras); desenho (representações gráficas com forte tendência do real, a criança desenha o que sabe, não o que vê); imagens mentais (representações mentais da percepção que, no estágio pré-operacional, são construídas de forma estática, sem movimento, semelhantes a desenhos ou fotografias); linguagem (para Piaget o desenvolvimento cognitivo promove o desenvolvimento da linguagem; para o desenvolvimento da linguagem, a criança precisa ter a capacidade de representar internamente as experiências, o que desencadeia o desenvolvimento psicoemocional). Para Piaget, “no momento da aparição da linguagem, a criança se acha às voltas não apenas com o universo físico como antes, mas com dois mundos novos e intimamente solidários: o mundo social e o das representações interiores” (Piaget, 2011). O desenvolvimento da linguagem “é uma conquista determinante para a consolidação de dois universos da criança préoperacional: o intelectual e o afetivo” (Chantal, 2007, p. 31), 254 Para Piaget (2010), o pensamento da criança no período préoperacional possui as seguintes características: egocentrismo (fazem de sua perspectiva sua única referência de mundo, não reconhecendo pontos de vistas externos), centração (diante de uma situação possui tendência a concentrar-se e centrar-se em apenas um aspecto por vez), estados e transformações (o pensamento é estático e rígido; como ignora as transformações intermediárias do pensamento, não relaciona os estados iniciais e os finais de um processo), conservação (não compreende e não separa propriedades dos objetos mesmo que estes tenham apenas sua aparência modificada) e operações lógicas (devido à falha de compreensão sobre conservação, apresenta dificuldade em organizar ou agrupar hierarquicamente objetos em classes, subclasses e dimensões quantitativas como altura e peso). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Destacam-se, também, considerações acerca do desenvolvimento do raciocínio moral, que aqui aparece de forma pré-normativa, ou seja, a criança pré-operacional baseia-se na obediência mais por medo da punição do que por respeito ao próximo. A criança pré-operacional mostra claramente consistência no ato de gostar e não gostar. 3. A Criança de Cinco Anos e o Ensino Coletivo da Música De acordo com o tópico anterior, entende-se que a criança de cinco anos se localiza, segundo a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget, no período pré-operacional cujas características, descritas anteriormente, possibilitam inicialmente, para o ensino coletivo do violino, perspectivas de desenvolvimento de percepção global e percepção auditiva específica com possibilidades de ações através da utilização dos parâmetros musicais (duração, altura, intensidade e timbre). Isto porque, de acordo com Piaget (2001, 2011) percebe-se que, diferente da criança do período sensório-motor, a criança pré-operacional já possui capacidade de estruturar e explorar pensamentos mais profundos. Segundo Beyer (1988), a representação musical no estágio préoperacional ocorre devido a modificações transitórias significativas: inicialmente a música será assimilada por imagens, mais adiante por imagenssímbolos e com a função simbólica consolidada é que ocorre a representação final. Obviamente, será necessária muita ação e reflexão por parte da criança até esta conseguir evocar uma canção simples de forma completa. Irá primeiramente imitar sons, depois passagens principais da canção, em seguida as extremidades, até adquirir a representação da música por inteiro. O jogo simbólico, incluindo a relação entre significante e significado, desenvolve-se neste período no que diz respeito a cada um dos parâmetros musicais (Beyer, 1988, p. 71). 255 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Por se tratar de uma pesquisa centrada na área da educação musical, mais precisamente, da performance instrumental, utilizando-se como principio norteador autores que discutissem o conceito de psicologia da cognição musical (Ilari, 2006; Sloboda, 2008), buscou-se na psicologia do desenvolvimento musical teorias que pudessem, assim como a de Piaget, elucidar aspectos referentes à idade proposta, o que respaldou o processo de compreensão sobre aspectos cognitivos investigados. Nesta pesquisa, conforme descrito anteriormente, utilizou-se como referência os estudos de Jean Piaget (2001, 2011) como fundamento norteador para a compreensão das características dos processos mentais das crianças de cinco anos. Para selecionar teorias do desenvolvimento musical que melhor se adequariam como base bibliográfica no estudo, foi de grande importância estabelecer que todas tivessem suas bases teóricas apoiadas nos estudos de Jean Piaget, mantendo-se, assim, coerência na linha de investigação. Sendo assim, para respaldar a escolha das teorias do desenvolvimento musical, utilizou-se como referência as pesquisas de Tourinho (2001), Fonseca (2005), Maffioletti (2005), Chantal (2007), Barbosa (2009), Gonçalves (2010). Ao todo foram selecionadas duas Teorias do Desenvolvimento Musical por entender que estas apresentaram aspectos em comum que posteriormente foram utilizados, assim como os estudos de Jean Piaget, como pontos norteadores durante a elaboração da metodologia utilizada na pesquisa de campo. São elas: Teoria do Desenvolvimento Musical de Keith Swanwick e de David Hargreaves. 256 4. Desenvolvimento Musical com Implicações ao Ensino Coletivo do Violino para Crianças de Cinco Anos Após a revisão das duas teorias, pode-se observar que a fonte de conhecimento da criança de cinco anos está relacionada diretamente com suas experiências do dia a dia e as possibilidades de desenvolvimento de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 aspectos cognitivos musicais, se estimulados de forma correta, valorizam essas experiências, proporcionando um rico desenvolvimento intelectual. As teorias apresentam coerência referente à descrição do comportamento musical e de como este se apresenta de forma regular nesta idade. A valorização de experiências musicais ligadas às características da criança de cinco anos beneficia o desenvolvimento cognitivo musical desta que, em formação, passa para o próximo nível de desenvolvimento, mais confiante em suas funções. Com os processos de representações mentais mais definidos, ambas as teorias acreditam que é possível trabalhar na prática elementos rítmicos com melodias simples, utilizando-se de objetos informativos concretos à realidade da criança. Vale ressaltar que também há, por parte das teorias, uma preocupação pelo respeito ao tempo de aprendizado da criança, para não causar aceleração ou desenvolvimento tardio. Há também consenso no que se refere à importância de interações sócio-culturais no desenvolvimento musical, o que reforça a importância da exploração de novas vertentes metodológicas que viabilizem a vivência de aspectos sociais. Assim, com o intuito de promover uma formação com perspectivas além da aquisição de habilidades técnicas, o ensino coletivo praticado desde cedo pode estimular interações sociais que contribuirão positivamente para vida em sociedade destas crianças no futuro. Há formas criativas, prazerosas e ao mesmo tempo, eficientes de se construir a técnica que irá alicerçar o aprendizado futuro, levando-se em consideração, não somente aspectos técnicos em si, mas principalmente, os aspectos humanos, bem como as relações entre ambos (Chantal, 2007, p. 67). Nesse sentido, no ensino coletivo do violino para as crianças de cinco anos, podemos dizer que, valorizar experiências rítmico-musicais na prática com interação do ver, ouvir e tocar, favorece o desenvolvimento dos sentidos que são tão presentes na prática musical. 257 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5. Considerações Finais De acordo com discussões aqui apresentadas, podemos dizer que a música pode gerar influência na formação cognitiva do indivíduo; sendo assim, torna-se pertinente afirmar que uma proposta pedagógica para o ensino coletivo do violino para crianças de cinco anos, se elaborada de maneira direcionada e respeitando as características dessas crianças, pode desenvolver aspectos cognitivos relevantes na formação desses indivíduos. Para aprender a tocar o violino, necessita-se de técnicas que estimulem a coordenação fina, o que evidencia a complexidade do ensinoaprendizagem da criança que se dispõe a aprender música. Para transformar os desafios em grandes vitórias, necessita-se de uma união dos professores e dos pais, para que, juntos, possibilitem ao aluno uma aquisição de conhecimento prazerosa e eficaz. Deve-se oportunizar uma formação baseada em uma prática pedagógica musical que valorize e respeite o desenvolvimento do indivíduo como um todo. Notas [1] Brito, Joziely. (2002). Iniciação musical através do violino com crianças de 5 anos. 2002. 62 f. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estadual do Pará, Belém. 2002. [2] Brito, Joziely. (2010). Ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas: ca catalogação crítica. 2002. 128 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música – MINTER – Universidade Federal do Pará/Universidade Federal da Bahia. Belém/Salvador. 2010. 258 Referências Barbosa, Karla J. (2009). Conexões entre o desenvolvimento cognitivo e o musical: estudo comparativo entre apreciação musical direcionada e não direcionada de crianças de sete a dez anos em escolas regular. (Dissertação de Mestrado), Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Beyer, Esther. (1988). A abordagem cognitiva em música: uma crítica ao ensino da música, a partir da teoria de Piaget. 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(Tese de Doutorado em Música), Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador. 260 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ansiedade de performance musical entre estudantes de música de Belém do Pará: investigação através da Escala K-MPAI Jonathan Guimarães e Miranda [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA Elizabeth Sumi Yamada [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA Sérgio Figueiredo Rocha [email protected] Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ Sonia Maria Moraes Chada [email protected] Universidade Federal do Pará - UFPA Resumo: A pesquisa em andamento visa investigar a prevalência da ansiedade relacionada à performance musical entre estudantes de música de Belém. Os estudantes serão selecionados dentre aqueles regularmente matriculados em cursos de música do Instituto Estadual Carlos Gomes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e da Universidade do Estado do Pará (UEPA), todos situados em Belém. Implicações, causas e possíveis soluções também serão discutidos. A ansiedade de performance musical (APM) caracteriza-se por manifestações físicas, cognitivas e comportamentais vinculadas à performance, que pode atingir músicos de diversas idades e níveis. O tema é pertinente, visto que uma parte significativa de estudantes e de músicos profissionais parecem sofrer dessa condição. A coleta de dados será feita com base na escala K-MPAI, devidamente validada para a língua portuguesa. Estudos como este podem fornecer dados iniciais para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino, servindo para encorajar a discussão sobre a existência do problema, suas possíveis causas, assim como nortear a implementação de medidas terapêuticas que possam minimizar as manifestações de ansiedade em estudantes de música. Palavras-chave: ansiedade de performance musical, medo de palco, KMPAI 261 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Musical Performance Anxiety among music students of Belém do Pará: investigation using the K-MPAI scale Abstract: This ongoing research aims to investigate the prevalence of anxiety related to musical performance among music students in Belém. The students will be selected among those regularly enrolled in music courses from the Carlos Gomes State Institute, Federal University of Pará (UFPA) and State University of Pará (UEPA), all located in Belém. Implications, causes and possible solutions will also be discussed. The musical performance anxiety (MPA) is characterized by physical, cognitive and behavioral manifestations linked to performance that can impact musicians of all ages and levels. The theme is relevant, since a significant proportion of students and professional musicians seem to suffer from this condition. Data collection will be done using the K-MPAI scale validated for Portuguese language. Studies like this can provide baseline data for the development of new teaching methodologies, helping to encourage the discussion about the existence of the problem, possible causes, and to guide implementation of therapeutic measures that could minimize the manifestations of anxiety in music students. Keywords: musical performance anxiety, stage fright, K-MPAI A Ansiedade de Performance Musical - APM 262 A ansiedade de performance musical já é reconhecida como um distúrbio de ansiedade, classificado como uma variante de fobia social no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais publicado pela American Psychiatric Association (APA, 1994). Em inglês, é conhecida como Musical Performance Anxiety (MPA) e a tradução mais utilizada em português é Ansiedade de Performance Musical (APM). A APM relaciona-se com o medo de se tocar em público, visto que envolve uma plateia e consequentemente uma avaliação de desempenho, inclusive do próprio intérprete. Essa exposição pública pode causar um enorme estresse no músico podendo ou não comprometer o seu trabalho interpretativo. Até o momento não há uma definição padrão para o quadro de ansiedade de performance. Para Salmon (1990), a APM é uma apreensão persis- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 tente, associada ou não a um prejuízo real da performance, e que não é condizente ao nível de preparação do músico. Segundo Kenny (2008) a APM se manifesta através de sintomas de ordem afetiva, cognitiva, somática e comportamental. A ansiedade de performance é comumente relacionada ao termo “medo de palco”, mas não há um consenso em relação ao uso das terminologias. Segundo Studer (2011) muitos autores utilizam os dois termos de modo intercambiável, mas salienta que alguns estudiosos consideram a ansiedade de performance uma versão agravada do medo de palco, enquanto outros consideram o contrário, onde o medo de palco representaria uma versão agravada da APM. Brugués (2009), por sua vez, defende que o medo de palco é uma reação dentro da normalidade e que a APM é uma desordem patológica, e sendo assim, necessita de tratamento. Neste trabalho a terminologia ansiedade de performance será utilizada como sinônimo de medo de palco. Existem vários graus de ansiedade de performance, podendo ocorrer manifestações como boca seca, tremores nas pernas e mãos, e até náuseas, vômitos e desmaios. Além desses sintomas físicos, podem estar presentes ainda sintomas de ordem cognitiva e comportamental, como relatado nos estudos de Barlow (2000). Esse quadro pode atingir artistas em geral e não está necessariamente associado à experiência de cada um ou ao nível de excelência da performance. Grandes celebridades manifestaram uma ansiedade elevada durante suas carreiras. Podemos citar Vladmir Horowitz, Luciano Pavarotti, Sergei Rachmaninoff e muitos outros (Kenny, 2011). As principais características da APM reunidas por Fehm (2006), baseando-se em vários pesquisadores são: irracionalidade, perfeccionismo e pensamentos catastróficos negativos; sintomas físicos como tremores, sudorese e palpitações; problemas comportamentais, como o ato de evitar o palco. 263 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Bruce e Barlow (1990, citado por Kenny, 2006) verificaram que pensamentos negativos sobre a performance podem ser mais destrutivos do que as alterações físicas e comportamentais associadas. Frases e pensamentos como: “eu odeio minha performance”, “eu nunca consigo”, “fico sempre tenso”, “estrago tudo sempre”, “o que os outros estão pensando”, podem expressar a presença de ansiedade de performance. Ao contrário do que se possa pensar, nem sempre a APM é vivenciada de forma negativa. Alguns estudiosos defendem que uma ansiedade, em um certo nível, é essencial para otimizar uma performance e, ao contrário, um alto nível de ansiedade acaba comprometendo o trabalho final (Wilson, 1997; Fehm, 2006). Essa idéia é defendida pela “Lei de Yerkes-Dodson” que relaciona o nível de excelência da performance em função do estresse do intérprete. Segundo essa lei, em um estado de pouco estresse a qualidade da performance é baixa. Quando o estresse é muito elevado, a qualidade da performance também é baixa, pois o cérebro se apresenta em um estado de desorganização. O nível de estresse desejado seria o mediano, onde a performance teria maior possibilidade de alcançar o nível mais alto de qualidade. Abaixo, ilustração da curva invertida de Yerkes-Dodson. 264 Figura 1. Gráfico da Lei Yerkes-Dodson. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Kenny (2011) critica a Lei Yerkes-Dodson pelo fato dela ter sido baseada a partir de experimentos com camundongos e não com humanos, onde o termo performance equivale somente a execução/desempenho de uma tarefa, algo não necessariamente correspondente à complexidade que envolve a performance musical. O modelo não leva em consideração fatores importantes como características individuais, características da tarefa e a demanda da performance, como local, nível e ocasião. Segundo a autora muitos autores utilizam a curva de Yerkes-Dodson incondicionalmente, desconsiderando artigos mais recentes sobre sua aplicação. A APM em jovens Segundo Kenny (2006), crianças não exprimem um nervosismo tão grande quanto pessoas mais velhas. Em geral elas adoram se apresentar não se atendo aos erros em suas performances. Entretanto, as crianças estão absorvendo cada vez mais os problemas de adultos de forma precoce. Estudos de Ryan (2004, citado em Kenny, 2006) mostram que estudantes de 12 anos de idade já demonstram traços de APM como em adultos. A principal causa observada foi a possibilidade de cometer erros diante dos outros e que a ansiedade aumentava de acordo com o tamanho da plateia e importância do evento. A autora também notou a existência de APM em crianças de 3 a 7 anos. Barlow (2000) relatou que jovens provenientes de ambientes de alta cobrança artística e que até então não têm todas as ferramentas pessoais desenvolvidas para suportar esse ideal artístico e competitivo, podem desencadear um perfil de APM. Em jovens universitários de música também tem sido relatado um alto grau de ocorrência de APM. Nesta fase há a preparação para uma carreira profissional extremamente concorrida, onde os estudantes precisam desenvolver suas capacidades técnicas e musicais ao máximo. Esses fatores podem contribuir para a ocorrência de APM nesta faixa etária, que, se não tratada ou prevenida, poderá causar grandes problemas na vida profissional 265 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 que se iniciará (Studer, 2011). Schröder e Liebelt (1999) pesquisaram 330 estudantes alemães entre 20 e 23 anos e constataram que 22,8% manifestavam um alto grau de ansiedade nas suas performances. A American Psychiatric Association relatou que as mulheres são duas a três vezes mais propensas a desenvolverem quadros de ansiedade (APA, 1994). Através da aplicação do questionário K-MPAI, Kenny (2006) também relatou que o sexo feminino é mais propenso à ansiedade, corroborando os resultados de outros autores, como e Schröder e Liebelt (1999). O Estudo Proposto Os estudos sobre a ocorrência, manifestações e implicações da ansiedade em performance musical foram realizados em sua grande maioria na Europa, Estados Unidos e Austrália. Estudos sistemáticos sobre o tema no Brasil ainda são escassos. Belém é uma cidade com longa tradição musical. Estará a ansiedade de performance presente nos estudantes de música de Belém? Em que nível ela se dá? 266 O objetivo geral do estudo é investigar a ocorrência de ansiedade de performance entre estudantes de música de Belém do Pará. O estudo compreenderá alunos dos cursos técnicos do Instituto Carlos Gomes e da Escola de Música da UFPA, assim como alunos do curso de bacharelado em música da Universidade do Estado do Pará e Fundação Carlos Gomes. Essas instituições são as responsáveis por formar estudantes de nível técnico e superior em Belém, logo são as fontes de pesquisa mais sistematizadas. Facilidade de acesso a essa população, aceite dos diretores das instituições e interesse dos estudantes estão sendo imprescindíveis para o bom andamento da pesquisa. Os objetivos específicos são: averiguar quais as manifestações físicas e cognitivas mais frequentemente associadas à ansiedade de performance; avaliar comparativamente os níveis de ansiedade por gênero, instrumento e Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 faixa etária; averiguar se os estudantes estão tendo oportunidades suficientes de se apresentarem. Metodologia A coleta de dados será feita através da escala K-MPAI (Kenny Music Performance Anxiety Inventory), um dos diversos instrumentos de investigação em ansiedade. Esta escala foi escolhida por estar devidamente validada para a língua portuguesa (Rocha et al., 2011; Rocha, 2012) e por sua aplicabilidade ampla, sem restrição quanto ao instrumento que o participante executa. A escala foi baseada na Teoria de Barlow, abordando componentes cognitivos, físicos e comportamentais. Barlow e colaboradores (Barlow et al., 2000, 2004, Wilamowska et al., 2010) propõem um modelo com três componentes para explicar o desenvolvimento de distúrbios de ansiedade. O primeiro componente seria uma vulnerabilidade biológica generalizada, que representaria o fator genético/hereditário. O segundo componente seria o que eles chamaram de vulnerabilidade psicológica generalizada, provinda de experiências vividas na infância em ambiente estressante e imprevisível, associadas ou não a um relacionamento parental que prejudique o desenvolvimento de estratégias eficientes para lidar com as situações geradoras de ansiedade. Os autores argumentam que a predisposição genética em conjunto com a vivência de situações imprevisíveis e de difícil controle pode deixar o indivíduo mais susceptível ao desenvolvimento de ansiedade generalizada e/ou depressão diante de eventos estressantes desencadeantes (Wilamowska et al., 2010). O terceiro componente do modelo refere-se a uma vulnerabilidade psicológica específica, representando um componente aprendido, onde uma determinada situação, objeto ou estado somático interno passa a ser vivenciado com muita ansiedade já que é tido como algo potencialmente ameaçador, mesmo que objetivamente isso não o seja. Este último componente irá definir os sintomas mais específicos do distúrbio. Sendo assim, o questionário aborda essas variáveis no teor das perguntas utilizadas. A escala possui 9 fatores estruturantes em sua avaliação: depressão/descrença; preocupação, medo; ansiedade somática pré- 267 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 performance; empatia dos pais; memória; transmissão hereditária de ansiedade; avaliação minuciosa por si e pelos outros; e controle (Kenny, 2011). Após a aplicação da escala K-MPAI haverá a aplicação de um questionário complementar para avaliar algumas hipóteses levantadas, haja vista que o questionário K-MPAI avalia um perfil quantitativo da ansiedade. O questionário complementar investigará alguns fatores como: frequência de apresentações públicas, aumento ou diminuição no número de suas apresentações em dado tempo, prática de subir ao palco como fator favorável para o crescimento ou decaimento da ansiedade musical, manifestações físicas e cognitivas mais frequentemente associadas à performance musical e existência de oportunidades suficientes para a performance musical de estudantes. Através deste questionário poderá-se-á sondar alguns possíveis fatores relacionados à ansiedade musical no contexto regional. Pretende-se realizar o estudo em uma amostra de 150 estudantes. A análise estatística será feita segundo os protocolos da escala K-MPAI utilizando-se de programas estatísticos como o Prism e BioEstat. Os resultados serão apresentados em tabelas, gráficos e figuras. Os grupos de dados serão expressos como médias e desvios padrão (dispersão estatística). Resultados preliminares Através de um estudo piloto realizado com a aplicação da escala KMPAI compreendendo uma amostra de 20 instrumentistas (12 homens e 8 mulheres) obteve-se dados preliminares expostos na tabela abaixo. 268 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Figura 2. Resultados da análise estatística descritiva por idade, tempo de estudo, escores gerais e por gênero obtidos através da escala K-MPAI. Por esses dados, 25% da amostra possuem escores da escala K-MPAI acima de 141 (valor do percentil 75%), sendo estes estudantes os mais propensos a terem problemas com APM. No estudo de Rocha et al. (2011), o escore K-MPAI correspondente ao percentil 75% foi de 136 em uma amostra de 218 musicistas da cidade mineira de São João del Rei. Neste estudo piloto, não houve diferença estatisticamente significativa nas médias de escores entre homens e mulheres (♂=107,2 ± 35,5; ♀=122,6 ± 23,9; teste t, p= 0,29). Uma análise de correlação não mostrou associação entre nível de ansiedade na escala K-MPAI e o tempo de estudo ou idade (correlação de Pearson, p>0,05). Ressalta-se que a amostra utilizada ainda foi pequena (n=20), e que estes resultados podem ser diferentes no estudo final onde se pretende alcançar um n maior (150). Pretende-se que estudo final sirva para melhorar a conscientização e o conhecimento dos intérpretes e educadores sobre a ansiedade de performance, permitindo-lhes lidar com maior propriedade com esse quadro e assim potencializar uma formação mais sadia e otimizada dos estudantes. Espera-se que os resultados finais possam fornecer um panorama da ansiedade de performance no contexto local, gerando dados iniciais que permitam adaptações e criação de novas metodologias de ensino, e a ado- 269 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ção de medidas terapêuticas que possam minimizar as manifestações físicas, comportamentais e cognitivas de ansiedade em estudantes de música. Referências American Psychiatric Association. (1994). Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Washington, DC: American Psychiatric Association. Barlow, H. (2000). Unraveling the mysteries of anxiety and its disorders from the perspective of emotion theory. 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Como ponto de partida foram consideradas as pesquisas realizadas no ensino fundamental que, de alguma forma, abordaram questões sobre o desempenho escolar dos alunos e o papel do professor no processo motivacional. Os dados foram coletados por meio de observações de aulas e entrevistas com a professora. A análise teórica pautou-se na definição do termo “motivação” e suas vertentes na educação escolar, considerando os tipos de motivação, as estratégias motivacionais, a figura influente do professor em sala de aula e a sua relação com os alunos. Os resultados mostram a escolha do repertório, a valorização dos alunos como agentes ativos, a parceria da professora de música com a professora de classe e os estímulos positivos dados aos alunos pela professora como os aspectos que mais motivaram os alunos a participar das atividades propostas nas aulas. Palavras-chave: educação musical, motivação, ensino fundamental Peculiarities of Motivation in the Music Class Context Abstract: This paper is a case study conducted with a music teacher in order to discuss and contribute to the studies on motivation in music classes. A starting point was to search for researches carried out in elementary school that somehow raised questions about student’s school performance, and teacher's role in the motivational process. Data was collected through classroom observations and interviews with the teacher. The theoretical analysis was based on the definition of the term "motivation" and its variations in school education context, considering the types of motivation, motivational strategies, the influence of the teacher in the classroom and the relationship between teacher and students. The results show that 273 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 the choice of repertoire, the acknowledgment of students as active agents, the partnership between the music teacher and the class teacher as well as the positive stimuli from the teacher are aspects that motivated students to participate more during class. Keywords: music education, motivation, elementary school 1. Introdução O objetivo deste trabalho é discutir e contribuir para os estudos sobre motivação nas aulas de música tendo como objeto de pesquisa a percepção de uma professora sobre uma de suas aulas que foi ministrada para uma turma do quarto ano do ensino fundamental [1]. Para tanto, procurou-se responder à seguinte pergunta: Na perspectiva da professora de música, quais são os aspectos de sua aula que motivam os seus alunos a participar das atividades propostas? 274 Revisando a literatura na área da educação encontraram-se cinco tipos de publicações: aquelas que estudam o processo motivacional do aluno; as que estudam o processo motivacional do professor; as que focam a influência do professor na motivação do aluno; as que avaliam instrumentos de medida em motivação e, por fim, os estudos teóricos. Em educação musical, grande parte dos trabalhos trata sobre o porquê e o como os estudantes e músicos se envolvem com o estudo da música. Verificou-se que muitos estudos sobre a motivação apresentam definições das teorias psicológicas (Teoria da Autodeterminação, Teoria da Expectativa-Valor, Teoria do Fluxo e Teoria da Autoeficácia e Autorregulação), considerando-as fundamentais para a discussão dos dados obtidos como, por exemplo, a pesquisa de Araújo (2010) na área de educação musical. Como ponto de partida para o desenvolvimento desta pesquisa foram considerados os estudos que, de alguma forma, abordaram questões sobre o desempenho escolar dos alunos (Paiva, & Boruchovitch, 2010; Martinelli, & Genari, 2009; Martini, & Del Prette, 2005; Henstschke et al, 2009; Pizzato, 2009; Rocha, 2006) e o papel do professor no processo motivacional Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 (Oliveira, & Alves, 2005; Veríssimo, & Andrade, 2001; Price, 2010; Machado, 2004; Russell, 2005), ambos realizados no contexto escolar com turmas do ensino fundamental. Esses trabalhos contribuíram para entender, por um lado, as estratégias motivacionais adotadas pela professora participante deste estudo e, por outro, os aspectos que levam os alunos a se motivarem para se engajarem nas tarefas desenvolvidas em sala de aula. 2. Motivação na sala de aula O fenômeno que melhor representa o potencial do aluno para alcançar objetivos nas atividades realizadas em sala de aula é a motivação intrínseca, de acordo com Guimarães e Bzuneck (2002). Ela é entendida como uma disposição nata na busca de algo novo para trabalhar as próprias habilidades. O fato de a pessoa desenvolver uma determinada atividade está relacionado ao seu interesse que, de alguma forma, gerou grande satisfação em realizá-la. A motivação intrínseca no contexto escolar desperta o interesse para a aprendizagem, ou seja, os alunos ficam altamente engajados nos conteúdos apresentados e nas atividades propostas. De acordo com Eccheli (2008), a motivação intrínseca é resultado da extrínseca, isto é, o aluno, ao sair da escola, continuará procurando e pesquisando sobre aquele conteúdo que foi apresentado e desenvolvido durante a aula. Assim, a motivação extrínseca se configura numa forma de incentivo e poderá gerar crescente autonomia até chegar à motivação intrínseca. Essa motivação não parte do aluno, mas de fatores externos, como “a obtenção de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, ou com o objetivo de atender a comandos ou pressões de outros, ou ainda para demonstrar competência ou valor” (p. 2). Entendendo esses conceitos, existem algumas estratégias motivacionais que podem orientar os professores em sala de aula destacadas por alguns autores, entre eles Bzuneck (2010): “o significado e relevância das tarefas; características motivadoras inerentes a essas tarefas; o complemento, como o uso de embelezamentos e reações dos professores às tarefas 275 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cumpridas e avaliadas” (p.13). Dessa forma, o aluno é motivado quando vê significado e importância nas atividades apresentadas, já que muitas delas possuem valor maior para algumas pessoas, por gerar engajamento com um fim em si mesmo, o que é entendido por motivação intrínseca. As características motivadoras, entendidas como níveis de dificuldade de que as atividades precisam dispor, fazem parte da segunda estratégia proposta por Bzuneck (2010). Se a atividade for simples demais poderá gerar tédio. Demonstrar a relevância da aprendizagem não é o suficiente para que os alunos se sintam motivados, pois, além disso, as atividades devem ser estimulantes e, por consequência, desafiadoras. A terceira estratégia compreende os complementos da aula, como os embelezamentos, ou seja, táticas inerentes ao ensino que auxiliam no desenvolvimento dos alunos durante as atividades. Por fim, o feedback do professor, positivo ou negativo, correspondente às tarefas realizadas pelos alunos, é indicado como mais uma estratégia pedagógica. 276 Com relação à figura influente do professor em sala de aula, Tapia e Fita (2001) apontam que a interação é um dos aspectos essenciais no processo de ensino e aprendizagem. Essa relação acontece por meio das mensagens que o docente transmite a cada aluno antes, durante e depois da atividade realizada. Lisboa e Koller (2004) afirmam que a função do docente não é somente ensinar conteúdos, mas ser um agente da educação, de forma a promover a cidadania. Na mesma direção, Guimarães (2004) destaca a importância da interação social para o aluno, pois isso faz com que ele se sinta pertencente ao lugar no qual está inserido. A escola é um dos contextos mais importantes para que isso aconteça, o que pode fortalecê-lo ou enfraquecê-lo perante as dificuldades inerentes a essa fase do desenvolvimento. O conteúdo não deve ser o foco do professor, mas sim as relações de amizade estabelecidas em sala de aula. Se o docente souber trabalhar com isso, favorecendo ambas as partes, o sucesso de uma aula estará encaminhado. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3. A realização da pesquisa Uma professora de música de uma escola da rede pública de ensino constituiu-se no estudo de caso deste trabalho. Os primeiros contatos ocorreram por meio do correio eletrônico para combinar alguns pontos importantes como a data do primeiro encontro, a turma que seria observada (4º ano), o horário da aula e os documentos necessários que autorizavam frequentar a escola e realizar a pesquisa proposta. Saber, na perspectiva da professora, quais foram os fatores que mais motivaram os alunos a participar da aula música foi o objetivo principal e, para esta finalidade, foram realizadas duas entrevistas, além da observação de cinco aulas. O período da coleta de dados aconteceu durante os meses de agosto e setembro de 2012. A entrevista semiestruturada (Triviños, 1987) foi realizada em agosto e a entrevista de estimulação de recordação (Loizos, 2002; Rowe, 2009) no final de setembro. Para a entrevista de estimulação de recordação selecionou-se aula onde mais atividades musicais foram realizadas e os alunos reagiram mais naturalmente frente à câmera. O material foi todo transcrito e os dados organizados em categorias: formação e experiência profissional da professora; características da escola; e, aula de música. Desses, apenas alguns temas foram selecionados para este trabalho. Para maior credibilidade e confiabilidade [2] desta pesquisa a identidade dos alunos e professores participantes foi preservada. Todos os nomes são fictícios. As transcrições das entrevistas foram revisadas pela professora e o consentimento para filmagem e fotografia foi devidamente assinado pelos responsáveis. 4. Apresentação e discussão dos resultados 4.1. A motivação e a participação dos alunos É comum os professores associarem a motivação à disciplina dos alunos em sala de aula. A professora Helena não une estes termos, pois para 277 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ela as crianças permanecem disciplinadas quando ouvem umas às outras. Ela enumera quatro fatores principais que justificam a participação ativa de seus alunos: o canto como atividade fundamental, a presença da professora de classe nas aulas de música, a escolha de um aluno como ajudante do dia e o esquema de estrelinhas. O repertório musical tem ajudado no bom andamento da aula e fortalecido o engajamento dos alunos, pois grande parte é sugestão deles, diz a professora. Cantar essas músicas é uma ação que não depende apenas do interesse deles, mas também da necessidade e do desejo. Araújo (2010) destaca que em tudo o que o ser humano faz ele deposita motivação, ainda que seja em diferentes graus de intensidade. Segundo Helena, o momento mais marcante das aulas é quando os alunos estão cantando. De acordo com Guimarães e Bzuneck (2002) o fato de a pessoa desenvolver uma atividade com satisfação, significa que ela está relacionada ao seu interesse. A constante presença e colaboração da professora Karen é um fator determinante para o sucesso da aula. Ela toca teclado, participa das atividades e tem uma postura bem firme com os alunos. As duas professoras trabalham com os quartos anos dos dois períodos (matutino e vespertino) e, assim, ao longo do ano desenvolvem diversos projetos. Esta parceria confirma o que foi destacado na pesquisa de Oliveira e Alves (2005) sobre o “bom professor” ser aquele que se envolve com o trabalho e em resposta à sua dedicação obtém a motivação nos alunos. 278 O esquema das estrelinhas é uma ideia que tem como objetivo melhorar a participação dos alunos em todas as matérias. Eles são premiados com estrelas por seu desempenho e isso tem gerado um ótimo resultado, diz Helena. Essa ação está relacionada à motivação extrínseca que acontece por meio de reforços ou recompensas externas (Eccheli, 2008; Tapia, & Fita, 2001). No entanto, é preciso ter cuidado para que os alunos não condicionem as suas atitudes em função das estrelinhas, pois a recompensa deve estar relacionada à qualidade da aprendizagem e não somente à execução das tarefas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 4.2. Os desafios da professora na sala de aula O número de alunos em sala de aula e o ensinar os alunos a ouvir uns aos outros foram os desafios, referentes à turma do quarto ano, destacados pela professora. Muitos alunos em sala de aula requer uma dinâmica diferente. Trabalhar com dez alunos não é o mesmo que trabalhar com trinta. Segundo Tapia e Fita (2001) trabalhar com seres humanos implica conhecê-los individualmente e em sala de aula implica também reconhecer os tipos de alunos: os curiosos, os conscienciosos, os sociáveis e aqueles que buscam vencer os desafios. Muitas vezes, um indivíduo pode deter características de mais de um desses tipos e se o docente souber interagir e negociar com eles, todos irão aprender ao entender a importância do que lhes foi apresentado de ambos os lados. Referente à ação de ouvir, Helena coloca que quando a criança está ouvindo uma peça, ela precisa saber o que está procurando nessa audição, principalmente quando não conhece a música, pois se não for orientada, ela não prestará atenção no que está ouvindo. O maior desafio é criar um ambiente que motive os alunos a cantar e também ouvir o que o colega está cantando. De acordo com Lisboa e Koller (2004) dentre as funções do docente, uma delas é ser agente da educação, promovendo a cidadania entre os alunos. Para os autores, é preciso oferecer às crianças a oportunidade da convivência social no dia a dia de forma a permitir que se comuniquem e que haja reciprocidade entre elas. Assim, as relações de poder entre os alunos estarão equilibradas e eles entenderão a importância de escutar uns aos outros e saber a hora certa de contribuir. 4.3. Planejamento e estratégias motivacionais em sala de aula A professora Helena ressalta que procura variar as atividades e atitudes, pois entende que se forem repetitivas chegará um momento em que os alunos não vão aguentar mais, gerando tédio, conforme Bzuneck (2010). 279 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Em suas aulas além de cantar, ela procura ensaiar as músicas com o acompanhamento de instrumentos musicais, levar filmes relacionados ao conteúdo, realizar aulas ao ar livre, provocar os alunos à reflexão, fazer comentários sobre o desempenho, dar créditos aos interesses deles, etc. O professor deve estar preparado para imprevistos, ou seja, ter sempre um “plano B”, diz Helena. A preparação de uma aula também prevê o tempo dedicado a cada atividade, pois muitas questões devem ser levadas em conta como o fato de alguns alunos serem mais rápidos que outros para terminar a tarefa. Nota-se que esses aspectos sublinhados pela professora é fruto de um processo reflexivo, pois ela mencionou que depois das aulas costuma analisar o que funcionou ou não. Assim, a variação de atividades é a principal estratégia que a professora usa para motivar os alunos em sala de aula, da mesma forma como foi destacado no trabalho de Russell (2005). Em seu estudo Russell (2005) evidenciou o quanto é importante ter um planejamento estruturado na escolha do conteúdo e na aplicação das atividades. Na estruturação da aula o docente deve pensar em momentos conectados do início ao fim, dando sentido ao conteúdo transmitido. Além disso, a lógica e continuidade das atividades geram o bom andamento da aula e, consequentemente, chama as crianças a se engajarem nas atividades. A autora destaca a importância de, numa aula de música, não considerar apenas o comportamento e a interação social dos alunos, mas ponderar sobre o planejamento do professor, os conteúdos com os quais ele trabalha e os objetivos atrelados a eles e, por fim, como o docente aplica e desenvolve as atividades planejadas. 280 Considerações finais Neste trabalho, o objetivo foi o debate, voltado à perspectiva da professora de música atuante numa escola pública, evidenciando os fatores que mais motivam os alunos durante a aula. Os resultados mostraram a motivação e a participação dos alunos, os desafios, as estratégias no Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 planejamento de Helena e sua parceria com a professora da classe como os temas aludidos pela docente. Haja vista os resultados colhidos, as reflexões decorrentes do processo de pesquisa e da análise dos dados foram variadas. Entretanto, ficou claro o quanto valorizar o interesse dos alunos e torná-los agentes ativos que auxiliam e tomam decisões é necessário e eficaz para o bom andamento em sala de aula. Destaca-se, ainda, a parceria da professora Helena com a professora da classe. Nem todos os docentes trabalham com a possibilidade de parcerias interdisciplinares. No entanto, considerando que Karen convive vinte horas semanais com o quarto ano, a presença dela gera um resultado diferente nas aulas de música, pois, de acordo com Helena, ela tem mais controle da turma. Isso é devido ao fato de ela estar com os alunos por muito mais tempo e os conhecer melhor, sabendo identificar o porquê de cada situação, auxiliando a professora de música. Neste caso, essa parceria funcionou para o trabalho de ambas as docentes, considerando que elas pensaram e fizeram o projeto para a classe, em conjunto. Pensamos que este é um ponto de destaque em todo o processo motivacional discutido neste trabalho. A partir desta investigação sobre motivação, realizada na aula de música, são abertos muitos caminhos para futuras pesquisas na área. Surgem opções de aprofundamentos científicos como a relação entre professor e aluno, considerados determinantes para o engajamento do discente em sala de aula, bem como novas estratégias que também poderão ser consideradas pertinentes ao ensino de música. Notas [1].Este trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla. Ver Madeira (2012). [2].Foram observadas as determinações da Resolução nº 196 de 1996 CNS/MS que fixa as Diretrizes e Normas Regulamentadoras sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. 281 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Araújo, R. C. (2010). Motivação e Ensino de Música. In B. S. Ilari, & R. C. Araújo (Orgs.), Mentes em Música, 111-130. Curitiba: Editora da UFPR. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196/96. Diretrizes e Normas Regulamentadoras sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. 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Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Efeitos de modulações tonais súbitas e gradativas entre tonalidades menores próximas e distantes sobre estimações subjetivas de tempo Erico Artioli Firmino [email protected] Programa de Psicobiologia - USP José Lino Oliveira Bueno [email protected] Programa de Psicobiologia - USP Resumo: O presente estudo investigou através de experimento a influência de modulações tonais entre tonalidades menores sobre estimações subjetivas de tempo. As modulações apresentadas foram do tipo próximasúbita, distante-súbita e distante-gradativa. Cada participante escutou um estímulo musical modulatório de 20 segundos e depois estimou sua duração. O método utilizado foi o da reprodução implicando em repetição silenciosa da duração através de cronômetro. O paradigma utilizado foi o retrospectivo implicando que o participante foi avisado a respeito da estimação temporal somente depois da escuta musical. Os resultados mostram que, em ambiente tonal exclusivamente menor, tal como em ambiente tonal exclusivamente maior, modulações tonais distantes eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais próximas, e também que modulações tonais distantes súbitas eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais distantes gradativas. Os resultados são discutidos sob a perspectiva do modelo Fração de Desenvolvimento Esperado (FDE) de Firmino e Bueno (2008), bem como de outros modelos de tempo subjetivo, memória e cognitivo-musicais pertinentes. Palavras-chave: modulações tonais, tonalidades menores, tempo subjetivo, modelos Effects of Sudden and Gradual Tonal Modulations between Close and Distant Minor Keys on Subjective Time Estimation Abstract: The present study investigated by experiment the influence of tonal modulations between minor keys on subjective time estimations. The presented modulations were of types close-sudden, distant-sudden, 285 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 and distant-gradual. Each participant listened to a 20-second long modulating musical stimulus and then estimated its duration. The utilized method was the reproduction implying silent repetition of duration through stopwatch. The utilized paradigm was the retrospective implying that the participant was warned about time estimation only after musical listening. The results show that, within exclusively minor key environment in the same way of the exclusively major one, the distant tonal modulations elicit shorter time estimations than close ones, and also that sudden tonal modulations elicit shorter time estimations than gradual ones. The results are discussed under perspective of Expected Development Fraction Model (FDE) by Firmino and Bueno (2008), as well as under other relevant models of subjective time, memory, and music-cognitive based. Keywords: tonal modulations, minor keys, subjective time, models 1. Introdução 286 Na música ocidental tradicional tonal, a tonalidade é o ambiente composicional de larga-escala induzido por notas e acordes musicais, bem como a modulação é o procedimento de mudança de uma tonalidade para outra (Schoenberg, 1922/1999). Ao delimitar seções formais de uma peça musical, a modulação tonal desdobra inevitavelmente desenvolvimento temporal. Por essa razão, é possível supor que, tal como representações espaciais se mostram adequadas para o entendimento da realidade psicológica das tonalidades (e.g., ciclo de quintas, mapas tonais, hélix, torus, etc.; e.g., Krumhansl, 1990) também uma contraparte temporal deve estar envolvida (Firmino & Bueno, 2012). Essa impressão de tempo passível de ser inferida a partir de medidas diretas de comportamentos de estimação temporal é denominada tempo subjetivo (Zakay, 1990; veja também Bueno, Firmino, & Engelmann, 2002). Firmino e Bueno (2008) investigaram se a modulação tonal afeta o tempo subjetivo. Quatro grupos de participantes escutaram uma de quatro progressões de acordes musicais com duração de 20 segundos cada: sem modulação, permanecendo na tonalidade Dó maior, C; modulação súbitapróxima, modulando nos últimos acordes de Dó maior para Fá maior, CF; Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 modulação súbita-distante, modulando nos últimos acordes de Dó maior para Sol bemol maior, CGb; e modulação gradativa-distante, partido de Dó maior, passando por Mi bemol maior, e chegando em Sol bemol maior, CEbGb através de vários acordes para cada estágio modulatório. Cada participante escutou um único estímulo musical e depois estimou sua duração. O método utilizado foi o da reprodução implicando em repetição silenciosa da duração através de cronômetro. O paradigma utilizado foi o retrospectivo implicando que o participante foi avisado a respeito da estimação temporal somente depois da escuta musical (Zakay, 1990). Firmino e Bueno (2008) obtiveram que a modulação súbita-distante elicia a subestimação mais acentuada, em contraste com a modulação súbita-próxima que elicia a subestimação menos acentuada. Outro dado relevante é o de que a modulação súbita-distante elicia estimação temporal mais curta do que a modulação gradativa-distante. Os autores enunciaram, então, que modulações tonais eliciam subestimações temporais em função inversa a distâncias entre tonalidades com impacto maior para modulações súbitas. O alongamento do tempo subjetivo tem sido explicado principalmente pela quantidade ou a complexidade da informação armazenada na memória (Ornstein, 1969), pela demanda de atenção exigida pelo estímulo e/ou a tarefa experimental (Hicks, Miller, Gaes, & Bierman, 1976), e pela quantidade de informação contextual circundando o estímulo e a tarefa (Block & Reed, 1978). No entanto, esses influentes modelos de tempo subjetivo não explicam os dados encontrados por Firmino e Bueno (2008). O conhecimento da tonalidade e do tempo deve ser adquirido através de aprendizagem implícita na medida que parecem ser aprendidos através de exposição passiva, por longo prazo e incidentalmente (Boltz, Kupperman, & Dunne, 1998; Tillmann, Bharucha, & Bigand, 2000). Assim, o tempo musical em questão se aproxima do conceito de memória semântica de Schacter e Tulving (1994). O modelo multi-componente para a memória operacional de Baddeley (2010) afirma que a informação a ser lembrada deve ser recuperada de modo a prevenir o seu esvanecimento em curto prazo, e que qualquer som é verbalmente processado pelo componente alça 287 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 fonológica. No entanto, ambos os estímulos e as respostas de Firmino e Bueno (2008) são não-verbais. Os autores propuseram, então, a mediação de um processo de memória operacional implícita mantendo informações não-verbais e não-visuais ou exclusivamente musicais. Adicionalmente, o modelo MUSACT de Bharucha (1987) afirma que tonalidades distantes são remotamente esperadas, bem como o modelo contraste de Jones e Boltz (1989) afirma que eventos ocorridos antes do esperado eliciam subestimações temporais. 288 Nessa perspectiva, Firmino e Bueno (2008) propuseram, então, o modelo Fração de Desenvolvimento Esperado (Modelo FDE) afirmando o seguinte: se uma distância entre tonalidades é percorrida, um desenvolvimento temporal esperado é evocado. Esse desenvolvimento é maior do que a duração percebida. Essa desproporção ou fração é aplicada sobre a duração percebida, levando ao encurtamento do tempo. No decurso da escuta musical, a modulação tonal é induzida por meio do dispositivo memória operacional implícita musical. Em eixos de espaço (para distâncias tonais) e de tempo, a permanência tonal é implementada através de função constante e a mudança de tonalidade é implementada através de função parabólica. Um dispositivo de expectativa representa através de vetores as expectativas elevadas ou decrescidas para cada momento de permanência ou modulação tonal. O conteúdo da expectativa é o tempo virtual. Em um dispositivo de memória semântica, três modos de expectativa e tempos virtuais são processados: o efeito local, referindo-se à influência da penúltima tonalidade sobre a última; o efeito global, referindo-se à influência da primeira tonalidade sobre a última; e o efeito desenvolvimental, referindo-se ao acúmulo de expectativas locais evocadas ao longo de toda a música escutada. Firmino, Bueno e Bigand (2009) confirmaram as predições do Modelo FDE para modulações tonais reversas. Eles encontraram que modulações tonais reversas distantes (CGbC) eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais reversas próximas (CFC). O presente estudo observou os efeitos de modulações tonais súbitas e gradativas para tonalidades próximas e distantes em ambiente tonal exclusi- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 vamente menor para todas as condições. Isto é, em analogia às condições experimentais de Firmino e Bueno (2008) foram apresentadas aos participantes as seguintes progressões de acordes: sem modulação, permanecendo na tonalidade Dó menor, Cm; modulação súbita-próxima, modulando nos últimos acordes de Dó menor para Fá menor, CmFm; modulação súbitadistante, modulando nos últimos acordes de Dó menor para Sol bemol menor, CmGbm; e modulação gradativa-distante, partido de Dó menor, passando por Mi bemol menor e chegando em Sol bemol menor, CmEbmGbm, através de vários acordes para cada estágio modulatório. Desse modo, o princípio de encurtamento temporal para afastamento tonal previsto pelo Modelo FDE foi testado em ambiente menor. Por um lado, o Modelo FDE foi construído sobre bases empíricas provindas exclusivamente de tonalidades maiores; por outro, Firmino e Bueno (2008, p. 286) mencionam que os constructos teóricos do modelo são extrapoláveis também para ambiente menor. Assim, Firmino (2009) esboçou um primeiro passo de extensão do Modelo FDE para tonalidades menores, em decorrência ao resultado empírico encontrado de que modulações ao longo do ciclo de terças menores (e.g., CAmA), isto é, envolvendo tonalidades relativas e homônimas, eliciam estimações temporais menores do que modulações ao longo do ciclo de quintas (e.g, CGDA). Para a formatação do eixo espacial do Modelo FDE, as medidas para as distâncias intertonais foram adaptadas dos modelos cognitivo-musical de Krumhansl (1990) e teórico-musical de Lerdahl (2001). O presente estudo pretendeu, então, reunir bases empíricas adicionais com a finalidade de verificar as hipóteses levantadas pelo Modelo FDE e de inferir possibilidades de ajustes ao mesmo, se pertinentes. 2. Método 2.1. Participantes e Procedimento Participaram voluntariamente 86 universitários, 39 homens e 47 mulheres, entre 18 e 30 anos, da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), com audição normal e sem treinamento musical. Eles escutaram, através de 289 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 fone de ouvido, uma de quatro progressões de acordes. Em seguida, os participantes foram requisitados a reproduzir retrospectivamente sua duração. Apertaram, subsequentemente, as teclas “início” e “fim” do teclado extra, marcando com bipes o início e o fim de um intervalo temporal de silêncio, que deveria corresponder à duração da música escutada. Assim, foram apresentadas as seguintes instruções: antes da escuta: “Você vai apertar a tecla ‘play’ para escutar uma música bem simples através do fone de ouvido. Quando a música acabar, você tira o fone de ouvido e eu passo as instruções seguintes. Coloque o fone de ouvido de modo confortável e pode começar quando quiser”; depois da escuta: “Você vai apertar a tecla ‘início’ e vai deixar o tempo passar. Quando você achar que o tempo que está passando ficou igual ao tempo da música escutada, você vai apertar a tecla ‘fim’. Coloque o fone de ouvido e comece quando quiser”. A duração média entre o término do estímulo e o início da estimação temporal (i.e., tempo de resposta) foi de 25,145 segundos. As distâncias intertonais definiram as variáveis entre-grupos. 2.2. Equipamentos e Materiais 290 O experimento foi realizado em uma sala fechada da biblioteca da UNAERP com iluminação adequada e isolamento acústico. Os equipamentos utilizados foram os seguintes: (1) um note-book PC com o software WaveSurfer para disparo dos estímulos e bipes e registro dos tempos de resposta e de estimação; (2) um teclado num lock extra com a tecla “0” em azul e escrito “play” para disparo do estímulo, bem como as teclas “+” e “enter”, respectivamente, em verde escrito “início” e em vermelho escrito “fim”, para reprodução temporal—todas as demais teclas estavam em preto; e (3) um fone de ouvido fechado Koss R80. O bipe (Dó central senoidal de 261,625Hz, 70dB e 50 milisegundos) foi utilizado para o participante saber que suas reproduções temporais foram registradas pelo computador. Os estímulos de 20 segundos e o bipe foram construídos através do software Csound 4.19 (taxa de amostragem: 44100Hz; resolução: 16bits; modo: mono). Os estímulos constituíram-se de progressões de 29 acordes enca- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 deados segundo as regras típicas da harmonia tradicional ocidental (Schoenberg, 1922/1999): controle CmCmnão-modulação, com permanência em Dó menor; CmFmsúbita-próxima, com modulação súbita de Dó menor para Fá menor; CmGbmsúbita-distante, com modulação súbita de Dó menor para Sol bemol menor; e CmEbmGbmgradativa-distante, com modulação gradativa partindo de Dó menor, passando por Mi bemol menor, e chegando a Sol bemol menor. A teoria musical prevê Ebm como equidistante de Cm e Gbm. Nos estímulos CmFm e CmGbm, as modulações são súbitas porque ocupam apenas os últimos três acordes e não há confirmação da tonalidade destino. No estímulo CmEbmGbm, a modulação é gradativa porque: nos acordes 1 a 9, estabelece-se a tonalidade Cm; nos acordes 10 a 14, faz-se a modulação para a tonalidade Ebm; nos acordes 15 a 19, estabelece-se a tonalidade Ebm; nos acordes 20 a 24, faz-se a modulação para a tonalidade Gbm; e nos acordes 25 a 29, estabelece-se a tonalidade Gbm. Todos os acordes foram tríades (acordes) maiores ou menores sem omissão e dobramento de nenhum de suas três notas. Adotou-se o temperamento igual para a escala de alturas (razão de semitom: 21/12; Dó central: 261,625Hz). As notas musicais foram acusticamente constituídas por tons de Shepard (1964) conforme Firmino e Bueno (2008), que permitem o efeito psicoacústico de obscurecimento dos movimentos horizontais das vozes extremas soprano e baixo. 3. Resultados e Discussão A Tabela 1 mostra médias e desvios padrões de reproduções (estimações) temporais retrospectivas para cada grupo de participantes referentes às progressões de acordes modulatórias. Todas as médias das estimações para as modulações (CmFm, CmGbm e CmEbmGbm) são menores do que a do controle não modulatório (Cm). A menor média é a da modulação súbita distante (CmGbm), seguida da modulação gradativa distante (CmEbmGb), e depois da modulação súbita próxima (CmFm). Todos esses efeitos são confirmados pela ANOVA e o pelo teste post-hoc Holm-Sidak, F(3,82) = 20,8 p < 0,05 (MSE = 365,07). 291 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Médias (s) Desvios Padrões (s) Cmnão-modulação 27,831 5,271 CmFmsúbita-próxima 24,738 3,789 CmGbmsúbita-distante 17,913 4,051 CmEbmGbmgradativa-distante 21,985 3,505 Estímulos Tabela 1. Médias e desvios padrões de reproduções temporais retrospectivas para quatro progressões de acordes de 20 segundos que desdobram modulações entre tonalidades menores. Os dados mostram que modulações tonais súbitas e gradativas entre tonalidades menores afetam estimações subjetivas de tempo. Esses resultados também confirmam o principio mais importante do Modelo FDE de Firmino e Bueno (2008) de que, quanto maior é a distância entre as tonalidades envolvidas, menores serão as estimações temporais, com impacto maior para modulações súbitas. 292 Diferentemente, o modelo tamanho de armazenamento de Ornstein (1969) prevê que quanto maior o número de informações e a complexidade armazenadas na memória, mais o tempo subjetivo será alongado. O modelo atencional de Hicks et al (1976) prevê que quanto maior a demanda atencional decorrente do estímulo ou da tarefa, maior será o alongamento temporal. E o modelo mudança contextual de Block e Reed (1978) prevê que quanto mais informações contextuais houver ao redor do estímulo na circunstância experimental, maior será o alongamento de tempo. Assim, se se hipoteticamente supusesse que o aumento da distância intertonal implicasse aumento da quantidade e complexidade da informação constituinte da modulação, induzindo, por sua vez, uma maior quantidade de reservas de memória ou de atenção, esperar-se-ia, então, alongamento do tempo subjetivo correspondente. Entretanto, os resultados desse estudo contradizem essas suposições. Além disso, como não houve variação contextual nas condições experimentais do presente estudo, o modelo mudança contextu- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 al também não explica os resultados encontrados. Contudo, isso não quer dizer que processos de memória e de atenção não estejam envolvidos, mas podem estar envolvidos de outra maneira. Ao longo da vida, as pessoas aprendem de forma implícita a linguagem verbal, a linguagem musical tonal e o tempo subjetivo (Boltz et al, 1998; Tillmann et al, 2000). O Modelo FDE diz respeito ao estágio final ideal de aprendizagem cognitiva de tonalidades e modulaçôes em humanos adultos (Firmino e Bueno, 2008; veja também Bharucha, 1987). Ao escutar uma composição musical modulatória, o ouvinte espera, baseado em seu conhecimento implícito, um desenvolvimento temporal adequado à distância intertonal percorrida: quanto maior a distância, mais longo é esse desenvolvimento. Essa projeção espaço-temporal é guardada na memória semântica musical (veja também Schacter & Tulving, 1994), ao passo que a duração percebida é guardada na memória operacional implícita musical (veja também Baddeley, 2010). Esse desenvolvimento esperado parece ser maior do que a duração percebida, e esse efeito é ainda mais contundente quando a modulação é súbita. Por ocasião da tarefa de estimação, a desproporção (ou “fração”) entre o desenvolvimento esperado e a duração percebida é aplicada sobre a duração percebida, resultando em encurtamento relativo e sistemático do tempo. A colaboração relevante e original dos presentes resultados concerne ao processamento cognitivo-temporal de tonalidades menores em percurso modulatório sugerindo extensão correspondente ao Modelo FDE. O trabalho de Firmino e Bueno (2008) não contempla experimentalmente tonalidades menores, e o Modelo FDE proposto por eles não é formalmente desdobrado para exemplificar o processamento das mesmas, embora os autores mencionem tal possibilidade. Complementariamente, Firmino (2009) amplia o Modelo FDE formatando o eixo espacial com medidas adaptadas de Krumhansl (1990) e Lerdahl (2001), a fim de se contemplar todas as 24 tonalidades maiores e menores existentes. No entanto, porque a ampliação do Modelo FDE foi destinada imediatamente para explicar as estimações temporais devidas às modulações tonais ao longo dos ciclos de 293 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 quintas e terças menores, não foi feito o detalhamento refinado necessário dessas medidas para contemplar modulações em ambiente tonal exclusivamente menor. Desse modo, é justamente nesse ponto que os dados desse estudo podem contribuir: a regularidade empírica e estatística encontrada pode sugerir ajustes precisos e cruciais ao Modelo FDE. Formalmente, esses ajustes poderão capacitar o Modelo FDE para o processamento espaço-temporal de modulações “para” e “através de” quaisquer tonalidades. Finalmente, quando combinados a essa perspectiva teórica do Modelo FDE, os presentes resultados incentivam heuristicamente ainda possíveis futuras pesquisas experimentais e teóricas a propósito de explorações musicais modulatórias envolvendo regiões tonais maiores e menores. Referências Baddeley, A. (2010). Working memory. Current Biology, 20(4), 136-140. Bharucha, J. (1987). Music cognition and perceptual facilitation: a connectionist framework. Music Perception, 5(1), 1-30. Block, R. A., & Reed, M. (1978). Remembered duration: evidence for a contextual-change hypothesis. Journal of Experimental Psychology: Human Learning and Memory, 4, 656-665. Boltz, M., Kupperman, C., & Dunne, J. (1998). The role of learning in remembered duration. Memory and Cognition, 26(5), 903-921. 294 Bueno, J. L. O., Firmino, E., & Engelmann, A. (2002). Influence of generalized complexity of a musical event on subjective time estimation. Perceptual and Motor Skills, 94, 541-547. Firmino, E. A. (2009). Dimensões Cognitivas Espaço-Temporais do Senso Tonal da Música. (Tese de Doutorado não publicada). Departamento de Psicologia, Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Firmino, E. A., & Bueno, J. L. O. (2008). Tonal modulation and subjective time. Journal of New Music Research, 37(4), 275-297. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Firmino, E. A., & Bueno, J. L. O. (2012). Representação do modelo fração de desenvolvimento esperado contextual como ferramenta analítica para peças musicais modulatórias: aplicação sobre o “Prelúdio n. 9 op. 28” de Chopin. Anais do IV Encontro de Musicologia de Ribeirão Preto. Departamento de Música, Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Firmino, E., Bueno, J. L. O., & Bigand, E. (2009). Travelling through pitch space speeds up musical time. Music Perception, 26(3), 205-209. Hicks, R. E., Miller, G., Gaes, G., & Bierman, K. (1976). Concurrent processing demands and the experience of time-in-passing. American Journal of Psychology, 90, 431-446. Jones, M., & Boltz, M. (1989). Dynamic attending and responses to time. Psychological Review, 96, 459–491. Krumhansl, C.L. (1990). Cognitive Foundations of Musical Pitch. New York & Oxford: Oxford University Press. Lerdahl, F. (2001). 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New Jersey: Lea Publishers. 296 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Emoção e significado em música: um novo olhar sobre as propostas de Leonard B. Meyer Marcelo Muniz [email protected] Universidade de São Paulo – USP Maria Inês Nogueira Resumo: Em 1956, Leonard B. Meyer publicou o livro “Emotions and meanings in music”. O problema do significado musical e das respostas afetivas à música é abordado na obra segundo ponto de vista objetivo, pautado na formação de expectativas, de forma a situar parte da fruição musical no território probabilístico. Embora o trabalho de Meyer traga, ainda hoje, questões relevantes tanto para o universo da cognição musical como para a musicologia, sendo amplamente citado em ambas as áreas, pouco se tem discutido acerca de suas propostas originais. O presente estudo objetiva buscar no arcabouço científico atual, substrato neural que embase suas propostas, visando contribuir para a compreensão do aspecto específico da fruição musical abordado na obra. A partir do final dos anos 1990, estudos utilizando tomografia por emissão de pósitrons e ressonância magnética funcional, identificaram, durante a audição de música tonal, ativação de sistemas de gratificação geralmente associados a comportamentos motivados, como alimentar, sexual, ou uso de drogas recreativas. Os sistemas de gratificação têm sido diretamente relacionados à predição e geração de respostas hedônicas, sendo que a análise detalhada dos seus mecanismos evidenciou suporte adequado à hipótese de formação de expectativas segundo modelagem probabilística. A análise utilizada encontrou, assim, consonância entre as hipóteses de Meyer e as pesquisas neurocientíficas relacionadas aos mecanismos de gratificação, sugerindo os últimos como possível substrato neural subjacente ao aspecto de fruição proposta por Meyer. Palavras-chave: emoção, expectativa em música, fruição musical, mecanismos de recompensa Emotion and meaning in music: An updated view on Leonard B. Meyer proposal’s 297 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Abstract: In 1956, Leonard B. Meyer published the book “Emotions and meaning in music”. In that book the issue of musical meaning and affective responses to music is discussed on an objective point of view, which one relays on the concepts of formation of expectations that take place on musical enjoyment according to probabilistic terms. Although the work of Meyer brings, even today, relevant insights to both the musical cognition world and musicology, as far as it is widely quoted in these areas, little has been discussed about the original proposals. The present study, aims to find the neural substrate in the current scientific framework that could support that proposal, aiming to contribute to the understanding of specific aspects approached in that work. The appropriated subsides came from late 1990s studies using positrons emission tomography and functional magnetic ressonance imaging techniques carried out during tonal music listening. The data demonstrated activation of rewarding systems, generally associated with goal-directed behaviors as eating and sexual ones or use of drugs of abuse. The rewarding systems have been related to prediction and generation of hedonic responses. The detailed analysis of its mechanisms revealed a suitable suport to probabilistic modeling of the expectation formation hypothesi’s. This analysis reveals agreement between Meyer's hypothesis and neuroscientific researchs related to rewarding mechanisms suggesting the latter as the possible neural substrate underlying the enjoyment aspect proposed by Meyer. Keywords: emotion, expectation in music, musical enjoyment, reward mechanisms Introdução 298 O livro “Emotions and meanings in music” de Leonard B. Meyer (1956) é um dos mais importantes trabalhos publicados no campo da cognição musical, tratando de questões centrais, ainda nos dias de hoje, tanto para musicologia, como para a cognição musical. Por meio de cuidadosa construção argumentativa, Meyer (1956) aborda a comunicação musical tratando conteúdo intelectual e emocional como duas faces de um mesmo processo psicológico, diluindo, tal qual a visão cognitivista atual, a suposta polaridade existente entre razão e emoção, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 vinculando, ainda, a emergência de significados e respostas emocionais à música, à construção de expectativas, e, assim, situando ambos os processos, no território das probabilidades. Embora o trabalho de Meyer (1956) seja frequentemente citado em publicações da área, pouca atenção tem sido dispensada às suas propostas originais. Entende-se, no entanto, que as proposições, situadas segundo delimitações adequadas, tomadas como uma, dentre as diversas peças de um mosaico que constitui a representação mental que sustenta a fruição musical, revelam um aspecto único inerente à escuta da música tonal. Pesquisas diversas, por outro lado, no campo das neurociências, evidenciam, durante a escuta de música tonal, a atuação de sistemas neurais relacionados à formação de expectativas e emoção, passíveis de serem modelados probabilisticamente, alinhando-se assim às hipóteses originais de Meyer (1956). O presente trabalho é parte de pesquisa desenvolvida na dissertação de mestrado do autor e propõe a análise da pertinência da relação entre o substrato neural atribuído à escuta tonal e as propostas de Meyer (1956), visando contribuir para a ampliação da compreensão do processo de fruição musical. Música, emoção e significados O problema do significado musical e das respostas emocionais à música é abordado por Meyer (1956) a partir de sua identificação no âmago de duas linhas distintas de posicionamento estético: formalismo e expressionismo. Segundo Meyer (1956), formalistas, como Hanslick, por exemplo, entendem o significado musical como exclusivamente intelectual e com origem no interior do próprio material musical. Os expressionistas, por sua vez, entendem o significado musical como de ordem emocional, passível de deflagrar sentimentos e emoções no ouvinte. A origem do significado para os expressionistas, no entanto, é entendida segundo dois pontos de vista: o 299 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 absolutista, que entende a emergência do significado com origem nas relações intramusicais, e o referencialista, que entende o significado como algo que aponta para fora do material musical. Tanto formalistas quanto absolutistas têm problemas em responder de que modo conteúdo intelectual e emocional, respectivamente, vêm a emergir do universo abstrato do qual se constitui o material musical. A dificuldade estaria relacionada ao entendimento equivocado do conceito de significado. Meyer (1956) aponta para duas classes de significados: designativos e incorporados. O significado designativo é o mais comumente empregado, como quando uma palavra aponta para algo de natureza diferente dela própria. No significado incorporado, por outro lado, antecedente e consequente apontam para elementos de mesma natureza, como quando “uma luz no horizonte prenuncia o início do dia”. Na música, a emergência de significado incorporado se dá pela interpretação das relações entre seus elementos internos em suas devidas hierarquias, ou seja, pelo entendimento da relação entre notas, frases, períodos ou seções, por exemplo. É a esse tipo de significado, incorporado, ao qual Meyer (1956) orienta sua argumentação [1]. 300 Uma vez que a música tonal é constituída por um conjunto finito de elementos discretos (notas musicais), manipulados segundo padrões determinados e organizados segundo divisões temporais estabelecidas, podese entender o sistema, como um todo, como um sistema probabilístico, onde o material musical é tomado por espaço amostral, como conjunto de possibilidades, e os padrões, estabelecidos pelo estilo, como conjunto de probabilidades. O sistema entendido como probabilístico, possuindo “caminhos” mais prováveis, ou cursos “naturais” de desenvolvimento, é alinhado por Meyer (1956) à teoria da informação [2], segundo a qual a quantidade de informação é inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência. Assim, significado musical e respostas emocionais, bem como suas respectivas magnitudes, emergiriam, segundo Meyer (1956), pelo bloqueio ou retardamento do fluxo natural da informação, ou seja, pela introdução de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 elementos menos prováveis no lugar de mais prováveis, alinhando significados e respostas emocionais aos preceitos da teoria da informação. A formação de expectativas pelo ouvinte seria moldada pela formação de hábitos de escuta. Assim, elementos normalmente mais recorrentes seriam incorporados como mais esperados que elementos menos recorrentes, de forma que a escuta e a formação de expectativas se construiria de acordo com a oferta estatística de material musical, pressupondo assim, aprendizado. A emergência de significados e respostas emocionais por parte do ouvinte se daria pela “diferença” entre o evento esperado e o evento real. Mecanismos neurais subjacentes à escuta musical Um aspecto importante na base das formulações de Meyer (1956) é a ideia de que as respostas emocionais deflagradas pela música compartilham dos mesmos processos psicológicos envolvidos na geração de todo o espectro de respostas emocionais de um modo geral. Assim, é de se esperar que, ao se identificar mecanismos neurais subjacentes a respostas emocionais à musica, estes, sejam mecanismos também envolvidos na geração de respostas emocionais de um modo geral. Nesse sentido, uma série de estudos de imageamento realizados a partir do final dos anos 1990 corroborando a hipótese de compartilhamento de Meyer (1956), revelaram, durante o processo de audição musical, ativação efetiva de mecanismos de gratificação (ou recompensa), geralmente associados à comportamentos motivados, como alimentar, sexual ou uso de drogas recreativas, bem como regiões límbicas e paralímbicas, geralmente associadas à respostas emocionais (Blood et. al, 1999; Blood e Zatorre, 2001; Brown et. al. 2004; Menon e Levitin 2005 ). Menon e Levitin (2005) identificaram, ainda, a associação entre liberação de dopamina e resposta do núcleo acumbente à música, enquanto que Salimpoor et. al (2011) observou que a antecipação de uma recompensa abstrata pode resultar na liberação de dopamina em vias anatômicas diferentes das associadas a prazer. 301 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os mecanismos de recompensa compreendem três componentes formados por substratos neurais parcialmente dissociáveis relacionados à motivação, aprendizado e hedonia, tendo a dopamina como principal modulador (Berridge e Kringelbach, 2008). Grosso modo, pode-se pensá-los como mecanismos moldados pela evolução, primordiais para manutenção basal do indivíduo (ao atuar, por exemplo, sobre o comportamento alimentar), e preservação da espécie (ao atuar sobre comportamento sexual), que foi, posteriormente, cooptado, na linhagem humana, para atuação em comportamentos mais abstratos como, por exemplo, a fruição estética. A capacidade de fazer previsões é uma função intimamente ligada aos mecanismos de recompensa. Um animal faminto que alcança uma presa, ativa os mecanismos de recompensa que reforçam o comportamento bem sucedido pela alteração do peso de determinadas sinapses, ao mesmo tempo em que geram resposta hedônica, influenciando o comportamento no aspecto motivacional. Ao avistar, posteriormente, uma presa, o animal utiliza o conhecimento previamente adquirido (aprendizado), favorecendo o sucesso da nova ação. O momento entre o avistar a presa e, efetivamente, captura-la é marcado por um momento de expectativa, construída sobre todo o arcabouço de experiências passadas. Assim, pode-se entender o aprendizado como um processo de mudanças comportamentais baseadas na atualização contínua das predições (Schultz, 2010). 302 A codificação de expectativas a partir de estímulos externos pode ser observada por meio do monitoramento individual de neurônios dopaminérgicos. Durante processo de aprendizado Pavloviano, observa-se, com monitoramento de tais neurônios, que suas respostas fásicas migram temporalmente, do momento da recompensa para o momento do estímulo condicionado e, em casos nos quais o estímulo condicionado é apresentado e a recompensa não entregue, há depreciação da atividade basal no momento seguinte ao qual deveria ter sido entregue a recompensa (Schultz, Dayan e Montague, 1997). Em contexto experimental onde a entrega das recompensas variou segundo probabilidades pré-estipuladas, Fiorillo et al (2003) observaram que a magnitude das respostas dopaminérgicas variaram de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 forma inversamente proporcional à probabilidade de recebimento de recompensa, evidenciando o caráter de codificação preditiva passível de modelagem probabilística. Acredita-se que os neurônios dopaminérgicos envolvidos no processamento de recompensa codifiquem a estimativa de erro entre evento atual e evento futuro pelo ajuste paulatino e quantitativo das forças sinápticas até que o evento possa ser previsto com acurácia (Glimcher, 2011). A atividade neuronal baseia-se no fluxo de íons para dentro e para fora da célula, o que faz com que pequenas correntes elétricas se estabeleçam e variem, de forma padronizada, entre a membrana da célula e o meio externo. A introdução de microeletrodos no interior ou adjacências da célula permite medir a atividade de neurônios individuais, como no caso dos estudos com neurônios dopaminérgicos relatados. A atividade de grupos de neurônios pode gerar variações de corrente elétrica com amplitude suficiente para serem detectadas por eletrodos no escalpo, técnica chamada de eletroencefalografia (EEG). Diversas técnicas vêm sendo empregadas para estudos envolvendo expectativa musical, dentre as quais, os ERP's (Event-Related Potentials), que utilizam EEG como medida. Besson e Faïta (1995) encontraram, utilizando ERP, um potencial elétrico elicitado quando notas incongruentes são detectadas em uma melodia. O pulso surge 600ms após a detecção, e, por ser positivo é chamado de P600. O estudo revelou que o P600 varia proporcionalmente ao grau de incongruência da nota em relação ao contexto tonal, além de apresentar amplitude relativa maior para os sujeitos experimentais músicos e excertos musicais conhecidos, em relação a sujeitos não músicos e excertos não familiares. A existência de um pulso elétrico responsivo a incongruências pressupõe, por si só, expectativa. A variação proporcional da amplitude do pulso em função do grau de incongruência, no entanto, aponta para um tipo de expectativa moldada probabilisticamente, uma vez que determinados elementos (no caso notas musicais) são “mais esperados” do que outros ele- 303 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mentos. Assim, observa-se, a princípio, consonância entre os dados experimentais e a escuta dirigida segundo expectativas, proposta por Meyer (1956). Uma vez que os dados experimentais revelam também modulação de amplitude relativa do pulso em função da experiência musical e familiaridade com o material musical, é possível também apontar para um tipo de escuta construída sob influência da magnitude de exposição. Nesse sentido, estudos comportamentais utilizando linguagem artificial demonstram que a simples exposição à sequências de sons ou fonemas é suficiente para internalização de regras de construção gramaticais, pela identificação (não consciente) das probabilidades transicionais entre os elementos (Saffran et al, 1999), corroborando a hipótese de formação de expectativas de acordo com a oferta estatística de estímulos, ou, formação de hábito de escuta. Discussão 304 O desenvolver musical (tonal), tomado como fluxo contínuo de informação, gerido probabilisticamente em função do estilo, possibilitando geração de expectativas durante a escuta, como proposto por Meyer (1956), envolve, necessariamente, mecanismos de aprendizado e predição, visto que as expectativas são moldadas pela relação entre experiências passadas e probabilidades futuras. Uma vez que os mecanismos de recompensa atuam de forma conjunta para um mesmo estímulo, expectativas atendidas, simultaneamente, reforçam comportamento e são recompensadas com resposta hedônica. Assim, sugere-se que a formação de expectativas moldada por exposição seja suportada pelos mecanismos neurais compreendidos pelos sistemas de recompensa. Meyer (1956) atribui, no entanto, a emergência de significado e respostas afetivas à música, à obliteração ou retardo do fluxo natural de informação. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Embora a verificação estrita desse tipo de comportamento necessite de estudos futuros, há como formular uma hipótese plausível com a utilização dos parâmetros disponíveis até então. Sabe-se que em contexto onde há incerteza com relação à recompensa (como ocorre na música tonal), há incremento de atividade dopaminérgica sustentada que varia proporcionalmente à incerteza (Fiorillo et al, 2003). Assim, a previsão de um evento faz aumentar o nível médio de dopamina no sistema. Meyer (1956), no entanto, observa que, na música, os desvios ou retardos no curso natural são sempre posteriormente resolvidos. Pensando-se no contexto da audição de música tonal, a predição de um determinado evento causaria um pico de dopamina. O não atendimento da expectativa gerada, em função de um retardo, causaria depleção da atividade dopaminérgica engendrando tendência à diminuição de dopamina no sistema. A ocorrência posterior do evento seria tomada como recompensa não prevista, causando um novo pico de dopamina. Pode-se pensar que, se o intervalo de tempo entre a “não recompensa” e a recompensa for suficientemente curto para que o nível de dopamina não retoaja ao basal, haverá somatória do pico de dopamina gerado pela recompensa “não prevista” com o nível residual de dopamina resultante da predição não atendida, gerando um pulso dopaminérgico maior do que o normal numa situação de expectativa atendida o que, possivelmente, implicaria no incremento de resposta hedônica [3] e, por conseguinte, incremento do prazer subjetivo. Assim, entende-se haver sustentação para as proposições de Meyer (1956) no corpus de conhecimento científico atual, sugerindo-se papel protagonista dos mecanismos de recompensa nos processos envolvidos nesse aspecto específico de fruição. Há, entretanto, necessidade de futuras investigações específicas que possam estabelecer com mais acurácia a amplitude de validade das assertivas. Entende-se, no entanto, que o resgate das hipóteses de Meyer (1956), e sua validação efetiva, tragam à tona um aspecto peculiar inerente à música tonal, sendo sua caracterização de extrema importância para futuros estudos que abarquem a fruição musical de forma mais abrangente. 305 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Notas [1]Meyer trata especificamente da música tradicional ocidental, de forma que as referências feitas à música no decorrer do texto referem-se também a esse repertório. [2]Para maiores detalhes acerca das relações entre música e teoria da informação propostas por Meyer, recomenda-se a leitura de: Meyer, L. B. (1957). Meaning in music and information theory. Journal of Aesthetics and Art Criticism 15:412–424 [3]Embora a dopamina tenha papel fundamental no processo de recompensa, a elicitação de respostas hedônicas têm sido associadas à ação do opióide endógeno µ-opióide no núcleo acumbente (Smith et al, 2011). Assim, aumento de dopamina no núcleo acumbente quando detectado, por exemplo, pela utilização de monitoramento por tomografia por emissão de pósitrons (PET), (como em Salimpoor et al 2011) deve ser considerado mais como indicador, de forma parcimoniosa, do que como ação de um efetor. Referências Berridge K. C., Kringlebach M. L. (2008). Affective neuroscience of pleasure: reward in humans and animals. Psychopharmacology 199, 457– 480. Besson, M., & Faïta, F. (1995). An event-related potential (ERP) study of musical expectancy: Comparison of musicians with nonmusicians. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 21, 1278–1296. Blood, A.J., Zatorre, R.J. (2001). Intensely pleasurable responses to music correlate with activity in brain regions implicated in reward and emotion. PNAS, vol. 98 no. 20, 11818–11823. 306 Blood, A.J., Zatorre, R.J., Bermudez, P., Evans, A.C. (1999). 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PNAS vol. 108 n. 27, 255-264. 307 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Cultura e memória: considerações sobre a recepção musical Danilo Ramos [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Adriano Elias [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Elder Gomes da Silva [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir algumas questões a respeito da recepção das obras musicais a partir da literatura científica das áreas de cognição, sociologia e neurociência. A música é tratada como um sistema distinto, mas não independente da sociedade que a produz e recebe. Desta forma, a recepção musical é vista como uma experiência incorporada, na qual não é possível destituir o contexto e a própria trajetória do ouvinte. Logo, os processos de enculturação têm um papel importante durante experiência musical, na medida em que tais processos proporcionam a construção e a manutenção de um habitus de escuta. Isso parece estar ligado à memória, que, ao ser evocada, traz consigo uma série de elementos, como fatores afetivos e contexto de ação. A partir desta discussão, sugere-se que os pesquisadores em Cognição Musical levem em conta a maneira pela qual os indivíduos experienciam a música no cotidiano, pois esta parece ser uma variável a ser considerada em estudos envolvendo respostas à tarefas de escuta musical. Palavras-chave: cultura, memória, recepção musical. 308 Culture and memory: considerations about the music reception Abstract: The purpose of this work is discussing some issues regarding the reception of musical works from the scientific literature in the domain of cognition, sociology and neuroscience. Music is treated as a distinct system, but not independent from the society that produces and receives it. Thus, the reception music is seen as an incorporate experience, in which it is not possible dismiss the context and the listener's own trajectory. Hence, the processes of enculturation play an important role during the music ex- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 perience because these processes provide the construction and maintenance of a habitus of listening. This seems to be linked to memory, in which, when invoked, brings a number of important elements, such as affective factors and the context of action. From this discussion, we suggest that researchers in Music Cognition consider the way people experience music in everyday life, because this seems to be a variable to be considered in studies involving responses to musical listening tasks. Keywords: culture, memory, music reception. 1. Introdução Como recebemos uma obra musical? Esta mesma experiência pode ser compartilhada por outras pessoas de uma mesma comunidade ou esta recepção é algo essencialmente pessoal? Neste trabalho, discutimos alguns pontos para estas reflexões, procurando trazer contribuições de áreas como a Cognição, Sociologia e a Neurociência. 2. Música e cultura As relações entre música e sociedade parecem constituir um ponto de grande importância para o estudo da cognição musical (North & Hargreaves 2008 como citado em Ilari, 2010). De um modo geral, existem duas formas de compreender essas relações: a partir da suposição de que, como outras manifestações artísticas, a música seja uma representação da sociedade e, por outro lado, de que música e sociedade constituam sistemas distintos, porém não totalmente independentes. A ideia de que a cultura seja um simulacro da sociedade está presente em Adorno (2009), na medida em que o autor supõe sentidos e significados ideais para as práticas e produtos artísticos. Como observou Dahlhaus (1983, p. 153), aquele que recebe o produto musical, recebe a seu modo. Em outras palavras, é possível que a recepção da obra musical projete não somente os significados pressupostos à obra, mas também a própria experiência do ouvinte. Desta forma, determinado hino nacional, por exemplo, 309 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 pode possuir uma dimensão simbólica mais ou menos definida entre os cidadãos daquele país, ao passo que a Sinfonia nº 2 de G. Mahler pode oferecer outras possibilidades de experiências subjetivas e particulares. Para DeNora (2000, p. 2), […] o trabalho de Adorno representa o desenvolvimento mais significativo no século XX para a ideia de que a música é uma "força" na vida social, um material de construção da consciência e da estrutura social. Mas porque não fornece aparelhos para ver estas coisas como elas realmente acontecem, o trabalho de Adorno também tem o poder de frustrar; o seu trabalho não oferece suporte conceitual para ver a música no ato de exercício inconsciente, nenhuma consideração de como a música entra em ação [1]. Deste modo, apoiada em autores como Howard Becker, Richard Peterson, Samuel Gilmore e Adele Clarke, DeNora (2000) sugere que a música constitui um sistema particular, mas não independente, que se encontra, por sua vez, intimamente articulado com a sociedade. Assim, a recepção da obra musical não ocorre somente a partir de seu significado intrínseco, mas estabelece relações diretas com o ouvinte e seu contexto. 310 De modo similar, Nogueira (2010) tratou a recepção da obra musical como uma experiência incorporada, da qual é impossível destituir a forma, o conteúdo e a própria experiência do ouvinte. Segundo o autor, “[…] se a música oferece uma representação, não é uma representação da experiência objetiva, mas do nosso entendimento dessa experiência. Aquilo que a música pode comunicar não é, meramente, um pensamento, mas uma experiência” (Nogueira, 2010, p. 39). Neste sentido, considerando a experiência musical enquanto uma experiência incorporada, pode-se questionar quais são os mecanismos empregados durante a percepção relacionados ao seu contexto social. Embora ainda não seja possível determinar com precisão a totalidade destes mecanismos [2], porque, muitas vezes, tratam-se de experiências pessoais, efêmeras e não-lineares, ao menos um destes já vem sendo estudado pela et- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 nomusicologia e pela cognição musical: a enculturação ou aculturação (Thompson & Balkwill, 2010, Sloboda, 2008, Hargreaves & Zimmerman, 2006, Hargreaves, North & Tarrant, 2006, Balkwill & Thompson, 1999). De um modo geral, os dois termos têm sido utilizados para definir o mesmo conceito em estudos de cognição musical, embora a literatura apresente uma diferença sutil para sua utilização em contextos mais amplos. Aculturação é a dinâmica de incorporação de uma determinada cultura em detrimento de outra, como utilizado por Barros (2011), em que o prefixo “a” indica a negação da cultura oprimida. O conceito tem sido de grande interesse para áreas como a etnomusicologia e a antropologia cultural, principalmente no contexto de colonialismo e globalização. Enculturação, por outro lado, tem a ver com o processo de inclusão de determinado indivíduo em sua própria cultura (cf. Thompson & Balkwill, 2010), o que a torna um tema interessante para os estudos de psicologia do desenvolvimento musical. Alguns autores da área de cognição se referem frequentemente a este processo por aculturação, como Hargreaves e Zimmerman (2006). Neste trabalho, contudo, será usado o termo enculturação em seu sentido estrito. Os estudos sobre enculturação têm sido relevantes para a compreensão do desenvolvimento musical na infância e adolescência, principalmente no que tange à preocupação com a preferência musical (Hargreaves, North & Tarrant, 2006) e aquisição de habilidades (Sloboda, 2008). Para Hargreaves e Zimmerman (2006), a enculturação ocorre durante toda a vida do indivíduo, de modo espontâneo, mediado pelo contexto cultural e familiar. Contudo, a exposição às estruturas musicais, conforme sugerido por Parncutt (2006), ocorre desde período pré-natal, principalmente a partir dos sons uterinos, do ambiente externo e da fala materna, que carrega informações importantes sobre prosódia, ritmo e acentuações. Becker (2010) traz à tona uma questão interessante quando questiona os modos de escuta e a pesquisa em comunicação emocional em música. O que há de errado na metodologia empregada no Ocidente? Para a autora, Nada, se a intenção é descrever as respostas afetivas para performances descontextualizadas por ouvintes americanos ou europeus de 311 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 classe-média, ouvindo música enquanto estão sentados silenciosamente. A situação de laboratório pode refletir o hábito de muitos ouvintes ocidentais, possivelmente ainda mais agora do que no passado, já que muito da escuta musical ocorre ligada a fones de ouvido em vez de performances ao vivo. (Becker, 2010, p. 128) [3]. Neste sentido, a autora sugere a existência de um papel importante da cultura e do contexto social sobre os modos de escuta e recepção da obra musical. A recepção, desta forma, perpassa pelo contexto sociocultural e pessoal do ouvinte, engendrada pela memória e seu habitus (Becker, 2010, 2004) [4]. Um caso que parece contribuir para ilustrar esta visão é aquele retratado pelo documentário Latcho Drom (Gatlif, 1993), que mostra a trajetória do povo Romani, desde o norte da Índia até à Espanha. Sua trilha sonora possui formas estruturais particulares, mas assume diferentes instrumentações para cada uma das regiões onde se instalou (Egito, Hungria, Romênia, dentre outras). Se o contexto interfere nas formas, há também, de certo modo, uma memória coletiva cultivada pelos laços familiares e culturais, o que torna suas manifestações musicais diferenciadas, porém, fortemente enraizadas em seus habitus. A partir deste contexto, qual seria, então, o papel da memória (individual ou coletiva) para a recepção da obra musical? É o que se discute na próxima sessão deste trabalho. 3. Memória 312 Os modos de percepção, compreensão e reação a estímulos do mundo físico são circunscritos por lembranças de eventos experienciados, ou seja, pela memória (Wiggins, 1995, p. 465). Para o autor: [...] a memória experiencial faz parte daquilo que faz das pessoas o que são, envolvidas que estão em levar a vida que levam: pois a memória experiencial é aquilo que coloca o seu ser sob a influência cognitiva e afetiva daquilo que fez e foi no passado; e isto faz parte do princípio da atividade par excellence de pessoas. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Um olhar sobre o conceito de memória sob o viés da neurociência, Izquierdo (2010, p. 21) afirma que existe um processo de tradução entre a realidade das experiências e a formação da memória respectiva; e outro entre esta e a correspondente evocação. Não obstante, o autor postula que fatores afetivos, o contexto de ação e a combinação entre ambos influenciam na aquisição e na evocação de lembranças. Representações mentais, tais como o reconhecimento de melodias, cadências, frases e formas musicais surgem da relação entre o passado (nossas lembranças) e o presente da obra (eventos que estão a se desenrolar no tempo). Desta forma, constatase que “o tempo não é unidimensional, simples, mas denso, o que sugere a presença maciça de um passado que se desdobra no presente e avança em direção ao futuro” (Seincman, 2001, p. 32). Segundo Jäncke (2006), ao ouvir um simples contorno melódico, várias estruturas específicas da memória são ativadas. Em primeiro lugar, frequências são identificadas e organizadas sequencialmente pela memória de trabalho; a informação decodificada interage com os conhecimentos já armazenados na memória de longa duração e, por fim, torna-se significativa ou não. Segundo Weinberger (2004, como citado em Rizzon, 2009, p. 25), os sons que escutamos e lembramos são igualmente significativos para a mente, uma vez que tanto para ouvir como para imaginar ouvir uma melodia, são as mesmas áreas nos lobos temporais que são ativadas. Tal constatação sugere que as impressões e representações formadas a partir da recepção de um estímulo não geram significados apenas para o que é percebido. Tal significação deriva da estrutura e atividade cognitiva de cada indivíduo. 4. Considerações finais Neste trabalho foram discutidas algumas questões referentes à recepção da obra musical. Se a música não é uma representação ideal da sociedade, tampouco constitui um sistema independente de seu contexto de produção e recepção. A experiência musical está intimamente ligada a um processo de enculturação, o qual envolve uma memória experiencial. Assim, como sugere Damásio (1996, p. 127), 313 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Todos possuímos provas concretas de que sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a idade e experiência se modificam, as versões da mesma coisa evoluem. 314 Na tentativa de ilustrar esta assertiva de Damásio, em um estudo feito por Ramos e Bigand (no prelo), participantes realizavam tarefas de escuta musical devendo, em seguida, relacionar cada trecho musical ouvido com o grau de familiaridade que possuíam, em uma escala de 0 a 10. Os trechos foram divididos em dois grupos: trechos conhecidos do repertório tradicional francês e trechos desconhecidos, compostos pelo próprio pesquisador, com estrutura harmônica e rítmica idêntica aos trechos originais, porém, com mudanças de contorno melódico. Um questionário foi apresentado antes a cada participante, com questões sobre a maneira pela qual eles experienciam a música. Os dados foram analisados considerando os participantes como pertencentes a dois grupos: participantes que relataram experienciar a música de maneira mais objetiva, como “escuto música sempre do mesmo jeito: ouço porque me dá prazer” e participantes que relataram experienciar a música de maneira mais subjetiva, como “para cada escuta musical, presto atenção em um parâmetro; às vezes sou mais analítico, às vezes escuto e não presto atenção em nada e isso depende da música que estou ouvindo”. Uma análise de variância mostrou a influência do tipo de escuta do participante sobre o nível de familiaridade dos trechos musicais (F 2,889; p=0,036). Um post-hoc Newmann Keuls mostrou diferenças entre os níveis de familiaridade musical julgada para os trechos desconhecidos entre participantes que relataram experienciar a música de maneira subjetiva e os participantes que relataram experienciar a música de maneira objetiva (p=0,0288). Estes resultados mostraram que o tipo de escuta interferiu nas respostas: enquanto os participantes de escuta objetiva consideraram os trechos musicais criados pelo próprio pesquisador como sendo pouco familiares, as respostas dos participantes de escuta subjetiva apresentaram índices um pouco mais elevados. Estas diferenças sugerem que o primeiro grupo pode ter dado mais atenção ao fator enculturação, ou seja, ao sistema Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 estrutural em que a música estava inserida (o tonal ocidental). Neste sentido, todas as músicas podem ter “soado parecidas”, já que a escuta era objetiva. Os participantes do segundo grupo (o da escuta subjetiva) pode ter considerado suas respostas levando em conta o fato de já terem ouvido ou não cada uma das músicas apresentadas no estudo, pois, uma vez que a escuta era subjetiva, estes participantes consideraram os trechos não tradicionais como desconhecidos. Estes resultados, aliados aos pressupostos encontrados na literatura científica sugerem que os pesquisadores em cognição musical deem uma importância maior à maneira pela qual os indivíduos experienciam a música em seu cotidiano, uma vez que esta variável parece ter grande influência sobre as respostas a tarefas de escuta musical em estudos feitos em laboratório. Notas [1] “Adorno's work represents the most significant development in the twentieth century of the idea that music is a 'force' in social life, a building material of consciousness and social structure. But because it provides no machinery for viewing these matters as they actually take place, Adorno's work also has the power to frustrate; his work offers no conceptual scaffolding from which to view music in the act of trainning unconciousness, no consideration of how music gets into action.” [2] Danilo Ramos e Adriano Elias, autores deste trabalho, vêm desenvolvendo uma pesquisa sobre o papel das experiências pessoais sobre as respostas emocionais de músicos e não músicos. O estudo encontra-se em fase de coletas de dados e seus resultados deverão ser publicados em breve. [3] “Nothing, if the intent is to describe the affective responses to decontextualized performances by middle-class American or European listeners listening to music while seated quietly. The laboratory situation may reflect the habit of many current Western listeners, possibly even more so now than in the past, as so much musical listening takes place attached to headphones rather than at live performances.” [4] O conceito de habitus utilizado por Becker (2010, 2004) descende de Pierre Bordieu, que o descreve como as disposições prévias para pensar e agir (Bordieu, 2012). 315 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Adorno, T. W. (2009). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, Trad.). São Paulo: Ed. UNESP. Balkwill, L. L. & Thompson, W. F. (1999). A cross-cultural investigation in the perception of emotion in music: psychophysical and cultural cues. Music Perception, 17(1), 43-64. Barros, J. A. (2011). Raízes da música brasileira: uma introdução à história da música erudita no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec. Becker, J. (2004). Deep Listeners: Music, Emotion and Trancing. 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In J. Hopkins & A. Savile (Orgs.), Psicanálise, mente e arte: na perspectiva de Richard Wollheim. Campinas, SP: Papirus. 318 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Considerações acerca do andamento: interpretações de pianistas profissionais e pós-graduandos do Ponteio 45 de Guarnieri Regina Antunes Teixeira dos Santos [email protected] Instituto de Artes, UFRGS Cristina Capparelli Gerling [email protected] Instituto de Artes, UFRGS Resumo: Manipulação no andamento de uma obra musical relaciona-se ao potencial expressivo na interpretação de uma dada obra. A literatura de ciência da performance aponta para dois comportamentos do intérprete frente à alteração do andamento: (i) o escalonamento uniformemente relativo dos aspectos temporais ou (ii) ajuste de micro variações temporais. Nesse contexto, questionamos escolhas e controle de andamento em uma peça contendo várias reapresentações de uma mesma seção: essa manipulação é decorrente do grau de controle técnico, de decisões interpretativas ou de nível de expertise? O Ponteio no. 45 de Guarnieri, de estrutura binária (ABA´B´A´´B´´) foi preparado por cinco pianistas e cinco alunos de pós-graduação. A maioria dos participantes adotou um andamento mais rápido para a seção A, e um andamento mais lento para a seção B, do que aquele solicitado pelo compositor. Do ponto de vista de densidade de notas, os estudantes mostraram-se mais restritos à manipulação desse parâmetro em comparação a pianistas profissionais. A alternância de andamento entre as seções A e B revelou distintos grupos quanto ao andamento adotado na reapresentação das seções. Pianistas parecem ousar mais nas decisões de andamento, afastando-se dos valores referentes ao padrão (performance nominal). Fortes correlações (R > 0,9989), eliminando as notas alargadas ou aceleradas, foram observadas nas performances das 10 primeiras notas da seção A, indicando que a maioria dos intérpretes detém uma articulação rítmica muito regular, sem se arrojar a inflexões temporais. Palavras-chave: inflexões rítmicas, andamento, performance musical 319 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Reflections on tempo: interpretation of Guarnieri´sPonteio 45 by professional pianists and graduate students Abstract: Variations on tempo have been related to potential expressivity on the performance of a given piece. The literature on the science of performance accounts for two behaviors from the musician viz-a-viz alteration of the tempo: (i) relative uniform scaling of the temporal aspects of the performance or (ii) fitting through temporal microvariations. In this context, our questioning was if the choice and control of tempo in the performance of a piece, which contained a section presented several times, was a matter of technical control, interpretative decisions or expertise level. Ponteio # 45 from Guarnieri, bearing a binary structure (ABA´B´A´´B´´) was prepared by five pianists and five graduate students. Most of the sample adopted a faster tempo for section A, and a slower one for section B, in comparison to that demanded by the composer. From the note density point of view, the students were shown to be more restricted in tempo manipulation in comparison to the professional pianists. Tempo alternance between sections A and B revealed distinct groups. Pianists seemed to adopt more daring tempo decisions, getting away to the reference values (nominal performance). Strong correlations (R > 0.9989), eliminating the outliers note, were observed taking into account the attack of the first ten notes in section A, indicating that most of the pianists keep a very regular rhythmic articulation, without altering the timing significantly. Keywords: timing, tempo, musical performance 1.Introdução 320 Manipulações de andamento, intensidade, timbre, articulação, assim como variações de altura (no caso do vibrato) constituem característica do potencial expressivo na interpretação de uma dada obra musical. Para Thompson (2009) essas características de expressão encontram-se na representação mental da estrutura musical a ser acionadas por intérpretes dotados de habilidades performáticas desenvolvidas e dominadas. Dessa forma, poder-se-ia considerar que propriedades tonais ou rítmicas de uma dada peça musical implicam certo perfil expressivo - por exemplo, certas Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 flutuações de intensidade e de andamento estão sujeitas a variações individuais de cada intérprete. Dentre os parâmetros potenciais a serem explorados em uma performance, o efeito da escolha do andamento parece estar diretamente relacionado com a expressividade. Na literatura, existem duas hipóteses acerca da relação andamento/expressividade. A primeira delas diz respeito ao fato de que aspectos temporais da performance são escalonados uniformemente quando o andamento altera-se (Repp, 1994). Em outras palavras, as durações das notas executadas são mantidas nas suas proporções relativas. Uma contra evidência foi também proposta na literatura, na argumentação de que alterações no andamento não acarretam alterações proporcionais de valores, mas sim pode ocorrer um ajuste de micro variações temporais com vistas o conferir expressividade (Desain & Honing, 1994; Friber & Battel, 2002; Timmers et al, 2002). Em pesquisas anteriores (vide, por exemplo, Santos & Gerling, 2012), concluímos que dentre uma série de parâmetros presentes na performance musical, o andamento escolhido pelo intérprete foi o parâmetro-chave que afetava a manipulação dos demais parâmetros (contorno melódico, textura, articulação, dinâmica, timing e coerência global) na avaliação perceptiva de músicos-ouvintes (proficientes ou experts). Esses estudos, já concluídos e realizados com estudantes de graduação e pós-graduação, mostraram que as decisões interpretativas decorreram do nível de expertise de músicos em formação. A literatura, conforme acima descrito, apresenta duas alternativas na descrição do fenômeno de manipulação do tempo na performance. A partir disso, e com base em pesquisas anteriores realizadas pelo nosso grupo, surgiu-nos o questionamento acerca da relação entre alteração e manutenção (ou não) do andamento. Até que ponto a reapresentação de uma dada seção é realizada sob o mesmo andamento? E esse comportamento é decorrente do grau de controle técnico ou de decisões interpretativas? No presente manuscrito descrevemos os resultados de uma pesquisa envolvendo a preparação do Ponteio no. 45 (Com Alegria) de Guarnieri por músi- 321 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cos profissionais e estudantes de pós-graduação, em termos de escolha e manipulação do andamento visando atingir uma interpretação artística. 2. Método Amostras: cinco pianistas profissionais e cinco estudantes de pósgraduação voluntários preparam o Ponteio no. 45 por um período arbitrário. A escolha do Ponteio deveu-se pelos seguintes critérios: (i) peça curta (65 compassos) e pouco exigente em termos técnico-pianísticos; (ii) estrutura binária (ABA’B’A’’B”). O registro ocorreu após solicitação do próprio voluntário, em sentir-se preparado para a gravação. As performances foram realizadas em um Disklavier® (Yamaha). Para a gravação, o voluntário permaneceu sozinho e pode gravar até sentir-se satisfeito. A gravação escolhida pelo intérprete foi submetida à análise. Após o registro, foi realizada uma entrevista semiestruturada acerca de decisões interpretativas na preparação da obra. As gravações (MIDI) foram tratadas pelos softwares FL Studio 9®, SoundForge Pro 10.0® e SonicAnalyzer 2.0®. 3. Resultados e Discussão 322 Estruturalmente, o Ponteio no. 45 contêm seis seções claramente delineadas, constituídas essencialmente de uma seção A, que é posteriormente repetida com modificações ( = 100); e uma seção B, mais lenta ( = 80), também retomada com modificações. A Figura 1 apresenta o andamento adotado pelos participantes. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Figura 1. Andamento adotado pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG = pós-graduando; P = pianista profissional; Padrão = performance nominal. De acordo com a Figura 1, existe um consenso entre os participantes da diferença de andamento entre as seções A e B, que se alternam. Entretanto, percebe-se claramente que a maioria dos participantes adotou um andamento mais rápido para seção A, e um andamento mais lento para a seção B, que aquele indicado pelo compositor. Não se pode negligenciar que a indicação de andamento, por mais que esteja sugerida na partitura, está sujeita a micro variações em termos interpretativos em função tanto da própria estrutura implícita nas frases, como do andamento considerado e realizado pelo instrumentista. Tais micro variações seguem um padrão acelerando-ritardando (Gabrielsson, 1999), além dos ritardandi explícitos em finais em cada seção que ocorre no Ponteio no. 45 de Guarnieri. Há um consenso na literatura que essas variações no andamento (no fluxo global) são importantes para o caráter do movimento emocional de uma peça (vide, por exemplo, referências em Gabrielsson, 1999). Na amostra investigada, de acordo com os depoimentos, a tendência parece ser que a escolha do andamento foi ditada pela própria estrutura e indicação de caráter da obra, e não um uso (restrito) da indicação metronômica. 323 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A Figura 2 ilustra a razão entre os andamentos adotados na alternância das seções A e B, em suas três apresentações. De acordo com a Figura 2, algumas tendências podem ser observadas. Três pianistas (P2, P3 e P5) diminuem a razão de andamento nas transições entre as (re)apresentações das seções A e B. Essa diminuição, poderia ser decorrente de uma diminuição do andamento de A ou de um aumento do andamento da seção B. No caso de P3, esse aumento é atingido pelo aumento subtil do andamento da seção B (54, 59 e 61 bpm). Para P2 e P5, essa queda relativa da razão de andamentos é decorrente essencialmente da diminuição da seção A, a cada reexposição. Três casos tiveram a tendência a aumentar a razão ou aumentar e atingir um plateau: PG2, PG4 e P4. Os demais oscilaram, aumentando o andamento na segunda apresentação de A e diminuindo-o na terceira. 324 Figura 2. Razão entre os andamentos adotados nas transições A para B pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG = pós-graduando; P = pianista profissional. Gabrielsson e Lindström (2010) apontam outro aspecto: a questão do andamento subjetivo, com vistas a conferir uma dada emoção, que se encontra relacionado não apenas ao andamento metronômico, mas também à densidade de eventos sonoros e outras características rítmicas que interagem com esse parâmetro. Nesse sentido, para esses autores, ao invés de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 expressar o andamento em termos de batidas por minuto, é mais aconselhável expressar o número de notas por segundo executadas pelo intérprete. A Tabela 1 apresenta os dados de densidade de notas executadas pelos intérpretes, nas seis seções. Intérprete Densidade de notas (notas/s) A B A´ B´ A´´ B´´ P1 2,45 2,37 2,22 2,13 2,95 1,64 P2 2,99 1,57 2,77 1,75 2,62 1,08 P3 2,45 1,53 2,49 1,63 2,81 1,23 P4 2,89 2,45 3,27 2,53 3,13 1,49 P5 3,35 1,39 3,54 1,65 3,45 1,08 Média 2,86±0 ,38 1,86±0 ,50 2,86±0 ,54 1,93±0 ,38 2,99±0 ,32 1,30±0 ,25 PG1 2,69 1,75 2,89 1,62 3,33 1,19 PG2 2,53 1,45 2,66 1,43 2,87 0,95 PG3 2,88 1,67 2,94 1,65 3,23 1,21 PG4 2,63 1,66 3,03 1,74 3,31 1,78 PG5 2,38 1,78 2,54 1,83 2,57 1,33 Média 2,62±0 ,19 1,66±0 ,13 2,81±0 ,20 1,65±0 ,15± 3,06±0 ,33 1,29±0 ,30 Padrão 2,57 2,13 2,65 2,19 3,06 1,58 Tabela 1. Densidade de notas na performance do Ponteio no. 45 de Guarnieri. P = pianista profissional; PG = pós-graduando; Padrão = performance nominal. No presente caso, o cálculo da densidade de notas na performance da seção A (Com Alegria) ficou na faixa de 2,6-3,1 notas/s para as seções A, e 1,3-1,9 para as seções B, confirmando a relação já observada na determinação do andamento escolhido em comparação com o padrão (A = 2,5-3,1 e 325 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 B = 1,5-2,2 notas/s). Esse valor é aquém daquela densidade relatada por Bresin e Friberg (2011) cuja média foi de 4,98 para a manipulação da emoção de alegria. No presente caso, na seção A, o aumento observado no valor de densidade de notas pode ser em parte justificado pelo aumento de notas nessa última seção (A = 37, A´= 35 e A´´= 44 notas). No caso da seção B, onde o número de notas varia de: 16 para B, 46 para B´ e 19 para B´´. Cálculos percentuais de desvio em relação à performance nominal entre os todos participantes, apontam que a seção B´ é aquela que apresenta a mesma direção (desvio negativo, ou seja, performance um pouco mais lenta que o padrão nominal) entre todos os intérpretes. A seção B´ assume um relevância temática mais intensa ao apresentar um trabalho de improviso sobre a melodia de B, conforme comportamento demonstrado pelos intérpretes, em termos de densidade de notas. Ainda com relação à Tabela 1, os estudantes parecem terem se atido mais à manutenção do andamento do que a exploração desse aumento de densidade de notas, comportamento esse contrário no caso dos pianistas profissionais, em que houve um aumento no valor médio de densidade de notas. Gabrielsson (2009) salienta que andamento e densidade de notas podem desempenhar um fator aditivo em termos de potencial de excitação mais elevado, como é o caso entre as relações entre estrutura musical e o caráter “Com Alegria” desse Ponteio 45. Uma análise multivariada por escalonamento multidimensional (MDS) permitiu identificar proximidades e distanciamos entre os intérpretes, levando em conta os andamentos adotados em cada uma das seções. O mapa perceptual encontra-se representado na Figura 3. 326 1,0 P5 0,8 0,6 Andamento A Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 P4 0,4 PG3 PG4 0,2 PG1 -0,8 -0,6 -0,4 Razao A/B 0,0 -0,2 0,0 0,2 0,6 0,8 1,0 Padrao -0,2 PG2 0,4 P1 -0,4 P4 -0,6 P3 PG5 Figura 3. Razão entre os andamentos adotados nas transições A para B pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG = pós-graduando; P = pianista profissional. Cabe salientar que as duas dimensões assinaladas nos eixos do mapa perceptual são interpretações obtidas através da análise e comparação sistemática dos dados de cada variável e de cada caso. No presente trabalho, a abcissa foi interpretada como sendo a razão entre os andamentos A/B, o que confirma os dados representados na Figura 2, onde P1 e P4 manipulam uma razão de andamentos muito próxima daquela do padrão (andamentos respectivos solicitados pelo compositor). A ordenada foi interpretada como sendo o andamento adotado nas seções A, que parecem configurar, para os intérpretes investigados, como fator de gerenciamento (ou diversidade) entre os andamentos das seções no desdobramento temporal do Ponteio 45. Os resultados sugerem ainda que os pianistas participantes parecem ousar mais nas decisões de andamento, haja vista que se encontram posicionados relativamente afastados do padrão com relação à ordenada (andamento A). Por outro lado, nessa dimensão, os estudantes agrupam-se 327 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 próximo ao valor esperado (padrão), muito embora, a totalidade de estudantes demonstrou falta de gerenciamento entre os andamentos (razão A/B). Apenas dois dos pianistas (P1 e P4) demonstraram um equilíbrio entre essa razão, muito próxima daquela requisitada pelo compositor. 328 Os resultados apontados no MDS sugerem que a performance da seção A e suas reapresentações necessitam uma investigação mais aprofundada. Cabe salientar que as 10 primeiras figuras dessa seção são praticamente idênticas (em termos de altura, ritmo e articulação) nas outras apresentações (exceto com Sol em A’ ao invés de Sol em A e A’’). Correlacionando o tempo nominal com aquele dispendido na performance das 10 primeiras notas da seção A, observa-se que os intérpretes podem ser reunidos em quatro grupos. O primeiro deles faz um allargando entre as notas 4 e 6, retornando ao tempo inicial a partir da nota 7. O segundo grupo realiza um acelerando entre as 4 a 6, compensando posteriormente e ajustando-se ao tempo nominal. Nas duas situações, o ajuste no ataque das notas parece ser decorrente da indicação de crescendo nesse trecho da partitura. Dois estudantes (grupo III) realizaram a performance muito próxima da nominal. Apenas um estudante (grupo IV) oscilou entre alargando e acelerando. De uma forma geral, a fator de correlação para os três primeiros grupos, eliminando as notas alargadas ou aceleradas, forneceu altíssimos indícios de correlação (R> 0,9999), ou seja, isso indica que a maioria dos intérpretes dessa amostra detém uma articulação rítmica muito regular, sem se arrojar a inflexões temporais. Isso pode sugerir que as pequenas inflexões temporais sejam mais favorecidas quando a formatação global do andamento esteja mais delineada deliberadamente pelo intérprete. Nesse sentido, acredita-se que a hipótese da existência da variança temporal na mudança de andamento seja a mais provável na performance. Essa hipótese, ainda não plenamente comprovada, vem sendo defendida pelas pesquisas de Honing (2005). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 4. Considerações Finais No presente estudo, pudemos constatar que o andamento local na reapresentação de uma dada seção altera-se em função da densidade de notas. Esse comportamento deve ser resultante tanto de controle técnico, como de decisões interpretativas. Dessa forma, os presentes resultados apontam para a importância da escolha do andamento global e local (seções), em obras com alternância (e variações) entre seções A e B, na manipulação das inflexões rítmicas na performance artística. Além do andamento metronômico e do andamento subjetivo, a posição de uma referida seção na peça acaba também afetando as variações de andamento global em função de eventos estruturais ocorridos e variados ao longo da peça. Nesse conjunto de dados não foi possível evidenciar aspectos referentes ao nível de expertise. Talvez, pesquisas envolvendo uma amostra maior, incluindo estudantes graduandos iniciantes, possam contribuir na elucidação desse questionamento. Agradecimentos Agradecemos ao CNPq pelo financiamento (Projeto Universal 472652/2012-5). Referências Bresin, R., Friberg, A. (2011). Emotion rendering in music: Range and characteristic values of seven musical variables. Cortex, 47, 1068-1081. Desain, P., Honing H. (1994). Does expressive timing in music performance scale proportionally with tempo.Psychological research, 56, 285292. Friberg, A., Battel, G.U. (2002). Structural Communication. In: R. Parncutt, G. E. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance, 199-218. New York: Oxford University Press. 329 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Gabrielsson, A. (1999). The performance of music (2nded.). In: D. Deutsch (ed.) Thepsychology of music (pp. 501-602). San Diego: Academic press. Gabrielsson, A. (2009). The relationship between musical structure and perceived expresson . In: S. Hallam, I. Cross, M. Thaut. The Oxford handbook of music psychology (pp. 141-150). New York: Oxford University press. Gabrielsson, A., Lindström, E. (2010). The role of structure in the musical expression of emotions. In P. N. Juslin, J. A. Sloboda (Eds.), Handbook of emotion: Theory, research, applications (pp. 367-400) . New York: Oxford University press. Honing, H. (2005). Timing is tempo-specific. Anais da International Computer Music Conference, 359-362. Barcelona, Espanha. Barcelona: UPF. Repp, B.H. 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Na mesma década, Krebs (1987) repensava o conceito de dissonância métrica, analisando, também, o repertório clássico-romântico a partir de tal conceito. Torna-se pertinente, portanto, o debate entre ambas as teorias, na medida em que o conceito firmado por Krebs (1987, 1999) contraria algumas regras desenvolvidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Dessa forma, este artigo intenta examinar relações entre as teorias apresentadas, introduzindo a discussão de uma nova abordagem analítica. O modelo de análise proposto busca utilizar as regras para determinar estruturas de agrupamentos e estruturas métricas formuladas por Lerdahl e Jackendoff (1983) para então, com essas estruturas já definidas, examinar as relações métricas conforme a teoria de Krebs (1987, 1999). Os resultados demonstram que análises feitas a partir deste novo modelo analítico exibem resultados precisos, não só em estudos de música tonal, mas também de outros idiomas musicais. Palavras-chave: A Generative Theory of Tonal Music, Lerdahl e Jackendoff, Dissonância Métrica, Harald Krebs Interactions between A Generative Theory of Tonal Music and the Concept of Metrical Dissonance: toward a new analytical model Abstract: In 1983, publishing A Generative Theory of Tonal Music (GTTM), Lerdahl and Jackendoff laid the groundwork for a theory that seeks to support the analysis of tonal music based on aural perception. In the same decade Krebs (1987) rethought the concept of metrical dissonance analyzing from this concept the classical-romantic repertoire as well. Therefore, it is appropriate the discussion between both theories 331 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 since the concept executed by Krebs (1987, 1999) contrary to some rules determined by Lerdahl and Jackendoff (1983). Thus this paper aims to examine the relationship between the presented theories introducing the discussion of a new analytical approach. The proposed analytical model seeks to use grouping and metrical rules developed by Lerdahl and Jackendoff (1983), and then, already with those structures defined, to observe metrical relationships from the Krebs (1987, 1999) theory. The results demonstrate that analyzes made from this new analytical model show accurate results in studies of tonal music and also other music idioms. Keywords: A Generative Theory of Tonal Music, Lerdahl and Jackendoff, Metrical Dissonance, Harald Krebs 1. Introdução Das muitas questões que devem ser tratadas com primazia para o desenvolvimento da pesquisa em Música é o diálogo entre as diferentes linhas de pesquisa que a representam. A Cognição Musical tem contribuído com diversos eixos temáticos, dentre eles o da Teoria e Análise. O estudo de processos perceptivos vem reafirmando, transformando e gerando novas tendências no campo da Teoria e Análise Musical, porque “muitos conceitos teóricos [...] têm recebido verificação empírica” [1] (Dibben, 2003, p. 193). Entretanto, Dibben (2003) também observa que, enquanto certos “constructos teóricos parecem mesmo ser ouvidos, outros parecem ter pouca relação com as experiências dos ouvintes” (p. 193). 332 Refutando alguns aspectos de A Generative Theory of Tonal Music (GTTM), de Lerdahl e Jackendoff (1983), alguns autores (e.g. Cambouropoulos, 1997; Erut & Wiman, 2012) procuram apresentar novos modelos analíticos, enquanto outros propõem estender a própria teoria gerativa (e.g. Halle & Lerdahl, 1993), ou mesmo examinar tal teoria sob outro prisma, como o da Teoria Musical (e.g. Temperley, 2000) ou o da Etnomusicologia (e.g. Dibben, 2003). O presente artigo busca introduzir a discussão de uma possível reformulação de algumas regras de GTTM, estendendo esse mode- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 lo analítico sob a perspectiva dos conceitos de consonância e dissonância métrica, conforme desenvolvidos por Krebs (1987, 1999). 2. Dissonância Métrica Embora Krebs (1987, 1999) desenvolva o conceito de dissonância métrica com um viés teórico, notamos em suas explanações que esse é um constructo que pode ser percebido pelo ouvinte. A própria taxonomia de dissonâncias métricas apresentada por Krebs (1987, 1999) deriva de aspectos perceptivos. Dessa forma, a articulação da dimensão puramente teórica com as características cognitivas é diligenciada pelo próprio autor. Em 1987, Krebs discutiu pela primeira vez o termo dissonância métrica repensando a ideia de dissonância rítmica apresentada por Maury Yeston. Para Krebs (1987, 1999) o que caracteriza um trecho musical metricamente consonante é a ausência de não alinhamento entre os níveis métricos. “A dissonância métrica, ao contrário da consonância”, acrescenta Krebs, “requer a presença de ao menos três níveis” (1987, p. 103): o menor nível métrico [2] e mais dois níveis superiores com algum grau de não alinhamento entre eles. Em vista disso, Krebs (1987, 1999) distingue, primeiramente, dois principais tipos de dissonância métrica: 1 – quando dois níveis métricos não são múltiplos ou fatores um do outro e; 2 – quando dois níveis métricos são idênticos, mas um está deslocado temporalmente em relação ao outro [3]. A notação a seguir (Figura 1) exemplifica a tipologia explicada. 333 Figura 1. Exemplos dos tipos 1 e 2, respectivamente, de dissonância métrica. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ambos os exemplos da Figura 1 utilizam a notação de estruturas métricas proposta por Lerdahl e Jackendoff (1983): o primeiro exemplo representa uma hemiola, classificada dentro do tipo 1, enquanto o segundo exemplo exerce o tipo 2 de dissonância métrica. Nota-se que os exemplos da Figura 1 violam certas regras definidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Na próxima seção deste texto serão discutidas algumas possíveis adaptações dessas regras, a fim de integrar o conceito de dissonância métrica em GTTM. Há uma segunda dicotomia que abarca tanto a tipologia de dissonâncias métricas como a de consonâncias métricas. Essa dicotomia tem uma relação imediata com GTTM, dado que ela deriva de um princípio da Gestalt: a lei da continuidade. Para Krebs (1987, 1999), uma consonância ou dissonância é direta quando os níveis métricos emergem de fenômenos sonoros simultâneos, e, indireta quando diferentes níveis métricos “não estão sobrepostos, mas meramente justapostos” (Krebs, 1987, p. 105), ou seja, quando um determinado nível métrico finda com a aparição de um segundo nível métrico diferente. “A dissonância indireta existe por causa da nossa tendência como ouvintes em manter um pulso estabelecido por um curto tempo depois de este ser, na verdade, interrompido.” (Krebs, 1999, p. 45). 334 Krebs (1999) desenvolve a taxonomia de dissonâncias métricas com outras classificações que, todavia, não serão trazidas para discussão neste trabalho por serem estudadas pelo autor sob o prisma do intérprete e não do ouvinte exclusivamente. Destaca-se ainda que, em casos de dissonâncias métricas, “os dois níveis conflitantes são raramente ouvidos como tendo igual significância; um dos níveis é normalmente ouvido como sendo primário [4], o outro ou outros como secundário” (Krebs, 1987, p. 105). Por fim, é intrigante que o conceito de dissonância métrica tenha sido utilizado para explicar uma parte significativa do repertório tonal (e.g. Grave, 1995; Krebs, 1999), porque é exatamente o idioma musical com que Lerdahl e Jackendoff (1983) trabalham, isto é, trata-se do idioma do qual parte e para o qual se destina a teoria desenvolvida pelos autores. É válido, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 consequentemente, buscar uma coerência entre ambas as partes com a reformulação de algumas regras de GTTM, tendo em vista que a teoria de Krebs (1987, 1999) não oferece suporte para determinar sistematicamente as estruturas métricas possíveis de um trecho musical, mas unicamente um modelo para se analisar relações métricas. Assim, com GTTM determinamse sistematicamente as estruturas de agrupamentos e estruturas métricas e, através dos conceitos firmados por Krebs (1987, 1999), examinam-se as relações métricas. 3. Repensando regras de GTTM Na teoria de Lerdahl e Jackendoff (1983), para determinar estruturas de agrupamentos e estruturas métricas, há dois grupos de regras: para caracterizar a boa formação de estruturas de agrupamentos (GWFR) e de estruturas métricas (MWFR) e, para impor preferência a determinadas estruturas de agrupamentos (GPR) e estruturas métricas (MPR). GWFR 4 e MWFR 2 interferem diretamente no resultado de análises de relações de consonância e dissonância métrica, pois tais regras impõem a existência unicamente de estruturas metricamente consonantes. Para Lerdahl e Jackendoff, conforme GWFR 4, “se um grupo G1 contém parte de um grupo G2, G1 precisa conter todo o G2” (1983, p. 38). Krebs denomina “dissonância de agrupamento” (1999, p. 31) o tipo 1 de dissonância métrica porque estruturas assim classificadas apresentam intersecções entre os agrupamentos, ou seja, violam GWFR 4. Portanto, para uma interação entre as explanações de Krebs (1987, 1999) e GTTM, é preciso refutar GWFR 4. No enunciado de MWFR 2 Lerdahl e Jackendoff (1983) afirmam que “todo tempo [5] em dado nível precisa também ser um tempo em todos os níveis menores presentes naquele ponto da peça” (p. 72). Visando abranger o conceito de dissonância métrica, no presente estudo MWFR 2 é acatada como segue: quando os tempos de um dado nível forem também tempos em todos os níveis métricos menores presentes naquele ponto da peça, tal trecho é me- 335 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 tricamente consonante; quando os tempos de um dado nível não forem necessariamente tempos em todos os níveis métricos menores presentes naquele ponto da peça, tal trecho é metricamente dissonante. Observando as análises feitas por Krebs (1999), nota-se que, em trechos metricamente dissonantes, os níveis métricos contrastantes são executados de maneira que ao menos um parâmetro sirva de referência para o ouvinte distingui-los, e.g., mão direita e mão esquerda do piano (registro), diferentes instrumentos de percussão (timbre), entre outros. London (2012) nota que “diferenças de timbre podem ajudar a delinear níveis rítmicos [diferentes]” (p. 100). Evidentemente, quanto mais parâmetros para distinguir os níveis métricos contrastantes, mais clara é a dissonância métrica. É importante lembrar ainda que, em casos de dissonância métrica indireta, mesmo havendo pouca diferença nos parâmetros entre os níveis contrastantes (e.g. uma única linha melódica), a própria mudança de estrutura métrica será percebida pelo ouvinte como dissonância métrica, existindo somente de forma temporária em sua mente. Cabe recomendar que, com o modelo de análise ora proposto, as partes que compõem o todo de um trecho musical sejam analisadas separadamente, partindo do princípio de que o ouvinte percebe o todo, mas pode ouvir também as partes individualmente se houver parâmetros de referência para isso, atentando ao limite de situações em que esse princípio é válido. Quando as estruturas métricas das partes estão alinhadas, temos, no todo, uma consonância métrica direta. Para procurar dissonâncias métricas indiretas a análise deve considerar a sequência de diferentes estruturas métricas. 336 Reitera-se, então, que se deve considerar a presença de GPR e MPR, também, nas partes que compõem o todo de um trecho musical. Onde os efeitos de GPR e MPR forem mais acentuados, mais facilmente os níveis métricos diferentes serão percebidos separadamente. Deve-se considerar, ainda, que um estudo prévio da partitura de um trecho musical metricamente dissonante pode guiar nossa percepção auditiva desse mesmo trecho (sobre a “escuta analiticamente informada”, ver London, 2007, pp. 9-11). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 4. Uma nova regra para GTTM: MPR 11 (Estereofonia) Este trabalho propõe, ainda, uma nova regra dentro do grupo MPR. Esta regra sustenta que a estereofonia entre níveis métricos diferentes pode ser mais um parâmetro de referência para o ouvinte. O enunciado da nova regra é o seguinte: onde dois níveis métricos diferentes emergem, simultaneamente, de uma estereofonia, eles preferivelmente são percebidos, também, individualmente. MPR 11 pode ser levada em consideração no procedimento composicional. Em obras que fazem uso do processo de phase-shifting, por exemplo, as frases deslocadas temporalmente podem gerar dissonâncias métricas do tipo 2 se tal deslocamento provocar um não alinhamento entre níveis métricos. Neste sentido, MPR 11 determina que os dois níveis métricos contrastantes de uma dissonância do tipo 2 podem ser percebidos individualmente se houver um efeito acentuado na diferença de parâmetros como registro, timbre e estereofonia entre as frases contrastantes. Assim, além de surgir “para o ouvinte uma terceira frase musical” (Traldi, 2012, pp. 410411), este poderia continuar percebendo ambas as frases fatoriais. Ouvindo comparativamente, por exemplo, Clapping Music, de Reich, em monofonia, e, entre 12min 55s e 13min 35s de Variations for Trumpet (1968), de Don Ellis, versão de estúdio em estéreo, nota-se que no primeiro caso somente o todo – “a terceira frase musical” – é evidente, entretanto, em relação à segunda peça as considerações apresentadas acima parecem ter uma maior valia. Finalmente, é sintomático que, normalmente, o objetivo último de um processo de mixagem é fazer com que cada parte que compõe o todo possa ser reconhecida pelo ouvinte. Destarte, defende-se que o trabalho de edição do áudio de uma composição com esse fim deve ser visto como um processo de criação, i.e., da própria composição, tendo em vista a influência da estereofonia na percepção das estruturas de agrupamentos e estruturas métricas. 337 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5. Algumas análises Concluindo este artigo, trechos de duas peças compostas por Don Ellis são analisados seguindo as propostas levantadas ao longo deste texto. Nas figuras abaixo, os números e as letras escritas na pauta indicam as GPR que determinam limites entre agrupamentos, segundo a teoria de Lerdahl e Jackendoff (1983). Os exemplos a seguir fazem parte do repertório que o autor deste artigo tem pesquisado, mas certamente estruturas metricamente dissonantes podem ser encontradas em inúmeros outros idiomas musicais. O primeiro exemplo foi extraído da peça The Tihai (1968). Trata-se de uma sobreposição de três quadros métricos com timbres diferentes, gerando uma dissonância direta do tipo 1. Na Figura 2, pode-se observar o não alinhamento entre os níveis métricos. Nota-se que, com a repetição dessas estruturas, a cada seis compassos os níveis são completamente realinhados, característica que pode ser reconhecida auditivamente. Pode-se afirmar que o nível métrico primário, neste contexto, está representado pelo segundo nível da parte dos saxofones, tendo em vista que este nível métrico – alternando entre e . – é estabelecido primeiro no decorrer da peça. 338 Figura 2. Dissonância métrica direta do tipo 1. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 O próximo exemplo é um excerto de Strawberry Soup (1971). A Figura 3, exemplificando uma dissonância indireta do tipo 1, é uma redução para piano da mudança de metro que ocorre em todos os chorus dessa peça de Ellis. Não há alteração na fórmula de compasso, mas auditivamente é possível reconhecer a mudança da subdivisão 3222 (9/8) para 333322 (12/8+2/4), bem como o reajuste com o acréscimo de valores no final do chorus. A dissonância é indireta porque o ouvinte tem a tendência de manter o metro já estabelecido (9/8) por um curto espaço de tempo. Pode-se sustentar também que o acréscimo de valores no final do chorus é inesperado para o ouvinte se sua percepção já identificar o novo metro; portanto, ali há igualmente uma dissonância indireta. Na Figura 3, somente níveis maiores de agrupamentos e menores da estrutura métrica estão indicados na análise. Figura 3. Dissonância métrica indireta do tipo 1. Estudando possíveis interações entre os escritos de Lerdahl e Jackendoff (1983) e Krebs (1987, 1999), este artigo apresentou uma nova abordagem analítica. Os exemplos anteriormente exibidos demonstram que o objetivo é ampliar a teoria gerativa abarcando não só a música tonal, mas também outros idiomas musicais. Os resultados ainda demonstram que uma análise sistemática – com as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) – para determinar as estruturas de agrupamentos e estruturas métricas é também útil e, possivelmente, mais precisa do que uma abordagem empírica. Dessa forma, recomenda-se a utilização destas propostas em estudos posteriores, procurando dar continuidade à discussão sobre universais musicais introduzida por Lerdahl e Jackendoff (1983, pp. 278-302), atentando para 339 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 possíveis estruturas metricamente dissonantes em diferentes idiomas musicais. Notas [1]Todas as traduções ao longo do presente artigo foram realizadas pelo autor. [2] Denominado, por Krebs, nível de pulso. Logo, o nível de tactus, para Lerdahl e Jackendoff (1983), estaria normalmente acima do nível de pulso. [3] Krebs intitula, respectivamente, os dois tipos de dissonâncias como “dissonância de agrupamento e dissonância por deslocamento” (1999: pp. 31-45). [4] O nível primário está diretamente relacionado à ideia de tactus, no sentido de ser o nível proeminente. Logo, pode-se afirmar que um nível primário também existe em estruturas metricamente consonantes. [5] O termo beat está sempre traduzido como tempo neste artigo. Referências Cambouropoulos, E. (1997). Musical Rhythm: A Formal Model for Determining Local Boundaries, Accents and Metre in a Melodic Surface. Music, Gestalt, and Computing Studies in Cognitive and Systematic Musicology, 277-293. Dibben, N. (2003). Musical Materials, Perception, and Listening. In M. Clayton, T. Herbert, R. Middleton (Ed.), The Cultural Study of Music: A Critical Introduction. Florence, Kentucky: Routledge. Erut, A. S., Wiman, F. A. (2012). Grouping Spectrum: toward a redefinition of the concept of musical understanding. Anais do 8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais, SIMCAM 8, 19-26. 340 Grave, F. (1995). Metrical Dissonance in Haydn. The Journal of Musicology, Vol. 13, No. 3, 168-202. Halle, J., Lerdahl, F. (1993). A Generative Textsetting Model. Current Musicology, 55, 3-23. Krebs, H. (1987). Some Extensions of the Concepts of Metrical Consonance and Dissonance. 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Anais do 8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais, SIMCAM 8, 409-413. 341 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 No limite da terra fértil: breves considerações sobre o fracasso da forma musical Eduardo Fabricio Frigatti [email protected] Universidade Federal do Paraná - UFPR Resumo: O movimento do serialismo integral revolucionou todos os parâmetros da composição e da escuta musical. Movidos pela necessidade de se reinventarem, os compositores que participaram desse movimento utilizaram técnicas composicionais que afastassem ao máximo a interferência da memória – por remeter à tradição musical – do processo de criação. Embora esse radicalismo tenha gerado uma gama ampla de novas possibilidades sonoras e sintaxe musical, sofreu duras críticas não só por fundamentar o ato criativo em sistemas herméticos, mas também por gerar uma música de difícil escuta, com grande disparidade entre sua realidade sonora e sua lógica estrutural. Assim, o presente artigo discute a dificuldade da escuta da produção musical do serialismo integral baseado na percepção da forma musical. Para tanto, analisa os textos em que o compositor francês Pierre Boulez discorre sobre sua estética, seus procedimentos técnicos e sua concepção de forma; e contrapõe suas ideias a de compositores contemporâneos. Palavras-chave: Serialismo Integral – Forma Musical – Memória 342 At the edge of the prolific land: brief comments on the failure of the form Abstract: Integral serialism transformed all the parameters of composing and listening. Composers who took part in this movement were led by a necessity of reinventing themselves. They employed techniques of composition aiming to push away all the interference of the memory – which was accepted for representing musical tradition – from the process of creation. Even though this radical movement created a wide range of new possibilities of sounds and musical syntaxes, it suffered severe critics for two mains reasons: it based the creative act in hermetic systems and it created a hard listening style of music with a huge discrepancy between the real sound of the piece and its logical structure. In this way, this article discusses the difficulty of the listening of this pieces produced by the integral seri- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 alism as result of the perception of the musical form. For that, this paper analyses the texts in which the French composer Pierre Boulez talks about his aesthetic, his technical procedures and his conception of form; and also contrasts his ideas and his contemporaries. Keywords: Integral serialism – Musical Form - Memory Da eliminação da memória à incompreensibilidade Após a Segunda Guerra Mundial, o desejo de mudança e a negação da tradição – não de modo pejorativo, mas vislumbrando novas possibilidades – levaram os compositores mais jovens a buscarem sonoridades desconhecidas e novas técnicas composicionais. Entre os movimentos com essa ambição, encontra-se o Serialismo Integral. Embora o compositor estadunidense Milton Babbitt tivesse composto em 1947 obras dentro dessa tendência, foi o grupo serialista europeu, liderado por Pierre Boulez, que ganhou maior notoriedade e exerceu maior influencia nos anos seguintes. A gênese da técnica composicional deste grupo está relacionada às pesquisas de Oliver Messiaen – sobretudo as concretizadas em Quatre Études de rythme – e dos desdobramentos de alguns procedimentos adotados por Anton Webern – como a escrita rarefeita, que desaguaria no pontilhismo, e as técnicas composicionais empregadas em suas Variations for Orchestra Op. 30. Sob o ponto de vista estético, sobretudo no que concerne ao começo radicalmente novo, os debates, embora prolíficos, ainda não são esclarecedores. Ainda assim, é possível apontar fatores importantes: a tendência para uma racionalização, mesmo uma abordagem matemática, das artes naqueles anos; e o desejo de começar novamente, cujo principal obstáculo eram as memórias musicais, a tradição (Brindle, 1975; Morgan, 1991). Comentando o processo de criação de Structures pour deux pianos, Boulez (1992) relata o desejo que tinha de apagar de seu vocabulário absolutamente todo vestígio do tradicional, no que diz respeito tanto às figuras e frases quanto ao desenvolvimento e à forma; e reconquistar, paulatinamen- 343 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 te, elemento por elemento, de tal modo que se pudesse criar uma síntese inteiramente nova. O compositor francês também almejava criar um sistema único que gerasse o material e não o obrigasse a recorrer a procedimentos distintos de diferentes compositores – o sistema de alturas de um, o princípio rítmico de outro e, de um terceiro, a ideia de forma (Boulez, 1992). Em suma, “a uniformização da linguagem exigiu uma total renovação dos valores ‘semânticos’; o questionamento do vocabulário em todos os níveis obrigou-me a procurar uma unidade fundamental” (Boulez, 1992. p. 70). Começar novamente exigiu neutralizar a memória do compositor durante a criação, pois sua mente, em geral, cria somente com o que suas memórias lhe sugerem. O compositor tende a remontar padrões musicais familiares e isto deveria ser evitado (Brindle, 1975). Corroborando tal afirmação, Boulez diz, ao comentar o processo de criação de Structures: De que maneira acreditei poder eliminar do meu vocabulário todo vestígio do tradicional? Confiei a inúmeras organizações a responsabilidade pelos diversos graus do trabalho criativo. Depois de escolher a situação material já existente [1], dei-lhe, por meio de uma série de números, uma autonomia total, sobre a qual eu apenas precisava exercer maior influência de uma maneira descompromissada, superficial, de modo que estes mecanismos automáticos não entrassem em desordem. (Boulez, 1992. p. 71). 344 Eliminar a memória musical pessoal do processo de criação era uma tentativa de extirpar todo vestígio do vocabulário tradicional, ao menos em teoria, pois alguns parâmetros ainda eram decididos subjetivamente. De qualquer modo, naqueles anos, a total organização era o único modo de se criar a tabula rasa sobre a qual se poderia erguer uma nova música.Tais procedimentos permitiriam gerar novas sonoridades completamente diferentes do que já se ouvira antes (Brindle, 1975). Entretanto, mesmo que seja inegável a contribuição das pesquisas serialistas para ampliação do repertório sonoro e das possiblidades de escuta, sua escrita excessivamente hermenêutica sofreu duras críticas: notação Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 demasiadamente complicada para ler e executar; um emprego casual e não controlado dessas novas sonoridades, que, em geral, resultavam em músicas menos interessantes que os sistemas que a geraram, e que levavam frequentemente à ruptura da capacidade de compreensão por exigir um esforço excessivo da memória e percepção do ouvinte (Brindle,1975). Comentando os contrastes de dinâmica típicos da escrita serialista, Brindle (1975) diz: O contraste de dinâmica e as diferentes formas de ataque são um aspecto essencial da música moderna, mas a mudança perpétua envolve o grande perigo de o contraste passar despercebido, e, portanto, não ter valor. Em muitos casos do serialismo integral, nos quais as dinâmicas são alocadas individualmente para cada nota por algum serial ou mecânico processo, tem-se a impressão que o compositor não somente perdeu todo senso prático do que é musicalmente apropriado, mas dá ao intérprete uma tarefa impossível. Mais adiante, sobre emprego de excessivas permutações, afirma: Se elas [permutações] são usadas para obter variantes da série dodecafônica, tão logo começam, qualquer ‘unidade’ temática memorável das notas da série voam com o vento [...] Como a mente não pode compreender infinitas mudanças, ou mesmo lembrar mais do que um punhado de variações, poucas permutações são tão boas quanto muitas (Brindle, 1975). Mesmo Boulez (1992; 2008) reconhece – ao menos parcialmente – as limitações do método e afirma a impossibilidade do ato de compor não poder ser assimilado ao fato de se fazer a justaposição de encontros estabelecidos estatisticamente. Contudo, a produção musical predominante do serialismo integral, e uma parte considerável da que lhe sucedeu, não assimilaram somente as novas sonoridades e sintaxe, mas também uma tácita estética da destruição que se instaurara – oriunda do desejo schoenberginiano da destruição das aparências–, desaguando, assim como a música do serialismo integral, em uma música de saturação sonora e, em muitos casos, mnemonicamente impossível. “O esforço do ouvido, necessário para dar 345 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 forma à música, tornou-se inútil, pois a forma possível é a do caos e da destruição” (Dottori, 2005. p. 257). O cerne da forma musical De modo explícito ou implícito, a função da memória na escuta de uma obra é um tema a muito recorrente nos livros de composição e estética, além de ter-se tornado um ponto chave para compreensão do fenômeno musical. Não é por coincidência que, ao longo do século XX, as questões que estavam na base do formalismo musical – emergente na segunda metade do século XIX – migraram progressivamente para o domínio da teoria da percepção e da psicologia cognitiva, tornando-se tópicos centrais da pesquisa musical em ciência cognitiva contemporânea. A compreensão de que a audição musical é uma experiência que se dá no tempo, cujo papel da memória é primordial para sua organização, é compartilhada por diversos autores formalistas (Brelet, 1957; Dottori, 2005; 2012; Junchaya, 2010; Nogueira, 2010). Tal conclusão tem implicações diretas em como se compreende a forma. Segundo tal concepção, a percepção da forma está profundamente vinculada à experiência de escuta ao longo do eixo temporal, o qual supõe recordar na memória os eventos sonoros e relacioná-los na mente, cumprindo expectativas ou gerando surpresa (Junchaya, 2010; Nogueira, 2010; Dottori, 2005; 2012). 346 Essas relações são construídas por eventos que são categorizados e recategorizados – ou seja, identificados, catalogados e hierarquizados – à medida que a peça avançada. A compreensão da forma global requer a mediação de eventos simples, agrupamentos e figurações frásicas, para então constituir-se de representações categorizadas na memória de longo-prazo (Nogueira, 2010). A relação entre o que se ouviu, o que se ouve e o que se ouvirá é feita na memória de curto-prazo pela memória de trabalho; da qual, ao contrário da anteriormente citada, tem-se consciência e, portanto, apresenta um limite na quantidade de processamento de informações – em torno de sete elementos, variando entre dois para mais ou para menos. Se Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 esta ultrapassa seu limite, a informação velha dá lugar à nova. As informações, que estão no foco de atenção, são selecionadas do depósito sensorial, que as recebe do sistema sensorial e ficam armazenadas por alguns segundos até que as relevantes sejam deslocadas para o foco de atenção e relacionadas às outras memórias. (Foster, 2011). A memória é fundamental para compreender-se a música, pois “os padrões que controlam e ordenam os eventos musicais numa forma temporal e inteligível são regidos por nossa habilidade em reconhecer identidades e inferir constância” (Nogueira, 2010. p. 134). Ou seja, categorizar e construir relações. Do estruturalismo hermenêutico às considerações A música serialista, e boa parte da música de vanguarda pós-quarenta, propõe uma construção e escuta fundamentada na estrutura, no “[...] conjunto de relações que são desenhadas do material musical em um trabalho e usadas em sua ordem interna ou organização, independentemente do momento no tempo no qual elas acontecem ou são percebidas” (Gieseler apud Junchaya, p. 3). Por outro lado, reduz a importância da forma global, de contorno gestáltico, entendida como “[...] o modo como uma obra musical é mostrada no tempo, o qual pode ou não fazer óbvia ao ouvinte sua estrutura, mas através de uma série de procedimentos o deixa ter uma ideia dela” (Gieseler apud Junchaya, 2010. p. 3). Embora Boulez trate a noção de forma em seus textos, ele tende a enfocar a discussão nos aspectos estruturais – como na ideia de estrutura estática ou dinâmica –, pois entende que a forma global como única a cada obra, tornando-se, portanto, inviável sem a análise de cada caso (Boulez, 1992). E, apesar dele estar consciente da necessidade de organizar a música no tempo para fazê-la compreensível, o compositor francês entendia que qualquer resultado formal, se estruturado pelo compositor, era válido (Boulez, 1992; Junchaya, 2010). Assim, como muitos vanguardistas, Boulez crê que a forma se justifica pela força de estruturação da peça, que precisa ser 347 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 coerente e lógica, mas não necessariamente governada por uma sucessão de eventos no tempo (Junchaya, 2010). Este enfoque na estrutura local, sobretudo do serialismo integral, em detrimento da forma, dificulta a possibilidade do ouvinte em construir relações entre as diversas partes e compreender o todo, por duas razões centrais: pelo fato dessas estruturas serem regidas por formantes – conjunto de critérios de escolhas, para usar a terminologia de Boulez – que deveriam criar campos notáveis dentro de uma grande estrutura (Boulez, 1992), mas que ao abusar de gestos complexos extrapolam a capacidade da memória em identificar padrões importantes, e, assim, levam o ouvido ao fracasso na tentativa de categorizá-los e hierarquizá-los; e, em segundo, por não conseguir criar relações de pequenas estruturas, inviabiliza relações na memória de longo prazo. Essa música não se torna difícil de ouvir pelo universo de novos sons que gerou, mas sim pelo fracasso em propor uma forma global que se desenvolve no tempo àquele que a escuta. Cabe ressaltar que a postura assumida por Boulez e seus partidários foi guiada por uma decisão estética, da qual – embora não tivesse sido discutida a fundo no momento de criação das primeiras peças do movimento serialista integral, devido à crucial demanda por inovações técnicas – tinham consciência das potencialidades, limitações e riscos (Boulez, 1992). Nota [1] Grifo do próprio autor. Boulez se refere ao fato de ter utilizado a série empregada por Messiaen em Quatre Études de rythme. 348 Referências Brelet, Giséle. (1957). Estética e Creación Musical. Trad. Leopoldo Hurtado. Buenos Aires: Hachette S. A. Brindle, Reginal Smith. (1975). The New Music: the avant-garde since 1945. Bristol: Oxford University Press. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Boulez, Pierre. (1992). A música hoje 2. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Ed. Perspectiva. ______. (2008). Apontamentos de Aprendiz. Trad. Stella Moutinho; Caio Pagano; Lidia Bazarian. São Paulo: Ed. 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En Anta (en evaluación) se observó que esta distorsión provocó una merma en la capacidad de los oyentes de identificar la tónica de los fragmentos. Los análisis aquí realizados sugieren que la causa de esta merma fue el incremento de la dispersión local de las notas (i.e., de la distancia media que separaba a cada nota de la siguiente), no de su dispersión global (i.e., de la distancia media que separaba a cada nota de todas las otras notas del fragmento). Palabras clave: Inducción tonal – dispersión local – dispersión global 350 Incidência da dispersão das alturas na indução tonal Resumo: Neste estudo foram analisados dados coletados em Anta (em avaliação) em uma tarefa de indução tonal em que os participantes tinham que identificar a tônica de fragmentos de melodias tonais originais e distorcidas. Um elemento de distorção foi aumentar a distância (em semitons) que existia entre as notas, i.e., sua dispersão no registro. Anta (em avaliação) observou que esta distorção provocou uma diminuição na capacidade dos participantes para identificar a tônica dos fragmentos. As análises realizadas aqui sugerem que a causa desta diminuição foi o aumento da dispersão local das notas (ou seja, da distância média que separava cada nota da seguinte), não da sua dispersão global (ou seja, da distância média que separava cada nota de todas as outras notas do fragmento). Palavras-chave: Indução tonal – dispersão local – dispersão global Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 1.Introducción La inducción tonal, es decir, el proceso por el cual se identifica la tonalidad de una pieza, es un componente clave de la experiencia del oyente: su resultado, la tonalidad identificada, determina cómo el oyente comprende las notas y acordes que componen la pieza, las tensiones que generan y, entonces, cuáles son los momentos de apertura y cierre del discurso musical (Salzer, 1952 [1995]; Lerdahl, 2001; ver también Krumhansl, 1996). Dada la importancia de la inducción tonal, una pregunta clave en los estudios psicomusicológicos es cómo se lleva a cabo: ¿cómo identifican los oyentes la tonalidad de una pieza? Las respuestas a esta pregunta son diversas. Sin embargo, se las puede agrupar en torno de dos tipos de modelos de inducción tonal, usualmente denominados modelos funcionales y distribucionales (ver Brown, 1988; Temperley, 2007; ver Anta, 2011). Según los modelos funcionales (e.g., Browne, 1981; Brown & Butler, 1981), los oyentes identifican la tonalidad de una pieza a partir de su vector de clases de intervalos, y del orden de sus componentes. El vector indica cuáles son los intervalos más ‘raros’ (i.e., menos frecuentes) en la pieza, los que, por su rareza, permitirían al oyente ‘ubicarse en la escala’; el orden de las clases de altura que forman los intervalos reforzaría la tonalidad establecida, en tanto enfatice resoluciones típicas –e.g., sensible-tónica. Por ejemplo, la Figura 1-A muestra un fragmento de la melodía del op. 89-XVI de Franz P. Schubert El vector de clases de intervalos que se extrae del pasaje es 2-5-4-3-6-1, lo cual significa que a partir de las clases de altura disponibles pueden inferirse 2 intervalos de segunda menor, 5 de segunda mayor, 4 de tercera menor, etc. Cómo muestra el vector, sólo puede inferirse 1 tritono, entre las clases Re y Lab, el cual es propio de las tonalidades Mib mayor y Mib menor (o, por enarmonía, de las tonalidades La mayor y La menor). El tritono, entonces, permitiría al oyente inferir que las clases Re y Lab son respectivamente la sensible y la subdominante de la tonalidad pues, en el 351 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 modo mayor, se forma sólo entre esos grados de la escala. Finalmente, dada la presencia del Sol (y, del Mib), los modelos funcionales concluyen que los oyentes percibirán el fragmento en Mib mayor, lo cual, ciertamente, perece una predicción acertada. Figura 1. Tres fragmentos melódicos con el mismo vector de clases de intervalos, orden, y distribucion de clases de alturas. Fragmento A: tomado del Op. 89-XVI de Schubert, y utilizado como estímulo en Anta (en evaluación). Fragmento B: versión distorsionada de A donde la dispersión local es similar pero la dispersion global aumenta. Fragmento C: versión distorsionada de A donde la dispersión local aumenta pero la dispersion global es similar. 352 Como lo sugiere el ejemplo anterior, los modelos funcionales de inducción tonal pueden ser muy simples y efectivos. Pero, ¿qué sucedería si en la melodía en vez del Re, la sensible, ocurriera el Reb, como cromatismo que resuelve en la submediante Do? El tritono que se inferiría entonces sería Reb-Sol, sugiriendo que la tónica es Lab. Sin embargo, aún con semejante cambio la melodía parece estar en Mib mayor: ¿tiene sentido este parecer? Los modelos distribucionales indican que sí, en tanto que consideran que la clave para la inducción no está en las relaciones interválicas que se establecen entre las clases de altura, sino en cómo las clases de altura se distribuyen según algún criterio de cantidad. El modelo de Krumhansl-Schmuckler (ver Kurmhansl, 1990), por ejemplo, uno de los modelos distribucionales más populares, postula primero que los oyentes son sensibles a cómo se distribuyen las clases de altura en una u otra pieza según su duración total acumulada. Segundo, que tras Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sucesivas audiciones de piezas tonales, internalizan sus ‘distribuciones típicas’, las cuales representarían el concepto mismo de tonalidad. La Figura 2 muestra las distribuciones que se asumen como típicas para las tonalidades mayores y menores. Y tercero, que los oyentes asignan a una pieza la tonalidad (o ‘distribución típica’) que arroja el mayor coeficiente de correlación para con la distribución de sus clases de alturas. Por ejemplo, para el fragmento mostrado en la Figura 1, cuya distribución de clases de alturas también se muestra en la Figura 2, el modelo asigna la tonalidad de Mib mayor, pues el coeficiente más alto se alcanza cuando se correlaciona la distribución típica del modo mayor con la distribución de la pieza ordenada a partir del Mib. De manera interesante, el modelo predice que la tónica seguirá siendo Mib si en el fragmento se cambia el Re por el Reb, según se especulaba más arriba. Sin embargo, paradójicamente, si se cambia el Mib por el Sib predice que la tonalidad será Solm, pues ya no aparece la clase que hacía de tónica (mientras que los modelos funcionales aún predicen la tonalidad de Mib mayor). Aunque de manera sintética, los ejemplos analizados ilustran cómo operan los modelos funcionales y distribucionales de inducción tonal. Ilustran también cuán ‘falible’ pueden ser. La identificación de sus falencias nos llevó a la siguiente pregunta: en lo que a la altura refiere, ¿la inducción tonal se basa sólo en información acerca de las clases de eventos que componen una pieza, ya sean estas clases de intervalos o de alturas? En los ejemplos arriba discutidos, una u otra melodía (con el Re o el Reb, con o sin el Mib) seguía sugiriendo la tonalidad de Mib, aún cuando (según los modelos funcionales y distribucionales) la información sobre sus clases de eventos no lo hacía. Surgió entonces la hipótesis de que, al menos en parte, la inducción tonal debía basarse también en información acerca de los intervalos y alturas per se: esto es, acerca de los patrones de altura que presentan los materiales musicales tonales (Anta, 2011). Efectivamente, disponíamos de evidencia de que incluso pequeños patrones de altura, tales como un salto ascendente de cuarte justa (que sugiere la relación dominante-tónica), son fuerte indicadores de la tonalidad (Vos, 1999). Además, disponíamos de 353 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 evidencia tanto previa (e.g., Deutsch & Boulanger, 1984) como recolectada en por nosotros (Anta, 2013) de que, al menos cuando se trata de materiales melódicos, las notas a distancia de octava no siempre se perciben como equivalentes, lo cual sugería que la función tonal de las alturas no siempre se traslada a las clases. Ello reforzaba la hipótesis de que la inducción tonal debía basarse, al menos en parte, en los patrones de altura que presenta una secuencia dada. Figura 2. Izquierda: distribuciones de clases de altura típicas de piezas tonales (después de Krumhansl, 1990); 1= tónica. Derecha: distribución en los fragmetnos de la Figura 1. 354 Para testear esta hipótesis, realizamos una serie de estudios (Anta, 2012, en evaluación) en los cuales los oyentes debían identificar la tónica de fragmentos melódicos que presentaban patrones tonales ‘enteros’ o ‘rotos’: esto es, en su estado original, como aparecen en el repertorio, o con sus notas desordenadas en el tiempo y/o dispersas en el registro. Es importante notar que, al romper los fragmentos tomados del repertorio, se conservaban sus vectores de clases de intervalos y sus distribuciones de clases de altura, pero se eliminaban los patrones de conducción típicos de una melodía tonal (e.g, las resoluciones dominante-tónica de cuarta justa se reemplazaban por saltos ascendentes de oncena) – ver Figura 1. Sintéticamente, los resultados mostraron que la habilidad de los oyentes de identificar la tónica ‘correcta’ (i.e., la que seleccionaban más para los fragmentos originales) decrecía significativamente de la condición original a la desordenada, pero también de una y otra de estas condiciones a las condiciones en las que las notas se dispersaron en el registro. Ahora bien, el efecto del (des)orden de las clases de altura sobre la inducción tonal era, a la luz de las hipótesis funcionalistas, esperable. El efecto Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 de la dispersión registral, sin embargo, fue más novedoso. No obstante ello, surge una interrogante sobre este efecto: la merma en el acierto de la tónica, ¿se debió a que la distancia entre cada nota y la siguiente se incrementó al romper los patrones originales, o a que en general las notas (sucesivas o no) quedaron más distantes entre sí? El problema refiere a la distinción entre lo que podemos denominar dispersión local y dispersión global, respectivamente, de las alturas en el registro. Obsérvese, por ejemplo, los fragmentos B y C mostrados en la Figura 1. El Fragmento B tiene una dispersión local similar a la del Fragmento A (t = 1.00, p = .34), pero una dispersión global mayor (t = 3.12, p < .01), porque las notas iniciales y finales han quedado muy separadas en el registro. Como contrapartida, el Fragmento C tiene una dispersión local mayor que el A (t = 2.33, p < .05), debido a los saltos recurrentes, pero una dispersión global similar (t = 1.82, p > .05), debido a su registro relativamente estrecho. Entonces, la variabilidad que observamos en nuestros estudios en el grado de acierto en la identificación de la tónica, ¿se debió a la variabilidad –aumento- en la dispersión local de los fragmentos distorsionados, o en la dispersión global? En el presente estudio se abordó esta interrogante. 2.Método Para abordar la interrogante planteada, nos basamos en los datos recolectados en Anta (en evaluación). En este estudio se realizaron dos experimentos en donde, como se anticipó más arriba, los participantes (35 en cada estudio) debían identificar la tónica de diversos fragmentos melódicos. En ambos experimentos había fragmentos originales (i.e., tomados del repertorio) y versiones distorsionadas de los mismos, por alteración del orden de las notas y por incremento de su dispersión registral –medida en semitonos. La diferencia fue que los participantes del experimento 1 escucharon los fragmentos con el ritmo propio de cada original, mientras que los del experimento 2 escucharon los fragmentos con un ritmo de pulsos constantes. Para el presente estudio se tomaron los porcentajes de acierto promedio obtenidos en la identificación de la tónica en cada uno de los dos experi- 355 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mentos y se planeó un análisis de regresión jerárquica múltiple para cada grupo de datos por separado. Las variables explicativas generadas para introducir en la regresión fueron cuatro. Primero, la variable ORDEN, que codificó el orden de las clases de altura, original o no. Segundo, TONICIDAD; esta variable se creó porque un examen preliminar sugirió que unos fragmentos en los que no aparecía la clase de tónica habían promovido, por ese hecho, un porcentaje de acierto menor que los fragmentos restantes. La tercera variable fue DISPERSIÓN LOCAL; esta variable cuantificó la distancia promedio en semitonos entre cada nota y la siguiente de cada fragmento. Finalmente, la cuarta variable fue DISPERSIÓN GLOBAL, la cual cuantificó la distancia promedio en semitonos entre cada nota y todas las otras notas en cada fragmento. Estas variables se introdujeron en la regresión en 3 pasos. En el paso 1 se introdujo ORDEN, en el 2 se introdujo TONICIDAD, y en el 3 se introdujeron simultáneamente las dos variables ‘objetivo’ de este estudio, DISPERSIÓN LOCAL y DISPERSIÓN GLOBAL. Además, en los pasos 1 y 2 el método de regresión fue ‘introducir’, mientras que en el paso 3 fue ‘hacia adelante’, de modo tal de permitir primero el ingreso en la ecuación de la variable objetivo más eficiente en términos estadísticos, y luego de la variable objetivo restante, pero sólo en el caso de que fuese estadísticamente significativa. 3.Resultados 356 La Tabla 1 resume los resultados del análisis de regresión de los datos promedio de cada experimento de Anta (en evaluación). Como puede observarse, los resultados fueron similares para uno y otro experimento. Si bien TONICIDAD no fue significativa para explicar los datos del experimento 2, en uno y otro conjunto de datos la variable ORDEN sí lo fue. Más importante aún, la variable de dispersión que contribuyó a explicar los datos fue DISPERSION LOCAL. Esto es, los datos en general fueron explicados fundamentalmente por la variabilidad en el orden de las notas, y en el mon- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 to de dispersión local. Con respecto a esta última variable, nótese como el valor de ß correspondiente es negativo, lo que indica que los porcentajes de acierto en la identificación de la tónica decrecieron a medida que la dispersión local de las notas en los fragmentos se incrementaba, y viceversa. Paso 1 Experimento 1 Total Δ R2ajus 2 R ajus .33** .33** ORDEN Experimento 2 Total Δ R2ajus 2 R ajus .10n.s. .10n.s. ß ß .60** ORDEN ORDEN .60** ORDEN .38n.s. TONICIDAD .24n.s. TONICIDAD .17n.s. Paso 2 .03** Paso 3 .21*** ORDEN .36** .38n.s. -.01n.s. .57*** .18* 09n.s. .27* .61*** ORDEN .39* TONICIDAD .31* TONICIDAD .24n.s. DISPERSION LOCAL -.49** DISPERSION LOCAL -.44* Nota: n.s. = no significativo; *p<.05; **p<.01; ***p<.001. Tabla 1. Resumen del ajuste de los modelos de regresión a partir de los datos de Anta (en evaluación) 4.Conclusiones Durante décadas, los estudios psicomusicológicos acerca de la inducción tonal se centraron en la incidencia de las clases de eventos de altura que componen una pieza, las clases de intervalo en el caso de los modelos funcionales (e.g., Brown y Butler 1981), o de alturas en el caso de los modelos distribucionales (e.g., Kurmhansl, 1990 ). Nuestros estudios recientes (Anta 2012a, en evaluación) indican que, si bien las hipótesis funcionales y distribucionales son válidas, para comprender más cabalmente cómo opera la inducción tonal debe tenerse en cuenta también los intervalos y alturas musicales per se de una secuencia, más específicamente, el orden de las notas 357 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 y cuán dispersas están en el registro. Acerca de este último factor, sin embargo, no era claro si lo que incidía sobre la inducción tonal era la dispersión local de las alturas de la secuencia, o su dispersión global. Los resultados del presente estudio sugieren que la inducción tonal es afectada básicamente por la dispersión local de las alturas. Específicamente, los resultados aquí obtenidos sugieren que la ruptura por dispersión en el registro de las relaciones locales que ocurren en las melodías del repertorio tonal, al menos como aparecen representadas en melodías de Schubert, merma la capacidad del oyente de inferir las relaciones tonales que puede haber entre ellas. Además, sugieren también que las relaciones globales que aleatoriamente pueden surgir de esa ruptura, debido a la segregación de nuevas líneas melódicas con la creciente dispersión de las notas (ver Bregman, 1990), no suman ni restan un porcentaje significativo a esa merma. 358 Desde una perspectiva más general, los resultados soportan la idea de que la inducción tonal es, al menos en parte, un proceso de reconocimiento de patrones. Esto tiene fuertes implicancias no sólo para los estudios en percepción musical, sino también en educación. Sugiere la validez de diversas ‘reglas’ tradicionales en la enseñanza del contrapunto y la armonía (i.e., resolución de sensibles, equilibrio en el registro de las voces, etc.). Además ello tiene fuertes implicancias para los estudios en análisis y composición musical. Al sugerir que para que las melodías tonales suenen como tal sus notas deben estar relativamente próximas en el registro, sugieren también que para que las melodías atonales suenan como tal (i.e., para que no permitan la identificación de una tónica), sus notas deben estar más dispersas. De manera interesante, disponemos de evidencia preliminar que sugiere la validez de esta presunción (Anta, 2012b). En suma, la evidencia reciente acerca de la incidencia de la dispersión de las alturas en la inducción tonal proyecta un camino promisorio hacia el logro de una comprensión cabal del proceso de inducción. Se espera que el presente estudio estimule la investigación psicomusicológica en esa dirección. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5.Agradecimientos Este trabajo fue soportado por el Concejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de Argentina, y por subsidios de la UNLP a J. F. Anta. 6.Referencias Anta, J. F. (2011). Patrones tonales, generalización por clases, y representación de la tonalidad: un modelo de cognición tonal dependiente del contexto y el aprendizaje. Epistemus, en prensa. Anta, J. F. (2012a). Claves perceptuales de la tonalidad y la atonalidad. Arte e Investigación, 8, 10-15. Anta, J. F. (2012b). El repertorio de intervalos utilizados diferencia a la música tonal de la atonal. Actas de las 6a Jornadas de Investigación en Disciplinas Artísticas y Proyectuales; Facultad de Bellas Artes, Universidad Nacional de La Plata. Anta, J. F. (2013). Exploring the influence of pitch proximity on listener’s melodic expectations (unpublished). En revisión. Anta, J. F. (2013). Pitch: a Key Factor in Tonality Induction (unpublished). Bregman, A. 1990. Auditory scene analysis: The perceptual organization of sound. Cambridge, MA: MIT Press. Brown, H. (1988). The interplay of set content and temporal context in a functional theory of tonality perception. Music Perception, 11, 371-407. Brown, H., & Butler, D. (1981). Diatonic trichords as minimal tonal cuecells. Theory Only, 5 (6 & 7), 39-55. Browne, R. (1981). Tonal implications of the diatonic set. Theory Only, 5 (6 & 7), 3-21. Deutsch, D., & Boulanger, R. C. (1984). Octave equivalence and the immediate recall of pitch sequences. Music Perception, 2, 40-51. 359 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Krumhansl, C. L. (1990). Cognitive foundations of musical pitch. New York: Oxford University Press. Krumhansl, C. L. (1996). A perceptual analysis of Mozart’s Piano Sonata K. 282: Segmentation, tension, and musical ideas. Music Perception, 13(3), 401–432. Lerdahl, F. (2001). Tonal pitch space. New York: Oxford. Salzer, F. (1952 [1995]): Audición estructural. Coherencia tonal en música. Barcelona: Labor. Temperley, D. (2007). Music and Probability. Cambridge, MA: MIT Press. Vos, P. G. (1999). Key implications of ascending fourth and descending fifth openings. Psychology of Music, 27, 4-17. 360 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Escrita polifônica e desenvolvimento motívico contidos no Estudo n.1 para violão de Camargo Guarnieri, revelados pelas considerações de John Sloboda a respeito de streams de alturas Marcelo Fernandes Pereira [email protected] Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS Resumo: Este trabalho objetiva revelar a polifonia e o desenvolvimento motívico implícitos na partitura do Estudo n.1 para violão de Camargo Guarnieri (1907 – 1993). O problema da pesquisa parte de uma contradição: o estilo eminentemente contrapontístico do autor – atestado na maioria das publicações a respeito de suas obras -, parece, em uma primeira leitura das obras para violão, ter sido preterido. Abordamos tal problema a partir do fenômeno auditivo denominado streaming de alturas, estudado previamente por cientistas como Miler e Heise (1950), Meyer (1956) e Van Norden (1975). Esse fenômeno, segundo tais estudos, é natural do ser humano e baseia-se na capacidade do mesmo de agrupar psicologicamente diferentes sons em planos distintos, formando assim, “correntes”, mesmo que esses sons venham de uma mesma linha melódica. Contudo, para as análises deste artigo, nos serviremos dos comentários de Sloboda (1975) acerca do fenômeno auditivo em questão, articulando-os ao conceito schenkeriano de melodia composta. Palavras-chave: Melodia composta; Streaming de alturas; Estruturação musical Polyphonic writing and motivic development contained in the Camargo Guarnieri’s Study n.1 for guitar, revealed by John Sloboda considerations about Streams of heights Abstract: This study aims to reveal the polyphony and motivic development implicit in the score for the Study n.1 for guitar composed by Camargo Guarnieri (1907-1993). The research problem starts in a contradiction: the highly contrapuntal style of the author - certificated in most publications about his work - it seems, at a first reading of works for guitar, 361 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 have been passed over. We approach this problem from the auditory phenomenon called streaming heights, previously studied by scientists as Heise and Miller (1950), Meyer (1956) and Van Norden (1975). This phenomenon, according to these studies, is natural for human beings and is based on their ability of grouping psychologically different sounds in different planes, thus forming "chains", even though these sounds come from a single melodic line. However, for the analyzes in this article, we will serve the comments from Sloboda (1975) on the auditory phenomenon in question, linking them to the Schenkerian concept of melody composed. Keywords: Composed melody; Streaming heights; Musical structuring 1.Introdução: problematização e interações teóricas 362 Camargo Guarnieri é um compositor conhecido por sua preferência polifônica (Grossi, 2002, p.31) e em sua produção para piano, sua polifonia é bastante explícita, tanto na pequena forma (como ponteios e outras peças de caráter) como nos concertos para orquestra e na Sonata (1972). Outra característica da escrita de Guarnieri é a obsessão pelo desenvolvimento dos materiais, como nos atesta Tacuchian (2001, p. 448): “a técnica do desenvolvimento é um dos mais típicos recursos do compositor. Em suas mãos, qualquer motivo ganha proporções inimagináveis.” Entretanto, ambas as características não são encontráveis em uma primeira leitura das partituras dos Estudos para violão. Nos três estudos da série, encontramos um fluxo contínuo em colcheias poucas vezes interrompido, que não denota nem elaboração motívica, nem tampouco escrita contrapontística cerrada. Dessa forma, nos perguntamos: teria o compositor aberto mão de seu estilo pessoal ao se aventurar a escrever para um instrumento que pouco conhecia? Ou tais preferencias - polifônica e de desenvolvimento motívico -, estariam presentes de forma implícita nas peças? Para responder a tais questionamentos, propomos a análise da peça para violão que aparenta ter a escrita mais linear de Guarnieri: o Estudo n. 1 (1958), no qual até a tradicional escrita violonística a três partes (melodia, acompanhamento e baixo) é preterida, havendo Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 inclusive, trechos monódicos nos quais a duração do baixo sequer é especificada. Sendo assim, nossa análise procurará revelar a possível polifonia implícita no Estudo n. 1 através de do conceito de streaming de alturas - previamente estudado por cientistas como Miler e Heise (1950), Meyer (1956) e Van Norden (1975) e comentado por Sloboda (2008, p 199 a 217). O conceito de streaming de alturas é bastante amplo e engloba diversos fenômenos perceptivo-musicais, mas, neste trabalho, consideraremos o aspecto que trata da possibilidade de uma única linha melódica ser percebida como duas ou mais “correntes” ou linhas, permitindo que uma “única voz” seja percebida como um discurso polifônico (Sloboda, 2008, p.208). Essa possibilidade de percepção está condicionada a diversos fatores como a velocidade de execução dessa linha, a angulação dos intervalos, a periodicidade de ocorrência das variações, entre outros, e ainda segundo Sloboda (2008, p. 213), trata-se de um mecanismo primitivo de percepção humana que extrapola o ambiente da música de concerto. O mesmo autor salienta o fato de que os músicos tem consciência desse processo auditivo psicológico desde muito tempo, uma vez que fora usado “com frequência pelos compositores, especialmente do período barroco” (ibidem, p. 208). Em outras palavras, compositores se valeram de tal capacidade humana para elaborarem um tipo de escrita artificiosa que induz a audição polifônica de materiais contidos em uma única linha. Essa escrita, ao mesmo tempo linear e polifônica foi notada também pelos teóricos, dentre os quais, destacamos Heinrich Schenker, que conceituou esse tipo escrita como melodia composta. Uma variação schenkeriana do conceito de melodia composta é o coral elaborado que se resume a um tipo de escrita na qual toda uma estrutura polifônica é atendida por um único arpejo, como, por exemplo, ocorre no Prelúdio n.1, em Dó maior do 1º volume do Cravo bem temperado de J. S. Bach. A melodia composta schenkeriana, segundo Forte e Gilbert (1992, p. 127), apresenta diferentes planos sonoros em uma mesma linha, formando assim a “pseudo” estrutura polifônica já comentada acima. Dentro dessa teoria, uma melodia composta pode variar com relação ao espaço e à continu- 363 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 idade (1992, p. 135), ou seja, alguns planos sonoros podem ser menos frequentes que outros. Também pode ser mais ou menos densa, de acordo com a proximidade ou distâncias de tessitura entre os planos. Como podemos ver, o aspecto aqui assinalado do fenômeno auditivo “streams de alturas” e o conceito de melodia composta forjado por Schenker são bastante convergentes. Em resumo, encontramos dentro da teoria schenkeriana, um mecanismo que indica do ponto de vista analítico-musical uma escrita linear que pode ser percebida de forma polifônica e Sloboda, por sua vez, demonstra – a partir de experiências de outros cientistas -, como o cérebro liga diferentes planos melódicos que se interpolam dentro de tal melodia. Tratase, em última instância, da sensação de prolongamento de uma determinada nota ou harmonia, que segue soando psicologicamente sobre as notas ou acordes subseqüentes facultando a formação de diferentes planos na mente do ouvinte (Forte e Gilbert, 1992, p. 202) [1]. Uma vez realizada essa pequena introdução teórica, passemos á análise do Estudo de Guarnieri, buscando os streamings de alturas, a fim de classificarmos os materiais que compõe cada plano sonoro e de verificar se tais materiais são desenvolvidos pelo compositor no decorrer da peça. 2.Análise do aspecto polifônico do Estudo n.1 para violão de Camargo Guarnieri 364 Como já explicitado, esta análise objetiva responder às questões principais decorrentes da problematização e, portanto, não pretendemos – nem temos espaço – para empreender uma análise que abarque toda a peculiar linguagem - sobretudo formal e harmônica - imbricada na peça em questão. Apenas para situar o leitor, informamos tratar-se de uma peça curta, com cinquenta e três compassos, na tonalidade de Fá menor. Apesar de o centro tonal estar claramente estabelecido a princípio e no final, há muitos trechos de indefinição. Formalmente falando, notamos um período de exposição dos materiais (compassos 1 a 12), e uma espécie de reexposição ao final (compassos 44 a 53), que reitera a exposição - com diferenças em relação a esta - sob um pedal de tônica. O trecho entre a exposição e a reexposição Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 (compassos 13 a 43) pode ser entendido como um desenvolvimento que tem seu ponto culminante no compasso 24 e se encerra com um trecho cadencial altamente energético (compassos 41 e 42). Abaixo temos a citada exposição (compassos 1 a 12). Fig. 1: compassos 1-12. do Estudo n.1 de Guarnieri Nele, observamos um arpejo contínuo de colcheias guiado por uma lenta e diatônica progressão de baixo, que tem seu ponto culminante no compasso 8. Esse arpejo – que à primeira vista soa como um só bloco - pode ser dividido em dois streams de alturas: o primeiro, acéfalo, contendo os motivos principais da peça (normalmente nas notas ímpares de cada compasso) e um segundo, que constitui uma voz intermediária (incidindo quase sempre nas colcheias pares ou partes fracas do tempo) e que forma um contraponto com a melodia. O exemplo abaixo apresenta uma transcrição do trecho em questão feita pelo autor deste artigo. 365 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig. 2 - compassos 1 - 12: trecho reescrito de forma a evidenciar a independência melódica das vozes contidas na melodia composta Como dissemos, esse trecho é determinante para a obra, pois afirma de forma inequívoca a tonalidade e fornece a estrutura e material melódico que serão desenvolvidos nos 41 compassos restantes. A separação dos dois planos do arpejo através de uma leitura dos streams de alturas nos revela que há uma melodia composta de dois planos, apoiados por um baixo. Este baixo, por sua vez, se apresenta como uma condução melódica lenta, porém independente, cujo ponto culminante se encontra no compasso 8. Assim, por sua característica melódica, a linha do baixo se configura como um terceiro plano do discurso polifônico, confirmando assim o raciocínio contrapontístico do compositor, em três planos - agora claramente observáveis, graças a uma leitura que considerou os streams de alturas. 366 A este ponto, já nos é possível dizer tratar-se de uma peça contrapontística - uma vez que tal textura polifônica a três vozes permeia praticamente toda a peça – contudo, nos falta confirmar se os materiais expostos são de fato desenvolvidos ao longo da obra. 3.Análise do aspecto motívico do Estudo n.1 e conclusão do artigo Ainda tratando da exposição, notamos na transcrição acima que a voz superior é iniciada com o motivo principal – um motivo curto de três notas que nada mais é do que um fragmento de arpejo - apresentado no primeiro Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 compasso e repetido no segundo. Esse motivo – doravante chamado M 1 é variado nos compassos 3, 5, 7 e 8, não retornando à nota inicial da bordadura, mas mantendo o contorno melódico original. Nos compassos 4 e 6, encontramos um novo motivo, também de três notas, porém ascendente, com estrutura interválica terça/segunda, que neste artigo será denominado através da sigla M2. Já no compasso 10, vemos uma fusão dos dois primeiros motivos apresentados. A voz intermediária, no mesmo trecho, também apresenta motivos de quatro notas, sendo que nos compassos de 1 a 4 e de 6 a 7, seu contorno acompanhará o perfil do motivo principal. Apenas no compasso C5 notamos que a melodia da voz intermediária consiste em uma escala diatônica ascendente de quatro notas. Entre os compassos 13 e 21 (exemplo abaixo), o manejo dos materiais apresentados na exposição – obtidos a partir da separação dos streams de alturas - é notável, pois o contorno melódico do M1 reaparece desenvolvido de várias maneiras na voz principal, nos compassos 13 a 17 e nos compassos 20 e 21, conforme exemplificado a seguir: Fig. 3 – compassos 13, 14: M 1 Fig. 4 - compassos 20 e 21: M 1 Fig. 5 - compasso 17: forma mais desenvolvida do M 1 O desenho direto do M2 (com um salto de terça e uma segunda) também aparece desenvolvido e invertido, como podemos notar no exemplo abaixo (observe o intervalo de terça em meio ao movimento escalar). 367 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig. 6 – compassos 18 e 19: a inversão ampliada do M2 Já nos compassos 22 e 23(exemplo abaixo), temos uma forma mais desenvolvida do M 1, pois a pausa que tornava todos os motivos acéfalos, até então, é preenchida, resultando em um motivo tético de seis notas em desenho de bordadura dupla no compasso 22 e em uma grande bordadura ascendente no compasso seguinte. Esse tipo de bordadura também é comparável à linha do baixo, dos doze compassos iniciais, o que reforça a tese de que tal linha não se configura apenas como uma condução harmônica. Fig. 7 – compassos 22 e 23: forma mais desenvolvida do M1 Podemos dizer que o M 1, com seu caráter de bordadura, seja o mais utilizado na peça, ocorrendo ainda nos compassos 25, 27, 28, 30 e 32. Por outro lado, o salto de terça encontrado no M2 é parte integrante das ampliações às quais assinalamos derivar do M 1, como podemos observar nas três últimas figuras acima e no compasso 28, exemplificado a seguir. 368 Fig.8 – variações do M1 encontradas nos compassos 25, 27 e 28 Já os compassos 36 a 39 podem ser entendidos como inversões variadas do M2 e pela direção, podemos afirmar o mesmo dos motivos dos compassos 24 e 26, apesar do caráter improvisatório desses compassos. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Fig.9 – melodia da voz superior do C 39 Não seguiremos a tratar das interações motívicas nos últimos compassos, uma vez que estes constituem a reexposição variada dos materiais iniciais - e obviamente os materiais motívicos foram intencionalmente preservados pelo compositor. Cremos, portanto, que neste ponto já tenhamos alcançado o objetivo inicial do artigo, uma vez que ficou claro que o autor desenvolve continuamente os motivos expostos no início da peça, o que denota sua preocupação em dar unidade ao Estudo. O caráter improvisatório da obra e o aspecto minimalista dos materiais temáticos - pequenas bordaduras ou escalas, sem variações rítmicas – nos levaram a uma análise que considerasse as expansões motívicas de forma livre. Isso poderia gerar algum tipo de crítica, no sentido de invalidar a análise, uma vez que os materiais são muito simples e que seus desenvolvimentos são quase atemáticos – ou seja: escalas, apojaturas e bordaduras. Acentuando tal crítica, notamos que, muitas vezes, ambos os motivos se fundiram. Quanto a essa possível altercação, lembramos que o compositor, durante sua fase de estudante, foi aluno de Lamberto Baldi (1885 – 1979), e exercitou exaustivamente através de técnicas neoclássicas como contraponto e desenvolvimento motívico (Egg, 2010, P. 65); ou seja: as inversões e possíveis fusões dos dois principais motivos não passam de procedimentos, que sabemos terem sido objeto de manipulação do compositor no seu período estudantil - fato ratifica o resultado de nossas análises. Sendo assim, reiteramos de forma conclusiva, que os processos de desenvolvimento motívico aqui expostos, apenas foram evidenciados após a separação dos streams de alturas e que tal separação possibilitou também a constatação do caráter polifônico da peça. Como um epílogo, outras considerações de Sloboda sobre o streams são igualmente aplicáveis sobre essa peça: uma delas consiste no fato de que 369 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 “o reconhecimento musical reforçaria a tendência de agrupar por alturas (Sloboda, 2008, p.212). Em outras palavras, um trecho ou fragmento comum ao receptor é melhor percebido - quando interpolado em streams - do que trechos muito angulosos ou compostos por elementos completamente estranhos. Dessa forma, a intenção de se separar a melodia em diferentes streams passa a demandar a utilização de elementos motívicos que facilitem essa separação. Logo, a preferência do autor em trabalhar pequenos fragmentos de acordes ou escalas, mantê-los no decorrer da peça e alternar cromatismo com diatonismo se mostra bastante coerente com a intenção de que os dois diferentes planos sejam compreendidos em paralelo. Tal observação deve ser entendida dentro do contexto de um compositor modernista que tencionava expandir sua linguagem musical, sem se atrelar ao que se lhe apresentava como vanguarda em seu tempo - eis então sua solução pessoal. Notas 370 [1] Flo Menezes em seu Apoteose de Schoenberg: tratado sobre as entidades harmônicas (2001, p. 28) corrobora com essa teoria do prolongamento psicológico de uma nota, que se torna ser passível de relacionamento com outras notas posteriores, formando planos distintos de relacionamento e também Charles Rosen em A geração romântica (2001, p. 400 e 401) trata da questão associação psicológica de diferentes planos melódicos em obras de Chopin. [2] Quando caminho pela rua lado a lado com você / Me deixas louca / E quando escuto o som alegre do teu riso que me dá tanta alegria / Me deixas louca / Me deixas louca quando vejo mais um dia pouco a pouco entardecer / E chega a hora de ir pro quarto escutar as coisas lindas que começas a dizer / Me deixas louca / Quando me pedes por favor que nossa lâmpada se apague / Me deixas louca / Quando transmites o calor de tuas mãos pro meu corpo que te espera / Me deixas louca / E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas / Desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço / Você me abraça, a noite passa / Me deixas louca. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Forte, Allen; Gilbert, Steven E. (1992). Introducción al Análisis Schenkeriano. Trad. Pedro Purroy Chicot. Barcelona: Editorial Labor. Egg, André Castro. (2010). Fazer-se Compositor: Camargo Guarnieri 1923 – 1945. Tese (Doutorado em História) USP, São Paulo. Guarnieri, M. Camargo. (1961). Estudo no. 1. Milano (Itália): Ricordi. Grossi, Alex Sandra de Souza. (2002). O idiomático de Camargo Guarnieri nos 10 Improvisos para piano. 2002. 205 f. Dissertação (Mestrado). USP, São Paulo. Sloboda, John A. A mente musical: a psicologia cognitiva da música. (2008). Trad. B. Ilari e R. Ilari. Londrina, PR: EDUEL, 2008. Tacuchian, Ricardo. (2001). O sinfonismo guarnieriano. In F. Silva (Org.). Camargo Guarnieri: o tempo e a música (447-463). Rio de Janeiro: Funarte; São Paulo: Imprensa Oficial. 371 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Generación de intervalos musicales en el habla en situaciones interaccionales Juan Pablo Robledo[1] [email protected] Esteban Hurtado Domingo Román Felipe Prado Carlos Cornejo Pontificia Universidad Católica de Chile 372 Resumen: En el presente trabajo se explora la relación entre interacciones empáticas e intervalos musicales en la prosodia vocal. Considerando el fenómeno de la Convergencia Fonética y literatura existente acerca de intervalos musicales en el habla, se espera que una actitud empática entre dos interlocutores se traduzca en razones matemáticas entre sus tonos fundamentales, similares a las de los intervalos musicales. Para ello se trabajó con las conversaciones de 12 díadas asignadas a dos condiciones experimentales definidas como Empática y No-Empática. Se analizaron las mencionadas razones matemáticas y se compararon por condición a través de análisis estadísticos descriptivos e inferenciales cuyos resultados avalan la hipótesis inicial. Se encontraron diferencias entre condiciones en cuanto a la distribución de intervalos musicales (iguales o mayores, o bien menores que una Tercera Menor), que no son suceptibles de explicarse a través de diferencias en las características vocales de los individuos de cada condición, sino que parecen emerger de un fenómeno genuinamente interpersonal, que dice estrecha relación con el fenómeno psicológico de la empatía. Palabras clave: cognición musical, intervalos musicales, interacción, prosodia, empatía Abstract: This paper explores the relation between empathy and musical intervals in speech prosody. Considering the phonetic convergence phenomenon and previous literature about musical intervals in speech, it was expected that a two-party empathic conversation would translate into mathematical ratios among its fundamental frequencies, similar to those of musical intervals. Speech streams from conversations of 12 dyads randomly assigned to two experimental conditions defined as Empathic and Non- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Empathic were extracted. Mathematical ratios per condition were analyzed and compared statistically. The results show differences between conditions in terms of the distribution of the musical intervals (equal to, or greater or less than a minor third), which cannot be explained by differences in the vocal characteristics of the individual members of each condition. Instead, they seem to emerge from a genuinely interpersonal phenomenon which shows close relationship with the psychological phenomenon of empathy. Keywords: music cognition, musical intervals, interaction, prosody, empathy 1. Introducción Múltiples e interesantes relaciones se han encontrado durante las últimas décadas entre comunicación humana y fenómenos de orden musical. Algunos ejemplos son el rol de la música en la evolución filogenética de la comunicación en la especie humana (Cross, & Woodruff, 2008), la relación entre habilidades interpersonales básicas y la conducta musical (PhillipsSilver y Keller, 2012), así como la importancia del contorno melódico en la interacción vincular bebé-cuidador (Trehub, 2003; Trainor y Desjardins, 2002). Dentro del área de las interacciones humanas, la gran mayoría de los trabajos (como es el caso de las tres últimos referencias) que abordan el rol de la prosodia en términos musicales lo hacen a nivel de contorno de la voz, dejando de lado las relaciones entre frecuencias, es decir, los intervalos musicales. Esta omisión puede ser importante, pues se ha demostrado que la escucha de intervalos musicales (Tabla 1) tiene un importante impacto psicológico desde edades tempranas y durante toda la vida (Oelmann y Laeng, 2008; Schellenberg y Trehub, 1999). Excepciones a esta tendencia general son algunos experimentos recientes (Bowling, Sundararajan, Han, y Purves, 2012; Curtis y Barucha, 2010) que han sondeado el rol de los intervalos musicales en el habla. Sin embargo, estos estudios también abordan el fenómeno a nivel unipersonal, reportando relaciones entre los intervalos y el tono afectivo desde los que fueron emitidos. 373 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Tabla 1. Intervalos rvalos musicales en afinación justa. Se presenta su distancia en semitonos (s/t) respecto de una nota dada, la razón matemática entre frecuencias (en Hertz) que les subyace, y el valor numénum rico de dicha razón. Por otro lado, en fonética se han reportado diversos fenómenos prosópros dicos en interacciones diádicas reales, en particular a nivel de Frecuencia Fundamental o F0 (Johnson, 2003). Entre ellos, es de especial interés la llamada Convergencia Fonética (Kim y Horton, 2011), ), consistente en la acomodación progresiva de la distancia (en Hz) entre la F0 de un hablante, y la de su interlocutor. Recientemente fue reportada una estrecha relación entre el nivel de empatía compartida por dos interactuantes y la ConverConve gencia Fonética que éstos despliegan durante la interacción (Quezada, Robledo, Cornejo, y Román, 2012). Es decir, un fenómeno interaccional como lo es la empatía tiene un correlato a nivel de relaciones entre frecuenfrecue cias en la prosodia vocal. 374 La empatía ha sido concebida básicamente como un experimentar experimen el mundo desde la perspectiva de un otro (Bohart y Greenberg, 1997). Esta experiencia se ha planteado a nivel cognitivo (Gallagher y Frith, 2003), emocional (Hoffman, 1987), corporal (Decety e Ickes, 2011), y contextual, como es la Hipótesis Empatía-Altruismo, truismo, en la que la empatía está directadirect mente ligada a la percepción de un otro en situación de necesidad (Stocks et al., 2009). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Considerando que la distancia en Hz entre dos F0 no es sino una razón matemática, tal como lo es la relación entre dos tonos que generan un intervalo musical, y dado el precedente de la importancia de los intervalos musicales y su presencia en el habla humana a nivel unipersonal, parece razonable explorar tales acomodaciones recíprocas de F0 desde una perspectiva musical. De esta manera, en el presente experimento estudiamos la generación interaccional de intervalos musicales. 2. Método 2.1 Participantes − Veinticuatro estudiantes universitarios entre 18 y 26 años ( x = 20 años) conformaron la muestra. Un primer requerimiento para participar en el experimento fue que los participantes de un mismo registro no se conocieran entre sí. Cumplido este requisito, se asignó aleatoriamente a los sujetos a dos condiciones experimentales: la Condición Empática (CE) y la Condición No Empática (CNE). De esta manera, resultaron 12 díadas, distribuidas en 6 grabaciones para la CE y otras 6 correspondientes a la CNE. El género de las duplas fue debidamente balanceado, resultando -con una excepción- en cada condición 2 parejas de sexo femenino, dos masculinas, y dos mixtas. El promedio de edad en la CE fue de 19,2 años, mientras que en la CNE fue de 20,9. 2.2 Materiales y procedimientos El lugar de registro fue el Laboratorio de Interacción y Fenomenología de la Escuela de Psicología de la P. Universidad Católica de Chile. Como primer requisito de su participación, se pidió a los participantes que leyeran y firmaran un consentimiento informado. Acto seguido, se les solicitó que contestaran una versión traducida del cuestionario Toronto Empathy Questionnaire (TEQ, Spreng, McKinnon, Mar y Levine, 2009), con el fin de evaluar el grado de empatía (entendida como rasgo de personalidad) de los par- 375 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ticipantes y así descartar eventuales diferencias en los niveles basales de empatía entre las condiciones experimentales. En ambas condiciones, los participantes interactuaban en díadas contestando secuencial y mutuamente 10 preguntas contenidas en 10 tarjetas. Estas preguntas procedían de una adaptación del cuestionario Fast Friends (Aron, Aron, Vaollone, y Bator, 1997, que posibilita a los participantes conocerse mutuamente al compartir algunos eventos de vida de progresiva significatividad, culminando en la pregunta 9 con el relato de las circunstancias en las que experimentaron el terremoto que afectó a Chile en febrero de 2010, siguiendo la Hipótesis Empatía-Altruismo (Stocks et al., 2009). La manipulación que diferenció las dos condiciones experimentales radicaba en las instrucciones que recibían las díadas de cada grupo: en la CE, los estudiantes debían responder a las preguntas de la manera más espontánea posible y escuchando atentamente a sus interlocutores para tratar de conocerlos lo más que pudiesen. Por el contrario, en la CNE se advertía a los interactuantes que uno de ellos podía recibir, en la tarjeta que contenía la pregunta, la instrucción de mentir. Ambos sets de tarjetas contenían sin embargo la misma instrucción: decir la verdad en todas las respuestas. Se asumió que esta manipulación causaría en la CNE una distancia entre los interlocutores que mermaría su disposición a aproximarse empáticamente al otro, generando diferencias consistentes entre condiciones. Las emisiones de cada participante durante las conversaciones fueron registradas en canales separados con micrófonos individuales headset SYSTEM 8 Audio-Technica y posteriormente digitalizados a través de la tarjeta de sonido externa Scarlett 8i6 Focusrite. 376 2.3 Hipótesis Dada la manipulación experimental y teniendo como precedente el hecho de que experiencias interpersonales empáticas tienen correlatos a nivel de F0 (Quezada et al., 2012), se hipotetizó que se observarían diferencias entre las condiciones en las razones entre las F0 de los dos interlocuto- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 res, considerando tales razones en la lógica de los intervalos musicales tal como se ha hecho hasta ahora a nivel unipersonal. Es decir, que la variedad de intervalos generados entre los interlocutores diferirá sustantivamente de una condición a otra. 2.4 Análisis Se analizaron las grabaciones de cada sujeto correspondientes a las preguntas 1 y 2, ubicadas al comienzo de la interacción y a la mencionada pregunta 9. Cada uno de los 72 archivos .WAV (2 sujetos x 3 preguntas x 6 díadas x 2 condiciones) fueron revisados exhaustivamente a través del software Audacity para eliminar segmentos o equívocos. Teniendo los audios correspondientes a cada pregunta y cada sujeto, se procedió a analizarlos a través del software Praat (Boersma y Weenink 2011). Posteriormente se generó un script capaz de extraer de un archivo .WAV su moda, mínimo y máximo (expresados en Hertz) correspondientes a la totalidad de las emisiones de F0. Con esta información, se calculó la razón matemática entre la moda de F0 de un sujeto y la su interlocutor durante la interacción de una pregunta dada, considerando la moda como la emisión más presente y estable durante tal segmento. A continuación, se asignó categóricamente tales razones a intervalos musicales, considerando todos los incluidos en el rango de una octava, exceptuando la octava misma. De esta manera, fue posible apreciar en términos musicales la relación global entre las distancias en términos de pitch de las emisiones vocales de dos interlocutores. 2.5. Resultados El Gráfico 1 muestra la distribución de intervalos correspondientes a la CE y CNE. Se observa una notoria diferencia respecto de los intervalos presentes menores a una Tercera Menor (Un, m2 y M2), y los iguales o mayores a tal razón (m3, M3, p4, Tt, P5, m6, M6, m7, M7). Tal diferencia entre condiciones se aprecia mejor al separar en tales grupos los intervalos, 377 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 como se aprecia en el Gráfico 2. Se realizó una prueba chi-cuadrado cuadrado para la tabla de contingencia que contiene los intervalos menores a una tercera menor (m3) y aquellos iguales o mayores a dicha razón, que se dieron en cada condición. La diferencia del tamaño año de ambos grupos no sólo se inviinv erte de una condición a otra, sino que además resulta estadísticamente sigsi nificativa ficativa [χ(1)=4.7652, p=0.02904]. Para descartar que estos resultados sean explicados por la simple variabilidad de emisiones de los sujetos entre ent ambas condiciones –esto esto es, que el rango de emisiones de los sujetos de la CE hubiese sido mayor que la contraparte de la CNE-,, se calculó el rango de emisiones de cada sujeto (pitch máximo vs. mínimo extraído de la totalidad de sus emisiones) en semitonos. Gráfico 1. Distribución de intervalos musicales extraídos de las preguntas 1, 2 y 9, separados por condición. 378 Gráfico 2. Frecuencia de intervalos presentes en dos agrupaciones en cada condición. “Int<m3” “ indica el grupo de los intervalos menores a una tercera menor (m3), “Int≥m3” ≥m3” aquellos iguales o mayores a una m3. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Estos valores se compararon entre la condición empática y no empática mediante una prueba t de Student de muestras independientes asumiendo igualdad de varianza. No hubo evidencia de que un grupo expresara mayor rango tonal que el otro [t(22)=0.5583, p=0.5822]. 3. Conclusiones Nuestros resultados respaldan la hipótesis inicial: la distribución de intervalos musicales que emergen entre dos personas que interactúan es diferente (y aún contraria) según si la conversación es o no empática. En las conversaciones de la CE tienden a generarse intervalos musicales en prácticamente todo el rango de posibilidades de intervalos musicales contenidos en la octava. Inversamente, en la CNE las mencionadas razones se acotan fundamentalmente a aquellas menores a una Tercera Menor (m3). Interesantemente, la diferencia fundamental en la distribución de intervalos entre condiciones sigue el mismo patrón reportado por Bowling et al. (2012) y Curtis y Barucha (2010) quienes ubican de distintas maneras la Tercera Menor como punto de discriminación a nivel unipersonal. En nuestro caso esto se expresa a nivel de intervalos generados a partir del pitch de dos personas distintas. La relación entre estos dos niveles (uni e interpersonal) podrá ser mejor comprendida a la luz de un segundo análisis de los registros realizado actualmente a nivel de una unidad lingüística más fina. Nuestros resultados son importantes en tanto evidencian coordinaciones reales y espontáneas en los contornos melódicos del habla de sujetos en conversaciones espontáneas. Este hallazgo es nuevo en la investigación de la comunicación en el marco de la cognición musical, que se ha centrado fuertemente en el nivel individual en vez del interaccional. Adicionalmente, el sonido analizado en prácticamente la totalidad de los estudios relacionados es generado en situaciones sociales ficticias (actuado, recitado, etc.), proviniendo en este caso de un discurso que se dirigió espontáneamente a un interlocutor físicamente presente. En segundo lugar, nuestros resultados 379 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 sugieren la percepción y procesamiento del sonido del habla del otro como entregando un mensaje “musical”, paralelo al mensaje lingüístico. Finalmente, nuestro estudio contribuye a entender el fenómeno de la empatía y el uso de los intervalos musicales no como procesos que ocurren aisladamente en las mentes de sujetos distintos, sino más bien como algo que emerge de éstos. Notas [1] Autor para correspondencia (email: [email protected]). Este estudio fue financiado por el Fondo Nacional Científico y Tecnológico (FONDECYT-CHILE) a través del proyecto Fondecyt 1100863. [2] El éxito de esta manipulación está confirmado por los estadísticos reportados en Carré, D., Iglesias, G., Paredes, J., Hurtado, E. & Cornejo, C. (submitted). Referencias Aron, A., Melinat, E., Aron, E.N., Vaollone, R. y Bator, R. (1997). The experimental generation of interpersonal closeness: A procedure and some preliminary findings. Personality and Social Psychology Bulletin, 23, 363377. Boersma, P. y Weenink, D. (2011). Praat: doing phonetics by computer [Programa computacional]. Version 5.3.19, obtenido en mayo de 2012 desde http://www.praat.org/ Bohart, A.C. y Greenberg, L.S. (1997). Empathy reconsidered: New directions in psychotherapy. Baltimore: United Book Press 380 Bowling, D.L., Sundararajan, J., Han S., y Purves D. (2012). Expression of Emotion in Eastern and Western Music Mirrors Vocalization. PLoS ONE 7(3): e31942. doi:10.1371/journal.pone.0031942 Carré, D., Iglesias, G., Paredes, J., Hurtado, E. & Cornejo, C. (s/d). Does interactional context influence empathy? (unpublished) Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Cross, I. & Woodruff, G. E. (2008). Music as a communicative medium. In Botha, R. & Knight C. (Eds.) The Prehistory of Language, Oxford: Oxford University Press. Curtis, M., y Barucha, J. (2010). The Minor Third Communicates Sadness in Speech, Mirroring its use in Music. Emotion, 2010, Vol. 10, No. 3, 335–348 Decety, J. & Ickes, W. (2011). The social neuroscience of empathy. Cambridge: MIT Press. 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Palavras-chave: articulação dramático-narrativa, canção em seriado de TV, Me Deixas Louca The Understanding of the song Me deixas louca in “A vida como ela é...” music soundtrack Abstract: This paper aims to analyse the dramatic-narrative articulation in ten insertions of the song Me deixas louca, composed by Armando Manzanero and Paulo Coelho, inserted in four episodes of the series “A vida como ela é…” The analyses of all the song insertions and its instrumental version showed that the song can complete the character actions, reassert scene informations, anticipate aspects of the plot or create ambience for the scene development . Keywords: dramatic-narrative articulation, song in television series, Me Deixas Louca 383 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Este trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão sobre a canção Me deixas louca no seriado “A vida como ela é...” baseado nos fundamentos da teoria musical para o audiovisual, da dramaturgia e da articulação poética deste tipo de produto. 1. A trilha musical de “A vida como ela é...” “A vida como ela é...” foi um seriado apresentado semanalmente dentro do programa dominical Fantástico, exibido pela Rede Globo de Televisão no período de 31 de Março a 29 de Dezembro de 1996. Composto de 40 episódios com duração média de 9 minutos, o seriado apresenta em cada unidade uma história baseada em um conto de Nelson Rodrigues, publicado no jornal “A Última Hora”, de 1951 a 1961. As tramas dos contos recriam temas relativos à fidelidade, ciúme, amor, sexo e moralidade da época. A série foi reapresentada, em 1997, aos sábados, em julho de 2000 inserida no talk show diário Programa do Jô e em 2012 no Fantástico novamente, em comemoração ao centenário de Nelson Rodrigues. A produção musical do seriado é de Roger Henry e direção musical de Mariozinho Rocha. A trilha musical de “A vida como ela é...” apresenta dezoito canções. Onze destas canções estão presentes na coletânea comercializada pela Som Livre, lançada em 1996 durante a primeira exibição do seriado, que ainda conta com uma música instrumental utilizada na abertura. A trilha musical do seriado também apresenta ainda música instrumental que pode ser dividida em dois grupos: versões instrumentais das canções da trilha musical e músicas instrumentais originais. 384 2. A canção como parte da narrativa na teledramaturgia Para Cláudia Gorbman, “a música no cinema tem como função principal envolver emocionalmente o espectador, desarmando o seu espírito crítico e colocando-o ‘dentro’ do filme”. Acaba, assim, criando ambientes que facilitem o envolvimento do espectador, ajudando a diminuir a consciência da nature- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 za tecnológica do discurso fílmico, reforçando sensações e sentimentos com clichês psicológicos, harmonizando os ouvidos e os olhos do espectador. (Gorbman, 1987) O mesmo pensamento pode ser aplicado para a canção quando inserida em produtos de teledramaturgia. A articulação dramático-narrativa, criada a partir da associação da canção e da imagem em um produto audiovisual, pode ser analisada a partir de duas ópticas. A primeira delas leva em consideração a consciência do autor no momento da execução. Denomina-se autor aquele que tem o poder de decisão sobre o produto audiovisual enquanto este está sendo feito. Ao decidir a inclusão de uma canção, o autor (aqui podendo se materializar na figura do produtor musical, do sonoplasta ou do diretor) tem processos conscientes que refletem a articulação dramático-narrativa da mesma na obra. Os sentidos pretendidos pelo autor refletem a obra em si, a canção, as imagens e as decisões de direção. Ao escolher uma canção, o produtor musical traz seu conteúdo significante à narrativa. O sonoplasta em decisão conjunta ao diretor pontua os momentos em que este suporte deve acontecer. Já o diretor, durante o processo de gravação das imagens e, de posse da canção, pode antever e decidir sobre as articulações pretendidas. E, ainda assim, muitos significados neste processo são criados sem pretensão. A segunda óptica de análise leva em consideração o espectador. O entendimento das relações dramático-narrativas criadas de forma consciente e inconsciente pelo autor muda de posicionamento durante a exibição do produto. Ele não será mais entendido da forma com que se pensou na execução. Tudo será agora reflexo da consciência do espectador. As relações dramático-narrativas, existentes na obra, serão entendidas de forma diferente em cada faixa etária de espectador, levando em conta sua localização geográfica, sua classe social, seu nível de formação e o repertório de situações vividas e/ou observadas pelo mesmo, principalmente como reflexo direto de sua contemporaneidade. Aquilo que foi pensado na execução como uma relação dramático-narrativa clara pode ser ignorada pelo expectador que vive em uma realidade muito diferente da retratada pelo produto. 385 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 É preciso também levar em consideração os níveis de percepção que cada espectador tem quando ouve uma canção. A percepção da música em uma trilha sonora de produto audiovisual deve passar por dois níveis distintos: o sensorial e o intelectual. Não estamos aqui querendo estabelecer os fundamentos psicológicos da percepção musical. Isso foge ao escopo de nosso trabalho e de nossas especialidades, ainda que seja matéria muito rica para os pesquisadores dessas áreas científicas. A nós interessa apenas compreender como se dá a articulação poética da música nos produtos audiovisuais e, para tanto, é preciso levar em consideração, ainda que simplificadamente, os níveis perceptivos do espectador. Assim, podemos observar que existe um aspecto da percepção musical que se dá imediatamente como resposta emocional do espectador, sem que haja pensamento consciente, intelectual, da informação musical por ele recebida. Em paralelo, existe um processamento que se dá mais lentamente, que é justamente a reflexão consciente sobre essa informação musical recebida. A canção ainda tem um fator que complica esse processo: a presença da letra. O entendimento da letra passa pela compreensão de seu sentido literário e sua sonoridade. As palavras, sua formação métrica e sua estruturação poética. De mesma importância, a gestualidade oral do cantor cria uma sonoridade característica, reflexo de sua forma de entender o texto cancional, agregando sentidos explícitos e implicitos à canção. Desta forma o ouvinte não precisa entender exatamente o que se diz, mas a maneira com que o cantor interpreta a canção é determinante para sua compreensão. 386 2.1. Análise da Canção Me deixas louca [1] O entendimento de uma canção passa pela localização e definição de dois papéis materializados em seu conteúdo: o locutor e o destinatário. (Tatit, 1986) O locutor é aquele que diz a mensagem, que detém o conhecimento dos fatos e que vai explanar sobre eles. Materializado na figura do cantor, o Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 locutor é o senhor do assunto a ser tratado na canção. Seu papel é participativo quando ele é parte do assunto que está tratando, em primeira pessoa do singular ou plural, narrando algo que foi alterado pelas suas ações e pensamentos. O locutor será observador quando este não faz parte do que está dizendo, em terceira pessoa do singular ou plural. Neste caso ele descreve somente uma ação ou situação da qual ele assume posição passiva. O destinatário é a figura que não se materializa na canção. Ele não é a pessoa que escuta o locutor cantando, e sim para quem a mensagem está sendo direcionada. Seu papel é participativo quando suas ações são diretamente ligadas à fala do locutor. O destinatário pode também ser meramente ouvinte e não ter relação nenhuma com o que é dito na canção. Pode-se propor uma forma de análise para a canção a partir da localização dessas figuras e de seu posicionamento. O posicionamento das duas figuras mostra como a mensagem pretende ser passada. Em alguns exemplos, esses papéis podem se alterar durante a mensagem. Uma análise dos versos revela seu sentido literário, possibilitando assim um entendimento primário do que se quer dizer. Tudo isso influenciado pela gestualidade oral do intérprete. Gestualidade oral é a "a maneira como cada cantor equilibra as tensões da melodia somada às tensões linguísticas, construindo um universo de sentidos para a canção, valendo-se também das possibilidades timbrísticas" (Machado, 2007). O entendimento de uma canção não passa somente pelo sentido literário de sua letra, mas também pela forma que cantor explicita esses sentidos utilizando a voz. Numa adaptação própria, gestualidade oral é o sentido que se dá ao conteúdo a partir da emissão vocal. E é com esses pontos de partida que se pretende o entendimento da canção Me deixas Louca. Versão de Paulo Coelho para a canção “Me Vuelves Loca”, de Armando Manzanero, esta canção é a ultima gravação feita por Elis Regina e foi lançada inicialmente na coletânea nacional da telenovela “Brilhante” em 1981. Neste bolero, o locutor participativo da canção fala ao destinatário participativo sobre todas as sensações que ele sente relativas ao amor que os dois compartilham. E todas essas situações levam o locutor à loucura, à falta de senso e pensamento comum aos apaixonados. Basta que 387 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 eles andem lado a lado, que ele escute o sorriso do objeto amado para que seu senso se dissipe. O entardecer que traz as coisas lindas ditas pelo destinatário, o pedido de apagar a luz, o calor que se transmite pelos corpos, os braços que se cruzam nas costas, tudo faz com que as palavras do locutor desapareçam e que outros sons encham o espaço. E assim, ao passar da noite, cada vez mais o locutor perde seus limites. A gestualidade oral utilizada por Elis Regina aqui agrega aos versos da canção uma sensação que, ao relembrar cada uma das coisas que ela passa ao lado do amado, seus sensos se perdem. Isso fica representado na sensação de “amolecimento” da voz, que soa como um misto de manha erótica e pedidos sexuais, mostrando que o todo o caminho que se tem desde o encontro com o ser amado ao sexo metaforicamente explicitado na canção contribui para essa perda de suas amarras éticas, sexuais e morais. 3. A Articulação Dramático-Narrativa de Me deixas louca A canção interpretada por Elis Regina aparece em 4 das 74 inserções de canção presentes do seriado. A versão instrumental da canção aparece 6 vezes. Essas inserções acontecem em 4 episódios distintos. 388 O primeiro episódio onde a canção está inserida é sexto do seriado intitulado “O Homem Fiel”. Nele, a personagem principal Malvina questiona o namorado Simão sobre fidelidade. E este diz que sua fidelidade é comprovada por ter asma, o que o torna um debilitado para conseguir ter uma amante. Todo o episódio se desenrola com Malvina percebendo que a fidelidade do namorado, algo que ela acha muito bom, vai se tornando ruim com o passar do tempo, pois a asma não os deixa ter momentos de intimidade. O episódio se finaliza com ela iniciando um caso com um exnamorado Quincas para que ela possa ter a intimidade que a asma lhe priva com o agora marido. Temos neste episódio 2 inserções da versão instrumental de Me deixas louca e 1 inserção da versão cantada. A primeira inserção instrumental de Me deixas louca acontece na sequência onde o romance entre Malvina e Simão começa a se estabelecer. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 De possa da informação que a fidelidade do namorado está comprovada devido a sua condição de asmático, Malvina começa a conviver com a presença da asma e suas consequências. Todas as tentativas de beijos e carinhos que Malvina tem são interrompidas pelas crises asmáticas de Simão. A música aqui, ainda não apresentada com a letra, cria um clima de romance proveniente de seu arranjo e ainda fica marcada com algumas falas do narrador e ação das personagens. A música ainda fica marcada também por uma prévia da frustração futura de Malvina, pois as duas vezes que ela tenta beijar Simão, ele tem um ataque de asma. A segunda inserção da versão instrumental de Me deixas Louca acontece depois do casamento dos dois. Malvina tenta consumar o casamento com o sexo, mas a asma a impede. A música aqui pontua mais ainda a vontade e gosto de Malvina pelo beijo. E é nesta cena que fica claro que talvez ela não consiga saciar seus desejos de beijos e sexo, afinal a cena e a música são interrompidas pelo grito de Simão, mandando-a dormir. A inserção da versão cantada de Me Deixas Louca, já preparada pelas duas inserções instrumentais discutidas acima, acontece na sequência onde Malvina liga para Quincas e decide iniciar o caso com ele. Eles se encontram em um local discreto e fazem sexo. A música aqui, agora cantada, primeiramente sinaliza que o desejo de Malvina será consumado com Quincas. Os versos da canção enquanto os dois conversam ao telefone reiteram que as ações dele a deixa louca. E no momento em que ela chega ao apartamento e eles começam a se despir, a canção já deixou claro que é ali que ela vai consumar seu desejo. O segundo episódio que contem inserções de Me deixas louca é o décimo segundo do seriado, intitulado “Para sempre desconhecida”. O personagem principal, Andrezinho, é um homem de beleza indiscutível. Isto deixa o colega Peixoto, um deficiente físico, tão incomodado que este diz que existe uma mulher no mundo que nunca ficaria com André. Guardando a informação a sete chaves, Peixoto faz com que André se apaixone por essa figura desconhecida e não mais se interesse por outras mulheres. Por vingança, Peixoto não conta quem é a mulher. E André vai à loucura quando Peixoto morre em um acidente levando o nome de sua amada com ele. 389 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Temos nesse episódio 2 inserções da versão cantada da canção e 1 inserção de sua versão instrumental. 390 A primeira inserção da versão cantada de Me deixas Louca acontece na sequência onde Andrezinho tenta imaginar como é a mulher descrita por Peixoto. Ao telefone Andrezinho insiste que Peixoto conte para ele quem é a mulher. A canção aqui delimita o sentimento que Andrezinho começa a criar perante a mulher misteriosa que Peixoto diz conhecer e que não se interessaria por ele. Como o locutor da canção, Andrezinho começa a pensar e imaginar como seria essa mulher, e a canção acrescenta que ele também pensa em como seria seu encontro com ela, sobre como ele imagina o sorriso e como ele perde seus limites enquanto sonha encontra-la. A segunda inserção da versão cantada de Me Deixas Louca acontece na sequência em que uma mulher está no quarto de Andrezinho, se despindo para ele, e ele não tem nenhum interesse por ela. O narrador diz que naquele momento André reconhece que está apaixonado por alguém desconhecido. Nesta inserção a canção serve para reiterar a posição de apaixonado do protagonista. Enquanto em cena uma mulher de beleza facilmente identificavel se despe para ele e ele não se interessa, a canção relembra o espectador, devido à sua primeira inserção, de que ele não quer a mulher que se oferece a ele por estar apaixonado pela desconhecida. A inserção da versão instrumental de Me deixas louca acontece após as duas inserções analisadas acima. Ela acontece na sequência onde Peixoto se nega a dizer para Andrezinho quem é a mulher. O narrador diz que Andrezinho não mais se gabava de sua beleza e que passava horas numa meditação, até receber uma notícia. A versão instrumental nessa inserção continua reiterando os sentimentos de Andrezinho pela desconhecida. Enquanto temos a informação pelas imagens e pela fala do narrador de que ele não é mais a mesma pessoa, o espectador é lembrado que o motivo que o levou a mudar desta forma é a paixão que ele está sentindo. Além disso, essa inserção engana o espectador para a conclusão do episódio. Essa cena leva o espectador a pensar que a conclusão será para que Andrezinho conheça a mulher. Só que a música acaba no momen- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 to em que ele recebe a noticia de que Peixoto morreu e leva com ele o segredo de quem é a mulher. O terceiro episódio onde temos inserções de Me deixas louca é o trigésimo primeiro intitulado “Terezinha”. Nele a personagem principal homônima se vê às voltas da insistência de sua madrasta para que ela se case com um senhor velho e abandone seu namorado Xavier. No final, após ser largada por Xavier e aceitar o casamento com Seu Elias, Terezinha ateia fogo no corpo todo. Neste episódio temos somente a inserção de uma versão instrumental da canção. A inserção da versão instrumental de “Me Deixas Louca” acontece na sequencia onde Xavier está numa boate, flertando com uma mulher. O narrador diz que ele flertava com essa mulher que não correspondia porque ele não tinha dinheiro. A música aqui simplesmente complementa a diegese, já que está sendo executada na boate. O quarto episódio a conter inserções de Me deixas louca é o trigésimo segundo, intitulado “Curiosa”. O personagem principal, Serafim, é levado a perceber atráves do amigo Carvalhinho que Jandira, a esposa de seu colega Paiva, está flertando com ele. Esse reconhecimento faz com que os dois iniciem um caso. Sem entender muito o que está acontecendo, Serafim acaba se tornando amante de Jandira. Após a primeira noite de amor, Jandira revela que queria somente uma experiência para comprovar que amava mesmo o marido. Neste episódio temos duas inserções da versão instrumental da canção e uma inserção de sua versão cantada. A primeira inserção da versão instrumental de Me Deixas Louca acontece na sequência onde Jandira e Serafim se beijam no parque, em seu primeiro encontro. A música aqui, além de criar o clima de romance entre o casal, também engana o espectador. Ela indica que o romance entre Serafim e Jandira que vai se concretizar, quando na verdade já faz referências às verdadeiras intenções dela, que serão reveladas no final do episódio. A segunda inserção da versão instrumental da canção acontece na sequência onde o primeiro encontro sexual de Serafim e Jandira vai acontecer. Jandira chega ao apartamento de Serafim, eles se beijam. Eles fazem sexo. Jandira se mostra insatisfeita ao fim. A música aqui continua enganando o espectador que, 391 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 através dela, está sendo levado a acreditar de que Jandira deseja Serafim como nunca. Porém, com expressão de descontente ao final da sequência, Jandira começa a mostrar que não tem esse interesse pelo amante. E a música prepara então a entrada da versão cantada e a revelação das verdadeiras intenções da personagem. A inserção da versão cantada de Me deixas louca acontece na sequência final do episódio. Nela Jandira, depois de explicar seu plano sobre a curiosidade do sexo com outro homem, vai embora deixando o cheiro de seu perfume no ar e desiludida com o pecado. E, ao chegar em casa, Jandira se entrega apaixonada ao marido. A inserção da canção, já preparada pelas duas inserções de sua versão instrumental, revela para o espectador a verdadeira motivação de Jandira. Os versos da canção indicam por quer Jandira perde os sensos, quem ela espera todos os dias. As inserções da versão instrumental, que criavam um clima de romance entre Jandira e Serafim, agora são entendidas como parte do plano que esta tinha de saber se outro homem poderia ser mais interessante que o marido. E o marido, por ser especial, é o único que pode a ouvir confessar que esperar por ele, que andar ao seu lado, que ouvir seu sorriso a deixa louca. 6. Considerações Finais 392 A canção Me deixas louca no seriado “A vida como ela é...” é um exemplo significativo de como a canção se comporta na trilha musical do seriado. Temos quatro tipos de inserções da canção: as que funcionam como complemento às ações da personagem, as que reafirmam aspectos da cena, as que anteveem algo da trama e as que criam a ambiência necessária para que o meio onde a ação acontece seja mais crível. As inserções das versões instrumentais das canções se comportam dentro destas mesmas funções, preparando a entrada da canção cantada ou reiterando o que a canção já pontuou em inserção anterior. A importância da música na articulação poética do audiovisual é imensa. Ela se relaciona tanto com aspectos palpáveis da obra, como com os aspectos subjetivos, aquilo que não vemos ou ouvimos diretamente, mas que se constrói em nossa psique a partir das relações humanas, da progressão dramática, do enredo, entre outros. Assim, sua impor- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 tância transcende os aspectos puramente musicais. Ela permeia a trama e as ações das personagens e sutilmente se torna, ela mesma, uma personagem a mais nessa trama. Nota [1] Quando caminho pela rua lado a lado com você / Me deixas louca / E quando escuto o som alegre do teu riso que me dá tanta alegria / Me deixas louca / Me deixas louca quando vejo mais um dia pouco a pouco entardecer / E chega a hora de ir pro quarto escutar as coisas lindas que começas a dizer / Me deixas louca / Quando me pedes por favor que nossa lâmpada se apague / Me deixas louca / Quando transmites o calor de tuas mãos pro meu corpo que te espera / Me deixas louca / E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas / Desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço / Você me abraça, a noite passa / Me deixas louca. Referências Gorbman, C. (1987). Unheard Melodies: Narrative Film Music. Indiana: Indiana University Press. Machado, R. (2007). A voz na canção popular brasileira : um estudo sobre a Vanguarda Paulista. Campinas: (Dissertação de Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas. Tatit, L. (1986). A canção: Eficácia e Encanto. São Paulo: Atual Editora. 393 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Gramática da interação Texto-Melodia na canção popular José Roberto do Carmo Jr [email protected] Universidade de São Paulo - USP Resumo: No presente trabalho discutimos a mútua interferência entre unidades prosódicas e melódicas na palavra cantada. Diversos estudos (Hayes, 1989; Halle, 2005; Carmo Jr, 2012) mostram que a estrutura melódica pode afetar a cadeia linguística, seja pela epêntese silábica, pelo deslocamento acentual, pelo bloqueio à ditongação, à degeminação e à elisão, entre outros processos fonológicos. Por outro lado, a prosódia da fala pode também determinar certas alterações na linha melódica, emprestando a esta certos traços verbais do que resultam melodias caracteristicamente vocais, como o mostram inúmeros exemplos de compositores como Adoniran Barbosa, Jorge Benjor e Noel Rosa. A hipótese central da nossa investigação sustenta que a mútua interferência entre melodia e palavra não é aleatória, mas obedece a certas restrições gramaticais. Embora não existam regras explícitas para o alinhamento entre texto e melodia, a frequência com que o compositor recorre a certos padrões somente pode ser explicada se supusermos um sistema de princípios por trás de toda e qualquer canção. Palavras-chave: canção popular, prosódia, fonologia. 394 Textsetting grammar in pop songs Abstract: In this paper we propose an investigation on the interference between linguistic and melodic units observed in songs. Previous studies (Hayes, 1986; Halle, 2005; Carmo Jr, 2012), have shown that melodic structure may affect the linguistic string in several ways: syllabic epenthesis, stress shifting, blocking of diphtongation, elision and degemination, among other phonological processes. On the other hand, the prosody of speech may also determine changes in the melodic lines, giving them some verbal features from which there result typical vocal melodies. These kinds of melodies can be found in songs by Adoniran Barbosa, Jorge Benjor and Noel Rosa, to mention a few. The central hypothesis of this investigation is that the mutual interference between music and words is not random; rather it is governed by some grammatical constraints. Of course, the composers do not consult a grammar book to find out how to match Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 melodies with words. However, the frequency in which those composers follow certain patterns can only be explained if we suppose the existence of a grammatical system behind any and all songs. Keywords: pop song, prosody, phonology 1. Introdução A palavra cantada resulta da sobreposição da estrutura métricoentoativa da fala e da estrutura rítmico-melódica da música. Sob certos aspectos, e dentro de certos domínios, cadeia falada e cadeia melódica compartilham as mesmas propriedades. Ambas são hierarquias n-árias de constituintes (Nespor & Vogel, 1986; Lerdahl & Jackendof, 1983), e seus elementos terminais, nota e sílaba (núcleo) respectivamente, são ambos portadores de tom, duração e intensidade. Isso não faz com que texto e melodia sejam mutuamente transparentes. Ao contrário, não há palavra cantada na qual o texto não se veja afetado pela melodia ou em que a melodia não seja modificada pelo texto. Como veremos adiante, há certos contextos nos quais os componentes da gramática (sintaxe, morfologia, fonologia) tornam-se invisíveis para o componente melódico e a palavra cantada parece então poder violar processos usualmente observados na variedade falada, em quaisquer dos seus registros. Isso significa que certas construções são aceitas quando cantadas mas não o são quando faladas. É claro que não nos referimos aqui aos aspectos normativos da língua, assim como não está em questão que uma construção seja mais ou menos adequada que outra. Porém, os dados observados nos levam a indagar por que certas construções soam antinaturais quando faladas (isto é, são fonologicamente agramaticais), mas passam despercebidas quando cantadas. A descrição dessa aparente agramaticalidade da palavra cantada pode contribuir para um melhor entendimento da fonologia do português brasileiro, além de iluminar a complexa e pouco conhecida relação entre música e linguagem. 395 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. Histórico do problema Segundo Halle (1993, 2005) a palavra cantada é um objeto composto que combina dois objetos simples, texto e melodia, cada qual com sua própria estrutura. Esta combinação recebe o nome de textsetting e depende fundamentalmente de duas propriedades que texto e melodia compartilham entre si: (1) ambos apresentam uma estrutura de constituintes, e (2) ambos apresentam unidades dotadas de proeminência relativa. Na perspectiva de Halle, o estudo da palavra cantada consiste na descrição do alinhamento entre constituintes musicais e linguísticos (constituency matching) e do alinhamento entre proeminências musicais e linguísticas (prominence matching). Halle caracteriza a boa formação da palavra cantada com base no grau de compatibilidade entre os grupos e entre as proeminências. Uma canção será bem formada quando não violar certos princípios como, por exemplo, o princípio do desalinhamento acentual (ver adiante). Investigações sobre a canção popular brasileira mostram que em se tratando de música tonal, há uma estreita relação entre as funções harmônicas da melodia e os núcleos de palavras lexicais (Carmo Jr, 2012). Na melodia tonal que serve de base à canção popular moderna, as células harmônicas parecem associar-se preferencialmente às cabeças das palavras lexicais, repelindo as palavras funcionais. Além disso, os dados mostram que há uma forte associação entre frase entoacional e a frase melódica formada por uma cadeia de duas células harmônicas contíguas. Um modelo de interação texto-melodia teria, então, ao menos quatro níveis, cada um deles associando diferentes componentes linguísticos e musicais: 396 1 - a nota (N) alinha-se necessariamente à sílaba (σ); 2 - o pulso (P) associa-se ao pé (K), podendo ou não reestruturá-lo; 3 - o núcleo da célula harmônica (C) atrai a sílaba mais proeminente de uma cabeça lexical (nome, adjetivo, verbo e advérbio), estendendo seu domínio à frase fonológica (PhP); 4 - por fim, o enunciado melódico (E) tende a associar-se à frase entoacional (IP) e, consequentemente, ao verso. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Tal interação pode ser esquematicamente representada como segue (Figura 1): Figura 1. Interação melodia-prosódia. Em vista do não-isomorfismo entre essas duas hierarquias, a sobreposição entre a estrutura métrico-entoativa da fala e a estrutura rítmicomelódica da música está sujeita a certos ajustes, seja de um ou de outro lado, de modo a satisfazer às duas condições de boa formação da palavra cantada. São estas condições que explicam a ocorrência de deslocamentos acentuais, o bloqueio de processos fonológicos ou a inserção de sílabas e/ou notas epentéticas, etc., que não podem ser explicados apenas em termos linguísticos ou musicais, mas que decorrem exatamente do mútuo condicionamento entre estes dois componentes. 3. Condições de boa formação da palavra cantada. 3.1 Nota – sílaba Em Carmo Jr (2012), a relação fundamental entre texto e melodia não é concebida entre constituintes, mas entre os núcleos dos constituintes. Os constituintes prosódicos recebem uma representação parentetizada e devem ser alinhados aos núcleos dos elementos melódicos de acordo com duas condições de boa formação: o princípio de alinhamento de terminais e o princípio de associação de não-terminais. O princípio de alinhamento afirma 397 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 que “cada elemento terminal da cadeia melódica (nota) deve ser alinhado a um e apenas um constituinte terminal da cadeia prosódica (sílaba) e viceversa.” (Carmo Jr, 2011:12). Esse princípio estabelece a relação biunívoca fundamental (e apenas aparentemente óbvia) entre nota e sílaba. Assim, a sílaba epentética (1) per.gun.tei => *per.gun.te.ej em Asa Branca ou a degeminação (2) su.a.a.sa => *su.a.sa em O Rouxinol são decorrências diretas do princípio de alinhamento de terminais. Veja-se: Fig. 1 Asa Branca (Luiz Gonzaga & Humberto Teixeira) Fig.2 O rouxinol (Gilberto Gil) 3.2 Pulso – Pé prosódico 398 O princípio de alinhamento faz referência apenas às unidades terminais, nota e sílaba, sem qualificá-las. O princípio explica porque ocorrem reestruturações que aumentam ou diminuem o número de sílabas do texto, mas não explica a alteração da qualidade prosódica destas. Quando a cadeia de sílabas é alinhada à cadeia de notas, os núcleos das divisões da melodia (pulso, célula, enunciado) atraem os núcleos dos constituintes prosódicos (palavra, frase fonológica e frase entoacional), de onde resulta uma associação entre proeminências melódicas e proeminências linguísticas. A mais básica dessas associações por atração ocorre entre os pulsos da melodia (P) e as sílabas acentuadas do pé prosódico (K). A regra geral é a de que o pulso tem a capacidade de atrair o acento silábico. É o pulso que determina a distribuição do acento, de modo que sílabas a ele associadas são mais proeminentes que sílabas não alinhadas. Quando o princípio de associação é violado ocorre o que Halle e Dell (2009) denominam desalinhamento acentual: Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Desalinhamento acentual: sejam S e s duas sílabas quaisquer, em qualquer ordem, e seja S acentuada e s não-acentuada. Haverá um desalinhamento acentual se S e s forem sílabas adjacentes num mesmo verso e o pulso incidir sobre s, mas não incidir sobre S. (Halle & Dell, 2009:6) Para representar adequadamente a relação entre pulso e acento a grade estrutural deve receber uma linha com os pulsos abaixo da linha das notas. A cada pulso estará associada uma sílaba proeminente, grafada em caixa alta. Assim, em (3) há desalinhamento acentual OU.tro => ou.TRO porque P está associado a s (tro) e não está associado a S (ou). Fig. 3 Retrato em branco e preto (Tom Jobim & Chico Buarque) Dado que o pulso atrai o acento, ele tem o poder de reestruturar o pé prosódico. Em Tempo de estio o ritmo ternário transforma-se em binário pela associação com o pulso, QUE.ro.co.MER => que.RO.co.MER; em Carinhoso, ao contrário, é o pé binário que se transforma em ternário, meu.CO.ra.ÇÃO => MEU.co.ra.ÇÃO. 3.3 Célula – Frase fonológica A relação pulso-acento, fundada em critérios exclusivamente rítmicos, explica apenas parcialmente a distribuição de proeminências na canção. Por exemplo, no primeiro verso de Cajuina (4), as sílabas MOS e TI destacamse claramente das demais. Fig.4 Cajuína (Caetano Veloso) 399 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 400 O deslocamento acentual em e.xis.TIR.mos => e.xis.tir.MOS ocorre porque a sílaba MOS se associa a um pulso, e este atrai o acento. A questão reside em saber por que o acento desloca-se para a direita MOS e não para a esquerda XIS, se ambas as sílabas estão igualmente associadas ao pulso. Em princípio, não há direcionalidade no desalinhamento acentual (Halle & Dell, 2009:6), de modo que XIS e MOS deveriam ser igualmente acentuadas. No entanto, MOS e TI destacam-se das outras sílabas do verso porque cada uma está associada ao núcleo de uma célula harmônica. A melodia da canção popular é tonal, ou seja, apoia-se numa sucessão de acordes. A célula musical é uma unidade a um tempo harmônica (há apenas um acorde para cada célula), rítmica (o núcleo da célula coincide com a cabeça de um compasso musical) e melódica (muitas vezes a célula tem um perfil melódico que se repete ao longo da melodia). Por essa razão, a notasílaba associada ao núcleo da célula é proeminente em relação às demais. Assim como a melodia é ritmicamente demarcada pelos pulsos – os quais percebemos intuitiva e naturalmente quando batemos os pés ou as mãos acompanhando uma melodia –, ela é também harmonicamente demarcada pelos núcleos das células, que são percebidos como os lugares onde, entre outras coisas, o violonista troca de acordes e o contrabaixista toca a nota mais longa da linha do baixo. Na verdade, este é um componente fundamental da aquisição da linguagem musical. Uma das competências básicas do músico, mesmo o iniciante e amador, consiste em reconhecer as unidades que compõem a cadeia melódica. É essa competência que usualmente chamamos “tocar de ouvido”. Assim, no verso de Cajuína, as duas células contém os acordes de Dó menor e Fá menor e são representadas por um terceiro nível dentro da hierarquia melódica, C (4a). Fig.4a Cajuína (Caetano Veloso) Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os dados preliminares sugerem que a relação da célula com o componente linguístico envolve informação de ordem morfológica. Os núcleos das células atraem os núcleos das palavras lexicais, ou seja, nomes, verbos, adjetivos e advérbios. No primeiro verso de Cajuína as três palavras lexicais (existir, ser, destinar) formam três frases fonológicas. O mesmo ocorre no décimo verso de Anunciação (5), onde temos três palavras lexicais (anunciar, sino, catedral). Fig.5 Anunciação (Alceu Valença) 3.4 Enunciado melódico – Frase entoacional Carmo Jr (2012) assume a hipótese de que existe uma predicação musical e que tal predicação decorre da concatenação entre pelo menos duas células harmônicas, cujos núcleos são preenchidos por funções harmônicas distintas manifestadas por diferentes acordes. Na medida em que tais funções harmônicas encabeçam os núcleos de duas células contíguas, estabelece-se uma predicação musical elementar, ou seja, instaura-se um percurso mínimo, uma direcionalidade no fluxo da melodia. O núcleo de um enunciado melódico coincide com a célula mais à direita e usualmente é seguido de pausa. Muitas vezes, o núcleo atrai a sílaba mais proeminente de uma frase entoacional. Nesses casos (como nos exemplos acima), o limite do enunciado melódico é determinado pelo alinhamento célula-pulso-nota, o qual por sua vez coincide com a sílaba mais proeminente do verso, pois é simultaneamente o núcleo da palavra prosódica, frase fonológica (PhP) e frase entoacional (IP). Desse modo, o núcleo do enunciado melódico coincide com a coluna mais alta da grade estrutural. Daí a naturalidade com a qual o enunciado melódico se associa à frase entoacional, que por sua vez tende a servir de base para a construção 401 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 do verso na canção popular. É o caso, para dar apenas dois exemplos, dos versos iniciais de Felicidade (6) e Gita (7). Fig.6 Felicidade (Lupicínio Rodrigues) Fig.7 Gita (Raul Seixas) 4. Conclusão 402 O problema que está na origem deste ensaio diz respeito à possibilidade ou não de nos servirmos de modelos linguísticos como um recurso auxiliar na análise de melodia musical. Até que ponto um olhar linguístico sobre a melodia musical poderia auxiliar o musicólogo a aprimorar seus métodos e ferramentas de análise? E, por que não, em que medida esse tipo de pesquisa interdisciplinar poderia contribuir para nosso conhecimento da língua. Acreditamos que o problema aqui proposto representa apenas uma das faces de outro, mais amplo, acerca da abrangência dos modelos linguísticos e da natureza semiótica da música e das línguas naturais. Nossa investigação teve como ponto de partida a busca de uma hipotética hierarquia melódica, que suspeitávamos ser similar à hierarquia prosódica das línguas naturais. Nossos resultados mostram que a melodia exibe sim uma estrutura hierárquica, porém ela se diferencia da hierarquia prosódica na medida em que não possui constituintes claramente delimitados. Em função disso, e diferentemente dos domínios prosódicos, as estruturas melódicas pedem Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 uma representação em grade, que não faz referência aos limites das unidades. Referências Abaurre, M. B. (1996) Acento frasal e processos fonológicos segmentais. Letras de Hoje, n.31 (2), p. 41-50. Bisol, L. (1993) Sândi vocálico externo. Gramática do português falado (2138). 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Das cadências musicais para o ritmo lingüístico: uma análise do ritmo lingüístico do português arcaico, a partir da 403 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 notação musical das Cantigas de Santa Maria. Revista da ABRALIN, v. 7, 9-26. Nespor & Vogel (1986) Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications. 404 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A estruturação poética da fraseologia em alguns exemplos de música popular do Brasil Paulo José de Siqueira Tiné [email protected] Instituto de Artes, UNICAMP Resumo: Este artigo trata de uma proposta de analogia entre a construção fraseológica e a construção poética. A partir de tal proposta, as estruturas fraseológicas da música do repertório popular brasileiro tonal podem ser entendidas como análogas a certas estruturas poéticas propondo-se, a partir de tal analogia, duas novas categorias fraseológicas forjadas a partir de tal interpretação. Palavras-Chave: fraseologia, estrutura musical, estrutura poética, música popular. Abstract: This article deals with a proposed analogy between poetic construction and musical phraseology. From such a proposal, phraseological structures of tonal music of Brazilian popular repertoire can be understood as analogous to certain poetic structures proposing, from this analogy, two new phraseological categories forged from such an interpretation. Keywords: phraseology, musical structure, poetic structure, popular music of Brazil. 1.Introdução “... a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por parte, o apelo primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de alguma coisa. (...) O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer...” (Martin Heidegger) 405 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Na obra “Fundamentos da Composição Musical” de A. Schoenberg (1991, p. 51), o autor faz um interessante paralelo entre música e linguagem. Como muitos outros autores de diferentes maneiras [1], o autor coloca qual seria o verdadeiro objetivo da música para ele: “O real propósito da construção musical não é a beleza, mas a inteligibilidade”. Para justificar tal propósito, o autor dá ênfase na repetição, ou seja, confere à repetição o status de fator gerador da inteligibilidade, ainda que do ponto de vista composicional Schoenberg pareça buscar exatamente o oposto no período do atonalismo livre. Por consequência, a repetição de motivos, frases, antecedentes e de seções inteiras são fatores geradores de inteligibilidade, ainda que, segundo o autor, a repetição excessiva corra o risco da monotonia. Nesse contexto, abundam analogias com a linguagem verbal. A própria teoria musical toma de empréstimo diversos conceitos gramaticais ligados a esse modo de comunicação. Conceitos como “frase”, “linguagem composicional”, “idiomático” são alguns exemplos disso. E essa relação entre música e linguagem pode trazer contribuições importantes ao campo da cognição musical. “Seria de se esperar, portanto, que qualquer introdução do estudo da música nas disciplinas cognitivas envolvesse de alguma forma uma relação com a linguagem; de fato (...) a relação entre música e linguagem parece sempre necessária e natural, dentro da literatura sobre cognição musical.” (Mello, 2003, 89) 2.Justificativas 406 Este artigo traz resultados parciais da pesquisa de doutorado na qual o autor trabalhou com a hipótese da analogia com a arte poética como elemento estruturador da fraseologia musical. Não que a poesia esteja necessariamente presente como texto, mas a organização dos materiais se dá, pelo menos numa primeira instância, de maneira poética. Por isso, aqui, o motivo musical e suas repetições poderiam ser vistos como análogos às rimas, aliterações ou assonâncias [2] e não como um elemento gerador da inteli- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 gibilidade. Mesmo as repetições de frase poderiam ser vistas com esse objetivo, o de rimar musicalmente. Dentro da perspectiva teórica tradicional trabalhei, normalmente com as seguintes categorias fraseológicas: Estruturas Binárias classificadas como Período ou Sentença [3] (regulares ou irregulares) e Estruturas Ternárias [4] (regulares e irregulares), baseados em Schoenberg (1991), Stein (1979) e Zamacois (1985). Dentro dessas categorias, podem se desenvolver subgêneros como o das “cadeias de frases” no caso da sentença (a a’a” etc.) e da barform (a a b) como uma das possibilidades de estrutura ternária, baseados em Green (1964, p.51 e 80). Alguns pesquisadores já apontaram para tal paralelo entre a fraseologia musical e a versificação poética, nesse caso, na tradição musical ioruba do Benin. Se a anáfora é vista como a reiteração de vocábulo em posição de dominância sintática, poderíamos nós reescrever esta definição em termos musicais, no que concerne aos termos /a/ das frases, como a reiteração de uma estrutura em posição de dominância métrica [...] No caso musical, a reiteração de /a/ cria uma inusitada correspondência entre a realização métrica ocidental e a ioruba. (Lacerda, 2001) Tomando como base as pesquisas e práticas pedagógicas do autor na área da música popular, diversos exemplos poderiam ser classificados dentro daqueles modelos preexistentes, ainda que cada exemplo possua características próprias e únicas. A partir das possibilidades apresentadas (estruturas binárias, ternárias), a maioria das canções analisadas pelo autor (TINÉ, 2001) se assentam em alguns padrões formais pré-existentes como o da Canção de Uma só Parte (A), Formas Binárias (AB), derivadas (por exemplo: AA´) e Ternárias (ABA) [5], sendo o B visto ora como outra estrutura em tonalidade diferente, ora como uma Seção Média Contrastante, e, por fim, a forma rondó (ABACA) encontrada, por exemplo, em diversos choros. Além disso, para tais possibilidades formais, é de grande importância verificar a forma da gravação ou arranjo, pois é nele que a obra musical de cunho popular/comercial se dá do ponto de vista fenomenológico. 407 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Como colocado, a escolha dos exemplos se deu, por um lado, pela pesquisa de doutorado realizada pelo autor e, por outro, pela prática pedagógica da análise musical aplicada a exemplos de música popular. Entre 2005 e 2008 o autor lecionou o mencionado curso no antigo CEM - Tom Jobim (atual EMESP- Escola de Música do Estado de São Paulo). Foi nesse curso que as categorias fraseológicas supracitadas foram aplicadas em exemplos daquele vasto repertório. No entanto, em certo ponto, eles não se encaixavam completamente [6]. Nesse curso tratava-se, também, de se analisar diversas atividades musicais significativas de gêneros ligados à música popular principalmente instrumental como o Frevo e o Choro, análise de improvisações, arranjos em geral e de canções e standards de jazz. Esse curso serviu parcialmente como uma espécie de laboratório para o doutorado e os exemplos apresentados nesse artigo foram retirados, como comentado, da tese do autor (Tiné, 2008). Nesse, além da prática mencionada, incluiu uma série de exemplos étnicos dos gêneros cocos, catimbó, capoeira, candomblé e cantoria foram transcritos a fim de se buscar uma antecedência dos procedimentos modais nos compositores populares, analisados no capítulo IV, Edu Lobo (cujo trecho é citado aqui), Baden Powell e Milton Nascimento. Entretanto, a análise dos procedimentos fraseológicos foi realizada em paralelo ao do modalismo. Por fim, nessa sobreposição de elementos fraseológicos, estruturas poéticas, modalismo - principalmente aquele encontrado na música nordestina -, pelos exemplos encontrados, há um desembocar, quase que natural, em parte dos procedimentos da música de Hermeto Pascoal, na medida em o multi-instrumentista parece atingir um novo fazer musical que, entretanto, não deixa de ter sua base no desdobramento de procedimentos musicais do nordeste, principalmente a Cantoria. 408 A partir da proposição de Mello (2003, 86) por um nível de cognição musical que permanece como “sons musicais não-categorizáveis nominalmente” entre um nível estrutural e outro sonoro, a investigação do presente artigo encontra-se nesse primeiro nível, a saber, o linguístico, ainda que, em pesquisas futuras, possa ter outros desdobramentos. Essa ampliação da fraseologia musical proposta aqui se encontra justificada na medida em que Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 parte dos estudos sobre cognição musical propõe justamente estudar os fundamentos epistemológicos da teoria musical. 3.Alguns Exemplos A abordagem de canções com letra, ou seja, canções com o texto poético presente, pode clarear ainda mais a relação mais a relação entre a métrica e fraseologia. Em muitos exemplos a quadra poética [7] permanece análoga às estruturas binárias do período ou sentença (Schoenberg, 1991) e as sextilhas e tercetos com a estrutura ternária (Zamacois, 1985). Há que se ter em conta que, de uma maneira geral, dentro das manifestações étnicas não há uma dissociação desses termos, quer dizer, não há a composição destes em separado, eles são criados, ou às vezes improvisados ao mesmo tempo. O caso da Cantoria Nordestina (Ramalho, 2000) é significativo, pois, para uma mesma melodia são improvisados diferentes versos que, via de regra, obedecem a uma mesma métrica. Apresento como exemplo disso um trecho transcrito retirados da tese do autor do CD A Arte da Cantoria: Ciclo do Cangaço, faixa 2. Ela se baseia na Sextilha, ou seja, a estrofe possui seis versos de sete sílabas (Goldenstein, 2005). Portanto, a Estrutura Ternária formada pelas frases a, b e b’ é consequência direta do uso da Sextilha. O mesmo vale para os padrões conhecidos entre os repentistas como “Oito pés ao quadrão” e “Dez pés ao Quadrão” [8]. Os números apontam os traços cadenciais em relação ao modo. 409 Exemplo 1: Cantoria Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Nota-se, nesses casos, a ascendência do canto silábico sobre o melismático, que se estende dos campos étnicos aos populares nos exemplos estudados. Na verificação da transposição de tais elementos pelos autores populares estudados na tese (Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Edu Lobo, Milton Nascimento e Baden Powell), percebe-se que a melodia foi criada primeiro, para, posteriormente, ser acrescida a letra. Nesse caso, normalmente, uma irregularidade fraseológica é correspondida por uma irregularidade métrica. É importante ressaltar o papel que o responsório exerce no sentido de adaptar certas inconstâncias métricas de algumas estruturas poéticas em regularidades fraseológicas, procedimento muito presente em manifestações populares em geral. Observe o quadro abaixo com a comparação entre métrica, rima e fraseologia da parte A de “Arrastão” (Edu Lobo & Vinícius de Moraes). Nesse caso o verso corresponde à frase musical, mas a rima não condiciona o contraste fraseológico e, sim, a métrica, que, sendo sempre a mesma, termina por se conformar às repetições – frases a, a’, a” e a’”cadencial –, enquadrando-se, então, à estrutura da Sentença na forma de cadeia de frases. Letra Ê, tem jangada no mar 410 Métrica Rima Frases (7) a final Frase a Ê (ie, iêi) hoje tem arrastão (7) b Frase a’ Ê, todo mundo pescar (7) a Frase a” Chega de sombra João (7) b Frase a”’ (frase cadencial) 2 – 7 +1 Quadro 1 Arrastão: seção A. A partir das categorias apontadas e da analogia proposta, proponho a possibilidade de mais duas possibilidades categóricas fraseológicas forjadas a partir da prática de análise musical desse tipo de repertório e sua reflexão. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3.1 Verso Branco Enquanto Categoria Fraseológica Musical Propus, como apontado, pensar as estruturas citadas (Binárias – Período e Sentença/Ternárias) como possibilidades de quadras e tercetos musicais, respectivamente. Baseando-se na analogia proposta e no sentido de ampliar as possibilidades estruturais, pode-se pensar em uma estrutura musical análoga ao Verso Branco [9], na qual as frases se mantêm na métrica (quatro frases para Período ou Sentença e três para Estrutura Ternária), porém, com ausência de repetição fraseológica. Como exemplo dessa possibilidade, apresento a seção A do frevo Freio a Óleo [10], de 1950, do compositor pernambucano José Menezes. Observa-se que nenhuma frase se repete, apenas o motivo dos anacruses do 2º e 10º compassos e, apesar disso, a quadratura está perfeita, com quatro frases em 16 compassos, incluindo a frase cadencial que finaliza a seção. Por outro lado, pode-se considerar a terceira frase c como uma variação da frase a (a’), o que colocaria tal estrutura dentro do esquema do período. Talvez esta ausência de repetição fraseológica seja uma característica importante de alguns frevos, como na seção A de Duda no Frevo (Senô), Gostosinho e Gostosão (Nelson Ferreira) e Corisco (Lourival Oliveira), possibilidade esta que deve ser aprofundada em outra pesquisa. 411 Exemplo 2: Freio a Óleo: seção A. Poderia se dizer, portanto, que a seção A de Freio à Óleo é uma Estrutura Binária em “verso branco”. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3.2 Verso Livre Enquanto Categoria Fraseológica Musical Dentro desse contexto de referência, o compositor e multiinstrumentista alagoano Hermeto Pascoal parece criar uma interessante possibilidade em suas composições, que chamei de “verso livre musical”. Diferentemente do verso branco, o verso livre caracteriza-se pela ausência de rima e métrica (Goldstein, 2005, p.36). No álbum Brasil Universo (1986), o autor realiza na última faixa (“Calma de Repente”) uma espécie de improvisação verbal com associação livre de ideias e de métricas preestabelecidas, uma espécie de “repente livre”. É o que o autor parece transpor para o nível musical puro na obra São Paulo, 9 de Julho, uma das 366 músicas de seu Calendário do Som (Pascoal, 2000). Além da análise fraseológica, o exemplo 3 apresenta a cifra “transliterada” na pauta. 412 Exemplo 3: São Paulo, 9 de Julho Nota-se que até o final da frase d no 11º compasso não há nenhuma repetição fraseológica. É somente a partir do 12º compasso com a sequên- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cia de três frases e e derivadas, que há uma pequena estrutura ternária regular ocupando 6 compassos. É essa ausência de repetição fraseológica que caracterizariam o verso livre musical dos 11 primeiros compassos. Apenas o motivo x, e suas derivações, faz uma conexão desses mesmos compassos e os seis últimos (do 12º ao 17º). Nota-se também que toda melodia está baseada num único modo de FA dórico, muito embora o compositor o harmonize das mais variadas maneiras. Ou seja, o autor realiza uma composição coerente sem lançar mão de repetições fraseológicas até o 11º compasso e sem abdicar ao uso de um modo diatônico. Além disso, leva às últimas consequências as possibilidades idiomáticas, ligadas às tradições popular e jazzística de harmonização, além do uso do traço melódico nordestino característico 6+1. Outras composições de Hermeto parecem atuar na mesma direção, como Ilha das Gaivotas e Mestre Radamés [11], por exemplo. O dado importante a apontar nesse procedimento de Hermeto é o fato de que a ausência de repetição fraseológica e seccional não foi acompanhada pela atonalidade como foi característico período correspondente da segunda escola de Viena, fato que poderá ser verificado por futuras pesquisas. 4. Considerações Finais Concluindo, a partir dos apontamentos e análises realizadas, somente através de uma busca em campo inter-disciplinar pode-se acomodar a proposta aqui sugerida. Portanto, os campos da teoria musical, revistos através da linguística e cognição musical como propõe Mello (2003), apontariam para a maturação dos pontos aqui levantados no sentido de uma busca por algo que reúna música e poesia como elementos estruturantes e estruturados mutuamente, o que altera o entendimento e, portanto, a percepção e cognição da música através da analogia proposta. 413 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Notas 414 [1] “Acredito que a composição não se ensina. Entretanto, o que sempre trabalhei em classe foi o entendimento da música enquanto linguagem [grifo nosso]. É necessário aprender a falar. E para isso é fundamental que se pratique essa linguagem. Em minhas aulas partia da base pessoal de cada aluno, que chamo de ‘acontecimento acústico’, e procurava transformá-lo em um ‘acontecimento linguístico’. Sem isso não é possível compor.” Entrevista de Willy Correa de Oliveira concedida à Revista Concerto. Ano XI. N. 115, março de 2006. “ [2] Ver Goldstein, Norma: 2005, Cap. 7 e 8. [3] “A estrutura do início determina a construção da continuação (...). Se o início é uma frase de dois compassos, a continuação (C. 3 e 4) pode ser tanto uma repetição exata quanto uma repetição transposta (...) A estruturação do início determina a construção da continuação. O período difere da sentença pelo fato de adiar a repetição. A primeira frase não é repetida imediatamente, mas unida a formas-motivo mais remota (contrastantes), perfazendo, assim, a primeira metade do período: o antecedente. Após esse elemento de contraste, a repetição não pode ser muito adiada, a fim de não colocar em perigo a compreensibilidade.” Shoenberg, 1991, 48. [4] “Tanto a frase como cada um de seus grupos componentes são binários quando constam de duas divisões principais – sejam períodos ou grupos de períodos – e ternários quando constam de três. A estrutura de um grupo não prejudica a nenhuma dos demais.” Zamacois, 1985, 19. [5] Stein, 1979, p. 57 – 74. [6] Como, por exemplo, nas seções A de Lamentos de Pixinguinha e Wave de Tom Jobim, por exemplo. Tratam-se, ambas, de Estruturas Ternárias, uma de 24 outra de 12 compassos respectivamente, formadas por 3 frases cada. Entretanto, não há repetição fraseológica que as faça encaixar no modelo da barform, por exemplo [7] Estrofe poética de quatro versos cada (Goldenstein, 2005). [8] Estrofes de oito e dez verso de 7 sílabas (redondilha maior) respectivamente. [9] O verso branco se dá quando a métrica da poesia é mantida mas não há rima entre os versos. 10] Songbook de Frevos. Recife: Secretaria de Cultura e Turismo, 1998. [11] Obras gravadas respectivamente nos álbuns Só Não Toca Quem Não Quer (1989) e Lagoa da Canoa do Município de Arapiraca (1984). Referências Bibliográficas Green, Douglass M. (1964). Form in Tonal Music: an introduction to analysis. New York: Holt Rinehart and Wiston Inc. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Goldstein, N. (2005). Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ed. Ática, 13. ed., 2005. Lacerda, Marcos Branda. Música de culto nagô-iorubá e a Barform. Anais do XIII Encontro Nacional da Anppom. Belo Horizonte, V. 1, 2001. p. 308315. Mello, Marcelo. Reflexões sobre Linguística e Cognição Musical. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2003 Ramalho, Elba Braga. Cantoria Nordestina: Música e Palavra. 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Desse modo, estes indivíduos classificam os timbres através de aspectos cujos atributos não advêm do sentido da audição, mas que apresentam propriedades sinestésicas. Este trabalho pretende investigar alguns desses aspectos do timbre que são comumente utilizados no meio musical, e que advêm primordialmente das sensações visuais e tácteis. Estes foram aqui chamados de aspectos sinestésicos do timbre musical. Foram realizados três experimentos de classificação de aspectos sinestésicos do timbre. É aqui descrito o último desses experimentos, que envolveu a participação de 40 voluntários que classificaram 16 amostras sonoras de instrumentos musicais em cinco aspectos sinestésicos distintos. Os resultados alcançados são aqui apresentados, explicados e discutidos. Palavras-chave: timbre, sinestesia, taxonomia Synaesthetic Aspects of Musical Timbre Taxonomy Abstract: It's arguable to say that timbre is also know for its ineffable classification. Nevertheless, auditory perception is capable of analyze it and human cognition can effortlessly identify, recognize and remember a myriad of distinctive timbres, since from the human voice till the ones of musical instruments. However, this taxonomy usually evanesces when trying to conceive their independent aspects. For that, musicians and sound designers borrow a classification from other human senses, such as vision and touch. This way they classify timbre aspects with features that do not 417 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 belong to the auditory experience. This work aims to study some of these aspects commonly used in music business, the ones who are mostly associated with visual and tactile sensations. They are here called synaesthetic aspects. This work presents 3 experiments on the classification of synaesthetic aspects of musical timbre. It is described here the last and broader one, involving the participation of 40 volunteers that listened to 16 sound samples and classified them in terms of 5 synaesthetic aspects. The results are here presented, explained and discussed. Keywords: timbre, synethesia, taxonomy 1. Introdução 418 Quando se observa a representação gráfica da forma de onda no domínio do tempo de uma amostra sonora, como a gravação de uma música, percebe-se que tal representação pictórica exibe apenas uma diminuta fração dos aspectos sonoros presentes neste registro do sinal acústico. Ao selecionarmos um pequeno trecho desta representação gráfica, de alguns poucos milisegundos, e a expandirmos (zoom in), passamos a visualizar novas informações sonoras, tal como a natureza quase-periódica deste sinal, que anteriormente encontrava-se encoberta dada a diferença em ordem de grandeza da exibição anterior, que descrevia a envoltória da magnitude daquele sinal acústico, em toda a sua duração. Se quisermos verificar as componentes espectrais (os parciais ou harmônicos) que compõem um trecho daquele sinal, temos que nos valer de outras formas de representação, que não as do domínio do tempo, tal como a representação sonora através de um espectrograma, que descreve, de forma limitada (no tempo e na frequência), as componentes espectrais daquele sinal. No entanto, a audição humana é plenamente capaz de perceber simultaneamente os aspectos sonoros em diferentes ordens de grandeza, tal como o Loudness (percepção da intensidade sonora), o Pitch (percepção da fundamental do sinal sonoro) e o Timbre (percepção das componentes espectrais). Estes são conhecidos como aspectos psicoacústicos e ocorrem em escalas diminutas de tempo, em intervalos anteriores à avaliação cognitiva da informa- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ção sonora. Estes são aspectos livres de contexto musical, estando no domínio pré-cognitivo da sensação dos aspectos sonoros, anterior à formação da memória de curto-prazo. Em MIR (Music Information Retrieval) estes aspectos são chamados de descritores de baixo-nível (low-level acoustical features) (Zhang & Raś 2007). Como tal, os aspectos que compõem o timbre não são triviais de serem descritos semanticamente, apesar de sua sensação auditiva apresentar-se de modo bastante nítido. Por isso talvez exista a natural tendência de se tentar catalogar tais aspectos sensoriais através de sua correlação com a sensação de outros sentidos, como o a visão e o tato. Note-se que tais sentidos são menos atrelados ao tempo que a escuta. A percepção auditiva recebe um fluxo contínuo e irrefreável de informações ao longo do tempo. Já a visão e o tato tem controle sobre a taxa de informação temporal recebida. Exemplificando, podemos observar um objeto com pleno controle de onde focalizaremos o foco de nossa atenção visual. Similarmente, podemos perceber a textura de uma superfície com pleno controle do gesto que determina a taxa de coleta de dados desta sensação táctil. No caso da audição não temos controle sobre o a ordenação temporal dos eventos sonoros. Sequer temos controle sobre optarmos por escutar (não “tampamos” os ouvidos com a mesma facilidade com que “fechamos” nossos olhos). Do mesmo modo como ocorre com o olfato, a audição é um sentido prioritário a nossa sobrevivência. Desse modo, estamos constantemente monitorando o mundo exterior através destes sentidos, sem interrupções e em tempo-real. 2. Os Aspectos Sinestésicos do Som O primeiro experimento procurou identificar intuitivamente os atributos que se considera como sendo componentes básicas do timbre. Destacou-se: 1) Distribuição da magnitude espectral, 2) Ataque e decaimento sonoro e 3) Tremolo e vibrato. A distribuição espectral de um som trata da evolução das componentes espectrais de frequência ao longo do tempo. O Ataque trata da percepção da taxa de variação da energia da magnitude do espectro sonoro e carrega importante informação para a identificação do 419 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 som (Zhang 2007). O Tremolo / vibrato diz respeito a uma variação aproximadamente periódica e identificável (que ocorra num período e amplitude de variação suficiente para ser identificado pela cognição) da variação da amplitude sonora (chamado de “Tremolo”) ou da variação da frequência sonora (chamado de “vibrato”) de uma grande parte dos componentes espectrais ao longo do tempo (Mauch 2011). 420 O segundo experimento procurou estudar a contribuição da variação de articulação do instrumentista na variação do timbre. Sabe-se que a distribuição espectral contribui para a identificação do Timbre, tanto para timbre de instrumentos melódicos; quando o espectro é pouco variante; como para sons percussivos sem altura definida; quando não se identifica periodicidade do sinal sonoro. Em instrumentos com altura definida a etapa estacionário do som precede o momento do Ataque. O momento estacionário (steady-state) é considerado como aproximadamente periódico e apresenta a magnitude deste espectro menos variante. Em termos de identificação sonora, sabe-se da importância do Ataque no reconhecimento de um Timbre (Berger 1964). Normalmente é no momento do Ataque que se tem a maior concentração de componentes espectrais de um som. As componentes de maior mobilidade e variação ocorrem nos primeiros instantes da geração do estímulo sonoro. No caso do som musical gerado por um instrumento com altura definida (por exemplo, como a nota de um piano), o Ataque é o momento considerado como sendo aperiódico. Por ser um momento tão curto e ao mesmo tempo tão rico em informação espectral, o Ataque é algumas vezes definido como uma forma de “impressão digital” do timbre deste instrumento e, portanto, essencial para a sua identificação através da audição. As variações naturais da amplitude e da frequência das componentes sonoras são características que muitas vezes estão inconscientemente associadas à atuação de um interprete humano. Em processos automáticos de música computacional, como em execuções de sequências musicais através de aplicativos em softwares, a inserção de tais variações contribui para inserir certa “humanização” ao som gerado neste instrumento, contribuindo assim para o acréscimo de uma sensação de expressividade Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 musical, baseada na imperfeição natural do som gerado por um instrumentista humano. Tal atributo também serve como uma forma de marca de identificação timbrística características da geração sonora dos respectivos instrumentos musicais, ou de suas articulações padrão, tal como o característico vibrato de um violino, ao prolongar uma nota contínua, ou de um trompete, na medida em que o fôlego do trompetista se esvai. Tais atributos foram investigados através de experimentos que são descritos a seguir. O terceiro experimento investigou cinco aspectos distintos do Timbre musical. Estes foram inicialmente escolhidos por fazerem parte do jargão de músicos e sonoplastas, ao tentarem se referir à características particulares de um timbre musical (Disley 2006). Estes são aqui referidos como aspectos sinestésicos por serem associadas a sensações de outros sentidos humanos, como o tato e a visão. Este experimento foi realizado com a participação de 40 voluntários. Os cinco aspectos sinestésicos analisados neste experimento foram: 1) AM (Áspero-Macio), 2) OB (Opaco-Brilhante), 3) VC (Vazio-Cheio), 4) CD (Compacto-Disperso) e 5) CC (Cinza-Colorido). O aspecto AM faz referência a uma característica sonora chamada na literatura de Roughness (Hollins 2007). A sensação de aspereza de um som é resultante da existência de parciais com amplitudes muito próximas dentro de uma mesma banda-crítica da percepção, o que impede que a membrana basilar consiga distinguí-los claramente. Isto gera uma sensação timbrística que se assemelha a sentidos visuais e táteis, na presença de uma superfície áspera (ou macia). O aspecto OB pode ser considerado fisicamente como a carência ou a ênfase das frequências na região médio-aguda do espectro sonoro, Do ponto de vista sinestésico, esta se refere ao aspecto visual de um objeto ou superfície brilhante (ex: metal), ou o seu oposto, uma superfície opaca (ex: madeira). O aspecto VC diz respeito ao predicado que é acusticamente caracterizado pela ênfase ou ausência de frequências da região grave (20-300Hz). Em termos sinestésicos esta pode ser relacionada a uma referência tátil, de um objeto murcho (vazio) ou túrgido (cheio), como um balão. O aspecto CD é caracterizado pelo grau de clareza da percepção simultânea de múltiplas fundamentais do som musical. Estes são parciais 421 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 destacados ao longo do espectro de frequências que podem resultar na sua audição de forma distinta, mesmo que temporalmente simultâneos, o que traz a sensação de uma dispersão espectral. Pode-se ter como exemplo de timbres opostos, com relação a esta dimensão, o timbre do piano (compacto) e o timbre de um sino, ou de um steel drum (instrumento musical caribenho) como timbre disperso. Por fim, o aspecto CC é caracterizado pela densidade de componentes espectrais na região média do som (entre cerca de 300Hz a 800Hz). Esta qualidade timbrística pode ser associada ao estímulo visual do matiz de cores; cinza para um timbre descolorido ou frio, e colorido para o timbre colorido ou quente. 3. Parte Experimental 422 A parte experimental deste estudo consiste de três experimentos. Os 2 primeiros analisaram aspectos timbrísticos gerais; o primeiro experimento analisou aspectos da dinâmica e o segundo, aspectos da tessitura. O último experimento analisou 5 aspectos sinestésicos, onde 40 voluntários participaram. Estes escutaram gravações de estímulos sonoros e estabeleceram julgamentos referentes aos aspectos sinestésicos. Este experimento teve como objetivo investigar cinco aspectos sinestésicos do timbre. Conforme dito anteriormente, estes são: 1) AM (Áspero-Macio), 2) OB (OpacoBrilhante), 3) VC (Vazio-Cheio), 4) CD (Compacto-Disperso) e 5) CC (Cinza-Colorido). Participaram deste experimento 40 voluntários; 27 homens e 13 mulheres. Os voluntários tinham idade entre 18 e 55 anos; a média de idade era 22 anos. Dos 40 voluntários, 27 relataram que tocam algum instrumento musical ou cantam, enquanto que 13 pessoas disseram não tocar nenhum instrumento musical ou cantavam. De todas as pessoas, 34 afirmaram gostar de música orquestrada (tocada com instrumentos musicais dos quais iriam julgar os aspectos timbrísticos), um não soube responder (se gostava ou não) e cinco disseram não gostar de música orquestrada. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Aos voluntários coube julgar a qualidade timbrística relativa aos 5 aspectos, atribuindo notas em valores inteiros, entre 1 e 5, sendo 1 o primeiro extremo da dimensão e 5 o outro extremo. Exemplificando, na dimensão OB, 1 representa a opacidade total, enquanto 5 representa o brilho total. Os números intermediários (2, 3 e 4) representam os intervalos intermediários, proporcionais deste aspecto. A fim de facilitar o entendimento dos voluntários em relação ao julgamento que deveriam realizar, foram criados 5 cartazes, com logos representando os extremos de cada aspecto sinestésico. Estes cartazes eram dispostos na frente de cada voluntário durante o julgamento das 16 amostras sonoras. Além disso, também preparamos exemplos sonoros para representar os extremos de cada aspecto sinestésico. No caso do aspecto AM, o áspero foi exemplificado por um trecho de aproximadamente 30 segundos da canção: "What a Wonderful World" interpretada por Louis Armstrong. Pedia-se para cada voluntário atentar para a característica timbrística de aspereza da voz deste cantor. Em seguida, tocava-se a mesma canção, dessa vez interpretada por Katie Melua; uma cantora americana com a voz cujo timbre é considerado bem “macio”. Desse modo, pretendiase estabelecer o contraste entre os extremos da mesma dimensão sem, no entanto, se valer de exemplos com amostras sonoras de outros instrumentos musicais tais como aqueles que seriam julgados, o que poderia influenciar o julgamento dos voluntários. Para o teste foram tocadas amostras sonoras de 16 instrumentos musicais básicos encontrados numa orquestra sinfônica. Pretendeu-se escolher um instrumento representante de cada família orquestral (cordas, madeiras, metais e percussão). Cada amostra tinha aproximadamente 5 segundo de duração. Todos os instrumentos tocaram a nota dó da escala, sendo esta executada em diferentes oitavas, de acordo com a tessitura característica de cada instrumento. Os dados foram coletados através de um questionário preenchido pelo monitor, para cada voluntário isoladamente. Utilizou-se o mesmo equipamento (computador e fones de ouvido) para todos os voluntários, a fim de garantir que as características timbrísticas permanecessem suficientemente 423 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 próximas para todos os voluntários. As duas primeiras questões do questionário colhiam informações pessoais de cada participante, contendo também dados sobre suas experiências e predileções musicais. Em seguida, o monitor executava o exemplo de cada dimensão e explicava o que deveria ser julgado. Por fim, iniciava-se a sessão de coleta de dados. O monitor executava uma amostra sonora, pausava e anotava a nota atribuída pelo voluntário para cada dimensão que estava sendo julgada. Cada voluntário escutava a sequência de 16 amostras para cada dimensão que estava julgando. Desse modo, cada voluntário escutava a sequência 5 vezes. A Tabela 1 mostra o resultado das médias gerais dos 40 voluntários para os 5 sinestésicos. 424 4. Discussão e Conclusões Ao analisar os detalhes dos julgamentos dos 40 voluntários, constatouse que, ao comparar os resultados dos voluntários do sexo masculino com os resultados dos voluntários do sexo feminino, as avaliações gerais foram parecidas. No entanto, a diferença mais relevante entre os dois gêneros, foi em relação ao número de repetições da audição das amostras sonoros para Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 se estabelecer o julgamento. Em média, os homens solicitaram cerca de 50% mais repetições do que as mulheres, a fim de estabelecerem suas notas. Comparando os voluntários que tocam algum instrumento musical ou cantam, com aqueles que não tocam nem cantam, houve uma diferença significativa nas avaliações, onde os voluntários não músicos tenderam a dar notas normalmente menos variantes (mais próximas de 3) que os voluntários músicos. Além disso, os músicos solicitaram cerca de 53% mais repetições das amostras para estabelecer seus julgamentos, do que os não músicos. Na comparação entre voluntários que apreciam música orquestrada com aqueles que não apreciam, foi encontrada a maior discrepância de julgamentos. Além dos voluntários que não apreciam música orquestrada tenderem a atribuir notas mais próximas do meio da escala (no caso, 3) estes solicitaram 5 vezes menos repetições pra estabelecerem os seus julgamentos, em contraste aos voluntários que apreciam música orquestrada. Ao se analisar as médias gerais das notas atribuídas pelos voluntários – os valores inteiros entre 1 e 5, conforme visto na Tabela 1 – verificaram-se os fatos descritos a seguir. Em AM, o instrumento considerado com possuidor do timbre mais áspero (com valor médio de 1,1) foi o contra-fagote. O instrumento considerado com timbre mais macio (4,1) foi o vibrafone. O instrumento com maior neutralidade nessa categoria foi o corne-inglês (3,0). Em OB, a tuba foi considerada a mais opaca (1,7) enquanto que o glockenspiel foi avaliado como sendo o mais brilhante (4,4). O instrumento mais próximo da neutralidade nesta categoria foi o corne-inglês (3,1). Em VC, os voluntários classificaram o xilofone com o timbre mais vazio (1,9). O contra-fagote e a tuba foram similarmente considerados com timbre mais cheio (4,2). O instrumento que ficou mais próximo da neutralidade foi o clarinete (2,9). Em CD, os instrumentos com os timbres mais compactos foram o trombone e o xilofone (ambos com 2,3). Já o contra-fagote, o glockenspiel e o vibrafone, foram considerados os de timbre mais disperso (3,6). Os instrumentos com os timbres mais neutros foram o violino e o trompete (3,0). Em CC, o timbre mais cinza foi o xilofone (2,5). O timbre 425 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mais colorido foi o contra-fagote (3,5), e os timbres mais neutros foram os do: oboé, corne-inglês, trombone e xilofone (3,0). Observou-se, nos dois últimos aspectos, uma menor variação das notas atribuídas pelos voluntários, onde as médias apresentadas foram maiores do que 2 e menores do que 4. Isto parece sugerir uma maior dificuldade em classificar o timbre dos instrumentos musicais apresentados neste experimento utilizando tais aspectos, o que nos faz supor que talvez estes dois aspectos não sejam, de fato, independentes. Também constatou-se que o instrumento que obteve maior número de solicitações para repetição, ao longo do experimento, foi o xilofone, com uma média de 5,3 repetições por voluntário. Os instrumentos com menor número de repetições foram o piccolo, o trompete e o glockenspiel. Supõe-se aqui que um maior número de repetições para atribuir a nota de um aspecto sinestésico implica maior dificuldade do voluntário em julgar os aspectos deste timbre. Uma possível explicação para o motivo pelo qual o xilofone teve o maior número de repetições é que este possui o menor tempo de duração, o que deve provocar no voluntário uma indefinição e a consequente necessidade de repetir a audição desta amostra por diversas vezes antes de julgar um valor para cada aspecto sinestésico. Agradecimentos 426 O autor agradece a participação dos 40 voluntários cujos julgamentos compuseram o corpo experimental deste trabalho. O autor também agradece a participação do aluno bolsista Pedro Ghoneim que atuou na parte teórica e experimental deste trabalho, bem como foi o monitor da coleta de dados da parte experimental. Sua participação foi possibilitada por uma bolsa TT1 da FAPESP relacionada ao projeto do autor, processo 2010/06743-7. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Berger, K. (1964) Some Factors in the Recognition of Music. The Journal of the Acoustical Society of America, EUA, n.10, 1888-1891. Disley, A.C., Howard D.M., and Hunt A.D., (2006) Timbral description of musical instruments. International Conference on Music Perception and Cognition (61-68). Bologna, Italy. Hollins M., Bensmaïa S. J. (2007). The coding of roughness. Canadian Journal of Experimental Psychology 61 (3), 184-195. Mauch M., Hiromasa Fujihara, Kazuyoshi Yoshii, Masataka Goto. (2011) Timbre and Melody Features for the Recognition of Vocal Activity and Instrumental Solos in Polyphonic Music. Proceedings of the 12th International Society for Music Information Retrieval Conference, ISMIR. Zhang, X., Raś, Z.W. (2007). Analysis of Sound Features for Music Timbre Recognition. MUE 2007. Proceedings of the IEEE CS International Conference on Multimedia and Ubiquitous Engineering, April 26-28. 427 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Bulgarian Bulge, de Don Ellis: um estudo analítico Leandro Gumboski [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC Resumo: Bulgarian Bulge é uma peça que integra os álbuns The New Don Ellis Band Goes Underground (Ellis, 2006 [1969]) e Tears of Joy (Ellis, 2005 [1971]) do trompetista e band leader norte-americano Don Ellis. A composição é baseada na música de dança folclórica búlgara Sadovsco Horo (Leviev, 1972). Conforme Stoyan, Manolova e Buchana (2012), a música tradicional búlgara apresenta estruturas métricas complexas, normalmente compreendidas como alternâncias de valores lentos (3) e rápidos (2). Tal particularidade é identificada por Lerdahl e Jackendoff (1983) que reconhecem nesse tipo de manifestação musical a existência de espaçamentos não iguais entre tempos no nível métrico de tactus. Dessa forma, o presente artigo procura analisar a obra Bulgarian Bulge, fundamentado nas regras para determinar estruturas de agrupamentos e estruturas métricas desenvolvidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Algumas considerações formuladas ao longo deste estudo apoiam-se em uma verificação auditiva por parte do autor desse trabalho. Observa-se, ainda, o grau de coerência entre as estruturas métricas notadas pelo compositor e a percepção auditiva das mesmas. Palavras-chave: Don Ellis, Bulgarian Bulge, estruturas de agrupamentos, estruturas métricas 428 Don Ellis’ Bulgarian Bulge: an analytical study Abstract: Bulgarian Bulge is a piece that appears in The New Don Ellis Band Goes Underground (Ellis, 2006 [1969]) and Tears of Joy (Ellis, 2005 [1971]) albums of American trumpeter and band leader Don Ellis. The composition is based on Sadovsco Horo, a Bulgarian folk dance music (Leviev, 1972). According to Stoyan, Manolova and Buchana (2012) Bulgarian traditional music presents complex metrical structures generally understood as alternations of slow (3) and quick (2) values. This feature is identified by Lerdahl and Jackendoff (1983) who recognize in this kind of musical expression the existence of unequal time spans in tactus level. Thus this article seeks to analyze the work Bulgarian Bulge based on the rules for Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 determining grouping and metrical structures developed by Lerdahl and Jackendoff (1983). Some considerations throughout this study are based on the author’s listening of the piece. Furthermore, it is observed the degree of consistency among metrical structures written by the composer and the aural perception of such structures. Keywords: Don Ellis, Bulgarian Bulge, grouping structures, metrical structures 1. Considerações iniciais Donald Johnson Ellis (1934-1978) foi um eminente trompetista, compositor e band leader norte-americano das décadas de 1960 e 70. A incipiente pesquisa sobre sua obra revela a presença de elementos musicais extraordinários para o contexto do jazz. Fenlon (2002) declara que há uma grande influência da música clássica indiana na obra de Ellis, mas não mostra em detalhes como esse influxo pode ser observado. Perkins (2000), elegendo três composições de Ellis para analisar, apresenta considerações mais plausíveis sobre o elemento indiano no trabalho do band leader norteamericano. Conforme descrito por Fienberg (2004), o interesse de Ellis por novas sonoridades se manifesta logo no início de sua carreia como compositor. Strait (2000) demonstra que a gênese de procedimentos composicionais encontrados no trabalho para big band – produção pela qual a obra de Ellis é mais conhecida – pode ser observada nas primeiras peças escritas pelo compositor, estas para jazz combo. Intrigantemente, afirma-se com frequência que Ellis buscou uma nova sonoridade para a sua produção na música de outras culturas, sobretudo a música clássica indiana, como destaca Berendt (2009). Entretanto, a música folclórica búlgara e de regiões vizinhas também foi alvo de muito interesse de Ellis em suas produções a partir de meados da década de 1960. Bulgarian Bulge é fruto dessa atenção à música do leste europeu. A peça foi primeiramente gravada no disco The New Don Ellis Band Goes Under- 429 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ground (Ellis, 2006 [1969]), versão essa que será estudada neste artigo. Uma segunda gravação disponibilizada comercialmente é encontrada no álbum Tears of Joy (Ellis, 2005 [1971]). No encarte do álbum Underground não constam informações sobre a criação das peças. Contudo, no encarte de Tears of Joy, Ellis descreve a seguinte narrativa sobre a origem de Bulgarian Bulge: Alguns anos atrás eu recebi uma carta de um homem da Bulgária que tinha ouvido a [nossa] banda nos programas de jazz “Voice of America” de Willis Conover. Nós iniciamos uma correspondência e ele me enviou algumas gravações de música folclórica búlgara [...]. Cá estavam músicos folclóricos tocando música de dança em fórmulas de compasso que eu nunca tinha ouvido. Eu estava tão impressionado que transcrevi o número que se tornou Bulgarian Bulge [1]. (Ellis, 2005). O homem da Bulgária a que Ellis se refere é Milcho Leviev, compositor e pianista de jazz que integrou a Don Ellis Orchestra no início da década de 1970. Na citação acima, Ellis afirma que transcreveu uma música folclórica búlgara, arranjando-a, posteriormente, para a formação de sua big band. No seu livro The new rhythm book (Ellis, 1972), o autor reitera que a estrutura métrica de Bulgarian Bulge “é um padrão folclórico búlgaro” (p. 45). Compreende-se, portanto, que, em algum grau, Bulgarian Bulge surgiu a partir de Sadovsco [2] Horo, uma música folclórica búlgara (Leviev, 1972). Significantemente, os valores rítmicos de Bulgarian Bulge “derivam da percepção de Ellis das divisões rítmicas de ‘Sadovsco Horo’” (Fienberg, 2004, p. 231). 430 Em conformidade com Stoyan, Manolova e Buchana (2012), as estruturas rítmicas da música folclórica búlgara são, geralmente, compreendidas como alternâncias de valores lentos (3) e rápidos (2). Dessa forma, Fienberg acrescenta que “embora Ellis estivesse aparentemente trabalhando puramente a partir da sua percepção auditiva da peça, [...] ele estava correto ao expressar o componente rítmico básico como sendo grupos de 2 e 3” (2004, p. 231). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Comumente o menor nível métrico da música folclórica búlgara é notado em semicolcheia. Lerdahl e Jackendoff (1983) acrescentam que há uma regularidade métrica neste nível, mas o nível de tactus [3] é irregular, correspondendo, normalmente, ao nível de unidades rápidas e lentas (neste caso, e . respectivamente). Por vezes, o segundo nível métrico é ainda regular, sendo notado em colcheias. É esse o caso de Bulgarian Bulge, em que as semicolcheias são executadas tão rapidamente que soam, para ouvintes treinados no idioma tonal, como ornamentos – mordentes, na maior parte dos casos. Os compassos em Bulgarian Bulge variam entre 33 e 36 pulsos no segundo nível (). O tactus, embora extremamente rápido, está – para o autor deste trabalho – um nível métrico acima alternando entre unidades lentas (3 – .) e rápidas (2 – ), portanto, sendo um nível irregular [4]. Esta peça está entre os “metros compostos” explanados por Singer (como citado em Lerdahl & Jackendoff, 1983) e omitidos no exemplo de Lerdahl e Jackendoff (1983, p. 98), pois a estrutura de Bulgarian Bulge combina diferentes grupos exibidos na Figura 1, que sintetiza as estruturas métricas mais comuns na tradição folclórica búlgara: Figura 1. Estruturas métricas mais comuns na música folclórica búlgara, conforme Singer (como citado em Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 98): L – unidade lenta (3); R – unidade rápida (2). A notação de Ellis explicita os agrupamentos e a estrutura métrica por ele pretendidos. Examinando a edição manuscrita publicada pela UNC Jazz Press (Ellis, 1969?), os compassos de 33 pulsos estão subdivididos em dois grandes grupos com 15 (RRRR LRR – 7 unidades) e 18 (RRRLR LRR – 8 unidades) pulsos. Os compassos com 36 pulsos estão escritos como dois idênticos grandes grupos de 18 pulsos (8 unidades cada). A subdivisão interna desses grupos será analisada adiante, procurando observar o nível 431 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 de coerência entre as estruturas escritas por Ellis e a percepção dessas estruturas seguindo as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983). 2. Esquema formal de Bulgarian Bulge Segundo Ellis, Bulgarian Bulge “alterna entre 33 e 36 quando você menos espera” (citado em Orton, 2010, p. 340). A mudança de fórmula de compasso é sempre acompanhada de transformações melódicas. Dessa maneira, a forma de Bulgarian Bulge é facilmente reconhecida auditivamente, como esboça a Figura 2. O quadro abaixo expõe a segmentação apresentada pela composição a partir da performance do álbum Underground (Ellis, 2006), ilustrando a quantidade de pulsos por compasso de cada trecho. Cada um desses trechos é claramente percebido pelo ouvinte como um grande agrupamento. Figura 2. Esquema formal de Bulgarian Bulge. 432 Todos os trechos das seções A e A’ apresentam dois compassos. Na seção B, cada trecho é composto por quatro compassos. Logo, o solo de Ellis é um improviso sobre doze ciclos de 33 pulsos. Com exceção desse solo, todos os solos foram escritos pelo compositor. Assim, a seção B, incluindo o trecho com drum fills [5], e os temas a e b, foram escolhidos para análise em função da maior relevância e complexidade que tais trechos demonstram. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3. a: o tema de Bulgarian Bulge A estrutura de a é composta por dois compassos que diferem apenas no gesto cadencial. Como demonstra a Figura 3, a subdivisão escrita por Ellis não corresponde à subdivisão alcançada pelas regras de Lerdahl e Jackendoff (1983). O tema a, seguindo as regras dos autores, apresenta a seguinte estrutura: 323 323 | 32 32 232, em vez da estrutura 2222 322 | 22232 322, que era a esperada. Sendo habitual em análises gerativas, nas Figuras 3 e 4, as regras que impõem limites entre agrupamentos (Lerdahl e Jackendoff, 1983, pp. 4355) estão indicadas, em seu respectivo local, logo abaixo da pauta. As regras mais significantes para determinar a estrutura métrica (Lerdahl e Jackendoff, 1983, p. 74-96) estão indicadas ao lado de tempos dessa estrutura, justificando-os em locais de relativa ambiguidade. Visando facilitar a leitura das análises, segue o enunciado das regras que se fizeram necessárias neste estudo: Agrupamentos: 1 – “evite análises com grupos muito pequenos – o menor, o menos preferível” (Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 43); 2b – proximidade entre pontos de ataque; 3a – mudança de registro; 3d – mudança de duração; 4 – intensificação; 5 – simetria. Metro: 1 – paralelismo; 2 – tempo forte no início; 4 – ênfase; 5a – início de um evento de altura relativamente longo; 5f – início de uma harmonia relativamente longa. Salientando que o andamento de Bulgarian Bulge é muito rápido, algo em torno de = 240, sustenta-se aqui, fundamentado nas considerações de London (2012, pp. 27-46), que o andamento da peça está próximo de um limite tolerável para considerar que as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) têm total validade. Destaca-se, ainda, que as estruturas de agrupamento e métrica concebidas são coerentes com a estrutura apresentada pela superfície melódica. Contudo, considerando o todo de Bulgarian Bulge, i.e., ouvindo a superfície melódica junto com seu acompanhamento, alguns pontos da estrutura métrica exposta na Figura 3 parecem perder a credibilidade e, contrariamente, a subdivisão dada por Ellis se torna mais explícita. 433 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Figura 3. a: a subdivisão escrita foi imposta por Ellis, mas não corresponde à subdivisão apresentada pela superfície melódica, conforme as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) Curiosamente, juntando os dois últimos grupos – 32 e 232 – em um único grupo 32232, somente a estrutura métrica auferida pelas regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) encontra-se no esquema de Singer (Figura 1), explanado anteriormente. A subdivisão escrita por Ellis só pode ser identificada no mesmo esquema (Figura 1) se o grupo com 18 pulsos estiver subdivido de maneira diferente. Essa mesma característica pode ser examinada em b. 4. b 434 A estrutura de b é composta por dois compassos que também se diferenciam somente no gesto cadencial. Entretanto, cada um desses ciclos com 36 pulsos demonstra uma subdivisão simétrica (18:18). Conforme mostra a Figura 4, a estrutura métrica obtida através das regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) é bastante semelhante à subdivisão escrita por Ellis; a diferença está exatamente no gesto cadencial. Observando o terceiro ( / .) e quarto (.. / . / ) níveis métricos, constata-se que o primeiro grande grupo com 18 pulsos segue similarmente Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 a subdivisão pretendida pelo compositor, diferindo apenas quanto aos grupos da subdivisão: 222 | 32 322. Entretanto, o segundo grande grupo com 18 pulsos demonstra a subdivisão 222 | 32 232, que pode ser identificada no esquema de Singer (Figura 1) se houver uma ligeira modificação na subdivisão dos grupos (32232). Figura 4. b: a subdivisão escrita foi imposta por Ellis, correspondendo parcialmente à subdivisão apresentada pela superfície melódica, conforme as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) É interessante enfatizar que, seguindo rigorosamente a regra 3 para a boa formação de estruturas métricas – “em cada nível métrico, tempos fortes são espaçados com dois ou três tempos de intervalo” (Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 69) – em Bulgarian Bulge nunca haverá um grupo com mais do que três unidades lentas (3) e/ou rápidas (2) – terceiro nível – se considerarmos a estrutura métrica até o quarto nível, pois somente os espaçamentos com dois ou três tempos são permitidos, independentemente do nível métrico. É no quinto nível que uma quantidade maior de unidades lentas e rápidas pode ser agrupada, ainda que a subdivisão exercida pelo quarto nível continue existindo. Dessa forma, as subdivisões escritas no corpo deste texto conseguem representar o terceiro (as unidades 3 e 2), quarto (com os espaços entre agrupamentos de unidades 3 e 2), e quinto (com o símbolo |) níveis métricos. 435 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5. B: Ellis solo e drum fills O solo improvisado de Ellis exibe uma superfície melódica muito menos ornamentada, tendo o nível de colcheias como o menor nível métrico, se notado em 33/8 (para transcrição completa do solo, ver Fienberg, 2004, pp. 228-229). O enfoque, aqui, é dado sobre a fidelidade com que as estruturas de agrupamento e métrica seguem a subdivisão proposta pelo compositor (a mesma de a). Neste caso, a sequência dos valores 232 da primeira parte do grupo com 18 pulsos (22232) tende a ser subdividida segundo a regra de agrupamentos 2b, que impõem um limite entre o 3 e o 2, devido à distância dos pontos de ataque. Assim, teríamos a subdivisão 22 23 | 23 22 que, contrariamente à subdivisão escrita por Ellis, encontra-se no esquema de Singer (Figura 1). A subdivisão 22 23 | 23 22, todavia, viola a regra 4 para estruturas métricas, que recomenda a identificação de tempos metricamente fortes onde há algum tipo de ênfase dinâmica. É intrigante, portanto, que a unidade lenta (3) quase sempre seja enfatizada na música búlgara (Leviev, 1972), pois o próprio esquema de Singer (Figura 1) e as considerações de Stoyan et al (2012) demonstram que nem sempre a unidade lenta é – ou deveria ser percebida como – a unidade metricamente mais forte do ciclo rítmico. 436 A falta de informação para o ouvinte no trecho com drum fills o torna um dos pontos mais complexos da peça. Indubitavelmente é impossível para o ouvinte perceber a subdivisão da estrutura métrica unicamente a partir de tal trecho e as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) comprovariam o fato. Aqui, importa lembrar-se da tendência que o ouvinte apresenta em manter a estrutura previamente ouvida e identificada, como discute London (2012). Porém, neste caso é justo afirmar que mesmo havendo essa tendência, é importante que um ouvinte ocidental continue efetivamente marcando a subdivisão da estrutura métrica. No idioma big band é comum e mesmo esperado, sobretudo em trechos de drum fills, que existam síncopes e, embora Bulgarian Bulge não faça uso de síncopes neste trecho, as notas acentuadas tendem a ser percebidas como tal, dificultando a percepção da subdivisão métrica. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 6. Considerações Finais Conquanto o presente artigo tenha ressaltado aspectos da percepção de Bulgarian Bulge, é relevante recomendar que a mesma composição seja analisada sob a perspectiva da interação entre cognição e estudos culturais, com ênfase na performance. Ellis, referindo-se à facilidade com que seu amigo e pianista búlgaro interpretava a peça, declara que o padrão métrico em “33 (e 36) é só como um 4/4 para Leviev” (2005). Em relação à interpretação de Sadovsco Horo, sob o título de Bulgarian Bulge, gravada pela Ellis Orchestra, Leviev assegura que são “músicos, milhares de milhas longe da Bulgária, tocando essa música como se fossem nativos dela!” (1972, p. 92). Seria, então, um ponto de partida explorar o processo pelo qual Ellis treinava as estruturas rítmicas de Bulgarian Bulge: “porque o padrão é muito rápido, é quase como memorizar uma melodia, só que neste caso você está memorizando o sentido de um ritmo” (Ellis, 1972, p. 46). Notas [1] Todas as traduções ao longo deste texto foram realizadas pelo autor. [2] As transliterações mais comuns são “Sadovsko” e “Sadowsko”, mas neste artigo se mantém a forma como Ellis e Leviev utilizavam o termo: “Sadovsco”. [3] A definição de tactus adotada neste artigo é descrita por Lerdahl e Jackendoff (1983): “o tactus está invariavelmente entre aproximadamente 40 e 160 beats per minute, e [...] não pode estar muito longe do menor nível métrico” (p. 73). [4] Nota-se que, em função do rápido andamento ( = 240), o tactus de Bulgarian Bulge se torna um caso sui generis, pois o nível métrico proeminente ultrapassa os limites indicados por Lerdahl e Jackendoff (1983). [5] Do inglês “preencher”, é um termo comum no vocabulário de bateristas, referindo-se a rápidos solos, quase sempre improvisados, entre notas acentuadas executadas homofonicamente por outros instrumentos. [6] Na música búlgara, tem destaque o instrumento de percussão tupan, similar à zabumba, tendo como principal função marcar a estrutura métrica base, normalmente acentuando as unidades lentas (3) (Leviev, 1972). Ellis transcreveu essa acentuação para todos os instrumentos de sua big band. 437 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Berendt, J. E. (2009). O jazz do rag ao rock. São Paulo: Perspectiva. Ellis, D. (1969?). Bulgarian Bulge. (Partitura e partes). Greeley, Co: University of Northern Colorado Jazz Press. Ellis, D. (1972). The new rhythm book. North Hollywood: Ellis Music Enterprises. Ellis, D. (2005). Tears of Joy. (Digital, estéreo). CD 927. New York: Wounded Bird Records. Ellis, D. (2006). The New Don Ellis Band Goes Underground. (Digital, estéreo). CD 9889. New York: Wounded Bird Records. Fenlon, S. P. (2002). The exotic rhythms of Don Ellis. (Tese de Doutorado). Baltimore: The Institute of the John Hopkins University. Extraído de http://www.donellismusic.com. Fienberg, G. A. (2004). It doesn’t have to be sanctified to swing: A musical biography of Don Ellis. (Tese de Doutorado). Pittsburg: University of Pittsburg. Lerdahl, F., Jackendoff, R. (1983). A generative theory of tonal music. Cambridge: The Massachusetts Institute of Technology. Leviev, M. (1972). Odd Meters in Bulgarian Folk Music. In D. Ellis, The new rhythm book (pp. 88-92). North Hollywood: Ellis Music Enterprises. 438 London, J. (2012). Hearing in time: psychological aspects of musical meter. (2 ed.). New York: Oxford University Press. Orton, K. (2010). In search of Don Ellis: forgotten genius. (Volume 1). Alpharetta, Geórgia: Unibook. Perkins, W. L. (2000). Don Ellis’ use of “new rhythms” in his compositions: The Great Divide (1969), Final Analysis (1969) and Strawberry Soup (1971). (Tese de Doutorado). Los Angeles: University of California. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Stoyan, P., Manolova, M., Buchana, D. A. (2012). Bulgaria. In Grove Music Online. Extraído de http://www.oxfordmusiconline.com. Strait, T. J. (2000). The rhythmic innovations of Don Ellis: An examination of their origins as found in his early works. (Tese de Doutorado). Greeley: University of Colorado. 439 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A escuta da mídia: um estudo sobre a percepção de sons e música Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira [email protected] Universidade de São Paulo - USP Antonio Deusany de Carvalho Júnior [email protected] Universidade de São Paulo - USP 440 Resumo: O presente artigo apresenta uma investigação sobre a percepção de sons e música no nosso cotidiano, tendo como base os conceitos de paisagem sonora e ecologia acústica estabelecidos por Murray Schafer no Canadá e aprofundados por Marisa Fonterrada, no Brasil. Além de analisar o modo como essa percepção se dá a nível cognitivo e psicológico, afetando as pessoas até no âmbito emocional, consideramos a influência dos meios de comunicação de massa na produção e reprodução sonoromusical. Em nossa pesquisa, constatamos que a escuta consciente dos sons e a prática da memorização musical - que há de ser importante principalmente no âmbito do estudo da Música - tende a ser cada vez menos exercida rotineiramente pelas pessoas, tendo em vista que estas passam a dar cada vez menos atenção às informações sonoras que as rodeiam nos espaços físicos extremamente ruidosos que frequentam, ou restringem sua audição a músicas pré-selecionadas em seus próprios aparelhos eletrônicos de difusão musical - como IPods e MP4s. Fundamentando esta discussão, este trabalho traz ainda os resultados de uma pesquisa realizada na Internet com músicos e não-músicos a respeito da percepção sonora cotidiana, além da interpretação dessas informações sonoras, em especial o que é veiculado nos rádios e TVs: a música da mídia, que apesar de tão presente na nossa paisagem sonora, chega a passar despercebida, sobretudo por uma porção da sociedade que detém de um mínimo de formação musical. Palavras-chave: paisagem sonora, percepção musical, música da mídia Listening to the media: a study on the perception of sounds and music Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Abstract: This paper presents an investigation into the perception of sounds and music in our everyday lives, based on the concepts of soundscape and acoustic ecology established by Murray Schafer in Canada and deepened by Marisa Fonterrada in Brazil. Besides analyzing how this perception occurs in a cognitive or psychological way also affecting people on the emotional scope, we considered the influence of the mass media in producing and reproducing of sound and music. In our research, we found that the habit of listening to the sounds consciously and also the practice of musical memorization (which is especially important in the study of music) tends to be exercised less routinely by the people due to their less attention to information related to sounds in the extremely noisy spaces that surround them, or their own restriction of hearing the songs preselected on their electronics like iPods and MP4s. Aiming to further substantiate this discussion, this work also brings the results of a survey applied on the Internet with musicians and non-musicians about their everyday perception of sound and also their interpretation of sound information, especially what is aired on radios and TVs: the music from the media, that even though is so close in our soundscape, it goes unnoticed, especially by a portion of society that has a minimum of musical training. Keywords: soundscape; musical perception; music from the media 1. Introdução A pesquisa sobre a produção e recepção de sons e música desenvolvida pelo compositor canadense Murray Schafer no século XX, que deu origem ao conceito de paisagem sonora, aliada seu trabalho como educador musical nas décadas de 1960-1970, se reflete nos dias de hoje, levando-nos a repensar as relações do homem com o seu ambiente acústico. Podemos dizer que o excesso de estímulos sonoros, lançados diariamente no nosso meio, faz com que sons passem a ser naturalmente abstraídos, incorporados à rotina. Já a reprodução de música de maneira ilimitada, sobretudo nos meios de comunicação de massa, muitas vezes faz com que ouvir música se torne um ato banal que acompanha as tarefas diárias – principalmente para os não músicos. Nesse contexto midiático que invade a paisagem sonora, há ainda que se considerar a recepção musical proveniente da associação entre 441 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 música e imagem, que interfere diretamente no processo de escuta. Rodolfo Coelho de Souza comenta esta questão: o disco, o rádio, o gravador, o cinema e a televisão tornaram ubíqua a presença da música, banalizando sua recepção. A familiaridade excessiva do som parece ter favorecido uma diminuição do esforço da abstração dos ouvintes na escuta musical. Passamos a “ver” música, em vez de “ouvir” música, substituindo os paradigmas cognitivos tradicionais da recepção de sons, pelos da recepção de imagens. (Souza, 2007, p.17) Levando em conta todos esses aspectos, procuramos construir uma possível paisagem sonora contemporânea brasileira, como ponto de partida para o estudo da percepção musical, realizando uma pesquisa na Internet com um público formado por músicos e não músicos. Para isto, foi elaborado um questionário com dez questões simples: 1. Quais são os SONS que você mais escuta no dia-a-dia? 2. Onde você mais os escuta? 3. Como os sons afetam a você? 4. O que é RUÍDO para você (musicalmente, textualmente, no ambiente...)? 5. Em sua opinião, qual é a música mais tocada na mídia atualmente? 6. Como essa música afeta você e o seu dia-a-dia? 7. Qual foi a música mais tocada na mídia no ano passado? 8. Qual sua idade? 9. Qual sua profissão? 10. Onde você reside atualmente? 442 Tal questionário, que levou os participantes a refletirem sobre sua própria escuta, utilizou-se da tecnologia “Google Docs”, especificamente do serviço de questionário online, disponibilizado para ser respondido entre os meses de maio e junho de 2012. Foi divulgado a partir de contatos pessoais dos pesquisadores por e-mails e enviado a associações musicais; um link do questionário também foi divulgado e compartilhado na rede social Facebook. Informou-se que as respostas do questionário seriam parte de uma pes- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 quisa de pós-graduação em Música, de forma que todos os participantes seriam colaboradores desta pesquisa. Ao todo, foram obtidas 250 respostas, abrangendo pessoas com e sem formação musical. Pelo fato de a maioria das questões permitir respostas subjetivas, a análise dos dados foi realizada a partir de diversos artifícios: no caso das questões de número 1, 2, 3, 4 e 6, foi realizada a contagem das palavras ocorridas nas respostas, sendo agrupadas em um segundo momento para a elaboração de dados quantitativos. Posteriormente, foi feita uma análise a partir da leitura de todas as respostas, encontrando relações semânticas entre as palavras no contexto da questão. Já para as questões restantes (5, 7, 8, 9 e 10), apenas a contagem das ocorrências das palavras foi realizada, tendo em vista a objetividade das respostas. Algumas questões se referiam aos dados pessoais dos participantes, para que se pudesse traçar o perfil do público consultado. Dentre o total de participantes, com a variação de idade entre 16 e 79 anos, houve 28% de professores, sendo 8% destes atuantes na área de música. O restante se dividiu entre: 13% de músicos, 9% de estudantes, 6% de pedagogos, 3% de aposentados, e os 41% remanescentes em outras profissões diversas, como artistas, profissionais liberais, militares, funcionários públicos e de empresas privadas. Houve colaboração de participantes de todas as regiões do país, residentes em diversos estados e até mesmo em outros países (Chile e Portugal), sendo a grande maioria residente em Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraíba. Isto compôs uma boa amostra da população brasileira, tendo em vista a restrição de divulgação do questionário para pessoas com um mínimo de instrução e com acesso à Internet. Foram obtidas informações interessantes e peculiares sobre a paisagem sonora atual – que tem pontos em comum e pontos característicos de cada estado ou região brasileira -, principalmente pelo fato de que a maioria das pessoas que responderam ao questionário não tem formação musical. Essas informações serão apresentadas e discutidas a seguir, seguindo o pensamento de Schafer (2011a, p. 25): “o que o analista da paisagem sonora precisa fazer, em primeiro lugar, é descobrir seus aspectos significativos, 443 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 aqueles sons que são importantes, por causa de sua individualidade, quantidade ou preponderância". 2. Construindo uma paisagem sonora contemporânea Considerando a primeira questão, constatou-se que os sons humanos são os mais escutados, com 22.5% das respostas contendo palavras como choro, respiração, vozes de pessoas do próprio convívio, entre outras. Em segundo lugar ficaram os sons de ambientes urbanos como construção, lojas, máquinas, ônibus e outras palavras referentes ao mesmo contexto, que tiveram 21% de ocorrência. Palavras voltadas à tecnologia, como computador, notebook, Internet, agrupadas com outras do mesmo contexto atingiram um total de 14.3%. Referências a música e instrumentos musicais tiveram um total de 12.8%. Citações sobre o ambiente doméstico, como eletrodomésticos e utensílios de cozinha, tiveram um equivalente de 11%. Sons do campo e de animais obtiveram 8.5% de ocorrência. As palavras telefone e celular alcançaram 6.6% e os 3.3% restantes foram formados por nomes de locais e empreendimentos. 444 Em “O ouvido pensante”, Schafer (2011b, p.107) também analisa as mudanças na paisagem sonora, em três momentos: nas culturas primitivas, na época pós-revolução industrial e no século XX. Sendo mais contemporâneo ao nosso tempo, o século XX apresenta a predominância de sons de utensílios e tecnologia (68%), em seguida os sons humanos (26%) e, em pequena parcela percentual, os sons naturais (6%). Chegamos a um resultado bem semelhante em nossa pesquisa, se somarmos os percentuais de palavras relacionadas aos sons urbanos, à tecnologia, à música (em diversos meios de reprodução e difusão) e instrumentos musicais, eletrodomésticos e utensílios de cozinha, telefones e celulares. Sendo assim, há consonância entre as pesquisas apesar de regiões e datas distintos. Com relação aos locais onde os sons são mais ouvidos, foram identificados quatro grupos de ambientes citados. Referências a locais residenciais tiveram uma maioria de 39.2%. Ambientes urbanos ficaram em segundo Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 lugar, com 31.1%. Ambientes de trabalho fizeram parte de 22.9% das respostas, enquanto locais como igreja, bar e ambientes de estudo (escolas, faculdades) foram citados em 6.8% das respostas. Podemos analisar esse resultado como o reflexo do atual ambiente onde a maioria dos participantes da pesquisa reside e trabalha, isto é, nas grandes cidades. Sobre os efeitos dos sons percebidos pelas pessoas, em um âmbito psicológico, também foram identificados quatro grandes grupos de palavras em um mesmo contexto. Palavras com uma conotação negativa, como irritação, aborrecimento e incômodo fizeram parte de quase metade das respostas, ocorrendo em 47% delas. Tranquilidade, aconchego, prazer e outras palavras do mesmo gênero ocorreram em 32% das respostas. Houve 16% de ocorrência de referências a abstração, costume, hábito e indiferença. Por fim, a ocorrência das palavras dor, náusea, saúde, sofrimento e tonturas foram tratadas isoladamente, somando um total de 5% de ocorrência nas respostas. Interessante é observar que, como o questionário ofereceu a possibilidade de livre expressão dos participantes, houve muitos tipos de manifestações e comentários de repulsa, com relação ao modo como os sons afetam o dia-a-dia: “acho que é de fato estressante porque vivo a procurar oásis de ‘silêncio’ ” (músico, 34, Campo Grande/MS); “incomodado com o ruído constante” (estudante, 28, São Paulo/SP); “agonia, desespero, vontade de silencio” (veterinária, 34, Osasco/SP); “às vezes são perturbadores. Eu preferia escutar os passarinhos” (professora, 58, Manaus/AM); “afetam diretamente meu estado de humor. Dependendo do que escuto, fico irritada, atarantada, agitada, deprimida ou introspectiva” (professora, 43, Goiânia/GO); “tento me abstrair” (musicista, 66, Fortaleza/CE). Por outro lado, algumas respostas demonstraram que as pessoas não atentam aos efeitos do som em suas rotinas: “não penso, já estão interiorizados no meu cotidiano” (corretora, 56, Jundiaí/SP); “estou tão acostumada com todos esses sons que nem me incomodam. Consigo me desligar muito fácil de sons que se repetem continuamente” (musicista, 31, Curiti- 445 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ba/PR); “a maioria passa desapercebido [sic], por serem constantes.” (engenheiro, 64, Nilópolis/RJ). Esse processo de conscientização da influência dos sons em nosso meio integra o campo da ecologia sonora, abordado por Fonterrada (2004), que consiste no “estudo da relação entre o homem e os sons ambientais, discutindo de que modo se dá essa relação” (p. 9). Segundo a autora, esta questão - que, por sua amplitude, não será abordada neste trabalho - é interdisciplinar e implica não só em questões médicas e legais, mas “devem ser vistas em seus aspectos políticos, econômicos, educacionais, culturais, sociais e artísticos” (p. 46). 3. O ruído A questão sobre ruído confundiu os participantes, devido ao próprio conceito de ruído ser utilizado em diversas áreas e ser algo dependente de contexto. No entanto, foi interessante constatar que a maioria das pessoas não se dá conta do ruído que as envolve no dia-a-dia. Analisando as respostas obtidas e relacionando suas semelhanças, foi feita uma classificação em seis grupos: a) confusão de conceitos - algumas respostas se aproximaram mais do conceito de som: “é tudo que provoca vibração, e está na sintonia de codificação do aparelho auditivo”. (comerciante, 48, Araçatuba/SP); 446 b) tentativa de conceituação - alguns estabeleceram o ruído como um som indefinido (professora, 39, Ponta Porã/MS) ou desordenado (professora, 58, Manaus/AM); c) conotação negativa - constituiu a maioria das respostas, como algo desagradável: “algo que chega nos seus ouvidos e causa desconforto”. (téc. gestão previdenciária, 33, Santos/SP); d) significado além do sonoro - induzidos pela questão, alguns comentaram sobre o ruído fora do âmbito sonoro: “musicalmente: ins- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 trumentos estridentes, letras e vozes vazias de significado; textualmente- significado xulo, que nada me acrescenta; no ambiente- sons altos e/ou repetitivos”. (professora, 61, Natal/RN); e) interpretação pessoal - algumas pessoas definiram o ruído considerando sua opinião como divergente de outras pessoas: “nada que eu escolha para ouvir” (professora, 45, Goiânia/ GO); f) aproximação do conceito schaferiano - poucas respostas apresentaram elementos que se aproximam dos conceitos de música definidos por Schafer, escritos por pessoas com formação musical: “um tipo de som que na maioria das vezes não é pensado como um som musical. Como, por exemplo, o som de uma britadeira”. (músico, 25, Rio de Janeiro – RJ). Schafer não estabelece uma definição precisa sobre o ruído, mas apresenta algumas afirmações que puderam ser encontradas de forma semelhante nesta pesquisa e que podem servir de embasamento para discussões no âmbito da educação musical, no sentido de conscientizar sobre a poluição sonora que se apresenta no cotidiano: “ruído é o som indesejável, (...) não há outro meio de definí-lo (...). É qualquer som que interfere (...). Para o homem sensível aos sons, o mundo está repleto de ruídos” (2011b, p.56) 4. A música da mídia Ouvir música passou a ser uma atividade corriqueira, embora, segundo Pederiva e Tristão (2006, p.85), seja “uma tarefa extremamente complexa, já que engloba diferentes padrões, associações, emoções, expectativas, (...) envolve um conjunto de operações cognitivas e perceptivas”. Considerando a influência da música da mídia na atualidade, como um elemento que constitui a experiência musical da maioria das pessoas - principalmente nãomúsicos -, o questionário trouxe duas questões que procuravam verificar o quanto as “canções da mídia” [1] vivem na mente do público em geral, para o qual ela é direcionada. 447 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A maioria das respostas para a música mais ouvida em 2011 e em 2012 foi "não sei" ou “não me lembro”, sendo 45.7% em 2011 e 49.8% em 2012 – o que vem demonstrar o quanto a música da mídia pode ser considerada como “comercial”, ou seja, preparada para consumo imediato, para ser convertida em shows, CDs e DVDs. Em segundo lugar, também nos dois anos, músicas cantadas por Michel Teló (em especial, “Ai, se eu te pego”) ficaram com 24% de ocorrência em 2011 e 20.8% em 2012. Na terceira posição houve uma variação entre os anos, com Luan Santana alcançando 11% das ocorrências em relação ao ano passado e João Lucas e Marcelo chegando aos 20.5% de citações em 2012. Outros cantores de estilos variados apareceram na lista, mas sem tanta proximidade do terceiro lugar, agrupando-se todos os restantes num total de 19.3% em 2011 e 8.9% em 2012. É importante ressaltar que todas as músicas citadas, bem como seus autores e/ou intérpretes, se encontram no contexto da música popular e sua divulgação é feita principalmente pelas rádios e emissoras de televisão brasileiras. Especificamente em relação à música mais tocada no ano de 2012 [2], foi questionado como ela afeta o dia-a-dia das pessoas. Agrupando as respostas em três padrões, foram verificados 47.8% de citações negativas sobre a música, com referência a palavras como irrita, enjoa, revolta, transtorna e frusta. Houve 34.7% de comentários neutros sobre a música, insinuando indiferença, ignorar ou vê-la passar despercebida. Os 17.5% restante das respostas comentaram sobre o fato de a música trazer lembranças boas, estar associada a um sentimento agradável, descontrair e fazer parte do gosto musical das pessoas, isto é, profundamente ligada às suas emoções. 448 5. Considerações finais: reflexões sobre a escuta do cotidiano A proposta de responder a um questionário com o intuito de colaborar com o desenvolvimento da pesquisa em questão levou os participantes a refletirem sobre sua concepção de escuta e sobre a influência dos sons e música no cotidiano. Estas reflexões se inserem no campo da percepção musical, com o propósito de despertar a consciência sonora, de desenvolver Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 uma plena consciência auditiva em músicos e não músicos. Segundo Fonterrada, para falarmos de música, é preciso considerar o som e sua presença no meio ambiente. É preciso, também, reconhecer sua importância para o homem, pois vivemos imersos num mundo sonoro (...). Não prestamos muita atenção nos sons que produzimos, ou que escutamos. De algum modo, estamos sempre lidando com sons, mas nem sempre temos consciência dessa capacidade. (2004, p. 8) O desenvolvimento da percepção musical é um processo gradual que pode se iniciar na infância, com o estímulo à percepção dos sons do cotidiano e sua classificação em parâmetros de intensidade, duração, altura e timbre. No entanto, a grande maioria das pessoas que hoje se encontram em fase adulta não passou por um processo de musicalização na infância ou não teve acesso ao estudo musical, onde pudesse ser despertada uma escuta crítica e seletiva que posteriormente levaria a uma melhor percepção dos sons estruturados na música. Em geral, a escuta de sons do cotidiano se confunde com a própria escuta musical, considerando o quanto a música está presente em diversos momentos e situações do dia-a-dia, sobretudo com a grande propagação musical que vivenciamos, conforme comenta Carvalho: os meios de comunicação e difusão cultural provocam uma constante renovação na percepção do ouvinte de música, na medida em que estão sempre fazendo experiências com regras comunicativas e buscando avançar na tecnologia de confecção dos novos produtos musicais e nos mecanismos de interação desses produtos com seus consumidores. (1999, p.3) Com base na pesquisa aqui apresentada, podemos afirmar que a percepção musical tem sido fortemente influenciada pela música da mídia e, indo mais além, podemos concluir que essa música constitui um material musical que não objetiva seu estudo aprofundado, nem visa contribuir para o desenvolvimento da percepção; pelo contrário, a difusão desta música 449 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 está mais ligada a questões que transcendem o próprio estudo da música - e que ultrapassam os limites deste artigo. Schafer (2011a, p.17) afirma que “a paisagem sonora atingiu o ápice da vulgaridade em nosso tempo”. Esta mesma afirmação se aplica em nossos dias, uma vez que a música da mídia predomina em nossa paisagem sonora e desse modo, a atenção ao que é de fácil execução e assimilação tornou-se algo intrínseco à cultura. Esse fator afeta toda uma concepção musical no senso comum, principalmente por não estimular percepções mais efetivas e detalhadas, que poderiam levar os indivíduos a adquirir um ouvido pensante, com fins de apreensão e compreensão. Não se trata de ignorar os sons que estão à nossa volta, mas de uma reeducação dos ouvidos. Segundo Schafer (2011a, p.29), “a única proteção para os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons indesejáveis, para se concentrar no que é desejável”. A realização desta pesquisa, portanto, além de revelar o interesse de um público leigo nas reflexões sobre o tema, com certeza, pôde contribuir para mostrar a necessidade da reeducação musical no Brasil. Notas [1] O conceito de “canções da mídia” é um complexo que resulta da cultura na qual ela está inserida, e se refere às canções compostas com o objetivo de serem gravadas em disco e reproduzidas no rádio (Valente,2004, p.1-2) [2] Reportagens divulgadas na Internet, como a que se encontra disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_number-one_hits_of_2012_(France) confirmaram os dados da pesquisa. 450 Referências Carvalho, José J. (1999). Transformações na sensibilidade musical contemporânea. Brasília. Disponível em: http://www.ccs.ufsc.br/~geny/musics/_transformacoes.pdf Fonterrada, Marisa T. O (2004). Música e meio ambiente: ecologia sonora. São Paulo: Ed. Irmãos Vitale. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Pederiva, Patrícia L. M., Tristão, Rosana M. (2006). Música e cognição. Ciências e Cognição, vol.9, Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v09/m346117.pdf Schafer, Raymond M. (2011a). A afinação do mundo. 2.ed. São Paulo: Ed. Unesp. Schafer, Raymond M. (2011b). O ouvido pensante. 2.ed. São Paulo: Ed. Unesp. Souza, Rodolfo Coelho (2007). Aspectos da abstração na cognição musical e imagética. Ictus - Periódico do PPGMUS/UFBA, Vol. 8, No 1. Valente, Heloísa. A. D. (2004). Música é informação! - Música e mídia a partir de alguns conceitos de Paul Zumthor. V Congresso da IASPM-LA. 451 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Efeito do treinamento musical em diferentes modalidades da capacidade de atenção visual Ana Carolina Oliveira e Rodrigues [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Maurício Alves Loureiro [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Paulo Caramelli [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG 452 Resumo: A influência da música sobre a função cerebral tem sido alvo da investigação de neurocientistas e músicos desde a década de 1990. Muitos estudos têm demonstrado a existência de processos de neuroplasticidade cerebral, estruturais e funcionais, decorrentes da prática musical prolongada, os quais podem produzir diferenças cognitivas entre músicos e não músicos. Nosso objetivo geral consistiu em investigar se o treinamento musical intensivo poderia estar associado a aumento da capacidade de atenção visual, em três modalidades – seletiva, dividida e sustentada. Músicos (n = 38), membros permanentes de duas importantes orquestras brasileiras, e não músicos (n = 38), profissionais e estudantes de diversas áreas do conhecimento, equiparados em relação à idade, gênero e escolaridade, foram submetidos a quatro testes neuropsicológicos: três testes de atenção visual e um teste de tempo de reação simples, os quais avaliaram tempo de reação e acurácia. Os músicos mostraram melhor desempenho em quatro variáveis dos três testes de atenção visual, envolvendo tempo de reação e acurácia. Tal desempenho não pode ser explicado por melhor integração sensório-motora, uma vez que não houve diferença entre os grupos no teste de tempo de reação simples. Além disso, foram verificadas correlações significativas entre idade de início dos estudos musicais e algumas variáveis dos testes de atenção visual. Nossos resultados sugerem haver maior capacidade de atenção visual, em diferentes modalidades, em músicos. Este estudo poderá contribuir para demonstrar possíveis benefícios cognitivos do treinamento musical prolongado. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Palavras-chave: treinamento musical, atenção visual, neuroplasticidade Effect of musical training on different modalities of visual attention ability Abstract: Recognition of the influence of music on cerebral function has incited neuroscientists and musicians to investigate the connections between these two areas since the 1990’s. Many studies have demonstrated structural and functional cerebral neuroplastic processes as a result of long-term musical practice, which in turn may produce cognitive differences between musicians and non-musicians. We aimed to investigate if intensive musical training could be associated with improved visual attention ability, on three different modalities – selective, divided and sustained attention. Musicians (n = 38), permanent members of two major Brazilian orchestras, and non-musicians (n = 38), professionals and students from several fields, matched on age, gender and education, were submitted to four neuropsychological tests: three visual attention tests and one simple reaction time test, which measured reaction time and accuracy. Musicians showed better performance relative to non-musicians on four variables of the three visual attention tests, involving reaction time and accuracy. Such advantage could not be explained by better sensorimotor integration, since there was no difference between groups in the simple reaction time test. Moreover, significant correlations between age of beginning of musical studies and some variables of visual attention tests were verified. Our results suggest augmented visual attention ability, on different modalities, in musicians. This study may contribute to demonstrate possible cognitive benefits of long-term musical training. Keywords: musical training, visual attention, neuroplasticity 1. Introdução Mesmo que todos os indivíduos tenham contato ou estejam envolvidos, de alguma forma, com a atividade musical em suas rotinas diárias, eles o fazem com esforço e tempo limitados. Por outro lado, poucos indivíduos se tornam músicos profissionais, mediante prática prolongada e iniciada precocemente. Assim, segundo Münte et al. (2002), os músicos representam um modelo único para o estudo das alterações plásticas no 453 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cérebro humano, considerando a complexidade do estímulo envolvido – música – e o grau de exposição a ele. Nas últimas décadas, muitas pesquisas têm descrito, em músicos, alterações neuroplásticas encefálicas, estruturais e funcionais, decorrentes da prática musical prolongada, envolvendo diversas regiões, tais como corpo caloso (Schlaug et al., 1995), córtex motor (Amunts et al., 1997), córtex somatossensitivo (Elbert et al., 1995), córtex auditivo (Pantev et al., 1998) e hipocampo (Herdener et al., 2010). Tais processos de neuroplasticidade estrutural e funcional verificados em músicos poderiam influenciar suas funções cognitivas, produzindo também diferenças entre músicos e não músicos. Várias pesquisas (e.g. Rauscher & Zupan, 2000; Vaughn, 2000; Schellenberg, 2004; Piro & Ortiz, 2009) têm relatado, em crianças, associações positivas entre o estudo formal da música e capacidades cognitivas pertencentes ao domínio não musical, como raciocínio verbal, matemático e visual-espacial, bem como inteligência geral. Embora os efeitos do treinamento musical sobre funções cognitivas tenham sido mais bem documentados em crianças, estudos envolvendo adultos também têm mostrado diferenças entre os grupos em diferentes domínios cognitivos, especialmente em relação à cognição visual. Têm sido demonstradas, por exemplo, associações positivas entre treinamento musical e capacidades visuais-espaciais (Brochard et al., 2004), capacidades oculo-motoras (Gruhn et al., 2006), atenção visual (Rodrigues et al., 2007), balanceamento da atenção visual-espacial (Patston et al., 2007) e processamento visual de detalhes (Stoesz et al., 2007). 454 O objetivo deste estudo consistiu em investigar se o treinamento musical prolongado poderia estar associado a aumento da capacidade de atenção visual em três modalidades – seletiva, dividida e sustentada. A atenção seletiva refere-se à capacidade de direcionar a atenção para uma determinada porção do ambiente, enquanto os demais estímulos à sua volta são ignorados. A atenção dividida corresponde à capacidade de atender concomitantemente a duas ou mais fontes de estimulação. Já a atenção sustentada equivale a um estado de prontidão para detectar e responder a alterações de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 estímulos (Muir, 1996). Embora outros estudos tenham investigado direta ou indiretamente a capacidade de atenção visual em músicos e não músicos, tais pesquisas não consideraram, de forma mais ampla, diferentes modalidades desta capacidade cognitiva, o que foi possível no presente trabalho. Como a prática musical envolve, em momentos distintos, diferentes demandas atencionais, questionamos se o treinamento musical poderia exercer efeitos positivos semelhantes em mais de uma modalidade da capacidade de atenção visual. 2.Métodos 2.1 Participantes Dois grupos de voluntários participaram do estudo: 38 músicos (idade = 33,3 ± 7,6 anos; 31 homens e 7 mulheres) e 38 não-músicos (idade = 31,3 ± 5,6 anos; 25 homens e 13 mulheres), equiparados em termos de idade (t(74) = 1,29; p = 0,200), gênero (X2(1) = 2,44; p = 0,118) e escolaridade (t(74) = -0,59; p = 0,556). O grupo dos músicos foi composto por 23 instrumentistas de cordas e 15 instrumentistas de sopros, membros permanentes de duas importantes orquestras brasileiras – Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. O tempo de estudo individual com instrumento por dia variou de 1 a 8,5 horas (média = 3,2 ± 1,2) e a idade de início dos estudos musicais, de 4 a 20 anos (média = 9,6 ± 4,4). O tempo de prática musical total e o tempo de prática musical com orquestra variaram de 11 a 37 anos (média = 23,0 ± 6,7) e 4 a 26 anos (média = 13,9 ± 6,0), respectivamente. O grupo dos não músicos foi composto por profissionais e estudantes de diversas áreas do conhecimento. Todos os não músicos declararam não ler partitura atualmente. Entretanto, seis indivíduos relataram já ter recebido algum tipo de educação musical formal com prática de leitura de partitura na infância, adolescência ou início da idade adulta. Porém, em nenhum destes casos o tempo total de estudos musicais foi superior a um 455 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ano e seis meses. Além disso, cinco indivíduos mencionaram tocar algum instrumento musical, sem regularidade, atualmente. Todos os voluntários forneceram consentimento escrito para participação na pesquisa, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética local. 2.2 Procedimento de avaliação Anteriormente à aplicação dos testes neuropsicológicos para avaliação da capacidade de atenção visual, foram administrados os seguintes formulários: questionário sociodemográfico, para caracterização de cada indivíduo; Escala de Sonolência Epworth (Johns, 1991), para avaliação da sonolência diurna; e parte do Mini International Neuropsychiatric Interview (Sheehan et al., 1998), para investigação de possíveis transtornos psiquiátricos. Não foi verificada nenhuma diferença significativa entre músicos e não-músicos em relação à sonolência diurna (t(74) = -1,95; p = 0,055) e horas de sono por noite (t(74) = 1,06; p = 0,293). Além disso, não houve indício de Episódio Depressivo Maior e Dependência / Abuso de Álcool para nenhum indivíduo. Para avaliação da capacidade de atenção visual, nas três modalidades, foram elaborados testes neuropsicológicos computadorizados com o auxílio do programa E-Prime (Schneider et al., 2002). Todos os estímulos visuais foram exibidos em um monitor de 1280 x 800 pixels, posicionado a uma distância de 55 centímetros (cm) do voluntário. 456 O teste de atenção visual seletiva consistiu na apresentação aleatória de 60 quadros de estímulos, contendo, cada um deles, um estímulo-alvo na parte superior da tela e, abaixo dele, um conjunto de cinco estímulos similares entre si e em relação ao estímulo-alvo. A tarefa do indivíduo era responder, o mais rápido possível, se o estímulo-alvo estava ou não presente, de maneira idêntica, no conjunto de estímulos, pressionando as teclas “1” ou “2” respectivamente. A duração média do teste foi de 3 minutos e 30 segundos. O teste de atenção visual dividida consistiu na apresentação da letra “X” em três possíveis condições (“X”, “XX” ou Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 “XXX”), no centro da tela, e/ou de outra letra, apresentada acima do ponto central. Ao longo do teste, foram exibidos aleatoriamente 90 quadros de estímulos, sendo 30 quadros com apenas a letra “X”, 30 com a letra “X” e outra letra, e 30 com apenas outra letra. As tarefas do sujeito eram responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “X”, “XX” e “XXX”, pressionando as teclas “1”, “2” ou “3” respectivamente (tarefa 1), e contar mentalmente, dizendo ao final do teste, quantas vezes a letra “A” havia sido apresentada (tarefa 2). A duração média do teste foi de 3 minutos. O teste de atenção visual sustentada consistiu na apresentação, no centro da tela, dos números “1”, “2” ou “3” ao longo da apresentação alternada dos símbolos “+” e “=”, cuja frequência aumentava gradativamente. A tarefa do indivíduo era responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “1”, “2” e “3”, pressionado as teclas “1”, “2” ou “3” respectivamente. A duração média do teste foi de 5 minutos. Foi também elaborado um teste de tempo de reação simples, com o objetivo de avaliar a capacidade motora geral dos indivíduos, uma vez que um melhor desempenho nos testes de atenção visual poderia ser explicado por uma melhor integração sensório-motora. O teste de tempo de reação simples consistiu na apresentação do símbolo “*”, no centro da tela, em intervalos de tempo variados. A tarefa do indivíduo era responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “*”, pressionando a tecla “1”. A duração média do teste foi de 1 minuto. 2.3 Análise estatística Primeiramente, a normalidade de cada variável medida foi verificada utilizando-se o teste Kolmogorov-Smirnov. A comparação entre as médias de dois grupos de indivíduos foi feita aplicando-se o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico U de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição dos dados. A correlação entre o desempenho dos músicos nos testes e a idade de início dos estudos musicais foi verificada através do teste de Pearson e do teste de Spearman, também de acordo com a distribuição dos dados. Para a comparação de gênero foi aplicado o teste Qui-Quadrado. Adotou-se a probabilidade de significância de 5% (p < 0,05) 457 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 em todos os testes. 3. Resultados Como mostra a Tabela 1, os músicos apresentaram melhor desempenho em quatro variáveis dos testes de atenção visual: acurácia no teste de atenção seletiva (t(74) = 2,00; p = 0,049), tempo de reação na tarefa 1 e número de erros na tarefa 2 no teste de atenção dividida (t(74) = -2,26; p = 0,026 e U = 493,50; p = 0,011, respectivamente), e tempo de reação no teste de atenção sustentada (U = 406,50; p = 0,001). O desempenho nas demais variáveis foi semelhante entre os grupos. Não foi verificada diferença significativa entre músicos e não músicos no teste de tempo de reação simples (t(74) = -1,86; p = 0,067). No grupo dos músicos, foram observadas correlações significativas entre a idade de início dos estudos musicais e o desempenho em três variáveis dos testes de atenção visual: tempo de reação no teste de atenção seletiva (r = 0,36; p = 0,026), tempo de reação na tarefa 1 do teste de atenção dividida (r = 0,37; p = 0,022) e tempo de reação no teste de atenção sustentada (r = 0,39; p = 0,016). Tais correlações sugerem melhor desempenho, nos três testes de atenção visual, de músicos que iniciaram mais cedo seus estudos musicais. 458 Tabela 1. Comparação entre músicos e não-músicos nos testes de atenção visual e tempo de reação simples. Os valores p referem-se ao teste t de Student, exceto os marcados com *, os quais se referem ao teste U de Mann-Whitney. Os valores p em destaque indicam diferenças significativas (p < 0,05). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 4. Discussão Os músicos apresentaram melhor desempenho em relação aos não músicos em quatro das sete variáveis dos testes de atenção visual: acurácia no teste de atenção seletiva, tempo de reação na tarefa 1 e número de erros na tarefa 2 no teste de atenção dividida e tempo de reação no teste de atenção sustentada, o que sugere maior capacidade de atenção visual, em diferentes modalidades, em músicos. É interessante observar que as diferenças significativas encontradas entre músicos e não músicos, embora não tenham envolvido todas as variáveis, não se restringiram a uma modalidade de atenção, mas, sim, foram verificadas nos três testes de atenção visual – seletiva, dividida e sustentada. Como não houve diferença significativa entre os grupos no teste de tempo de reação simples, o melhor desempenho dos músicos nos testes de atenção não pode ser atribuído simplesmente à melhor capacidade de integração sensório-motora. Os resultados sugerem, portanto, a existência de processos atencionais mais eficientes em músicos. Nosso estudo anterior (Rodrigues et al., 2007), embora tenha tido como meta a avaliação da capacidade de atenção visual, de forma geral, em músicos e não-músicos, enfatizou a avaliação da capacidade de atenção visual dividida. Entretanto, é preciso ressaltar que esta seria apenas uma das modalidades atencionais demandadas na rotina profissional dos músicos, especificamente durante a prática musical em conjunto, que envolve a necessidade constante de atenção simultânea a diversos tipos de estímulos visuais, como partitura, instrumento e movimento corporal. O estudo individual com instrumento, por outro lado, exige atenção visual seletiva, já que em tal situação os músicos precisam também direcionar a atenção à leitura da partitura, o que requer percepção de detalhes. Além disso, em outras situações, como ensaios e concertos de longa duração, os músicos necessitam de atenção visual sustentada, aliada à atenção dividida, sendo importante a manutenção de um estado de prontidão para detectar e responder a vários estímulos. 459 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Portanto, a prática musical, considerada particularmente no âmbito da rotina de orquestras profissionais, requer, em momentos distintos, diferentes demandas de atenção, podendo envolver também, em determinadas situações, a participação simultânea de mais de uma modalidade atencional. Assim, nosso estudo propôs a investigação de diferentes modalidades da capacidade de atenção visual, abordagem que não havia sido realizada até então, a fim de verificar se resultados similares poderiam ser observados em diferentes modalidades atencionais, o que foi, de fato, corroborado por nossos dados. De modo geral, nossos resultados podem ser considerados consistentes com os estudos de Brochard et al. (2004), Gruhn et al. (2006), Patston et al. (2007), Rodrigues et al. (2007) e Stoesz et al. (2007), os quais demonstraram capacidades cognitivas visuais aumentadas em músicos. 460 Quanto às correlações significativas encontradas entre idade de início dos estudos musicais e desempenho nos testes de atenção, os dados sugerem que quanto mais precoce o início da prática musical, maior tende a ser a eficiência dos processos atencionais. Como ressaltam Pantev et al. (1998), a reorganização cortical induzida pela aprendizagem ocorre de acordo com o padrão de experiências sensoriais vivenciadas durante a prática de uma habilidade. Assim, o início precoce da prática musical seria capaz de induzir maior reorganização do córtex cerebral, o que poderia refletir em capacidades cognitivas aumentadas. Vários estudos têm demonstrado correlações significativas entre idade de início dos estudos musicais e aspectos estruturais e funcionais do cérebro (e.g. Elbert et al., 1995; Schlaug et al., 1995; Amunts et al., 1997; Pantev et al., 1998). Entretanto, ainda não é possível afirmar, de maneira consistente, a relação entre tal fator e a capacidade de atenção visual. Embora apresente limitações, esta pesquisa pode contribuir para a crescente literatura que tem fornecido evidências comportamentais sugerindo a existência de processos de neuroplasticidade cerebral como resultado da prática musical prolongada, além de gerar possíveis implicações para as áreas de saúde e educação. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Referências Amunts, K., Schlaug, G., Jäncke, L., Steinmetz, H., Schleicher, A., Dabringhaus, A., Zilles, K. (1997). Motor cortex and hand motor skills: structural compliance in the human brain. Human Brain Mapping, 5, 206-215. 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Os participantes da pesquisa foram membros da Associação Brasileira de Flautistas (ABRAF). No total, 142 membros responderam a um questionário online contendo vinte questões das quais oito foram analisadas estatisticamente e relatados seus resultados neste artigo. Os participantes informaram também sobre gênero, idade, anos de estudo da flauta, nível de proficiência (profissional, estudante e amador) e as situações que lhes induzem à ansiedade como: masterclass, recital e concurso. De acordo com a literatura, alguns fatores musicais podem ser considerados como estratégias de enfrentamento para lidar com a ansiedade na performance musical como: familiaridade com o repertório, habilidade de leitura à primeira vista, prática deliberada, expressão musical e memorização. Os resultados sugerem que flautistas do sexo masculino exibiram alta incidência de ansiedade na performance musical (APM), flautistas profissionais podem lidar melhor com a APM e a situação de performance mais estressante não se correlacionou com a APM entre os 142 flautistas. Palavras-chave: Psicologia da Performance, Ansiedade na Performance Musical, Fatores de Ansiedade, Flautistas Abstract: This research focuses on identifying differences in trait and state anxiety levels in flute players. The participants of this research were members of Brazilian Flute Association (ABRAF). In total, 142 flute players an- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 swered an online questionnaire. Eight of twenty questions are reported in this paper. The participants reported on gender, age, years of flute practice, proficiency level (professional, student, and amateur), and their most anxiety-inducing situation (masterclass, recital, and competition). According to the literature, some musical factors can lead to decrease in music performance anxiety. Some musical factors that can be considered as coping strategies are familiarity with repertoire, sight-reading skills, deliberate practice, musical expression, and memorization. Results suggest that male flute players exhibited higher incidence of music performance anxiety (MPA), professional flute players may cope better with MPA, and the most stressful performance situation did not correlate with MPA in those 142 flute players. Keywords: Psychology of Performance, Music Performance Anxiety, Anxiety Factors, Flute Players Introdução A ansiedade é um estado psicológico e fisiológico caracterizado por componentes somáticos, emocionais, cognitivos e/ou comportamentais geralmente associadas com atividades que demandam habilidades, concentração e autoavaliação. Segundo Barlow (2000), ansiedade é: uma única e coerente estrutura cognitivo-afetiva dentro de nosso sistema motivacional defensivo. No centro desta estrutura está uma sensação de incontrolabilidade focada em futuras ameaças, perigo ou outros eventos potencialmente negativos (Barlow 2000 apud Kenny 2011, 22). Embora a ansiedade tenha sido estudada principalmente na área da psicologia, ela pode estar presente em diferentes campos de conhecimento como medicina, esportes, artes e música. De acordo com Kenny (2003), a performance musical requer do músico um alto nível de proficiência em uma extensa área de habilidades que inclui destreza motora fina e coordenação, concentração e memorização, estética e habilidades interpretativas. Obter proeminência musical requer execução próxima à perfeição exigindo anos de treinamento, prática solitária [1], além de constante e intensa auto- 465 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 avaliação (Kenny et al 2003, 760). Estes elementos, inerentes à atividade musical, podem contribuir para o desenvolvimento de efeitos negativos da ansiedade entre músicos profissionais, estudantes e amadores. A. Causas da Ansiedade na Performance Musical Segundo Valentine (2002), três fatores contribuem para a ansiedade na performance musical: a pessoa; a tarefa e a situação (Valentine 2002, 172). A pessoa refere-se aos aspectos da personalidade de cada indivíduo como introversão versus extroversão, independência, sensibilidade, ansiedade, dentre outras - que possam vir a exercer quaisquer influências no comportamento. Contudo, o comportamento depende da interação entre as qualidades pessoais, físicas e ambiente social (Deary 1993 apud Kemp 1999, 25). Desse modo, o comportamento pode ser compreendido como reação à soma dessas interações. O nível de ansiedade na performance é proporcional a tarefa: quanto mais difícil a tarefa, maior a ansiedade. A tarefa pode ser compreendida e composta por alguns fatores musicais que podem influenciar na apresentação musical, dentre eles encontram-se o repertório, a leitura à primeira vista, o estudo e o ensaio, a expressão musical e a memorização. Wilson (2002) acrescenta que a ansiedade na performance também pode estar associada à falha de domínio da tarefa ou, para Fehm (2005), a execução de tarefas que excedem a capacidade do executante (Fehm 2005 apud Kenny 2011, 62). 466 Quanto aos fatores que geram ansiedade na execução, há certas situações que são relativamente mais estressantes para os executantes, independentemente de suas suscetibilidades individuais (Wilson 1999, 231). Essas situações também foram apontadas e comparadas por Hamann (1982) de forma antagônica: a apresentação solo versus apresentação em grupo, apresentação pública versus estudo, concurso versus apresentação por prazer, apresentação de obras difíceis ou mal preparadas versus aquelas que são fáceis, familiares ou bem aprendidas (Hamann 1982 apud Wilson 1999, Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 232). Assim sendo, pode-se dizer que a primeira situação de cada grupo pode gerar mais ansiedade no executante do que a segunda situação, por deixá-lo mais exposto e vulnerável a uma situação de risco. B. Traço e Estado de Ansiedade O aspecto da ansiedade como característica individual pode ser apresentado de duas maneiras: o traço e o estado de ansiedade [2]. Kemp considera que o traço de ansiedade pode ser visto como sendo uma predisposição geral a ser ansioso e o estado de ansiedade varia de acordo com os tipos de situação em que eles se encontram (Kemp 1999, 33). Contudo, Kemp (idem) explica que o traço e o estado de ansiedade não são facilmente separáveis, quer conceitualmente, quer em termos de medição. Já Spielberger (1983) e Lazarus (1991) definiram estado de ansiedade como uma resposta emocional não prazerosa ao lidar com situações ameaçadoras ou perigosas - o que inclui avaliação cognitiva de ameaça como um precursor para o seu surgimento - enquanto que traço de ansiedade refere-se às diferenças individuais estáveis em tendências para reagir com o aumento do estado de ansiedade antecipando uma situação de perigo (apud Tovolic 2009, 492). Essa tendência é consistente em uma ampla gama de situações e é temporariamente estável (ibid). No entanto, o traço de ansiedade é caracterizado como uma disposição geral de experienciar estados transitórios de ansiedade sugerindo que essas duas construções - traço e estado de ansiedade estão inter-relacionadas (Spielberger 1999 apud Tovolovic 2009, 500). Segundo Kemp (1996), músicos apresentam maior predisposição para a ansiedade do que outras pessoas que não são artistas. A predisposição a ser ansioso (em todos os aspectos da vida), torna o indivíduo susceptível à ansiedade na performance e o traço de ansiedade pode ser uma característica inerente da pessoa. A pesquisa também sugere que uma personalidade ansiosa resulta do acúmulo de certas experiências de vida (Kemp 1999, 96). Um estudo realizado por Kemp (1996) concluiu que homens apresentam, invariavelmente, uma pontuação mais elevada em introversão e em 467 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 alguns aspectos de independência que mulheres. Por outro lado, as mulheres tendem a ser mais sensíveis e ansiosas que os homens. São padrões de traços de ansiedade em gênero que contribuem para o que percebemos como a diferença, não somente em termos mais abstratos de personalidade, mas em nossas predisposições a se comportar de certas maneiras e para responder às circunstâncias de certa maneira (Kemp 1996, 108). Assim sendo, Wilson (1999) conclui que os indivíduos que são geralmente ansiosos, introvertidos e propensos a fobias sociais estão mais propensos a sofrer de ansiedade na performance musical (Wilson 1999, 231). C. Ansiedade e Gênero Kenny et al. (2003) ao analisarem estudos sobre ansiedade na performance musical, concluíram que as mulheres são dois terços mais propensas a sofrer de ansiedade que os homens (American Psychiatric Association, 1994; Lewinsohn, Gotlib, Lewinsohn, Seelwy & Allen, 1998) e esta relação parece manter-se na Ansiedade em Performance Musical (APM), onde estudos demonstram que as mulheres tem ansiedade na performance musical significativamente maior que os homens (Huston 2001; Osborne & Franklin 2002; Sinden 1999). 468 Kinrys e Wygant (2005), em uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos apontaram que mulheres possuem um risco substancialmente maior de desenvolver transtornos de ansiedade ao longo da vida comparados aos homens e evidência observou um aumento em geral da severidade dos sintomas, comportamento crônico e comprometimento funcional em mulheres com transtornos de ansiedade em comparação aos homens. Os autores também apontam que as razões para o aumento do risco no desenvolvimento de transtornos de ansiedade em mulheres ainda são desconhecidas e ainda necessitam ser adequadamente investigados. Além disso, os fatores genéticos e hormônios reprodutivos femininos podem desempenhar papeis importantes na expressão destas diferenças de gênero. No entanto, evidências de diferenças de gênero nas respostas aos tratamentos dos transtornos Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 de ansiedade ainda são inconsistentes e amplamente inconclusivas. Entretanto, Abel e Larkin (1990) observaram em seu estudo sobre estudantes universitários de música que os homens mostraram um aumento maior da pressão sanguínea, enquanto que as mulheres apresentaram grande aumento nos sentimentos de ansiedade, ilustrando tanto as diferenças de gênero e o fato de que as diferentes manifestações de ansiedade, frequentemente não correspondem. E. Ansiedade e Situação Situação de performance é uma ampla fonte de ansiedade na performance musical. Lehmann (2007) afirma que o elemento mais significante de uma situação de performance é a presença da plateia. A intimidação representada por rostos anônimos em uma sala de concertos pode ser igualada à de uma plateia menor, porém com ouvintes mais experientes (Lehmann et al. 2007). Segundo Valentine (2004), um número de estudos têm demonstrado o efeito da situação como gerador de ansiedade na performance musical. Leblanc (1997) encontrou ansiedade em auto-relatos de músicos de banda do ensino médio que aumentaram significativamente em três distintas situações de performance: executar um solo isoladamente em uma sala de estudo; em uma sala de estudo com o pesquisador presente e com quatro pesquisadores e músicos presentes (Leblanc 1997 apud Valentine 2004, 172-73). Brotons (1994), ao pesquisar a influência de uma situação avaliativa através da presença de um júri e sua influência na ansiedade de músicos, concluiu que não foram relevantes a situação onde os executantes e os jurados estavam à vista um dos outros ou quando o executante estava atrás de um biombo para que os executantes e os jurados não tivessem conhecimento um da identidade do outro (Brotons 1994 apud Valentine 2004, 173). Outro estudo demonstrou a interação entre características de personalidade e situação (Cox & Kenardy 1993). Reafirmando as palavras de Wilson (1999), artistas com fobia social eram muito mais ansiosos do que à- 469 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 queles com não fobias sociais em ambiente solo, enquanto houve pouca diferença entre eles em situações de grupo ou prática. Finalmente, a ação individual ou coletiva dos fatores acima descritos podem desencadear a ansiedade em músicos durante a preparação e na performance musical. II. Método A. Descrição dos Participantes Os participantes da pesquisa foram membros da Associação Brasileira de Flautistas (ABRAF). Nesta pesquisa aplicou a técnica não probabilística de amostra por conveniência. Os participantes foram contatados pela ABRAF por e-mail com a finalidade de obter um maior número possível de flautistas de diferentes níveis de proficiência no instrumento. No total, 142 flautistas aceitaram participar da pesquisa, dos quais 77 homens e 65 mulheres. Questionados sobre seu nível individual de proficiência, os participantes se declararam pertencentes aos seguintes níveis de proficiência: profissional (n = 52), estudantes (n = 68) e amadores (n = 22). 470 Tabela 1. Média dos anos de idade e estudo. A média de diferença de idade não foi significante entre amadores e profissionais. Estudantes eram aproximadamente uma década mais jovem que amadores e profissionais, com diferença de idade altamente significante (p < 0.001). Diferenças entre os três grupos em relação à média de anos de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 prática da flauta também foram significantes. O flautista mais jovem relatou ter 13 anos de idade e o mais idoso, 77 anos de idade. B. Materiais e Procedimentos Baseado em Valentine (2002) e Wilson (2002), um questionário online foi desenvolvido tendo como finalidade estudar os três fatores que contribuem para a ansiedade na performance musical: a pessoa, a tarefa e a situação. Especificamente, oito das vinte questões foram apresentadas para abordar quatro áreas gerais [3]: • Questões 1 a 4: sexo, idade, tempo de estudo de flauta, nível de proficiência; • Questões 5 e 6: traço e estado de ansiedade; • Questões 7 e 8: situação e nível de ansiedade. Nas questões de 1 a 3 os participantes foram requisitados a especificar o gênero, idade e número total de anos de estudo na flauta. A questão 4 ofereceu três opções de resposta para nível de proficiência (profissional, estudante ou amador). As questões 5, 6 e 8 foram classificadas de acordo com a série de cinco pontos da escala Likert [4]. Na questão 5, os participantes avaliaram a freqüência em que se sentem ansiosos no dia-a-dia (geralmente, as vezes, sempre, raramente, nunca). Na questão 6, os participantes foram questionados a relatar quão ansiosos se sentem ao tocar flauta em público, da seguinte forma: nunca, raramente, às vezes, geralmente e sempre. A questão 7 reportou a situação de maior ansiedade (masterclass, recital, concurso) e a questão 8 requereu aos participantes classificar o nível de ansiedade na situação (muito alta, alta, moderada, baixa e muito baixa) que consideram mais estressante para a performance (masterclass, recital ou concurso). Os dados analisados por meio do questionário on-line foram analisados estatisticamente. 471 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 III – Resultados A. Traço e Estado de Ansiedade A diferença entre a média dos níveis de traço e estado de ansiedade foi altamente significante (∆ = 0.648, p < 0.001), o que sugere que flautistas reportaram maiores níveis de ansiedade durante a performance pública em frente à uma plateia do que no dia-a-dia. Esta foi a premissa principal deste trabalho. As próximas seções comparam quais efeitos podem ser relatados a este aumento no traço e estado de ansiedade. B. Gênero 472 As diferenças das médias estatísticas em traço de ansiedade relatadas entre homens e mulheres foram altamente significantes (∆ = 0.703, padrão de erro = 0.212, p < 0.001). Todavia, as diferenças das médias no estado de ansiedade não foram significantes. Estes resultados refletem a literatura previamente discutida em que mulheres relatam maior nível de ansiedade no dia a dia. Contudo, mulheres não apresentam diferenças significativas no traço de ansiedade em comparação aos homens. Estes resultados sugerem que flautistas do sexo masculino podem sofrer mais de ansiedade na performance musical que mulheres ou que os dados fornecidos pelos participantes foram super-estimados. Diferenças entre traço e estado de ansiedade dentro dos dois grupos de gênero, demonstram que homens apresentam um aumento maior de nível de ansiedade relatada (∆ = 0.852) que as mulheres (∆ = 0.355). C. Nível de Proficiência A pesquisa sistematicamente revela que flautistas profissionais relatam um significante menor estado de ansiedade que estudantes e amadores. Este resultado é apoiado pela evidência que as diferenças no traço de ansie- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 dade entre estes três grupos não é significante. Todavia não é possível inferir se os flautistas profissionais minimizaram ou se estudantes e amadores exageraram em seus relatos sobre seu estado de ansiedade. Além disso, variadas pesquisas não suportam resultados significativos (p = 0.070) no nível significante adotado nesta pesquisa (a = 0.050) e o resultado pode mudar com maior número de participantes. Tabela 2. - Média nível do traço e estado de ansiedade. D. Situação de Performance Mais Estressante Os três grupos de flautistas de acordo com sua situação de performance mais estressante não apresentou diferença significante no estado de ansiedade quando comparados em nenhum dos contextos da análise multivariada (considerando todos os efeitos), nem como efeito isolado (análise univariada). IV. Conclusão Resultados sugerem que flautistas do sexo masculino exibiram maior incidência de ansiedade na performance musical. Flautistas profissionais tendem a lidar melhor com a ansiedade na performance musical, fato comprovado nas pesquisas anteriores. A situação de performance mais estressante não se relacionou com a APM entre os 142 flautistas. Trabalho futuro inclui a aplicação deste questionário em diferentes grupos de instrumentistas (pianistas, violinistas, violonistas e cantores), a fim de comparar diferen- 473 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ças em outros níveis de ansiedade em situações de performance mais estressantes, bem como as abordagens de tratamento preferenciais e a prática deliberada como estratégia para lidar com a ansiedade na performance musical em relação aos flautistas. Notas [1] A prática solitária pode ser compreendida como estudo individual deliberado. [2] Segundo Kenny (2003), traço e estado de ansiedade foram os fatores mais frequentemente mencionados na etiologia de todas as formas de ansiedade na performance (Humar 1999; King, Mietz, Tinney, & Ollendick 1995; Little 1999) (Kenny et al 2003, 759). [3] Este artigo relata as questões de 1 a 8. Trabalho futuro está planejado para abordar as questões de 9 à 20 que se centram nos sintomas de ansiedade (cognitivo, comportamental, emocional e fisiológico) e abordagens de tratamento (psicoterapia, farmacoterapia, técnica de Alexander, biofeedback, exercícios físicos e álcool), bem como os fatores musicais e prática deliberada foram considerados como possíveis estratégias de enfrentamento para a ansiedade na performance musical. [4] A escala Likert ou escala de Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica usada habitualmente em questionários, e é a escala mais usada em pesquisas de opinião. Ao responderem a um questionário baseado nesta escala, os perguntados especificam seu nível de concordância com uma afirmação. Referências Bibliográficas Abel, J. L., & Larkin, K. T. (1990). Anticipation of performance among musicians: physiological arousal, confidence, and state anxiety. Psychology of Music, 18, 171-182. 474 Brotons, M. (1994). Effect of performing conditions on music performance anxiety, and performance quality. Jornal of Music Therapy, 31, 63-81. Cox, W. J., & Kenardy. J. (1993). Performance anxiety, social phobia, and setting effects in instrumental music students. Journal of Anxiety Disorders, 7, 49-60. Kemp, A. E. (1996). The musical temperament: Psychology and Personality of Musicians. New York: Oxford University Press, 108-120. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Kenny, Diana T. (2011). The Psychology of Music Performance Anxiety, 15-82. New York; Oxford University Press. Kenny, D. T., Davis, P., & Oates, J. (2003). 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A partir dos referenciais teóricos de Frensch e Sternberg (1989), Ericsson (1993), Newell e Simon (1972), Newell, Shaw, & Simon (1958), Chase e Simon (1973) e Galvão (2001), será discutido os conceitos e o desenvolvimento da expertise na performance musical. Atualmente, o estudo sobre expertise é centrado em mecanismos e processos de aquisição e refinamento de habilidades e aprendizado, e o foco central da pesquisa em expertise é entender como um indivíduo atinge a excelência na performance musical. Palavras-chave: expertise, expertise musical, motivação Expertise and motivation in Music Performance Abstract: This article presents the concept of expertise and the theories of expertise related to music cognition. The discussion includes aspects of musical expertise such as: motivation for practice, intrinsic motivation, extrinsic motivation and parental motivation. The theoretical framework is based on Frensch and Sternberg (1989), Ericsson (1993), Newell and Simon (1972), Newell, Shaw, & Simon (1958), Chase and Simon (1973), and Galvão (2001). Nowadays, the research in expertise aims to investigate the mechanisms of learning and the process of acquisition and refinement of abilities. The focus of the research is to understand how individuals can achieve excellence in musical performance. Keywords: expertise, musical expertise, motivation 477 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Os pesquisadores Frensch e Sternberg (1989) definiram expertise como a “capacidade, adquirida pela prática, de desempenhar qualitativamente bem uma tarefa particular de um domínio”. Expertise é relacionada a processos de acúmulo de conhecimento e de mecanismos para monitorar os processos cognitivos, como forma de desempenhar um conjunto de tarefas de forma eficiente, sendo um processo desenvolvido a longo prazo, resultado de experiências e práticas extensivas (Feltovich, Prietula, & Ericsson, 2006). Experts possuem habilidades para reestruturar, reorganizar e refinar as representações do conhecimento, muitos conhecem mecanismos necessários para utilizar habilidades em seus ambientes de trabalho (Ericsson & Lehman, 1996). Ericsson e Kintsch (1995) apontam que o fator essencial para o desenvolvimento da expertise em diferentes domínios dá-se por meio do acúmulo e do aumento dos padrões complexos na memória e que o conhecimento do expert pode ser evocado rapidamente na memória de longo prazo. O domínio do conhecimento adquirido tem sido a explicação mais relevante para entender as performances experts. O conhecimento expert é representado em um formato elaborado que permite o acesso rápido a informações relevantes e apoio flexível às tarefas de domínio específico (Boshizen & Schimidt, 1992). O conhecimento musical compreende não somente o conhecimento sobre peças musicais, mas também mecanismos cognitivos de como representar e manipular o conhecimento relevante na memória. 478 Desenvolvimento dos estudos sobre expertise No contexto da psicologia cognitiva, a pesquisa sobre expertise apresenta três gerações de teorias. A primeira foi influenciada pelos trabalhos iniciais de Newell, Shaw e Simon (1958). Essa teoria partia da hipótese que um expert era alguém habilidoso para lidar com métodos heurísticos de forma geral, ou seja, era capaz de reduzir as repostas de um problema de forma criativa. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 A segunda geração teórica buscou estudar a resolução de problemas e verificar os mecanismos que integram os processos de memória, atenção e raciocínio. Nesse caso, o conhecimento procedimental se tornou fundamental para as pesquisas de Newell e Simon (1972). A segunda geração de teoria tinha como base a arquitetura cognitiva dos sistemas de produção serial, que foi uma nova regra incorporada às regras de resolução de problemas (Newell, 1973). A terceira geração apresentou o conexionismo simbólico como forma de pensar a expertise. Os modelos conexionistas funcionam como meio de processar a informação e são interconectados a uma rede neural. A luz da perspectiva conexionista, os experts possuem habilidades de encontrar a melhor solução para um problema sem a necessidade de realizar uma pesquisa de ordem serial (Vicente & Groot, 1990). Os princípios conexionistas fornecem mecanismos para implementar o conteúdo endereçável no sistema de recuperação da memória (Hinton & Anderson, 1981). Os pesquisadores Salomon e Perkins (1989) apontaram a importância de pensar sobre a expertise a partir dois tipos de experts. O primeiro é o expert de rotina, que é o indivíduo capaz de resolver tipos de problemas rotineiros com rapidez e precisão, porém, nesse caso, existem limitações na capacidade de lidar com novos problemas. A segunda definição é relacionada ao expert adaptativo, que é o indivíduo capaz de criar procedimentos que provêm de seu conhecimento expert. A expertise adaptativa é desenvolvida por meio de um entendimento conceitual profundo de um domínio específico. Na área de música, podem ser considerados experts os músicos que apresentam um desempenho excepcional, muitas vezes designados como virtuoses instrumentais. Solistas de projeção internacional são aceitos como experts nas áreas de piano, violino, violoncelo e canto. No caso de instrumentos que não possuem um repertório solista tão variado, as posições de solistas orquestrais são as funções que apresentam o maior grau de respeito e valorização, como os experts instrumentais de viola, contrabaixo, flauta, clarineta, oboé, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba e percussão. 479 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 De acordo com a pesquisa do Ericsson et al (1993), são necessárias, pelo menos, 10 mil horas de prática deliberada para que um indivíduo possa atingir o nível de performance expert. Uma das características principais da expertise musical é a habilidade de reter e refinar as representações mentais, como forma de monitorar e ter controle sobre a performance. Essas habilidades permitem ao músico ter acesso simultâneo aos resultados da performance e, consequentemente, descrever sobre as sequências mediadoras de pensamento (Ericsson, 1991). O conhecimento musical expert é resultado da prática deliberada individual de longo prazo. Dessa forma, a prática não se relaciona somente à aquisição da expertise, é também relacionada à manutenção da expertise por longos períodos (Ericsson & Smith, 1991; Ericsson et al, 1993; Ericson, 2003; Sloboda et al, 1996). Esses autores relatam que o estudo da prática deliberada tende ser maçante e desestimulante pela demanda dos esforços exigidos. Com isso, faz-se necessário desenvolver estruturas motivacionais como forma de sustentar o foco na prática deliberada, mantendo, assim, o nível de performance expert por longo prazo (Gomes, 2008). Motivação e expertise 480 A motivação é um processo psicológico fundamental para o aprendizado e que auxilia na aquisição de comportamento que proverá melhor forma do indivíduo usar todo seu potencial e realizar seus objetivos pessoais (McPherson & O`Neill, 2002). O construto psicológico motivação pode influenciar tanto na qualidade do aprendizado quanto nos resultados desse aprendizado (Hurley, 1993). Motivação pode ser considerada como um elemento necessário para a realização de uma tarefa e para atingir a excelência, sem necessidade de recompensas externas (Ormrod, 2004). Hidi e Harackiewicz (2000) apresentam a hipótese de que criar elementos para o estudante ter mais controle sobre seu aprendizado é um importante mecanismo para aumentar e desenvolver o interesse situacional em interesse constante de longo prazo. McPherson e Renwick (2000) pes- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 quisou 133 estudantes de música com idade entre 7 e 9 anos. Os resultados mostraram que o desenvolvimento musical é influenciado pelos valores e expectativas individuais, e que o resultado do aprendizado musical das crianças é diretamente relacionado à vontade do aluno em tocar um instrumento musical. Assim, a melhora efetiva desse aprendizado musical é relacionado à vontade individual, independente da quantidade de horas praticadas. Stipek (1996) aponta que tarefas desafiadoras podem estimular a motivação intrínseca, porém, há a necessidade de que as avaliações externas sejam minimizadas, pois quanto maior forem essas avaliações, menor será o controle e o desenvolvimento da percepção do aluno. O efeito das avaliações externas depende do tipo de critério usado para julgar a performance. Stipek (1996) expõe dois critérios comparativos para julgar a performance. O primeiro tem como base a comparação de referência, que ocorre por meio da comparação da performance do aluno com um referencial estabelecido. O segundo é o critério normativo, que se baseia na comparação da performance com as regras estabelecidas; no critério de comparação normativo, há a tendência de diminuir o nível de motivação do aluno. Ao considerar que a expertise musical é alcançada após dez anos de prática deliberada, a motivação pode ser considerada fundamental para manter o foco nesse estudo de longo prazo. A motivação é elemento chave para sustentar os esforços que a prática deliberada exige. A motivação intrínseca e extrínseca são termos relacionados à natureza interna e externa de um indivíduo. A motivação intrínseca é derivada de tarefas ou experiências individuais, e a motivação extrínseca é resultante de forças externas ao indivíduo (Ormrod, 2004). Motivação intrínseca se refere à motivação que pode ser desencadeada pelo prazer pessoal, que contrasta com a motivação extrínseca, que pode ser manipulada por reforços de contingência, ou seja, pelo desejo de recompensas externas ou como forma para evitar alguma punição (Guay et al, 2010). Preparar uma peça musical com a finalidade de crescimento profissional pode ser considerado como motivação intrínseca, enquanto preparar uma peça musical para uma audi- 481 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ção ou aprovação em um concurso é considerada como motivação extrínseca. Deci e Ryan (1985) apresentam que a motivação intrínseca é sustentada pela autodeterminação e mantida por meio de desafios. Aponta-se que a motivação intrínseca pode se apoiar na satisfação espontânea, que é inerente no efeito de “ação volitiva” (a ação necessária para executar a tarefa). Nessa mesma pesquisa, considera-se que a motivação intrínseca, se comparada à motivação extrínseca, produz melhores resultados de aprendizado. Porém, pesquisa de Hidi e Harackiewicz (2000) contesta a afirmação de que recompensas externas prejudicam a motivação intrínseca e a relação entre motivação intrínseca versus motivação extrínseca depende do envolvimento e da complexidade da tarefa; logo, a combinação entre motivação intrínseca e extrínseca pode trazer melhoras efetivas à performance. A motivação intrínseca pode ser considerada como um elemento importante para sustentar a prática por longo prazo (Hallam, 2002). 482 Recompensas usadas como forma de controlar o comportamento tendem diminuir o nível de autodeterminação de um indivíduo (Decci et al, 1999). O autor aponta que os professores podem utilizar recompensas em certas ocasiões sem que haja danos, embora deva ser utilizada com precaução para que a boa performance do aluno não seja atrelada à recompensas externas. A motivação extrínseca é movida por meio de recompensas externas, porém, se a tarefa for extremamente desafiadora, é possível que a motivação extrínseca se transforme em intrínseca, pois, dessa forma, o indivíduo pode ter a chance de mostrar suas capacidades. Tarefas intrinsicamente motivadoras dividem certas estruturas e características emocionais (Csikzentmihalyi, 1990). A combinação entre nível de desafio versus nível das habilidades pessoais é um fator que pode ajudar na melhora efetiva da performance musical. O desenvolvimento do aprendizado musical é um processo que demanda investimentos financeiros e investimento de tempo, e o apoio familiar é um elemento fundamental para o desenvolvimento da atividade musical (Howe et al, 1996). Na mesma linha de pesquisa Olszewski et al (1987) Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 apoia a ideia de que os pais desempenham um papel fundamental no direcionamento de seus filhos na escolha de certas atividades. Pesquisa de Howe, Davidson, Moore e Sloboda (1996) entrevistou 250 pais de crianças envolvidas no estudo de um instrumento musical, e os resultados dessa pesquisa apontam que o envolvimento dos pais no treinamento musical dos filhos era uma condição fundamental para o comprometimento das crianças com a prática musical. Dessa forma, os pais desempenham um importante papel na iniciação e na sustentação do treinamento musical das crianças pelo período necessário para desenvolvimento musical. Pesquisa de Howe et al (1996) aponta que os pais de crianças bem sucedidas nos estudos musicais eram totalmente envolvidos com os estudos de seus filhos e expõe uma tendência natural, que se refere ao maior envolvimento dos pais no processo musical, durante o período das aulas de música de seus filhos. Porém, pesquisa de Kemp (1996) aborda uma preocupação com o fato dos pais usarem as habilidades das crianças, como forma de satisfação pessoal, e aponta que a pressão externa é prejudicial ao desenvolvimento de habilidades musicais, e pode, no futuro, gerar desistência dessa criança pelos estudos musicais. O apoio parental enfatiza valores motivacionais intrínsecos, enquanto o apoio extrínseco tende a diminuir a motivação intrínseca da criança. Tanto a motivação intrínseca quanto a motivação extrínseca são necessárias para sustentar o processo de aprendizado por períodos prolongados, sendo o apoio parental um importante aspecto para o sucesso do aprendizado da criança (Gottfried & Fleming, 2001). Esse apoio desempenha uma função motivacional, que é importante para persistência e envolvimento da criança na realização de tarefas complexas (Olszewski et al, 1987). 483 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Conclusão A psicologia cognitiva define expertise como a prática de desempenhar uma tarefa de forma qualitativa, relacionada ao acúmulo de conhecimento derivado de práticas elaboradas e extensivas. Um indivíduo expert pode ser definido como alguém que apresenta um alto nível em suas performances musicais. A aquisição e o refinamento do conhecimento expert demanda tempo, e essa hipótese é apoiada nas pesquisas de Ericsson, de que é necessário 10 mil horas de prática deliberada para se atingir a performance expert. Atualmente, a pesquisa sobre expertise não se limita somente à resolução de problemas. A abordagem dos estudos sobre expertise concentra-se nos processos cognitivos relacionados à aquisição do aprendizado e aos mecanismos para monitorar e controlar a estruturação desse conhecimento. Hoje as pesquisas sobre expertise trabalham com os processos de aquisição de conhecimento, com os processos cognitivos envolvidos na aquisição e mantêm foco central em entender como é desenvolvida a expertise na performance musical. O construto psicológico motivação pode ser importante para sustentar os esforços que a prática musical exige. Essa motivação pode ser desenvolvida por mecanismos internos ou intrínsecos ao indivíduo, ou por mecanismos externos ou extrínsecos ao indivíduo. A motivação parental é um importante aspecto para o início, ajudando no desenvolvimento e na sustentação da prática musical das crianças. Pode-se observar que não existe expertise sem uma combinação de fatores de motivação intrínseca e extrínseca na formação de um músico de alto nível. 484 Referências Boshuizen, H. P. A., & Schimidt, H. G. (1992). On the role of biomedical knowledge in clinical reasoning by experts, intermediates and novices. Cognitive Science, 16, 153-184. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Csikszentmihalyi, M. (1990). Literacy and intrinsic motivation. Daedalus, 119, 115-140. Chase, W. G., Simonm H. A. (1973). Perception in chess. Cognitive Psychology, 4, 55-81. Deci, E. L., Ryan, R. M. (1985). Intrinsic Motivation and Self Determination in human behavior. New York: Plenum Press. Deci, E. L., Koestner, R., & Ryan, R. M. (1999). A meta-analytic review of experiments examining the effects of extrinsic rewards on intrinsic motivation. Psychological Bulletin, 125(6), 627–668. Ericsson, K. A., Krampe, R. T., & Tesch-Römer, C. (1993). 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A pesquisa foi dividida em quatro etapas: (a) gravação de trechos musicais de trombonistas e trompetistas em que eles acreditem desencadear as emoções Alegria, Tristeza, Serenidade e Raiva a seus ouvintes; (b) descrição do código acústico empregado pelos instrumentistas em cada trecho musical; (c) exposição do material gravado a ouvintes músicos; (d) compilação de respostas emocionais dos ouvintes sobre cada trecho musical apresentado, feitas por meio de escalas de diferencial semântico (alcance 1-9), referente às emoções acima mencionadas. Os resultados indicaram um grau de acurácia semelhante na comunicação emocional entre intérprete e ouvinte para a emoção Alegria para ambos os grupos. Esta acurácia não foi encontrada para as emoções Raiva, Serenidade e Tristeza: uma análise de variância mostrou que as respostas emocionais para os trechos cuja intenção era comunicar a emoção Raiva foram distintas entre trombonistas e trompetistas. O mesmo teste mostrou confusão na acurácia da comunicação emocional dos trechos cuja intenção era comunicar Serenidade e Tristeza, especialmente nos trechos executados pelos trombonistas. Os resultados desta pesquisa foram discutidos à luz do Brunswikian Lens Model. Palavras-chave: Comunicação emocional; música brasileira; trombone; trompete. 489 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 The Emotional communication in Brazilian repertoire for trombone and trumpet Abstract: The purpose of this research was evaluating psychological processes involved in emotional communication through musical performances in pieces from Brazilian repertoire performed by trumpet and trombone players. The research was divided into four stages; (a) recording of musical excerpts performed by trombonists and trumpeters that they believed to trigger Happiness, Angry, Sadness and Serenity to their listeners; (b) description of the acoustic code employed by performers in each musical excerpt; (c) exposure of the recorded material to musicians listeners; (d) compilation of emotional responses from listeners to each musical excerpt presented, done through semantic differential scales (range 1-9), referring to the emotions above. Results indicated a similar accuracy degree in emotional communication between performer and listener referring to the emotion Happiness for both groups. This accuracy was not similar to Anger, Serenity and Sadness: an analysis of variance showed that emotional responses from excerpts whose intention was to communicate Anger were different between trombonists and trumpeters. The same analysis showed confusion in the accuracy of emotional communication for excerpts whose intention was to communicate Sadness and Serenity, especially in excerpts performed by trombonists. Results were discussed in the lights of Brunswikian Lens Model. Keywords: Emotional communication; Brazilian music, trombone, trumpet. 1. Introdução 490 Juslin e Persson (2002) definem comunicação emocional em situações às quais o performer possui a intenção de comunicar uma emoção específica ao ouvinte. A concordância entre a emoção pretendida pelo performer e a emoção percebida pelo ouvinte durante uma escuta musical é definida como acurácia da comunicação emocional (Juslin, 2001). Assim, uma comunicação acurada ocorre quando a intenção emocional expressa pelo performer é compreendida pelo ouvinte. Por esse motivo, a expressão e o reconhecimento da emoção devem ser sempre estudados de maneira integrada (Juslin & Persson, 2002). O Brunswikian Lens model, adaptado por Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Juslin (1995) é um modelo científico desenvolvido para tentar explicar os processos mentais envolvidos na comunicação das emoções musicais. Os performers expressam emoções específicas por meio de pistas acústicas (por exemplo, andamento, nível sonoro, timbre, re, articulação, entre outras). As emoções musicais supostamente são reconhecidas por ouvintes que usam o mesmo código para o julgamento sobre a intenção emocional do intérprete durante suas performances musicais. Estes processos foram estudados tot mando-se como base o repertório musical erudito europeu ocidental (Jus(Ju lin, 2001). Figura 1:: Pistas acústicas encontradas por Juslin (2001) na comunicação de emoções no repertório musical erudito ocidental. 491 A intenção emocional expressa pelo performer somada às intenções originais do compositor representam a expressão emocional de todo o conco teúdo da performance.. O conteúdo destas intenções pode ser mensurado por meio do cálculo preciso do conjunto de pistas acústicas (pedaços de informação) que são usadas por compositores e performers durante a execuexec Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ção musical (Juslin & Persson, 2002). Entretanto, segundo Juslin e Persson (2002), as pistas acústicas acima descritas dependem do instrumento utilizado em tarefas de comunicação emocional (Juslin & Persson, 2002), uma vez que cada instrumento possui ergonomia distinta, cujos gestos podem contribuir para a comunicação de diferentes emoções. O trombone e o trompete são instrumentos da família dos metais. Estes instrumentos têm sido frequentemente empregados em bandas marciais, na improvisação jazzística e em contextos musicais populares brasileiros (Tinhorão, 1998), diferentemente de outros instrumentos musicais ligados a contextos musicais eruditos europeus. O objetivo deste estudo, portanto, é avaliar os processos psicológicos que regem a comunicação das emoções em performances musicais de peças do repertório brasileiro executadas por trombonistas e trompetistas. 2. Método Experimento I Participantes: 12 participantes (6 trombonistas e 6 trompetistas) com idades entre 27 e 38 anos (média=31,5), com pelo menos 10 anos de experiência em estudos sistematizados destes instrumentos. 492 Material: o experimento foi realizado em uma sala isolada acusticamente, com tratamento acústico interno. À frente do músico havia um pedestal com um microfone da marca Behringer, modelo B-2 Pro, a interface de áudio usada era da marca M-Audio, modelo Fast Track Pro, que estava na sala técnica. Sobre uma mesa, havia quatro envelopes que continham o nome das emoções a serem representadas. A interface estava conectada ao notebook Macbook White. O software utilizado foi o Logic Pro 9. Procedimento: os participantes foram contatados com quatro semanas de antecedência e informados sobre as tarefas que deveriam executar no dia do experimento. Os participantes foram agendados individualmente, no dia e horário que melhor lhes conviesse. A cada participante era pedido que sorteasse uma emoção (por meio dos cartões dentro dos envelopes) e exe- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cutasse a música que ele acreditasse desencadear tal emoção a seus ouvinouvi tes, procedendo da mesma forma com as outras emoções. Análise de dados: um júri composto por três juízes (um trompetista, trompetis um trombonista e um pesquisador da área Cognição Musical) ouviu 40 trechos selecionados das gravações e analisou sintaticamente cada trecho, descrevendo as pistas acústicas relacionadas à estrutura trutura musical de cada trecho. 2.1 Resultados Experimento I A Figura 2 indica as pistas acústicas utilizadas nas performances dos trompetistas e trombonistas participantes do estudo: 493 Figura 2: Resumo da análise sintática dos juízes sobre os trechos musicais executados pelos trombonistas e trompetistas Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2.2 Discussão Experimento I Os resultados do presente estudo mostraram diferenças entre o código acústico descrito no Brunswikian Lens Model e o código acústico baseado nos trechos musicais dos trombonistas e trompetistas para as músicas brasileiras. Assim, novas pistas acústicas associadas à estruturas musicais relacionadas à música brasileira foram contempladas ao código acústico original descritas no modelo. Conforme a Figura 2, para a emoção Alegria, o modo e o andamento empregado foram semelhantes entre os dois grupos de instrumentos e, as diferenças aconteceram com pistas mais sutis. Segundo Dalla Bella, Peretz, Rousseau e Gosselin (2001), estas são as duas pistas mais preponderantes na comunicação das emoções musicais. Uma das características mais marcantes nas performances dos trombonistas foi o uso de ritmos tipicamente brasileiros. Neste sentido, a sincopa, presente em diversos estilos musicais brasileiros são elementos que não estão presentes no modelo apresentado por Juslin (2001). Para expressar a emoção Raiva, os trombonistas utilizaram o atonalismo, o que não aconteceu com os trompetistas, que se mostraram indecisos quanto à utilização dos modos. O andamento foi uma pista que não ficou muito bem definida para ambos os instrumentistas. Porém, houve uma tendência ao uso de andamento rápido, o que entra em concordância com código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Modeli na comunicação desta emoção. 494 Quanto à emoção Serenidade, o modo utilizado por trombonistas e trompetistas diferiu para a comunicação desta emoção: enquanto os trombonistas usaram predominantemente o modo maior, somente metade dos trompetistas empregaram este modo (a outra metade usou predominantemente modos menores). O uso das demais pistas foi semelhante para os dois grupos de instrumentistas. Para a emoção Tristeza, os grupos de instrumentistas utilizaram pistas acústicas semelhantes entre si. Tais pistas entraram em concordância com o Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Model, com exceção da dinâmica a região de frequência, em que o modelo sugere usar uma dinâmica mais branda e uma região de frequência mais grave, o que não ocorreu no presente estudo. 3. Método Experimento II Participantes: 23 participantes músicos com média de idade de 21,8 anos, matriculados em cursos de graduação da cidade de Curitiba-PR. Material: O software para a montagem, aplicação e registro dos dados do experimento foi o E-prime. Foram utilizados 40 trechos gravados no experimento I, com 20 segundos de duração cada um. Os computadores usados para a coleta de dados foram da marca Lenovo. Os trechos foram ouvidos por meio de fones de ouvido Philips modelo SHP 1900. O experimento contou com a participação de 4 a 6 participantes por sessão. Procedimento: após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da UFPR, os participantes recebiam as instruções: “Vocês escutarão alguns trechos musicais e, após a escuta de cada trecho, atribuirão notas de 1 (pouca emoção avaliada) a 9 (forte presença da emoção avaliada) em relação às emoções que perceberem durante a escuta. Os números entre 2 e 8 significavam nuances entre um extremo e outro da escala. Todos os trechos musicais serão avaliados em quatro escalas emocionais, sendo elas: Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza. Após o término da tarefa, vocês responderão um questionário complementar. Podemos começar?”. A ordem de apresentação das escalas emocionais e dos trechos musicais foi randomizada entre os participantes, que levaram, em média, 25 minutos para o término do experimento. Análise de dados: O teste ANOVA foi empregado para comparar as médias dos julgamentos emocionais dos trechos musicais seguindo o design experimental 2 (instrumentos) x 4 (emoções). Um post-hoc Newman Keuls fez uma análise pareada entre grupos. 495 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3.1 Resultados experimento II A Figura 3 indica as médias das respostas emocionais dos ouvintes em relação aos trechos musicais gravados no Experimento I por trombonistas e trompetistas para comunicarem emoções específicas. Figura 3: Médias das respostas emocionais (alcance 1-9) dos ouvintes em relação aos trechos musicais gravados no Experimento I por trombonistas e trompetistas para comunicarem emoções específicas. Após a aplicação do teste ANOVA, não foram encontradas diferenças estatísticas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Alegria. Este resultado sugere uma alta acurácia na comunicação entre performer e ouvinte referente a esta emoção, para ambos os instrumentos. 496 Após a aplicação do teste ANOVA, diferenças estatísticas foram encontradas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Raiva (F=6,705; p=0,000208). Este resultado sugere que o grau de acurácia na comunicação da emoção Raiva foi diferente entre trombonistas e trompetistas. Além disso, o post-hoc Newmann Keuls não indicou diferenças entre as médias dos julgamentos das emoções Alegria e Raiva para os trechos referentes a emo- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ção Raiva executados ao trompete, indicando que os trompetistas tiveram uma acurácia menor do que os trombonistas no processo de comunicação emocional. Para os trechos referentes à emoção Serenidade, o teste ANOVA não indicou diferenças estatísticas entre as médias das respostas emocionais dos ouvintes entre os trechos executados por trombonistas e trompetistas. O post-hoc Newmann Keuls não apresentou diferenças entre as médias das respostas emocionais das emoções Serenidade e Tristeza para os trechos gravados no trombone com a intenção de comunicar Serenidade, indicando que os trombonistas comunicaram a emoção Serenidade de maneira confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo tristes). O teste ANOVA não indicou interação entre instrumento e emoção para os trechos referentes à emoção Tristeza. O post-hoc Newmann Keuls não apresentou diferenças entre as médias das respostas emocionais das emoções Tristeza e Serenidade para os trechos executados ao trombone com a intenção de comunicar Tristeza, indicando que os trombonistas comunicaram esta emoção de maneira confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo serenos). 3.2 Discussão experimento II De modo geral, ambos os instrumentos conseguiram comunicar a emoção Alegria aos seus ouvintes. Tal emoção apresentou os resultados mais consistentes e homogêneos em comparação às outras emoções. Os resultados referentes aos trechos representantes da emoção Raiva indicaram que houve diferença entre os trombonistas e trompetistas no processo de comunicação emocional: os trechos executados pelos trombonistas apresentaram scores mais altos que aqueles executados pelos trompetistas. Além disso, houve confusão por parte dos ouvintes entre a compreensão das emoções Raiva e Alegria nos trechos referentes à Raiva executa- 497 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 dos pelos trompetistas. Isso indica que a emoção Raiva foi comunicada de maneira mais acurada pelos trombonistas. Para os trechos em que os performers tinham a intenção de comunicar a emoção Serenidade, os resultados indicaram que não houve diferença entre os scores de trombonistas e de trompetistas, mas houve uma confusão por parte dos ouvintes no que tange a compreensão dessa emoção. Os trompetistas foram mais eficazes no processo de comunicação da emoção Serenidade. Os resultados referentes a emoção Tristeza indicaram que houve diferença entre as médias das respostas emocionais dos ouvintes entre os trechos executados no trombone e no trompete. Trechos executados no trompete obtiveram scores maiores nas respostas emocionais do que os trechos executados pelos trombonistas para tal emoção. Além disso, houve confusão na compreensão dos ouvintes entre as emoções Tristeza e Serenidade, indicando que os trompetistas foram mais eficazes no processo de comunicação emocional de Tristeza. 4. Conclusão 498 De modo geral, parece haver duas pistas acústicas que são fundamentais e determinantes no processo de comunicação emocional: o andamento e o modo. As outras pistas, consideradas mais sutis, podem atenuar ou acentuar as emoções intencionadas pelos intérpretes na comunicação emocional com seus ouvintes. O uso de elementos não contemplados pelo código acústico do Brunswikian Lens Model (ritmos brasileiros e a síncope) não afetou o julgamento emocional dos ouvintes. Isso mostra que a música brasileira pode contribuir para uma ampliação do modelo em que esta pesquisa foi baseada. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 5. 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São Paulo: Editora 34. 499 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Relação entre pontos de referência e tipos de memória no processo de memorização do Estudo nº 7 para violão de Heitor Villa-Lobos Nery Borges [email protected] Universidade Federal de Goiás - UFG Werner Aguiar [email protected] Universidade Federal de Goiás - UFG [email protected] Resumo: Neste artigo, abordamos a relação entre os diferentes pontos de referência e os tipos de memória empregados na memorização musical no Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos para violão solo. Após a análise da partitura e leitura da obra ao instrumento foram mapeados os pontos de referência pelos seguintes aspectos: estrutural, expressivo, interpretativo e básico. Estes foram relacionados com as memórias analítica, visual, auditiva e sinestésica na medida em que mantém maior ou menor grau de afinidade. Os pontos de referência foram determinados e classificados com base na bibliografia apresentada no decorrer do texto e na auto observação do intérprete durante a preparação da obra para a performance pública. A relação com os tipos de memória foi feita buscando eleger o canal de percepção que desempenha maior influência na memorização dos determinados pontos de referência. Palavras-Chave: pontos de referência, canais de percepção musical, memorização do Estudo nº 7 de Villa-Lobos, tipos de memória 500 Relationship Between Reference Points and Types of Memory in the Process of memorization Study No. 7 for Guitar by Heitor VillaLobos Abstract: In this article, we discuss the relationship between different landmarks and the memory types used in memorizing the Study No. 7 by Heitor Villa-Lobos for solo guitar. After the score analysis and reading the work on the instrument we mapped reference points based on the following aspects: structure, expressiveness, interpretation and basic technical or Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mechanical features. These were related with analytical, visual, auditory and kinesthetic memories as they maintain greater or lesser degree of affinity. The landmarks were determined and classified based on the literature presented throughout the text and the interpreter self observation during preparation for public performance. The relationship with types of memory was made by seeking to elect the channel that perception plays a greater influence on memorization of certain landmarks. Keywords: landmarks, channels of music perception, memorization of Study No. 7 by Heitor Villa-Lobos, memory types 1. Introdução A motivação deste artigo vem do desejo de racionalizar o processo de memorização de uma obra a fim de tornar possível seu enraizamento na memória de maneira perspicaz e de garantir o fluxo da performance. A prática da performance musical de memória é recorrente entre os performers concertistas na atualidade, na qual o solista executa a obra sem o auxílio da partitura tendo apenas a memória como referência durante a performance. Mas esta prática, embora habitual entre os solistas, não é uma tarefa fácil, pois, de acordo com Chaffin (2009), exige organização e reflexão do intérprete durante a preparação da obra. Portanto, o desenvolvimento de estratégias de memorização através da elaboração de sistemas de recuperação de informações é ponto fundamental na preparação do repertório, sendo assimilados por diferentes canais de retenção de informações, sejam eles sensoriais ou intelectuais. Independentemente dos canais de percepção utilizados, quanto identificamos o caminho a ser trilhado para uma memorização efetiva, mais fácil será o processo de recordação. Logo nos primeiros contatos com a obra, nossa mente inicia um processo de reconhecimento e armazenamento de informações referentes aos dados que a constituem. Essas informações são percebidas por diferentes tipos de memória que se somarão para a maturação da obra, tornando possível a performance. 501 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Autores como Kaplan (1987), Provost (1992) e Williamon (2002) afirmam que a memorização musical é baseada em quatro tipos de memórias: memória visual, imagem da partitura e tudo que pode ser visualizado durante o estudo (movimentos e posturas de dedos, mãos e braços); memória auditiva, responsável por reter os sons; memória sinestésica, parte mecânica da performance e que memoriza os movimentos físicos; memória lógica, intelectual ou analítica, responsável pelo entendimento da estrutura da obra, além de realizar a interação entre as memórias sensoriais. Os pesquisadores Gordon (2006), Hughes (como citado em Williamon, 2002) e Fernández (2000) apresentam a seguinte divisão no treinamento da memória: visual, sinestésica e auditiva. Estas são chamadas de memórias sensoriais e podem ser trabalhadas separada ou concomitantemente a fim de se obter uma memorização satisfatória. De acordo com Provost (1992), nem sempre os estudantes utilizam todos os canais de percepção no processo de memorização da obra, gerando insegurança e possíveis lapsos de memória durante a performance. Ele reforça que muitos estudantes igualam memorização com a repetição de uma parte ou seção até conseguir tocar sem o uso da partitura, fator que nem sempre funciona, deixando o intérprete vulnerável a possíveis lapsos de memória. 502 Além do uso dos sentidos na memorização, Chaffin e Logan (2006) e Ginsborg (2004) acreditam que é fundamental conhecer os limites estruturais e os elementos composicionais que constituem a obra. Para tal é necessário que o intérprete realize uma fragmentação da mesma, seja por sinais expressivos, por aspectos interpretativos, por elementos composicionais ou até mesmo por dificuldade técnica, formando assim suas próprias ideias e conceitos. As divisões estabelecidas durante a análise prévia da obra geram pontos de apoio para a memória, que neste texto os chamaremos de pontos de referência. Chaffin e Logan (2006) abordam alguns pontos de referência para a recuperação do fluxo da obra. Este recurso permite que o instrumentista mantenha o foco e a concentração durante a execução da obra. Os pontos de referência servem como “marcos” criados pelo intérprete e permitem Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 que ele se localize pela sua disposição no decorrer da performance. Estes pontos podem ser: estruturais, relacionados à estrutura da obra; expressivos, caracterizados pelas mudanças de caráter da obra, como andamento, dinâmica ou textura; interpretativos, locais onde o intérprete precisa manter especial atenção, devido a suas escolhas interpretativas; básicos, aspectos técnicos e mecânicos da obra. A identificação destes pontos e sua classificação é importante ferramenta no enraizamento da obra a partir da sistematização de um mapa mental dos passos a serem trilhados. Os pontos de referência se constituem assim em suporte para que não ocorram eventos não planejados e involuntários, bem como lapsos de memória durante a performance. Estratégias eficientes de memorização empregam múltiplas memórias e sua coincidência a pontos de referência permitem o mapeamento da obra por meio de diferentes canais de retenção de informações, visto que cada ponto de referência pode ter uma maior afinidade com um tipo específico de memória. O mapeamento dos diferentes pontos facilitará a recordação efetiva da obra (Chaffin, 2009). Com base nos autores relacionados acima levantamos as seguintes questões: como identificar pontos de referência para o mapeamento de uma obra? Como relacionar esses pontos com os tipos de memória? Quais as contribuições destas relações? Nosso objetivo é estabelecer a relação entre diferentes pontos de referência responsáveis pelo mapeamento mental do Estudo nº 7 de Heitor VillaLobos e os tipos de memórias envolvidos em seu processo de memorização. Para isso foi realizado o mapeamento da obra com o intuito de estabelecer os pontos de referência estruturais. O segundo passo foi identificar alguns pontos de referências expressivos, interpretativos e básicos. Todos os pontos foram relacionados aos tipos de memória ou canais de retenção de informações que possuem maior relação para o processo de memorização e fluxo da obra. Portanto, a cada ponto de referência, nos cabe avaliar quais 503 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 são suas particularidades e como eles podem contribuir para o mapeamento e execução da obra. 2. Pontos de referência 2. 1. Pontos de referência estruturais Os pontos de referência estruturais são definidos pela estrutura formal da peça. Para Ginsborg (2004) esta forma de mapear a obra envolve uma visão geral da mesma, desde pequenos elementos geradores como motivos e incisos até frases, seções, modulações, ritornelos e outros aspectos da estrutura formal. Na maioria das vezes estes pontos tem maior afinidade com a memória analítica, por mapearem a obra morfologicamente. Gráfico 1: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Pontos de referência estruturais. 504 O gráfico acima nos fornece informações estruturais do Estudo nº7, com o intuito de mapear a obra para a memorização. Deste modo, estabelecemos os pontos de referência estruturais coerentemente às divisões da obra em Trechos (T) (que podem ou não coincidir com a morfologia fraseológica) e Seções (S). A delimitação de cada divisão deve ser compreendida como um ponto de referência. Os três últimos compassos não caracterizaram uma seção, mas a coda, a qual pode ser tratada em si mesma como um ponto de referência. O gráfico demonstra um total de 12 pontos de referências de caráter estrutural e se constitui como um panorama geral da obra para a memorização Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. 2. Pontos de referência expressivos Envolvem todos os pontos que definem uma mudança na expressividade da obra, ou seja, aqueles pontos em que a obra apresenta diferenças de dinâmica, andamento, nuances timbrísticas e agógica. Estes pontos são definidos através da interpretação de sinas e indicações presentes na partitura. A obra estudada apresenta algumas indicações de intensidade, por exemplo, o crescendo do c. 3. Outros de andamento, como podemos ver nos compassos 30, 32 e 54, onde o compositor usa a expressão allarg. Porém, voltamos nossa atenção a pontos de relevância para o mapeamento mental do performer na sua concepção musical, aqueles que constituem um ponto estratégico, demonstrando um caráter musical completamente diferente do que vinha sendo executado. Há três pontos que denotam um nível mais intenso de atenção e coincidem com o início das grandes seções. Eles apresentam mudanças de andamento e caráter da seção, constituindo-se assim em pontos de referência expressivos. Na grande seção A, a expressão Très Animé, aparece sobre o primeiro compasso indicando que o compositor deseja um caráter bastante movimentado em toda a seção. Para a grande seção B que inicia no c. 13 o compositor sugere algo mais lírico e cantabile, com menos animação através da expressão Moins. A Seção C apresenta a indicação Piu mosso, sobre o c. 41, indicando que o andamento adquire um caráter bem mais rítmico, aliás como demonstra a própria figuração. Seção A: 505 Seção B: Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Seção C: Ex. 1: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Compassos iniciais das três Seções O material musical diferente em cada seção contribui para sua respectiva caracterização. Na Seção A, os movimentos escalares e as progressões ascendentes em bordaduras contribuem com caráter muito animado, sugerido pelo compositor. A Seção B, além de possuir a expressão acima ilustrada, também possui uma textura homofônica, com a melodia, primeiro na voz superior e posteriormente na voz inferior. O compositor tem o cuidado de demonstrar esta hierarquia através da direção das hastes e da acentuação. Este caráter propicia ao intérprete maior liberdade de expressão, não exigindo um ritmo tão vigoroso. Já o material da Seção C nos transmite visualmente um caráter rítmico e vigoroso do que as outras duas seções, reforçado com a expressão presente em seu inicio. Portanto, esses pontos de referência expressivos se conjuntam aos principais pontos de referência estruturais e com a memória visual (sinais de expressão e figuração). Desse modo, tornam mais evidente e marcante a apreensão dos trechos e consequentemente, facilitam a memorização, assim como a manutenção do controle consciente da execução. 506 2. 3. Pontos de referência interpretativos Os pontos de referência interpretativos são aqueles pontos da obra em que o intérprete escolhe para ressaltar alguns aspectos importantes da obra. Estes são por ele deliberados na construção de sua performance com o intuito de atingir o resultado sonoro desejado para um determinado trecho. Nem sempre a partitura apresenta todas as informações necessárias para Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 interpretação. Nesse caso, o intérprete realiza suas próprias escolhas interpretativas. Estas podem envolver diferentes aspectos tais como: fraseado, mudanças de timbre, agógica, microdinâmica, entre outras variáveis. Para ilustrar pontos de referência interpretativos no Estudo nº 7, usaremos o primeiro sistema da Seção B, primeiro expondo a versão original, sem anotações e posteriormente o mesmo trecho com anotações decorrentes das escolhas musicais feitas durante a preparação da obra. Ex. 2: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Início da Seção B, primeiro com notação original e depois com anotações do intérprete. As anotações realizadas no exemplo acima remetem a escolhas interpretativas do performer e demonstram o resultado discursivo que pretende imprimir ao trecho. Estas escolhas podem aparecer anotadas ou simplesmente estarem enraizadas na memória após a prática do trecho por algumas vezes, sempre atento à concatenação do sentido discursivo do trecho a ser ouvido, o que nos leva a crer que o mapeamento destes pontos de referência se constituem na conjunção dos aspectos estruturais decisivamente sustentados pela memória auditiva. 2. 4. Pontos de referência básicos Estes pontos se situam em trechos da obra que apresentam dificuldades técnicas, os “pontos críticos” no processo de elaboração da performan- 507 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ce. São marcados como pontos de referência básicos, os trechos em que o intérprete precisa dedicar atenção para resolver um determinado problema técnica, seja ele caracterizado por um salto de mão esquerda, uma escala rápida, um trinado constante, um arpejo rápido ou qualquer demanda técnica que dificulte a execução do trecho. No Estudo nº 7, encontramos alguns pontos que merecem devida atenção e que servem como exemplos de pontos de referência básicos. Logo na Seção A, podemos encontrar momentos de difícil resolução técnica, por exemplo, os movimentos escalares dos compassos 1, 5 e 11. Estes são caracterizados por escalas descendentes que vão da corda mais aguda à corda mais grave do instrumento, exigindo atenção do performer durante a execução, devido às dificuldades técnicas que apresenta, tais como a troca de corda com velocidade, clareza e sincronia entre as mãos etc. Ex.3: c. 1 do Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Ponto de referência básico. 508 Outro momento que merece à atenção do performer, por apresentar complexa passagem técnica, é o trecho entre os cc. 46-54. Este apresenta trinados executados na primeira corda enquanto o dedo 1 mantém uma meia pestana que se desloca por diferentes posições do braço do instrumento através de saltos. Para ilustrar esta passagem utilizaremos como exemplo o trecho entre os cc. 51-55, por apresentar os trinados de maneira mais intensa. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ex. 4: cc. 51 -55 do Estudo nº 7 de Villa-Lobos. Ponto de referência básico. Os pontos aqui mencionados caracterizam ponto de referência básico por advirem da complexidade de execução. Estes pontos exigem mais tempo de dedicação do intérprete ao instrumento para que possam ser executados devidamente. Portanto, usa a memória sinestésica como principal canal de retenção de informações, baseando-se na repetição e treinamento mecânico. 3. Considerações Finais Através do estudo analítico e reflexivo observamos que cada diferente ponto de referência implica em maior afinidade com um tipo de memória específico, tornando fundamental ao papel do performer em dar o tratamento adequado a esta associação no processo de memorização de uma nova obra. Também ressaltamos que a interação entre os dois aspectos da memorização musical discutidos neste artigo são ferramentas que contribuem para o entendimento e desenvolvimento de padrões conscientes de abordagem da performance de memória fazendo com que o intérprete focalize sua atenção nos respectivos aspectos. Destaca-se assim a importância de praticar estes aspectos para que sejam contornadas no palco possíveis situações de “embaraço”. A utilização de diferentes canais de retenção de informação viabilizará a performance de memória bem sucedida. Para finalizar, devemos lembrar que a intenção desta reflexão não é enfocar um tipo de memória e anular as outras, mas sim levar em 509 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 consideração a conjunção de diferentes pontos de referência para tornar mais claras as decisões e as razões de determinado ponto requererem atenção na caracterização de marcos de suporte para a execução. Referênciais Chaffin, Roger; Logan, Topher. (2006). Practicing perfection: How concert soloists prepare for performance. Advances in Cognitive Psychology. v.2 n. 2-3 (pp. 113-130). Chaffin, Roger; Lisboa, Tânia; Logan, Topher; Begosh, Kristen T. (2009). Preparing for memorized cello performance: The role of performance cues. Psychology of Music. v.38 n.2 (p. 1-28). Fernández, Eduardo. (2000). Técnica, mecanismo y aprendizaje: Una invetigación sobre como llegar a ser guitarrista. Uruguay, Ediciones ArtMontevideo. Ginsborg, Jane. (2004). Strategies for memorizing music. In A. Williamon. Musical excellence: Strategies and techniques to enhance performance (123142). Oxford. Oxford University Press. Gordon, Stewart. (2006). Mastering art of performance: A primer for Musicians. New York: Oxford University press, Inc. Kaplan, José Alberto. (1987). Teoria da aprendizagem pianística: Uma abordagem psicológica. Porto Alegre: Editora Montevideo. 510 Provost, Richard. (1992). The art and technique of practice. San Francisco: Guitar solo publications. Villa-Lobos, Heitor. (1953). Estudo nº 7. 12 Estudos para Violão. M.E 9333. Pariz. Max Eschig. Williamon, Aaron. (2002). Memorizing music. In. Rink, John. Musical performance: a guide to understanding. Cambridge: Cambridge university press. (pp. 113-126). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para Percepção Musical no ensino superior Pablo da Silva Gusmão [email protected] Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Josemar Dias [email protected] Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Resumo: Segundo pesquisas recentes, os alunos de cursos superiores de música tendem a perceber a disciplina de Percepção Musical como especialmente desafiadoras. Essa avaliação da própria capacidade para a realização de tarefas é descrita pelo construto da autoeficácia, e pode ser essencial para identificar problemas relacionados com a motivação e a autorregulação para aprendizagem acadêmica. Elaboramos e validamos uma escala psicométrica para a mensuração das crenças de autoeficácia específicas para percepção musical. A escala apresentou índices muito bons de confiabilidade, e a análise de componentes principais comprovou a hipótese inicial de que o construto é composto de subconstrutos específicos. Palavras-chave: percepção musical, crenças de autoeficácia, escalas psicométricas Development and validation of a self-efficacy scale for aural skills in college level Abstract: According to recent research, college students majoring in music tend to see Aural Skill classes as particularly challenging. This judgment of self-capacity for task performance is described by the self-efficacy construct, and it can be essential to identify problems related to academic motivation and self-regulation of learning. We developed and validated a psychometric scale for measuring the self-efficacy beliefs that are specific to aural skills. The scale resulted in a good reliability index, and the principal component analysis confirmed the initial hypothesis that the construct is composed of specific subconstructs. Keywords: aural skills, self-efficacy beliefs, psychometric scales 511 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 1. Introdução O ensino de Percepção Musical vem sendo investigado nos últimos anos, e algumas pesquisas apontam conclusões em comum: Otutumi (2008) havia observado que 60% dos professores entrevistados, os quais ministravam esta disciplina em cursos superiores de música de universidades brasileiras, acreditavam que os alunos apresentam dificuldades por não terem tido boa formação de base anterior (Otutumi, 2008, p. 10). Em uma pesquisa qualitativa, Gusmão aponta que nenhum dos alunos entrevistados havia estudado solfejo ou ditado antes de ingressarem no curso superior de música (Gusmão, 2011, p. 126). Muitas vezes, a disciplina passa a ser vista pelo aluno como um obstáculo difícil de ser vencido, agravado pela percepção negativa que seus próprios colegas fazem da matéria, e assim perpetuando um ciclo de preconceito e evasão do estudo da percepção musical. Desse modo, não é surpreendente que os alunos apresentem crenças negativas quanto à suas capacidades de aprenderem e desenvolverem habilidades perceptivas, e que essas crenças influenciem a motivação para o estudo, uma vez que os “estudantes que acreditam que irão experimentar muita dificuldade compreendendo a matéria estão propensos a ter um baixo sentido de eficácia para sua aprendizagem” (Schunk, 1991, p. 9). 512 Esta pesquisa buscou elaborar e validar uma escala psicométrica, projetada para mensurar as crenças de autoeficácia para a disciplina de percepção musical. A autoeficácia diz respeito “às crenças que as pessoas têm em suas capacidades de atingir certos objetivos” (Bandura, 1997) e os objetivos, nesse caso, podem ser muito variados, pois a disciplina é complexa, e envolve diversas sub-habilidades (solfejo, ditado melódico ou harmônico, leitura rítmica, etc.), para as quais o aluno pode ter diferentes crenças. Nossa hipótese era a existência de um construto psicológico que refletisse as crenças de autoeficácia para a realização de atividades envolvidas nas disciplinas de percepção musical. Partimos do princípio de que mesmo que tal construto pudesse ser medido de uma forma consistente, ele deveria Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 permitir sua decomposição em construtos de domínios mais específicos. Ilustrativamente, um aluno pode ter uma forte crença de autoeficácia para a leitura e execução rítmica (se vem utilizando a leitura na sua prática instrumental há anos), mas não ter confiança na sua capacidade de compreender uma melodia escutada a ponto de escrevê-la (por falta de orientação ou prática na formação musical). Desta forma, acreditamos que o construto seja composto das crenças de autoeficácia para conjuntos de habilidades específicas relacionadas a, por exemplo, melodia, harmonia, ritmo, ou até mesmo discriminação de unidades elementares e descontextualizadas, como intervalos ou acordes isolados. 2. Instrumentos de coleta de dados e participantes Os participantes foram 67 alunos matriculados nos cursos de música de uma universidade pública da região sul que ainda não haviam concluídos as quatro disciplinas de Teoria e Percepção Musical. Destes, 55 estavam cursando as disciplinas de percepção de segundo e quarto semestre, enquanto os outros nove haviam reprovado em uma disciplina de semestre ímpar e estavam aguardando para refazê-la no semestre seguinte, e três deveriam estar cursando a disciplina, mas não haviam se matriculado. Segundo Bandura (2006), os itens na escala de eficácia devem refletir o construto investigado e estar relacionados à capacidade percebida, construídos de modo a questionar aquilo que o aluno acredita que consegue realizar. As respostas devem registrar a força de suas crenças de eficácia em uma escala que vai da completa incapacidade a um número que representa a força máxima (escala likert). Além disso, as instruções devem estabelecer o contexto particular de cada domínio, para que os respondentes julguem suas capacidades no momento presente, e não suas capacidades potenciais futuras. A escala de autoeficácia elaborada nesta pesquisa continha 20 itens a serem respondidos circulando o número correspondente, de 1 a 7, ao grau de confiança para realização da tarefa. Quatro subescalas foram elaboradas: 513 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 a) Compreensão/execução melódica (envolvendo questões relacionadas a solfejo e ditado melódico); b) Compreensão harmônica (envolvendo questões relacionadas a ditado harmônico e reconhecimento de funções harmônicas em uma progressão); c) Discriminação de elementos isolados (envolvendo o reconhecimento de intervalos, tipos de acordes, etc.); e d) Leitura e execução rítmica (a uma e a duas vozes). Abaixo estão os itens que compunham cada subescala, juntamente com seu código abreviado. A instrução no início da página era: “Responda numa escala de 1 a 7 o quanto você se sente CONFIANTE para realizar as atividades abaixo”. As questões foram ordenadas aleatoriamente segundo a numeração indicada: Subescala de compreensão/execução melódica: 514 1 – Cantar com precisão uma escala menor harmônica no seu registro vocal (M1.escala menor); 5 – Ouvir uma melodia tonal de quatro compassos no mesmo grau de dificuldade da sua última prova de ditado e escrevê-la (M2.ditado tonal); 9 – Cantar com precisão uma escala de tons inteiros no seu registro vocal (M3.tons inteiros); 14 – Solfejar, à primeira vista, uma melodia em modo maior semelhante a da sua última prova (M4.solfejo maior); 15 – Reconhecer auditivamente se a nota mais aguda de um acorde é a fundamental, a terça ou a quinta (M5.nota aguda); 18 – Solfejar, à primeira vista, uma melodia em modo menor semelhante a da sua última prova (M6.solfejo menor); Subescala de compreensão harmônica: 10 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e anotar os graus em numerais romanos (H1.graus); 12 – Ouvir uma progressão harmônica de quatro acordes e identificar a função de dominante (H2.dominante); Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 13 – Ouvir uma progressão harmônica de quatro acordes e identificar a função de predominante (H3.predominante); 16 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e escrever a voz da soprano (H4.soprano); 17 – Ouvir uma melodia de 12 compassos e reconhecer se ela terminou na mesma tonalidade que começou (H5.tonalidade); 19 – Ouvir uma progressão harmônica de 8 acordes e identificar quais exercem as funções de predominante e dominante (H6.funções); 20 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e escrever a voz do baixo (H7.baixo); Subescala de discriminação de elementos isolados: 2 – Reconhecer uma série de 10 intervalos melódicos ascendentes até uma oitava (E1.ascendente); 4 – Reconhecer uma série de 10 intervalos harmônicos até uma oitava (E2.harmônico); 6 – Reconhecer com precisão os tipos de 10 acordes (E3.acordes); 8 – Reconhecer uma série de 10 intervalos melódicos descendentes até uma oitava (E4.descendente); Subescala de leitura e execução rítmica: 3 – Executar, à primeira vista, uma leitura rítmica no mesmo grau de dificuldade do ritmo da melodia de “parabéns a você” (R1.parabéns); 7 – Executar, à primeira vista, uma leitura rítmica a uma voz, com quatro compassos semelhantes a das suas últimas provas (R2.uma voz); 11 – Executar, à primeira vista, uma leitura a duas vozes, com quatro compassos semelhantes a das suas últimas provas (R3.duas vozes); 515 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3. Confiabilidade da escala Seguindo a orientação de Bandura (2006), testamos a confiabilidade da escala, ou seja, sua consistência interna (calculando o coeficiente α de Cronbach), e obtivemos um coeficiente α=0,938, sendo que os níveis aceitáveis são os que estão acima de 0,70. Os coeficientes α de Cronbach, para as subescalas de compreensão harmônica, discriminação de elementos isolados, compreensão/execução melódica e leitura e execução rítmica foram, respectivamente, α=0,928, α=0,849, α=0,879 e α=0,785. A subescala para leitura e execução rítmica apresentou o α mais baixo, e a análise demonstra que existe uma questão que mais interferiu negativamente neste valor. O valor do α seria 0,860 se a questão relativa a “executar à primeira vista um trecho com dificuldade semelhante a parabéns a você” fosse eliminada do questionário. Esta discrepância pode ser compreendida, pois a questão se refere a um nível absoluto de dificuldade, o qual pode não representar um desafio para turmas mais avançadas. Uma vez que turmas de diferentes semestres foram observadas, é possível que a resposta a esse item não correlacione com a confiança dos alunos para atividades cuja dificuldade percebida remetia à última prova realizada, pois as turmas mais avançadas não veem esta tarefa com o mesmo nível de desafio do que suas últimas avaliações. 4. Validade da escala 516 Testamos a validade da escala, realizando uma análise de componentes principais com rotação oblimin direto. Para definir se as subescalas eram apropriadas para uma análise fatorial, dois testes estatísticos foram empregados. O primeiro é o teste de esfericidade de Bartlett, que examina a interindependência das escalas. O teste de Bartlett, χ2(190)=1024,35 com p<0,001, indicou que a correlação entre os itens era grande o suficiente para uma análise de componentes principais. O segundo teste é a medida de Kaise-Meyer-Olkin (KMO), que examina se o tamanho da amostra é adequado. A medida KMO deve estar acima de 0,5 e o valor obtido para a esca- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 la de autoeficácia para percepção musical foi de 0,86, demonstrando que a amostra era adequada. A rotação empregada foi do tipo oblíqua, oblimin direto, pois a hipótese pressupunha um certo grau de correlação entre os componentes (a autoeficácia para compreensão melódica pode influenciar na autoeficácia para compreensão harmônica, e vice-versa, por exemplo). A análise de componentes principais resultou, com a regra Kaiser, em quatro componentes, os quais explicam 72,34% da variância total (Tabela 1). Ao verificar as questões com maiores carregamentos para cada componente, verificamos que estes se alinham exatamente às subescalas elaboradas. Este resultado é de extrema importância para a área, pois sugere fortemente a possibilidade de mensuração das crenças de autoeficácia para percepção musical, enquanto demonstra que estas crenças são suficientemente discrimináveis para cada sub-habilidade envolvida. Componente 1 2 3 4 H2.dominante ,908 ,045 -,102 ,120 H3.predominante ,900 -,098 -,158 ,109 H6.funções ,894 -,078 -,037 -,035 H1.graus ,733 -,253 ,060 ,021 H7.baixo ,693 ,025 ,206 -,032 H4.soprano ,616 ,030 ,465 -,106 H5.tonalidade ,592 ,081 ,330 ,048 E1.ascendente ,202 -,839 -,002 -,068 E2.harmônico ,017 -,835 ,122 ,017 E4.descendente -,014 -,780 ,187 ,088 E3.acordes ,168 -,529 -,142 ,506 M4.solfejo maior -,019 ,087 ,818 ,221 M6.solfejo menor ,041 ,183 ,795 ,262 M1.escala menor ,079 -,160 ,687 -,041 M3.tons inteiros ,035 -,268 ,643 -,022 M2.ditado ,036 -,285 ,635 ,009 M5.nota aguda ,290 -,216 ,522 -,040 517 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 R3.duas vozes -,049 -,155 ,065 ,862 R2.uma voz -,033 -,053 ,245 ,810 R1.parabéns ,248 ,228 ,019 ,591 Tabela 1 – Análise de componentes principais: carregamento de fatores após rotação oblíqua 5. Os escores de autoeficácia Os valores específicos obtidos pelas respostas dos alunos claramente dependem das características de cada turma observada. Fatores relacionados à formação musical de cada pessoa podem ter efeitos diferentes sobre a confiança do aluno para a realização das várias atividades relacionadas à percepção musical. Nas turmas investigadas nesta pesquisa, constatamos que a confiança dos alunos era maior para atividades relacionadas à leitura e execução rítmica (Tabela 2). Parece natural que assim seja, uma vez que o aspecto rítmico da leitura da partitura está presente no estudo do instrumento, enquanto a audiação musical, ou seja, o processo de audição interior com compreensão musical, talvez não seja vista como tão necessária, ou não seja encorajada em aulas de instrumento durante a iniciação musical. 518 Em segundo lugar está a confiança para a discriminação de elementos isolados. Esta atividade é, provavelmente, a menos musical entre as que foram investigadas, pois trata do reconhecimento de relações elementares praticamente desprovidas de significação musical. Entretanto, o índice de confiança dos alunos para esta tarefa foi o segundo mais alto, talvez por ser uma atividade relativamente mais fácil de ser praticada. Afinal, existem inúmeros softwares para o treinamento repetitivo de identificação de intervalos. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Média 5,16 4,42 4,89 5,37 4,96 Discriminação de elementos isolados Compreensão/execução melódica Compreensão harmônica Leitura e execução rítmica Média de todas as subescalas Desvio padrão 1,13 1,32 1,36 1,25 1,02 Tabela 2 – Médias dos escores de autoeficácia As atividades relacionadas à compreensão e execução melódica e harmônica, que são mais complexas e ricas em significado musical, são as que tiveram índices de confiança mais baixo. Esta complexidade provavelmente tem parte nesse resultado, assim como a relativa falta de familiaridade com a atividade. Muitas vezes, o contato musical que inicia em escolas de música ou com professores particulares é bastante focado à técnica instrumental, e o desenvolvimento da leitura da partitura se concentra em aspectos imediatamente necessários ao instrumento, deixando o desenvolvimento da audiação em segundo plano. Família de instrumento Discriminação de elementos isolados Compreensão/execução melódica Compreensão harmônica Leitura e execução rítmica Média de todas as subescalas Arco Sopros Teclado Percussão Violão/guitarra Canto 5,15 5,06 5,31 5,06 5,25 5,25 4,69 4,29 4,87 3,92 4,10 4,89 5,30 5,04 5,32 3,64 4,74 5,00 5,42 5,92 5,74 6,67 4,88 5,67 5,14 5,08 5,31 4,82 4,74 5,20 Tabela 3 – Médias dos escores de autoeficácia por família de instrumento 519 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 De fato, alguns resultados demonstram a relação entre o tipo de instrumento estudado e as crenças de autoeficácia para atividades específicas de percepção musical. A Tabela 3 mostra, por exemplo, que alunos de canto têm maior confiança para atividades de compreensão e execução melódica enquanto alunos de teclado se sentem mais confiantes para atividades relacionadas à compreensão harmônica. Alunos de percussão possuem confiança drasticamente maior para atividades de leitura e execução rítmica do que para atividades de compreensão melódicas ou harmônicas. Talvez estes resultados demonstrem, para os educadores musicais e professores de instrumento ao nível de iniciação musical, a importância de uma educação musical integrada, que desenvolva a inteligência musical como um todo ao invés de apenas habilidades técnicas instrumentais. 6. Considerações finais A escala das crenças de autoeficácia para percepção musical elaborada nesta pesquisa demonstrou-se altamente consistente e válida para a medição dos construtos de interesse. A análise fatorial corroborou a hipótese de que existem crenças de autoeficácia específicas para habilidades distintas relacionadas à percepção musical, mas que são de todo modo, integradas em um construto maior, o da autoeficácia para percepção musical. 520 Entretanto, a escala ainda precisa ser ajustada e alguns itens reformulados. Em particular, existe o problema do nível de dificuldade absoluto versus relativo. Bandura (2006) ressalta que as questões devem apontar para tarefas desafiadoras. Itens que focam em um nível absoluto (como a questão do ritmo de parabéns a você) criam demasiada especificidade, o que impede a generalização da crença investigada para uma habilidade geral. Por outro lado, as questões que envolvem níveis relativos de dificuldades estão formuladas com base no contexto acadêmico da disciplina, ou seja, apontando à dificuldade de provas anteriores. É necessário buscar formulações que consigam transcender o contexto acadêmico, de modo a permitir a investigação das crenças de autoeficácia de percepção musical em popula- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 ções de músicos que não estão, necessariamente, cursando a disciplina de percepção musical. Ressalta-se, por fim, as aplicações deste tipo de escala nas pesquisas relacionadas à efetividade de didáticas específicas de percepção musical, assim como a relação entre autoeficácia e autorregulação da aprendizagem, o que pode estar por trás dos problemas de motivação apontados pelas pesquisas recentes na área. Referências Gusmão, P. S. (2011). A aprendizagem autorregulada da percepção musical no ensino superior: uma pesquisa exploratória. Opus, v. 17, n. 2, 121140. Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York: W. H. Freeman. Bandura, A. (2006). A guide for constructing self-efficacy scales. Self-efficacy beliefs of adolescentes, adolescence and education, n.1, p. 307-337. Otutumi, C. (2008). Percepção musical: situação atual da disciplina nos cursos superiores de músca. (Dissertação de mestrado em Música). Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Schunk, D. H. (1989) Self-efficacy and achievement behaviors. Educational Psychology Review, v.1, n3., p. 173-208. 521 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Decodificando níveis estruturais no solfejo melódico tonal Graziela Bortz [email protected] Instituto de Artes, UNESP Resumo: O trabalho comenta brevemente algumas estratégias utilizadas em aulas de solfejo na decodificação de alturas para, em seguida, discutir questões de direção e movimento envolvidos na leitura à primeira vista de música tonal. Acredita que essas questões devam ser endereçadas desde o primeiro contato com uma nova partitura e constrói argumentos baseados no estudo de camadas estruturais envolvidas na composição tonal. Utiliza para isso ferramentas da teoria schenkeriana e seus conceitos de linha e baixo fundamental, ilustrando ambiguidades de interpretação que podem existir até mesmo em solfejos simples, como o início da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, cujo primeiro período é apresentado no livro de solfejo de Ottman (1995). Conclui afirmando que as sutilezas de interpretação não devem ser desconsideradas nas mais variadas disciplinas, das aulas de percepção e teoria às de performance e que tampouco a teoria deve ser reservada apenas às aulas teóricas para que, de fato, as experiências musicais se tornem interdisciplinares. Palavras-chave: análise schenkeriana, interpretação musical, solfejo tonal 522 Decoding Structural Levels in Tonal Sight Singing Abstract: After briefly commenting upon strategies used to decode pitches in sight singing lessons, the work discusses questions about musical direction and movement involved in tonal sight singing. The author believes that those questions should be addressed on the very first contact with a new music part, and builds arguments based on structural layers involved in tonal compositions. It uses tools of schenkerian theory and its concepts of fundamental line and bass in order to illustrate ambiguities that can exist even in very simple solfeges, as it appears in the beginning of the song Der Entfernten, D. 350 of Franz Schubert, whose first period is presented on the sight singing book by Ottman (1995). It concludes affirming that subtleties of interpretation should be considered in a variety of disciplines, from ear-training and theory to performance lessons. By the same token, theory Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 studies should not be reserved to theory classes only, so that, in fact, musical experiences could become interdisciplinary. Keywords: schenkerian analysis, musical interpretation, sight singing 1. Introdução e objetivos A estratégia de se solfejar música tonal com números descrita em Bortz & Brolo (2009, p. 533) pode ser bastante eficaz para se tomar consciência da hierarquia melódica dos graus da escala. Ainda que a melodia apresente cromatismos que apontem ou não modulações, uma vez que a tonalidade principal permaneça clara, o exercício permanece válido para melodias do repertório dos séculos XVIII e XIX, excetuando-se o cromatismo extremo do romantismo tardio. A estratégia complementar a esta primeira, que envolve a transposição de uma dada melodia memorizada para outros tons seguindo-se o ciclo de quintas, também descrita em Bortz & Brolo (2009, p. 533), procura trabalhar o domínio deste tipo de percepção melódico-harmônica conhecida como ouvido relativo. Em Bortz (2010, p. 4-7), a análise prévia do extrato a ser solfejado é sugerida como ferramenta para o preparo do solfejo tonal de maneira a antecipar caminhos harmônicos e, assim, prever dificuldades e pontuações, tais como alterações cromáticas, modulações, grandes saltos e cadências, entre outros. Estas três estratégias mencionadas rapidamente acima englobam, na verdade, prática e teoria. Enquanto a análise formal, melódica e harmônica oferece a possibilidade do pensamento encaminhar a performance, o contrário também é possível através da prática da improvisação como ferramenta de aquisição do conhecimento teórico. Entretanto, nota-se que apenas o pensamento técnico a respeito das funções melódicas das notas na escala ou seu papel em determinada função harmônica não tem sido suficiente para que a leitura melódica se torne 523 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 musical. Embora não seja nossa intenção, aqui, discutir as diversas facetas do que é considerado musical, ater-nos-emos às preocupações do teórico Heinrich Schenker quanto à interpretação. Suas principais questões ao abordar uma obra musical tonal eram: 1) de onde parte o movimento; 2) para onde este movimento se direciona e 3) qual o caminho percorrido (Schenker, 1979; Salzer, 1952, p.11; Forte, 1959). São importantes questões teóricas que, no entanto, não ocorrem com frequência no primeiro contato com a decifração de uma partitura nova (para não dizer no início dos estudos musicais), como é o caso do exercício do solfejo melódico, seja qual for seu nível de dificuldade. Obviamente, se o solfejo apresenta alto nível de complexidade, a questão da direção naturalmente é deixada para uma abordagem posterior. No entanto, nota-se em sala de aula que, mesmo em solfejos que estão aquém das habilidades dos alunos, a direção é considerada por eles menos importante. Em outras palavras, por mais que os alunos tenham superado questões gramaticais, tais como decifrações de alturas, tempos e subdivisões rítmicas, optam por não utilizar o pensamento interpretativo o qual costumamos chamar de fraseado, nuance ou direção. Isso pode se dever ao fato de tais questões gramaticais exigirem grande energia cognitiva e as questões interpretativas acabam por ser adiadas. No entanto, se nos fizermos as questões levantadas por Schenker ao abordarmos a leitura de uma nova obra, seja no simples exercício de solfejo ou numa obra complexa da literatura musical, perceberemos que as decisões quanto à direção musical podem se tornar difíceis ao nos depararmos com certas dúvidas. 524 Mostraremos, a seguir, como tais questões se apresentam no repertório e proporemos possíveis soluções interpretativas utilizando ferramentas da análise schenkeriana. Para isso, utilizaremos como ilustração a canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 2. Pressupostos teóricos e procedimentos Schenker acreditava que música deveria ser analisada utilizando-se símbolos da própria escrita musical. Por isso, preferiu utilizar gráficos que pudessem mostrar, com esses símbolos, o desdobramento composicional (Auskomponierung) da estrutura mais básica à composição propriamente dita, assim como o movimento no sentido oposto, que é a análise que parte da composição à redução à sua estrutura fundamental. Para se chegar a esta estrutura, passa-se pela superfície, mais parecida com a composição propriamente dita, e por uma ou mais camadas intermediárias, traduzidas em gráficos que representam o que ele chamou de planos frontal, intermediário(s) e fundamental (Fraga, 2011; Schenker, 1979; Neumeyer &Tepping, 1992; Forte & Gilbert, 1982; Forte, 1952). 2.1 Análise parcial de Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert Abordemos um extrato da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, que se encontra transposta para Réb maior em clave de tenor no método de solfejo de Ottman (1995, p. 117). Utilizaremos, nos exemplos, a tonalidade original, Mib maior. A canção tem, originalmente, vinte compassos. No livro de solfejo de Ottman (1995), aparecem os oito primeiros compassos da melodia (Figura 1). Temos assim, o primeiro período paralelo composto de duas frases, no qual a primeira frase apresenta cadência suspensiva como suporte ao segundo grau melódico e a segunda, cadência autêntica perfeita. 525 Figura 2: Compassos 1-8 da melodia da canção Der Entfernten, D. 350, de Franz Schubert, cópia da edição das Obras Completas (1895) Voltemos à primeira questão de Schenker: de onde parte o movimento? Schenker desenvolveu seu conceito de estrutura fundamental, que en- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 globa a linha principal e o baixo [1]. A linha fundamental (Urlinie) se apresenta na forma de uma escala descendente que parte de uma nota pertencente à tríade de tônica – a nota primária [2] – e resolve na tônica (Schenker, 1979, p. 13-14). Em outras palavras, numa dada melodia, existem notas que são estruturais e outras ornamentais, estas últimas ligadas à superfície da música. Por superfície, não se deve entender que sejam menos importantes, mas é na superfície e nas camadas intermediárias que encontramos resposta à terceira questão de Schenker: qual o caminho percorrido (elaboração) para se alcançar a meta do movimento musical? A meta, em música tonal dos séculos XVIII e grande parte do XIX, é sempre a tônica em seu estado na cadência autêntica perfeita: baixo e soprano na tônica. Para se chegar a esta linha fundamental, são levadas em consideração algumas questões, entre as quais, embora não necessariamente a mais importante, é o grau de proeminência de uma nota da tríade. No caso da melodia inicial de Der Entfernten, tende-se a escolher o quinto grau (5) [3], seja pelo seu número de aparições ou por sua posição métrica em tempo forte. Poderíamos também pensar em 3 como nota primária. Esta dúvida necessariamente teria que ser solucionada analisando-se a canção completa, incluindo o acompanhamento de piano e o segundo período da peça, o que faremos mais adiante. Por hora, consideraremos apenas a melodia dos oito primeiros compassos, como ocorre em Ottman (1995). Outras considerações importantes para se escolher a nota primária são: 1) ela deve ser consonante com o baixo; 2) deve ser seguida por graus conjuntos até sua resolução na tônica. Na melodia em questão, ambas preenchem esses requisitos [4]. 526 Sabemos que, de acordo com a teoria schenkeriana, a harmonia de subdominante, quando precedida e seguida da tônica, funciona como uma extensão desta última e não é propriamente um acorde independente. Ou seja, é uma harmonia de prolongamento da tônica, o que justamente ocorre entre os cs. 1 e 3 desta canção. Sendo Sib (5) a nota primária, Láb funciona como nota de passagem entre Sib e Sol. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Se Láb fosse interpretado como nova vizinha [5] de 3 (Sol), todo o primeiro compasso, que já é uma expansão da tríade de tônica através de notas de passagem, seria uma ornamentação de Láb. Nesse caso, os dois primeiros compassos seriam um prefixo de Sol. Láb aparece como nota acentuada por ser a mais longa até então [6]. Assim mesmo, preferimos considerá-la como um prolongamento da tônica via nota de passagem (Figura 2), uma vez que, ao menos nestes oito primeiros compassos, não há motivo para considerar Sib e Láb como prefixos de Sol [7]. Note-se o agrupamento das colcheias na escrita do primeiro e quinto compassos, que tendem a dar maior ênfase aos tempos fortes. Assim, observamos nos quatro primeiros compassos, que a direção da melodia é guiada até a cadência suspensiva, que Schenker chama de interrupção. Em outras palavras, ocorre uma interrupção do movimento da linha fundamental 2, que é seguida da retomada da nota primária seguindo até a conclusão. Desta maneira, ocorre o movimento melódico 5-4-3-2// 5-4-32-1. Figura 3: Redução da melodia dos primeiros oito compassos de Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert à camada intermediária Podemos observar que, mesmo com poucos elementos, sem o acesso ao acompanhamento original ou à peça completa, podemos chegar a algumas conclusões parciais sobre a direção da melodia. Pode-se argumentar que essa análise é desnecessária, que a simples intuição é capaz de levar às mesmas conclusões e execuções. No entanto, levantamos dois argumentos contrários a este: 1) a prática nos tem mostrado que a primeira, segunda ou mesmo terceira leitura de alunos de graduação de qualquer ano (portanto com já alguma experiência de leitura) é quase sempre musicalmente desin- 527 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 teressante se a questão do movimento não for ventilada; 2) ao observar a análise, com ou sem a realização do gráfico, deparamo-nos com algumas dúvidas que podem resultar em diferentes realizações na interpretação, mesmo numa melodia muito simples como a abordada neste texto. Se, por exemplo, escolhêssemos 3 como nota primária, e considerássemos os primeiros dois compassos como prefixo de Sol, evitaríamos a ênfase nas notas Sib e Láb para que pudéssemos movimentar todo esse início em direção à nota Sol. 2.2 Análise completa de Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert Na Figura 3, apresentamos a melodia e o baixo da peça dos cs. 1 a 18 no primeiro sistema e o gráfico com a camada intermediária no segundo sistema. 528 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Figura 4: Baixo, melodia e análise em gráfico da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, cs. 1-18 O baixo no primeiro período da peça confirma nossas expectativas de interpretação harmônica e reforça nossas escolhas quanto à linha estrutural nos primeiro oito compassos. No entanto, a parte contrastante da peça que se inicia no c. 9 traz algumas novidades: a harmonia de dominante sobre o baixo Sib permanece ativada a partir deste ponto até o c. 17, assim como a nota Fá na melodia dos cs. 9 a 13. As cadências de engano dão suporte consonante a 3 nos cs. 14 e 16, embora indiquem uma expansão da dominante, uma vez que a tensão promovida pela harmonia de dominante e pelo grau melódico 2 somente é resolvida na cadência autêntica perfeita no c. 18 (Neumeyer & Tepping, 1992, p. 25-26). Ou seja, a cadência autêntica do primeiro período da peça pertence à camada intermediária, e não àquela fundamental. Os últimos dois compassos, que não aparecem na ilustração, são um poslúdio do piano e prolongam a tônica final. 529 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3. Conclusão É possível chegar-se a algumas conclusões preliminares sobre direção e movimento melódicos sem que se tenha a visão da obra completa, embora o ideal seja examinar a peça em sua totalidade. As ferramentas de análise schenkeriana podem auxiliar na percepção da linha fundamental da melodia antes de se realizar o solfejo e, com isso, na compreensão da hierarquia das notas envolvidas no desenho melódico. Ao escolhermos a linha fundamental como sendo 5-4-3-2-1, cabe ao intérprete deixá-la clara na execução e, acima de tudo, dar movimento à peça a partir dela. A escolha de 5 como nota primária na melodia inicial pode resultar em ressaltar o movimento a partir de Sib no c.1, o que pode ser realizado através de acento agógico, ressaltando em seguida Láb e Sol dos cs. 1 e 2 até chegar a 2 na cadência interrompida do c. 4. O movimento se repete para alcançar a cadência autêntica perfeita. No entanto, se escolhêssemos 3, todo o início até o c. 3 funcionaria como um prefixo, mudando o resultado na performance. São sutilezas que muitas vezes desconsideramos nas aulas de percepção e relegamos às aulas de performance, da mesma maneira que tendemos a deixar a teoria para as aulas de teoria e, desta forma, perdemos a excelente oportunidade de tornar nossas experiências interdisciplinares de fato. 530 Notas [1] Ele não desconsidera outras linhas, que julga subordinadas àquela fundamental. Estas pertencem às camadas que aparecem nos gráfico dos planos frontal ou intermediários. Além disso, essas linhas podem ser prolongadas por arpejos, que por sua vez podem ser conectados por notas de passagem As linhas ainda podem receber ornamentações através de notas vizinhas: bordaduras, simples ou duplas, e escapadas, ou ainda notas ornamentais por salto (salto consonante). Para maior detalhamento de prolongamentos melódicos, verificar Forte & Gilbert (1982). [2] Preferimos o termo nota primária à nota inicial, como utilizado por Fraga (2011). A maioria dos termos em português aqui utilizados concordam com o glossário de Fraga (2011, p. 111-114), com exceções que serão ressaltadas quando for o caso. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 [3] Para diferenciar claramente os graus da linha fundamental dos graus referentes ao arpejo fundamental do baixo – I-V-I, Schenker convencionou o uso de números arábicos com acento circunflexo para os primeiros. [4] Embora no exercício de solfejo não tenhamos o baixo dado, não é difícil deduzir que a melodia que se inicia em Sib requer o baixo Mib como suporte. 5] Schenker utiliza este termo para se referir à aproximação melódica à nota principal. Costumamos usar os termos bordadura ou escapada, dependendo de sua ocorrência melódica. Nota vizinha se refere a ambos. Fraga (2011, p. 19) utiliza o termo tom vizinho, que preferimos evitar para não confundir com a aproximação das tonalidades por ciclo de quintas. [6] Embora os gráficos schenkerianos não abordem o ritmo, uma vez que este era considerado por ele como parte da superfície, isto não quer dizer que fatores rítmicos não influam nas escolhas sobre o que pertence à estrutura ou à superfície no desdobramento da composição. Muitos dos schenkerianos atuais (Rothstein, 1989; Lester, 1986; Samarotto, 1999) utilizam o ritmo para esclarecer o significado melódico-harmônico de um momento musical no contexto complexo da composição. [7] Prefixos da nota primária são possíveis. No entanto, raramente ocorrem por graus conjuntos descendentes. Não faria, logicamente, sentido pensar que 3 viesse precedido por 5 e 4 sem que estes fossem considerados parte da linha fundamental. 4. Referências Bortz e Brolo. (2009). Percepção musical e improvisação: Um estudo dirigido. Anais do V Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais Simcam 5, 530-534. Bortz. (2010). Contextualização musical no treinamento auditivo: Transferindo memórias à prática musical. Anais do VI Simpósio de Cognição e Artes Musicais – Simcam 6, 1-8. Forte, A. (1959). Schenker's conception of musical structure. Journal of Music Theory, 3/1, 1-30. Forte, A. & Gilbert, S.E. (1982). Introduction to schenkerian analysis. New York: Norton. Fraga, O. (2011). Progressão linear: Uma breve introdução à teoria de Schenker. Londrina: Eduel. 531 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Lester, J. (1986). The rhythms of tonal music. New York: Schimer. Neumeyer, D. & Tepping, S. (1992). A guide to schenkerian anaylisis. Englewood Cliffs: Prentice Hall. Ottman, R. W. (1995). Music for sight singing. Upper Saddle River: Prentice Hall. Rothstein, W. Phrase rhythm in tonal music. New York: Schirmer, 1990. Samarotto, F. (1999). Strange dimensions: regularity and irregularity in deep levels of rhythmic reduction. In C. Schachter & H. Siegel (Ed.), Schenker studies 2 (pp. 222-238). Cambridge: Cambridge University Press. Schenker, H. (1979). Free Composition. Vol III. (E. Oster, Trad.). New York: Longman. (Trabalho original publicado em 1935). Salzer, F. (1952). Structural hearing: Tonal coherence in music. New York: Dover. 532 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Factores expresivos y dramáticos en la estimación subjetiva del tamaño de los intervalos melódicos Favio Shifres [email protected] Universidad Nacional de La Plata, Argentina María Inés Burcet [email protected] Universidad Nacional de La Plata, Argentina Resumen: Este estudio se propone observar la incidencia que tendrían factores no estructurales que intervienen en la ejecución musical, en la ponderación del tamaño de los intervalos melódicos. Para ello se realizó un test en la que los sujetos (N=191) debían estimar el tamaño de una serie de intervalos melódicos en el tiempo real de la ejecución de una pieza musical de alto contenido expresivo-dramático, involucrando diferentes modalidades sensoriales en el momento de la escucha. Los resultados permitieron advertir que además de ciertos factores estructurales contextuales (como por ejemplo lo escuchado en las frases previas), ciertos aspectos expresivos y dramáticos podrían estar incidiendo en la percepción de su tamaño. A pesar de que un mismo intervalo fue ponderado significativamente como de mayor tamaño en su aparición más destacada dramáticamente en todas las condiciones, ciertas cuestiones metodológicas impiden vincular esas diferencias exclusivamente a factores no estructurales. Se critican tales problemas y se proponen alternativas para el abordaje de un nuevo experimento. Palavras-chave: Intervalo melódico – tamaño subjetivo– expresión Expressive and dramatic factors in subjective size estimation of melodic intervals Abstract: This study aims to monitor the impact of non structural factors, which are entailed in expressive musical performance, in subjective measuring of melodic intervals. A test was run in which subjects (N = 191) had to subjectively estimate the size of a series of melodic intervals in the realtime during the performance of a music piece with high expressive and dramatic content, involving different sensorial modalities across four ex- 533 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 perimental conditions. Findings showed that expressive and dramatic aspects could be influencing the perception of size. However some contextual structural attributes (such as the serial position in the chain of focused intervals during the trial) could have incidence in such appreciation. Although an interval was significantly estimated as larger than another identical one when dramatic and expressive context was more prominent, in all the conditions, certain methodological issues prevent link these differences only to non-structural factors. We criticize such problems and propose alternatives for addressing a new experiment. Keywords: melodic interval – subjective size - expression 1. Introducción 534 El concepto de intervalo musical alude a relaciones teóricas que pueden establecerse entre dos sonidos de acuerdo con la altura de cada uno de ellos. A pesar de su carácter teórico, esas relaciones parecen tener una incumbencia psicológica. En el marco de la Teórica Práctica de la Música, desarrollada a partir de la necesidad pedagógica de formar músicos prácticos, desde la edad media (Wason, 2002), el intervalo se define como la relación entre dos alturas de acuerdo con la posición relativa de ellas en relación con una escala de referencia. Así, por ejemplo, la relación entre una frecuencia de 220 Hz y otra de 440 Hz es, en el contexto de la música tonal, la distancia de 8ª, porque de acuerdo con dicho sistema, la primera altura se ubica a 8 grados de la escala de referencia de la segunda altura. Se dice que esta noción de intervalo entendido como distancia recoge un aspecto perceptual, ya que tendemos a imaginar dos sonidos como más alejados en un espacio psicológico virtual cuanto más difieren en altura. Esta manera virtual de conceptualizar la relación entre los sonidos encuentran un fundamento plausible en la Teoría de la metáfora conceptual, según la cual existen construcciones metafóricas de origen sensoriomotríz que permiten comprender dominios abstractos de la experiencia humana en términos de dominios más concretos y sensibles (Lakoff y Johnson 1999; Zbikowski, 2002; Gibbs, 2008). Al entender la relación de alturas como distancia se puede establecer una medida (en términos de grados de una escala de refe- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 rencia) como modo de describirla objetivamente (Leman, 2008; XXX, en prensa). Sobre esta quimera de objetividad se ha construido una buena parte de la pedagogía musical (XXX, 2007), en la que el concepto de intervalo ocupa un lugar privilegiado (XXX, 2012). Sin embargo, el ejercicio musical cotidiano nos dice que la medida no alcanza para caracterizar la experiencia del intervalo (XXX, 2012; XXX, en prensa). Así puede ocurrir que consideremos dos intervalos como diferentes, aunque sepamos que sus medidas son iguales. La tradición cognitivoestructuralista de la psicología de la música, en línea con la musicología objetivista del siglo XX, vincula estas diferencias experienciales con atributos estructurales de esos intervalos en el contexto de las obras musicales estudiadas. Así, por ejemplo, se abordó sistemáticamente el estudio de la incidencia de atributos estructurales, intrínsecos y contextuales, de los intervalos, tales como el jerarquía tonal de los sonidos involucrados, la posición métrica, la direccionalidad o el registro. En este marco, por ejemplo, Russo y Thompson (2005) mostraron que los intervalos ascendentes son percibidos como más grandes que los descendentes en registro agudo, y los intervalos descendentes son percibidos como más grandes que los ascendentes en el grave. Más recientemente, algunos autores han propuesto hipótesis sobre la influencia de otros factores contextuales podrían incidir en la estimación subjetiva del tamaño del intervalo. En sintonía con estudios en lingüística pragmática, Thompson, Russo & Livingstone (2010) demostraron que las expresiones faciales son importantes para la percepción de la música. Particularmente, tales expresiones de los intérpretes inciden significativamente en la emoción comunicada al oyente (Correia Salgado, 2001; Thompson, Graham & Russo, 2005). Entre otras cosas, las expresiones faciales de los cantantes reflejan la dimensión del intervalo cantado (Thompson y Russo (2007). Las expresiones del rostro de los cantantes podrían estar reflejando la medida del intervalo como secuela de la demanda técnico-vocal. Pero también como consecuencia de la comunicación de un contenido emocio- 535 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 nal vinculado al intervalo cantado, como proponían las teorías clásicas sobre significado musical (Cooke 1959). En síntesis, se asume que un oyente estima el tamaño del intervalo en correspondencia con la medida objetiva que se desprende de considerar los grados de la escala que involucra Pero asimismo esa estimación dependería de otros factores. Estos pueden ser estructurales (registro, contexto armónico, relaciones tonales, posición métrica, configuración rítmica, etc.) o no estructurales (gestos, movimientos, etc.). Aunque la tradición estructuralista vincula también a estos últimos con la medida objetiva (asumiendo, por ejemplo que los gestos se corresponden con problemas propios de la ejecución que los factores estructurales ocasionan), resulta relevante estudiar la incidencia de factores no estructurales desvinculados de los problemas técnicos de ejecución. Este trabajo se propone avanzar en esta dirección observando la incidencia de factores expresivos y dramáticos propios de la ejecución que no están vinculados a los problemas técnico-estructurales. Se estudian las estimaciones de tamaño de los intervalos melódicos en la ejecución cantada a la luz del contexto expresivo de la pieza musical y de las modalidades sensoriales involucradas en el momento de la escucha. 2. Método 2.1. Sujetos 191 estudiantes universitarios iniciales de música participaron en el experimento. 536 2.2. Estímulos Se seleccionó el aria O mío babbino caro de Gianni Schicchi de Puccini por su particularidad de desplegar grandes intervalos melódicos con gran potencial expresivo, algunos de los cuales fueron elegidos como target para la ponderación subjetiva de su tamaño por parte de los sujetos. Y presentar giros melódicos iguales con texto diferente, por lo tanto con diferente ex- Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 presión dramática (Figura 1). Esto permite comparar los intervalos por su contenido dramático manteniendo sus características estructurales. Se registró en video a una soprano profesional cantando la pieza acompañada por la grabación de la versión orquestal (Brightman, 1997) brindando el marco tonal. A pesar de que esa banda instrumental se escucha en la grabación, su nivel de intensidad es bajo, de modo de que la línea melódica cantada quedó notablemente en relieve. La imagen de este video se denominó imagen a, y el sonido, sonido a. Figura 1. Partitura de la melodía de O mio babbino caro (Puccini). En rojo los intervalos target del test. Luego se seleccionó una filmación (imagen b) de un paisaje de montaña con un suave movimiento de la cámara que brindaba una imagen dinámica, cuyos movimientos no estaban directamente vinculados a ningún aspecto sonoro. La banda instrumental que sirvió de base a la cantante en el 537 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 video tomado se denominó sonido b. Finalmente se grabó una versión MIDI de la melodía de la figura 1 sobre la misma base orquestal, de modo de controlar la variable dinámica y presentar todos los sonidos con la misma intensidad. La variable timing pudo ser controlada, porque la base orquestal grabada imponía cierta variabilidad de timing impidiendo ecualizarlo. Esta grabación se denominó sonido c. Combinando imágenes y sonidos, se obtuvieron 4 videos para las diferentes condiciones del experimento: Video 1: imagen a y sonido a; Video 2: imagen b y sonido a; Video 3: imagen b y sonido b; Video 4: imagen b y sonido c. Para indicar a los oyentes el intervalo cuyo tamaño debían estimar (intervalo target), los videos 1 y 2 fueron señalizados visualmente con la aparición en tiempo real del texto que la cantante articulaba en los dos sonidos que conformaban cada intervalo seleccionado (Figura 2a). En los videos 3 y 4, debido a que la melodía era instrumental, sin texto, los intervalos seleccionados fueron señalizados con círculos que aparecían en el momento en que sonaba cada nota (Figura 2b). a b Figura 2. Señalización visual de los intervalos target en los estímulos audiovisuales. 538 2.3. Aparatos La cantante fue filmada con una cámara JVC digital. Todos los estímulos fueron procesados con el programa Final Cut Pro (para Mac). Los ejemplos fueron reproducidos a través de un proyector a una pantalla de tamaño Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cinematográfico en un micro-cine, el sonido fue amplificado desde la computadora para adecuarlo a las dimensiones de la sala. 2.4. Procedemiento La prueba constó de 5 ejemplos. En cada uno de ellos se señalaban 5 intervalos target (25 ponderaciones, así algunos intervalos target fueron ponderados 2 veces y otros 3). Los sujetos escuchaban dos veces cada ejemplo: la primera para ubicar los intervalos target, y la segunda para ir ponderando el tamaño de cada uno de ellos. Se les pidió que estimaran el tamaño de cada intervalo target marcando una cruz en un segmento horizontal de 100 mm de largo, cuyo extremo izquierdo representaba muy pequeño y el derecho muy grande. Previamente escuchaban una vez la pieza completa para familiarizarse, y hacían un ensayo a manera de aprestamiento con un ejemplo extra (en los que se señalaban otros intervalos que luego no fueron tomados en la prueba, los intervalos 10 y 11 de la figura 1). 2.5. Diseño Los sujetos fueron distribuidos aleatoriamente en 4 condiciones. En la condición 1, los sujetos veían y escuchaban a la cantante (video 1). En la condición 2, veían el paisaje (imagen b) y escuchaban a la cantante (video 2). En la condición 3, veían el paisaje y escuchaban la versión instrumental expresiva (video 3) y en la condición 4, veían el paisaje y escuchaban la versión instrumental MIDI (video 4). Los test fueron tomados en pequeños grupos y los 5 ejemplos fueron presentados de manera aleatorizada en cada grupo. 3. Resultados Se tomó la medida de cada segmento de la planilla de respuestas desde el extremo izquierdo hasta la cruz, dando el valor de la estimación en una 539 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 escala de 0 a 100. Por razones de espacio se reportan aquí solamente los resultados para los intervalos target 7 y 8. Se trata de una 3ª menor entre Fa5 y Lab5. La melodía se repite, pero el texto y la situación dramática cambian notablemente. Es la primera aparición de este intervalo (intervalo 7), el personaje Lauretta se muestra ingenua y aparentemente feliz por su decisión de casarse. Por el contrario, es su segunda aparición (intervalo 8), Lauretta ya ha revelado su intención de suicidarse si su padre no permite la boda, y el carácter de la situación cambia totalmente al decir que “sufro y me atormento”. Los intervalos 7 y 8 se ponderaron 3 veces a lo largo de la prueba, dos de ellas en el mismo ejemplo, y la tercera vez en dos ejemplos por separado. De esta manera el foco de atención sobre el intervalo 8 estaba puesto, en los dos primeros ejemplos, de inmediato luego de escuchar el intervalo 7. Por el contrario en la última ponderación, el intervalo 8 sucedía al 6 (que es una 8ª). Este dato del diseño es importante porque la ponderación del tamaño del intervalo podría estar relacionada con el tamaño real de los otros intervalos target. Así, se podría suponer que si un sujeto escucha un intervalo mayor antes, va a tender a “achicar” su ponderación del intervalo que escucha después, debido a que ese intervalo es “relativamente” más pequeño. 540 Teniendo en cuenta esto se realizó un ANOVA de Medidas Repetidas (2x3x4), tomando al intervalo (7 y 8) y la ponderación (1, 2 o 3) como factores intra-sujetos y la condición (1, 2, 3, y 4) como factor entre-sujetos. Los resultados muestran que el factor intervalo resultó altamente significativo (F[1-187] = 98.681; p<.000), siendo la media de la estimación subjetiva del tamaño del intervalo 7 de 48.072 y la del intervalo 8 de 58.35. Esto muestra que a pesar de ser exactamente iguales desde el punto de vista estructural, el segundo intervalo es estimado siempre como más grande. El factor ponderación también resultó altamente significativo (F[2-187] = 10.047; p<.000), siendo significativa la diferencia entre la primera ponderación y las dos restantes, y no significativa la diferencia entre la segunda y la tercera ponderación. Esto denota que los oyentes tendieron a estimar el tamaño de la 3ª menor en cuestión como más grande luego de atender a la octava, que luego de Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 atender a un intervalo más pequeño (a una cuarta o una tercera mayor). El factor intersujetos condición también resultó significativo (F[3-187] = 4.004; p = .009). Un test post-hoc (Tukey HDS) reveló diferencias significativas entre la condición 3 (media C3 = 46.347) y las otras tres condiciones (media C1 = 57.092; media C2 = 54.478 y media C4 = 54.926) . Se ve entonces que, en la versión instrumental expresiva, los sujetos tienden a considerar los saltos como más pequeños. Finalmente arrojó una significación marginal la interacción intervalo y condición (F[1-3]=2.746; p = .044). La figura 3 muestra que la mayor diferencia entre el intervalo 7 y el 8 se da en la condición 3, y la menor diferencia en la condición 4. Figura 3. Medias de las estimaciones de tamaño de los intervalos 7 y 8 en las cuatro condiciones de la prueba. 4. Discusión En este trabajo se propuso observar la incidencia de factores expresivos en una tarea de estimación de la dimensión de los intervalos. Para ello se analizaron la poderaciones subjetivas del tamaño de dos intervalos estructuralmente iguales localizados a lo largo de una melodía, en 4 condiciones diferentes. La diferencia entre las medias del tamaño asignado para uno y otro intervalo reflejan que, aun cuando la teoría considera que se trata del mismo intervalo, no se perciben como similares, y esto podría deberse tanto a su localización dentro del discurso, refiriéndonos especialmente a la esti- 541 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 mación de la medida de los saltos anteriores, como a factores expresivos propios de la ejecución de cada uno. Debido a que en todas las condiciones la estimación subjetiva del intervalo 7 fue significativamente menor que la del intervalo 6, lo que hace desestimar la influencia de factores estructurales, pero que no se obtuvieron las diferencias previstas para las cuatro condiciones, se ponen de manifiesto algunos problemas metodológicos. En primer lugar las mayores diferencias observadas entre los intervalos comparados en la condición 3 contradicen la predicción. Esto puede deberse a que para esa condición se utilizó el arreglo orquestal que cambia la instrumentación del intervalo 7 al 8, y fundamentalmente lo cambia de octava. Este cambio no permite desestimar dicho aspecto estructural. A su vez, la condición 4 también se alejó de la predicción. En este caso la imposibilidad de ecualizar el timing pudo haber incidido en ese alejamiento, ya que son numerosos los estudios que indican que el timing es una variable expresiva decisiva a la hora de influir sobre aspectos estructurales (Repp 1998). Es necesario por lo tanto construir un estímulo en el que tanto dinámicas como timing resulten ecualizados. 5. Referencias Brightman, S, (1997). Sarah Brightman & London Symphony Orchestra, TheTimeless. EastWest Records. GmbH 0630-19066-2, track 12. Cooke, D. (1959). The Language of Music. New York: Oxford University Press. 542 Correia Salgado, A. G. (2001). Contributo para a Comprennsao de Alguns dos processos perceptivos e cognitivos implicados no reconhecimiento da expressao da emocao facial e vocal no canto. In F. Shifres (Ed.). La Música en la Mente. Buenos Aires: SACCoM, s/p. Gibbs, R. (Ed.) (2008). Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. New Yoirk: Cambridge University Press. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the flesh. New York: Basic Books. Leman, M. (2008). Embodied Music Cognitivon and Mediation Technology. Cambridge, MA & London: The MIT Press. Repp, B. H. (1998). A microcosm of musical expression. I. Quantitative analysis of pianists’ timing in the initial measures of Chopin’s Etude in E major. Journal of The Acoustical Society of America, 104 (2), 10851100. Russo, F. A. & Thompson, W. F. (2005). An interval size illusion: The influence of timbre on the perceived size of melodic intervals. Perception & Psychophysics, 67 (4), 559-568. Schifres, F. (2007) La Educación Auditiva en la Encrucijada. Algunas reflexiones sobre la Educación Auditiva en el escenario de recepción y producción musical actual. En M. Espejo (Ed.) Memorias de las II Jornadas Internacionales de Educación Auditiva. Tunja, Colombia. UPTC, pp.64-78. ______. (unpublished). Descripciones Musicales. In F. Shifres & M. I. Burcet (Coord.) Escuchar y Pensar la Música. Bases Teóricas y Metodológicas. Colección “Libros de Cátedra” de la Editorial Universitaria de La Plata. Secretaría Académica UNLP. Schifres, F. & Burcet, M, I. (2012). Escuchar Intervalos (?) Medición vs. Experiencia. In F. Shifres (Ed.). II Seminario sobre Adquisición y Desarrollo del Lenguaje Musical en la Enseñanza Formal de la Música. (Actas) (5966).Buenos Aires: SACCoM. Thompson, W. F; Graham, P. & Russo, F. A. (2005). Seeing music performance: Visual influences on perception and experience. Semiotica, 156, 203-227. Thompson, W.F. & Russo, F.A. (2007). Facing the music. 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Oxford: University Press. 544 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Categorização de ouvido absoluto em estudantes de música de nível universitário das cidades de São Paulo e Brasília Nayana Di Giuseppe Germano [email protected] Instituto de Artes da UNESP Patricia Maria Vanzella [email protected] Departamento de Música da UnB Mariana Elisa Benassi Werke [email protected] Psicobiologia/UNIFESP Maria Gabriela Menezes de Oliveira [email protected] Psicobiologia/UNIFESP Resumo: O ouvido absoluto (OA) é um traço cognitivo raro caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer nota musical sem referência externa. Este trabalho teve como objetivo fazer um levantamento estatístico da prevalência de alunos com OA em cursos de música de sete instituições de nível superior nas cidades de São Paulo e Brasília e, ao mesmo tempo, propor uma categorização para os diferentes tipos de OA identificados. Participaram desta pesquisa 731 estudantes, dos quais 47 (6.42%) declararam possuir OA. Algum aspecto genético parece ter relevância para a aquisição do OA, pois entre os estudantes que se declararam portadores do fenômeno, 37.5% afirmaram possuir familiares músicos também portadores desse traço cognitivo, enquanto que dentre os estudantes que se declararam não portadores, apenas 7.77% alegaram possuir familiares com essa habilidade. O início dos estudos musicais precoce parece também ser decisivo para a aquisição do OA, pois 74.46% dos alunos declarados portadores de OA iniciaram seus estudos entre 3 e 10 anos de idade, enquanto apenas 39.04% dos alunos declarados não portadores iniciaram seus estudos com a mesma idade. A compreensão do desenvolvimento deste traço cognitivo pode ajudar no aprimoramento dos métodos atuais de ensino da percepção musical. 545 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Palavras-chaves: Ouvido Absoluto, Prevalência, Percepção Musical Prevalence of Absolute Pitch in Music Schools of São Paulo and Brasília Abstract: Absolute pitch (AP) is a rare cognitive trait defined as the ability to identify the pitch of any musical note without external reference. The objective of this research was to assess the prevalence of AP among undergraduate music students in São Paulo and Brasília and to suggest a categorization for the different types of AP identified. This study surveyed 731 students of seven Brazilian music schools in colleges and universities. Among this pool of students, 47 (6.42%) declared to possess AP. Genetics seems to influence the acquisition of this cognitive trait, as amongst the students who declared to possess the ability, 37.5% have relatives with AP, whereas amongst those who declared to be non possessors, only 7.77% allegedly have AP possessors in their family. The early beginning of musical training also seems to facilitate the acquisition of AP, as 74.46% of those who declared to have AP begun their musical studies between 3 and 10 years of age, whereas only 39.04% of those who declared to be non possessors begun their studies at the same age. The study of this ability can shed light into the mechanisms involved in the acquisition of this cognitive trait and help to improve current methods of ear training. Keywords: Absolute pitch, Prevalence, Musical Perception 546 1. Introdução O ouvido absoluto (OA) é um traço cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer nota musical isolada usando rótulos como dó (261 Hz) e/ou de produzir uma nota musical específica (através do canto, por exemplo) sem nenhuma referência externa. (Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward, 1999). Estima-se que a prevalência de OA na população em geral seja de 1/10.000 (Bachem, 1955; Takeuchi e Hulse, 1993). Entre músicos, a prevalência parece ser de 5 a 50/100, sendo que a maior concentração encontra-se entre estudantes de música asiáticos (Welleck, 1963; Chouard e Sposetti, 1991; Gregersen et al., 1999). Assim como a linguagem, o OA parece se desenvolver durante um período crítico que ocorre nos primeiros anos de vida (Ward, 1999). Músicos que iniciam cedo seu treinamento musical, em geral antes dos seis anos de idade, têm Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 maior propensão a desenvolver a habilidade do que os que começam mais tarde (Sergeant, 1969; Welleck, 1963). Alguns estudos descrevem diferenças significativas entre portadores de OA quanto à percepção de alturas, especialmente no que se refere à sensibilidade em relação ao timbre e ao registro, assim como diferenças no grau de acuidade ao nomear ou produzir tons musicais (Bachem, 1937). Com base nas pesquisas de Bachem podemos definir como ponto de partida que existem diferentes tipos de OA, porém um estudo mais detalhado sobre as peculiaridades do funcionamento e das características deste traço cognitivo ainda mostra-se necessário, tendo em vista, por exemplo, que a própria definição de OA ainda se encontra longe de ser consensual entre os autores pesquisados. Com esta questão em mente, em 2007 foi iniciada uma pesquisa que investigou a prevalência de portadores do fenômeno, realizando também a categorização dos diferentes tipos de OA encontrados em estudantes de música brasileiros. Os dados foram obtidos com base em questionários aplicados nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Música em universidades paulistanas e na Universidade de Brasília cuja questões visavam apurar aspectos específicos da aprendizagem musical, existência de familiares músicos e características individuais do ouvido absoluto dos alunos investigados. 2. Objetivos O objetivo deste trabalho foi dar prosseguimento à pesquisa de prevalência e categorização do OA iniciada no ano de 2007 em Brasília (Vanzella et al., 2008), aplicando o questionário desenvolvido para aquela pesquisa em instituições de ensino superior em Música da cidade de São Paulo a fim de verificar a prevalência de estudantes portadores de OA nesta cidade e, ao mesmo tempo, categorizar os diferentes tipos de ouvidos absoluto identificados. 547 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 3. Materiais e Métodos O protocolo utilizado consistiu primeiramente na assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguido de coleta de informações sobre a identificação do sujeito participante e, finalmente, na aplicação de um questionário de 33 perguntas. As questões visavam apurar 1) a prevalência do OA entre estudantes de música de nível universitário; 2) a relação entre OA e a idade de início do treinamento musical; 3) particularidades quanto à percepção auditiva entre aqueles que se declararam portadores de OA (em relação à sensibilidade a diferentes timbres, ao registro, à produção vocal e quanto ao tempo de reação para a nomeação de tons); 4) o tipo de treinamento musical recebido por estudantes portadores e não portadores de OA quanto à notação musical e solfejo; 5) a presença desta habilidade cognitiva em membros da família daqueles que afirmaram ser portadores de OA. Tal questionário foi aplicado nas seguintes instituições: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Centro Universitário Uni FIAM-FAA, na Faculdade Santa Marcelina (FASM), Faculdade Integral Cantareira (FIC), Universidade de São Paulo (USP) e Faculdade Paulista de Artes (FPA). 4. Resultados 548 Dos 731 estudantes que participaram da pesquisa (UnB, UNESP, FAAM, FASM, FPA, FIC e USP [1]), apenas 47 declararam ter com certeza OA. Os demais disseram não possuir a habilidade (529 alunos) ou não ter certeza (155 alunos). PREVALÊNCIA DE PORTADORES DE OUVIDO ABSOLUTO GRUPOS ALUNOS Portadores 47 (6.42%) Não Portadores 529 (72.36%) Incertos 155 (21.20%) TOTAL 731 (100%) Tabela 1. Prevalência de ouvido absoluto [2] Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 De acordo com os dados coletados, podemos perceber que o número de estudantes de música que se declararam portadores de OA (6.42%) é muito menor do que o número de estudantes de música que se declararam não portadores de OA (72.36%). Apesar de nossos dados corroborarem estudos anteriores que afirmam que a prevalência de portadores de OA entre músicos seja de 5 a 50/100 (Welleck, 1963; Chouard e Sposetti, 1991; Gregersen et al., 1999), não podemos negligenciar a alta porcentagem de estudantes que declararam não ter certeza de possuir esse traço cognitivo (21.20%). A idade de início dos estudos de música parece influenciar na manifestação do OA: Idade De 3 a 6 anos De 7 a 10 anos De 11 a 15 anos De 16 a 20 anos Depois dos 21 anos TOTAL IDADE DE ÍNICIO DOS ESTUDOS DE MÚSICA Portadores Incertos 16 (34.04%) 28 (18.18%) Não Portadores 44 (8.42%) 19 (40.42%) 49 (31.81%) 160 (30.65%) 11 (23.40%) 56 (36.36%) 209 (40.03%) 1 (2.12%) 13 (8.44%) 84 (16.09%) 0 (0%) 8 (5.19%) 25 (4.78%) 47 (100%) 154 (100%) 522 (100%) Tabela 2. Idade de início dos estudos de música [3] Comparando a idade de início dos estudos de música entre o total de estudantes portadores de OA e o total de estudantes não portadores de OA, verificamos que os grupos diferem estatisticamente (x2 = 17.1, p < 0.05) [4], isso sugere que a idade de início precoce dos estudos musicais pode determinar a aquisição do OA. A Anova seguida do teste de Tukey para números diferentes mostrou que a média de idade de início do treinamento musical 549 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 do grupo dos portadores de OA é inferior à dos grupos dos não portadores e estudantes incertos F(2.719) 16,178 (p < 0.0001). Os últimos dois grupos não diferem estatisticamente. Podemos ver a média de idade dos 3 grupos no gráfico que se segue: Idade Média de Idade 16 14 12 10 8 6 4 2 0 13,685 9,715 8,21 11,11 8,36 14,755 12,26 9,765 6,705 Com Ouvido Absoluto Estudantes Incertos Sem Ouvido Absoluto Gráfico 1. Média e +/-- desvio padrão da média da idade de início dos estudos de música. música diferente dos outros 2 grupos. Teste de Tukey posterior à Anova. 550 P< 005 Dos 294 voluntários que disseram possuir familiares músicos, apenas 30 declararam ter um ou mais ais parentes com OA. Dentre os voluntários portadores de OA, 37.05% revelaram ter parentes também portadores; já no grupo de não portadores de OA, apenas 7.77% disseram ter familiares portadores. Esses dados contrastantes tornam os dois grupos diferentes estatisticamente statisticamente (x2 = 15.11, p < 0.05), e corroboram estudos anteriores que afirmam que a manifestação do OA está possivelmente associada a fatores genéticos (Gregersen et al., 2000; Profita et al., 1988; Baharloo et al., 1998). Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Seu familiar que é músico possui OA? Sim Não Não sei TOTAL FAMILIARES MÚSICOS PORTADORES NÃO PORTADORES 9 (37.5%) 10 (41.66%) 5 (20.83%) 24 (100%) 21 (7.77%) 144 (53.33%) 105 (38.88%) 270 (100%) Tabela 3. Tabela feita apenas com estudantes que declararam possuir parentes músicos na família. Tais estudantes foram questionados se tais parentes eram ou não portadores de OA. 5. Discussão No total dos alunos das sete universidades que se declararam portadores de OA, pôde-se observar, através da análise das respostas fornecidas no questionário, a existência de particularidades com relação à percepção auditiva. Tais particularidades devem-se, sobretudo, às seguintes variáveis: • Timbres de maior ou menor facilidade de reconhecimento (46.8% declararam possuir dificuldades com alguns timbres). • Registros de maior ou menor facilidade de reconhecimento. O registro com maior facilidade de reconhecimento é o registro médio (assinalado 36 vezes). O registro agudo foi o segundo mais assinalado como fácil de reconhecer (34 vezes) e o registro grave se mostrou como o de maior dificuldade de reconhecimento (assinalado apenas 24 vezes). • Tempo de reflexão necessário para o reconhecimento da nota ouvida. Do total de estudantes declarados portadores de OA, 89.18% declararam reconhecer a nota ouvida imediatamente ou com no máximo 3 segundos de reflexão [5]. • Precisão na identificação das notas (erros de meio tom ou até erros de mais de meio tom). A maioria dos estudantes declarados portadores de OA responderam que eventualmente cometem erros de semitom (54.05%), 15 dos alunos pesquisados declararam acertar sem- 551 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 pre (40.54%), e ainda 2 deles disseram eventualmente errar por mais de meio tom (5.40%). • Capacidade de produzir vocalmente qualquer tom sem referência externa. A maioria dos alunos declarados portadores tadores de OA (55.55%) e os estudantes incertos de possuir a habilidade (61.29%) alegam que conseguem cantar a nota solicitada com precisão, mas somente após um pouco de reflexão [6]. 5.1. Categorias É importante ressaltar que nosso estudo é baseado apenas apena em depoimentos, e nesse sentido, seria interessante que futuramente fossem feitos testes que pudessem avaliar empiricamente as afirmações fornecidas pelos voluntários. É imprescindível, portanto que vejamos as categorias aqui sus geridas apenas como preliminares. inares. A classificação dos diferentes tipos de OA que estamos propondo foi realizada com base nas variáveis mencionamencion das acima. Sendo assim definimos cinco categorias de OA e duas subcatesubcat gorias que englobam alguns dos estudantes já contemplados nas categorias categor anteriores. O quadro a seguir revela a porcentagem de alunos em cada categoria: Categorias 4.4% 6.6% OA Preciso 26.6% 552 44.4% 17.7% OA Preciso Limitado OA Quase Preciso Gráfico 2. Categorias dos tipos diferentes de OA feitas a partir de dados coletados coletado [7] Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Ouvido Absoluto Preciso: Portadores de OA que apresentam grau absoluto (ou total) de acuidade, ou seja, que nunca cometem erros (nem mesmo de semitom) na identificação de notas, que não apresentam nenhum tipo de dificuldade referente ao registro ou timbre e que apresentam tempo de resposta de até 3s. Além disso, todos conseguem cantar imediatamente ou após um pouco de reflexão qualquer nota solicitada (sem referência externa). Ouvido Absoluto Preciso Limitado: Portadores de OA que apresentam características semelhantes aos classificados no grupo acima (nunca cometem erros e realizam a identificação de alturas em até 3 segundos), porém, reportam limitações em relação a timbre e/ou registro. Ouvido Absoluto Quase Preciso: Portadores de OA que se enquadram nesta categoria eventualmente cometem erros de semitom, identificam uma nota em até 3 segundos, apresentam dificuldade de reconhecimento em até dois timbres, nenhuma ou apenas uma limitação de registro e conseguem cantar uma nota solicitada imediatamente ou após um pouco de reflexão (sem referencia externa). Ouvido Absoluto Não Preciso: Portadores de OA que declararam errar eventualmente por 1 tom se enquadram nessa categoria. Conseguem reconhecer uma nota em até 3 segundos. Ouvido Absoluto Não Imediato: Essa categoria é dedicada aos alunos portadores de OA que necessitam de um tempo maior que a média para o reconhecimento de tons (mais de 3 segundos, chegando até a 15 segundos). 5.2. Subcategorias Os alunos apresentados nas duas subcategorias que se seguem já estão presentes em alguma das categorias descritas acima. O intuito das subcate- 553 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 gorias é realçar algumas características específicas de alguns dos portadores de OA. Ouvido Absoluto Não Cantável: Os alunos que se enquadram nessa subcategoria alegaram incapacidade de cantar uma nota solicitada sem referência externa, mesmo após reflexão. Estes alunos reconhecem uma nota ouvida em até 3 segundos e não apresentam um padrão quanto à habilidade na identificação de notas [8]. Apresentam limitações para timbres diversosw [9] e quase todos apresentam limitação para o registro grav3 [10]. Quatro alunos (8.8%) se enquadram nessa categoria. Ouvido Absoluto Limitado para o Timbre da Voz: Tal subcategoria é dedicada aos alunos que declararam ter dificuldade apenas para o timbre da voz e facilidade para todos os outros. Esses alunos reconhecem tons imediatamente, acertam sempre ou erram eventualmente por meio tom e não possuem dificuldade em nenhum registro [11]. Cinco alunos (11.1%) se enquadram nessa categoria. 554 Notas [1] Pesquisa realizada com alunos matriculados nos cursos de graduação das faculdades mencionadas nos anos de 2007 a 2011. [2] Todos os gráficos e tabelas presentes neste artigo se referem a dados coletados em estudantes de música matriculados nas sete universidades mencionadas (UnB, UNESP, FAAM, FASM, FPA, FIC e USP). [3] Um estudante que declarou não ter certeza de ser portador de OA e sete estudantes que se declararam não portadores de OA não responderam a questão e por isso foram eliminados dessa tabela. [4] O qui-quadrado, simbolizado por x2, consiste numa ferramenta estatística para a comparação de variáveis independentes com observações discretas. Em nosso trabalho, o teste foi utilizado para a comparação das frequências observadas para cada um dos grupos, observando se estes diferem ou se são equivalentes. [5] Imediatamente ou com até 3 segundos de reflexão são consideras respostas muito rápidas, o que nesse estudo agruparemos como semelhantes. [6] Nesse caso, um pouco de reflexão significa um tempo razoavelmente longo (por volta de 10 segundos ou mais, podendo chegar até 1 minuto). [7] Categorias baseadas nos depoimentos de apenas 45 alunos declarados portadores de AO. Dois alunos ficaram de fora dessa etapa, pois deixaram muitas questões em branco. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 [8] Um estudante disse acertar sempre as notas, dois alegaram errar por meio tom e ainda um deles declarou errar eventualmente por mais de meio tom. [9] Um aluno declarou não apresentar limitação para nenhum timbre. [10] Um aluno declarou não apresentar limitação para nenhum registro. [11] Um aluno declarou apresentar dificuldade no registro grave. 6. Referências Bachem, A. (1937). Various types of absolute pitch. Journal of the Acoustical Society of America, 9, 146-151. Bachem, A. (1955). Absolute pitch. Journal of the American Acoustical Society of America, 27, 1180-1185. Baggaley, J. (1974). Measurement of absolute pitch. Psychology of Music, 22, 11-17. Baharloo, S. et al. (1988). Absolute pitch: an approach for identification of genetic and nongenetic components. American Journal of Human Genetics, 62, 224-231. Chouard, C. H. & Sposetti, R. (1991). Environmental and electrophysiological study of absolute pitch. Acta Otolaryngologica, 111, 225-230. Grerersen, P. K. et al. (1999). Absolute pitch: prevalence, ethnic variation, and estimation of the genetic component. American Journal of Human Genetics, 65, 911-913. 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Musikpsychologie und Musikaesthetik: Grundriss der systematischen Musikwissenschaft. Frankfurt: Akademischer Verlag. 556 Grupos de Estudo Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 MÚSICA, COGNIÇÃO E SAÚDE Debatedores: Rosemyriam Cunha, UNESPAR - FAP Tereza Raquel Alcântara Silva, UFG Shirlene Vianna Moreira, UBAM Noemi Nascimento Ansay, UNESPAR - FAP Clara Márcia Piazzetta, UNESPAR – FAP Cléo Monteiro França Correia, UNIFESP – SP Gustavo Gattino, UBAM Sinopse: Tem por objetivo articular contribuições advindas do campo de conhecimento da Musicoterapia com aspectos relacionados ao cérebro, à mente e à música. As atividades desse grupo tiveram início em 2010, com o objetivo de estudar todas as publicações de musicoterapeutas nos Anais dos SIMCAMs. Na ocasião, os trabalhos se desenvolveram sob o título Música, Cognição e Musicoterapia. Esse “meta estudo” resultou em quatro categorias: I – Estruturas sonoro-musicais e o funcionamento cerebral; II – Música e dinâmica do pensamento; III – Vivência dos parâmetros e Elementos sonoro-musicais; IV – Música e interação social. Em seu último encontro, em 2012, a proposta de estudo enfocou dois aspectos: Música e Plasticidade Cerebral, e Música e Cognição Social. Para o SIMCAM 9 o tema a ser abordado será especificamente o da Plasticidade Cerebral. Desta forma, pretende-se fazer uma aproximação dos trabalhos realizados no âmbito da Musicoterapia Neurológica, que envolvem a primeira categoria destacada em 2010. Trataremos assim dos efeitos neurofisiológicos, neuroquímicos e neuromoleculares da música no cérebro, a partir de atividades musicoterapêuticas específicas. Sabe-se que tanto a escuta como a execução musical ativam várias áreas cerebrais envolvidas nos processos emocionais, 559 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 cognitivos e sensório motores, além de ativar uma série de neurotransmissores e genes relacionados a proteínas do cérebro. Entendemos que a ampliação do conhecimento desses mecanismos permite a ação mais efetiva da musicoterapia, que visa, através do sonoro-musical, a respostas funcionais que permitem ao indivíduo a ampliação do seu grau de autonomia e uma melhor qualidade de vida. São bem-vindos ao debate todos os interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recém-chegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio. Textos de referência: Altenmuller, E & Schlaug G. (2013). Neurologic music therapy: The beneficial effects of music making on neurorehabilitation. In The Acoustical Society of Japan. Koelsch, S. (2009). The Neurosciences and Music III—Disorders and Plasticity: Ann. N.Y. Acad. Sci. 1169: 374–384 (2009). doi: 10.1111/j.1749-6632.2009.04592.x _c 2009 New York Academy of Sciences. Koelsch,S.; Siebel S. Walter. A (2005). Towards a neural basis of music perception. Trends in Cognitive Sciences Vol.9 No.12 December Ensevier. 560 Moreira et al. (2012). Neuromusicoterapia no Brasil: aspectos terapêuticos na reabilitação neurológica. In Revista Brasileira de Musicoterapia. Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 CRIAÇÃO MUSICAL E COGNIÇÃO Coordenação: Sonia Ray, UFG Sinopse: O objetivo geral do trabalho a ser desenvolvido é identificar possíveis objetos de pesquisa e seus procedimentos metodológicos na confluência de Criação Musical (considerando-se práticas composicionais e performance musical) e Cognição. Em 2010, o grupo já coordenado pela profª. Sonia Ray fez um levantamento da produção bibliográfica em composição e performance musicais, dos últimos 5 anos, que tinham como referência processos cognitivos. Consideraram-se publicações periódicas, anais de congressos, teses e dissertações defendidas e livros. Analisando-se os anais das cinco primeiras edições do SIMCAM, foram encontrados 29 artigos sobre performance e 12 artigos sobre composição; nos periódicos Música Hodie, Permusi, Revista da ABEM, Claves e Em Pauta (de 2005 a 2009) foram encontrados 14 trabalhos sobre performance e 17 sobre composição, no contexto investigado; nos anais dos Congressos da ANPPOM (2005 a 2009) foram encontrados 20 trabalhos sobre cognição e performance e 13 trabalhos sobre cognição e composição. A investigação nas dissertações e teses dos programas de pós-graduação não foi concluída, pois as informações dos últimos 5 anos não estavam completas nos sites da maioria dos programas. Na reunião de 2010, a discussão foi aprofundada e optouse por definir descritores (palavras-chave) que auxiliassem pesquisadores da área a melhor identificar essas produções. No último ano, 2012, a proposta do GE foi de discutir conceitos e aplicações da cognição musical no processo de criação. Em sintonia com o tema do SIMCAM 8, dividiu-se a discussão em duas etapas: trajetória (fundamentos da ciências cognitivas, suas vertentes e estado da arte em estudos brasileiros) e perspectivas (que caminhos as pesquisas apontam para um futuro próximo e a médio prazo). As bases 561 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 para discussão foram publicações dos próprios anais dos SIMCAM (disponíveis no site da ABCM), bem como textos selecionados. Como resultado, foi criado um grupo de discussão on-line que não teve nenhum trabalho publicado. Contudo, as perspectivas levantadas nas discussões apontaram para a necessidade de se discutirem mais questões aplicativas, a fim de instrumentalizar os pesquisadores recém-chegados à área e ampliar a visão dos já atuantes. A proposta de trabalho no SIMCAM 9 é identificar objetos, procedimentos metodológicos e possíveis associações com estudos de outras áreas, como estratégia de organização de grupos de pesquisa interdisciplinares. São bem-vindos ao debate todos os interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recém-chegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio. Textos de referência: Borém, Fausto; Ray, Sonia. Pesquisa em Performance Musical no Brasil no Século XXI: problemas, tendências e alternativas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA, 2., Rio de Janeiro, 2012. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2012. p.121-168. Ilari, Beatriz. Cognição Musical: origens, abordagens tradicionais, direções futuras. In: Mentes em Música. Ilari, B. e Araujo, R.C. (Orgs). Curitiba: Deartes, 2009. Pgs. 158-178. 562 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 SEMÂNTICA COGNITIVA E MÚSICA Coordenação: Marcos Nogueira, UFRJ Sinopse: Grupo de Trabalho proposto para o SIMCAM 9. Discutirá as teorias cognitivas do sentido musical e o desenvolvimento de métodos descritivos da forma musical. Enfocará o dimensionamento da descrição da experiência do sentido musical e da comunicação do seu entendimento, originado no modo particular com que experimentamos a vocalização e a ação corporal espaço-temporal como implicações de estruturas de sentido “pré-conceituais”, imaginação e sentimentos. O referencial teórico abordado será, pois, essencialmente circunscrito à pesquisa cognitiva e tem como centro teorias contemporâneas que discutem conceitos como memória, categorização, metáfora e sintaxe. A opção pelo viés da pesquisa cognitiva como principal referência metodológica a ser discutida demonstra a assunção de que a música é uma competência cerebral e corporal, pois os padrões de fluxo e refluxo, de tensão e distensão, são estruturas experienciais da música aprendidas pelo corpo e reconhecidas em outras experiências incorporadas, similarmente estruturadas. A semântica cognitiva e, particularmente, a descrição das estruturas abstratas de imagem na memória permite vislumbrar novas perspectivas para o estudo do sentido musical. Para as sessões do GE no SIMCAM 9 propõe-se, particularmente, o debate em torno do entendimento do processo semântico revelado em nossas descrições proposicionais da experiência com a música e serão bem-vindos todos os interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recémchegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio. 563 Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013 Textos de referência: Bregman, Albert S. (1999). Auditory scene analysis: the perceptual organization of sound. Cambridge, MA: MIT Press. Gibbs, Raymond W. (2006). Embodiment and cognitive science. Cambridge: Cambridge University Press. Johnson, Mark. (1990). The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination, and reason. Chicago: University of Chicago Press. 564