1 A BIBLIOTECA DA FACULDADE DE DIREITO ENQUANTO FONTE PARA A HISTÓRIA DO ENSINO JURÍDICO EM SERGIPE: PERCURSO INVESTIGATIVO (1951 – 1970) Marcia Terezinha Jerônimo Oliveira Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected] Introdução: ordenando os livros na estante. Este trabalho consiste em um percurso investigativo que lança seu olhar sobre a Biblioteca da Faculdade de Direito de Sergipe, no período de 1951 a 1970, objetivando trazer à tona sua importância enquanto fonte para o estudo do Ensino Jurídico nessa unidade da Federação brasileira. A pesquisa tem como marco inicial a criação da biblioteca pela Congregação da faculdade e final, a efetiva incorporação da Faculdade de Direito de Sergipe à Fundação Universidade Federal de Sergipe e consequente transferência do acervo da referida biblioteca para a Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe (BICEN). O trabalho encontra-se inserido, assim, no âmbito da História da Educação. Os estudos que tratam de bibliotecas no ocidente estão intimamente associados à manutenção da memória, à disseminação da cultura escrita, ao livro, ao hábito da leitura e ao percurso formativo de leitores seja na esfera privada, seja na esfera pública, por meio das instituições escolares. No âmbito da Nova História e a História Cultural, tal temática é tratada com relevo por Roger Chartier (1994), (1999), e encontra também eco nas discussões propostas por Robert Darnton (2002) e (2010), além de Jean Hérbrard (2009), dentre outros. Na produção do Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe, especificamente, na linha de pesquisa “História, sociedade e pensamento educacional”, a biblioteca vem sendo tratada de forma mitigada e incidental. Uma possível conexão pode ser realizada a partir da ênfase dada à disseminação de cultura escrita e aos leitores, que permearam trabalhos que analisaram o processo de formação da elite sergipana no século XIX, a exemplo das dissertações de Silva (2004) e de Abreu (2006). Sob outra abordagem, dessa vez a das trajetórias de vida de intelectuais da primeira metade do século XX, cuja formação inicial ocorria, em quase sua totalidade, em Gabinetes de 2 Leitura1, ou em acervos familiares, as bibliotecas surgem de forma secundária na maioria dos trabalhos, assumindo a mesma tendência do estudo das elites, como no caso da pesquisas que trataram de intelectuais sergipanos a exemplo dos estudos que tiveram enquanto objetos de estudo intelectuais como Nunes Mendonça, Alfredo Montes, Carvalho Neto, Leida Regis etc. A análise de impressos realizada por pesquisadores do NPGED priorizou revistas, coleções e jornais produzidos e com circulação em Sergipe nos séculos XIX e XX. Dentre os objetos pesquisados, o que mais se aproxima desta proposta, e que liga a biblioteca à leitura e aos leitores, é o trabalho de Cruz e Silva (2006), que tratou da Revista Litteraria e trouxe ínsita a recuperação histórica do Gabinete de Leitura de Maroim, Sergipe, no século XIX. Desse modo, no presente trabalho, além de tratar de fontes históricas de modo geral e especificamente de documentos, imagens e relatos orais e sua relação com a nova perspectiva historiográfica proposta pela Escola dos Annales e pela História Cultural, realizarei o levantamento das principais ações por meio das quais decorreu a implantação do Ensino Jurídico em Sergipe, cenário de criação da Biblioteca da Faculdade de Direito, situando a biblioteca dentro do processo de constituição enquanto fonte histórica. Para a consecução do estudo a opção metodológica foi a abordagem histórica, de natureza descritiva, mediante a da utilização de fontes impressas, por meio de revisão bibliográfica (livros, artigo e dissertações), fontes documentais, inclusive, legislativas, além das fontes iconográficas e relatos orais. 1. O papel das fontes na historiografia educacional e na construção da História do Ensino Jurídico em Sergipe. Etimologicamente, segundo Ferreira (2004, p. 920), a palavra fonte possui diversas acepções, das quais se destacam a de nascente, origem e procedência. Falar de origem relacionada ao processo historiográfico representa tratar da recuperação da memória humana e a História, a partir de sua constituição enquanto um campo das Ciências Sociais tem sofrido significativas alterações, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista metodológico. 1 Tema amplamente discutido por Schapochnik (2008) no artigo Distinção, instrução & prazer: uma tipologia dos gabinetes de leitura no Brasil oitocentista, onde o autor realiza elucidativa caracterização conceitual e prática dos Gabinetes de Leitura. 3 Nesse sentido, o início do século XX foi prodigioso em rupturas que decorreram no abandono da visão totalizante da História cujas análises se baseavam estritamente em aspectos econômicos, quantitativos e estruturais. A quebra do paradigma até então vigente e a busca em ciências como a Antropologia, a Sociologia, a Etnologia, etc, para a compreensão do homem e de suas ações e práticas sociais tem suas raízes na Escola dos Annales. A Escola de Annales, lastreada em seu primeiro momento nas idéias de Lucien Febvre e Marc Bloch, inseriu novas tendências historiográficas, no âmbito teórico e metodológico, sendo que nos últimos 40 anos, conforme lecionado por Burke (1992), Chartier (2002), Le Goff (2003), passou cada vez mais a valorizar, o que Lopes e Galvão (2001) denominam de os sujeitos “esquecidos” da História. Segundo Le Goff (2005, p. 419), a memória é a “propriedade de conservar certas informações” e, os silêncios da História, são reveladores de mecanismos de manipulação da memória. A apreensão das práticas históricas, inclusive, o esquecimento e a ausência de estudos, chamam a atenção para a necessidade de sua desmistificação sob o risco de perdas irreparáveis da memória histórica, esse o caso da Faculdade de Direito de Sergipe e, consequentemente, de sua biblioteca. Compreender tal memória, por mais recente que possa se apresentar do ponto de vista da História das sociedades humanas prescinde de um meticuloso processo investigativo em busca de pistas que em meio a toda opacidade possam revelar traços característicos do objeto e do tema, como morfologicamente anunciado por Ginzburg (1989, p. 177) ao tratar do paradigma indiciário e que assim se expressa “[...] Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la. [...]”, tornando-se necessário, assim, “[...] examinar os pormenores mais negligenciáveis [...]” Na nova perspectiva historiográfica foram incluídas fontes como sentimentos, emoções, mentalidades. Esse caldo cultural tem ampliado os horizontes da História, principalmente, no campo educacional, onde agora, “temas como a cultura e o cotidiano escolares, a organização e o funcionamento interno das escolas, a construção do conhecimento escolar, o currículo, as disciplinas, os agentes educacionais (professores, professoras, alunos e alunas), a imprensa pedagógica, os livros didáticos, etc, tem sido crescentemente estudados e valorizados.” (LOPES e GALVÃO, 2001, p. 40). 4 O estudo do Ensino Jurídico em Sergipe, especificamente no que se refere à Faculdade de Direito, conta com a possibilidade da utilização de diversificadas fontes. No caso das impressas, além dos documentos (atas, exames de habilitação, processos administrativos, folhas de pagamento, transferências, declarações, etc) disponíveis no Arquivo Geral da UFS, há a Revista da Faculdade de Direito de Sergipe e as colunas dos jornais estudantis Academvs e A Verdade e, alguns artigos publicados em coletâneas e jornais. Dos trabalhos produzidos no âmbito acadêmico destaca-se o produzido por Oliveira (2008), primeiro a tratar da Faculdade de Direito de Sergipe a partir da perspectiva da História Cultural. Há, ainda, os relatos orais de ex-alunos e de alguns ex-professores. As fontes ora apresentadas indicam as principais formas pelas quais a memória se materializa: o monumento (herança do passado) e o documento (escolha do historiador). Le Goff (2005) analisa a revolução pela qual a concepção de documento tem passado no campo da História. Originalmente tido como “prova” e na modernidade ancorado em visões positivistas de cariz quantitativo; as recentes tendências historiográficas relativas ao documento ou “novo documento” vão além destas cercanias, para considerá-lo uma espécie de inconsciente cultural. Dessa maneira a intervenção do historiador que escolhe o documento extraindo-o do conjunto de dados do passado, preferindo-o a outros “[...] insere-se em uma situação inicial que é ainda menos “neutra” do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. É antes de mais nada, resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente da história, da época, da sociedade que o produziu” (LE GOFF, 2005, p. 537-538). Outro aspecto importante em se tratando da nova perspectiva historiográfica é a utilização da História Oral em sua dupla possibilidade (método/técnica) exatamente pela memória também poder ser assim expressa. Segundo Losano (2006, p. 16), os relatos orais são compostos e expressam “[...] depoimentos e tradições, relatos e histórias de vida, narrações, recordações, memória e esquecimento, etc, todos rotulados como elementos subjetivos de difícil manejo científico [...]”. Para o autor, que trata da prática e do estilo de utilização da História Oral, inclusive, enquanto suporte as pesquisas de natureza histórica, [...] A novidade que se percebe, consiste principalmente, em reconhecer que a História Oral constitui-se pela confluência multidisciplinar; tal como uma encruzilhada de caminhos, a História Oral é um ponto de intercâmbio entre a 5 História e as demais ciências sociais e do comportamento, especialmente com a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia. A novidade se manifesta não só na abertura temática e metodológica por parte dos historiadores, mas, também, na paulatina delimitação de uma tarefa histórica, tanto no que diz respeito ao objeto e ao sujeito de estudo, como as perspectivas e aos métodos de pesquisa. Nesse contexto mais amplo, se situa “revalorização” das fontes orais por parte dos historiadores. (LOUSANO, 2006, p. 18). As novas cercanias e possibilidades de utilização de fontes dentro da História Cultural remetem, finalmente, à iconografia, que é, segundo Paiva (2007), o registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas e, ainda, esculpidas, modeladas, talhadas, gravadas com material fotográfico e cinematográfico. Por isso mesmo, diante da diversidade de possibilidades e diante muitas vezes da crença de que os elementos iconográficos retratam fielmente a época à qual estão vinculados é que o autor alerta para a necessidade de cautela do historiador em sua utilização, na medida em que “[...] traz embutida as escolhas do produtor e todo o contexto no qual foi concebida, idealizada, forjada ou inventada [...]” PAIVA (2007, p. 17). 3. O Ensino Jurídico em Sergipe Após tentativas frustradas, uma no século XIX e outra no início do século XX, em 1950, diversos juristas e intelectuais sergipanos, dentre eles, Afonso Moreira Temporal, Alberto Bragança de Azevedo, Antonio Manuel de Carvalho Neto, Armando Leite Rollemberg, Augusto César Leite, Enoch Santiago, Francisco Leite Neto, Gonçalo Rollemberg Leite, Hunald Santaflor Cardoso, João de Araújo Monteiro, José da Silva Ribeiro Filho, José Temporal, fundam a Faculdade de Direito de Sergipe, durante reunião realizada em 28 de fevereiro, na sede do Conselho Penitenciário, constituindo o primeiro corpo docente da Faculdade de Direito. Para dirigir os trabalhos da organização do curso, foi escolhido o jurista Antonio Manoel de Carvalho Neto, que atuou nesse mister até o mês de agosto, quando, por haver sido eleito Deputado Federal e necessitar ausentar-se de Sergipe, foi substituído pelo professor Álvaro Fontes da Silva. O ano de 1950 foi intenso. Em 1º de março é instalada oficialmente a Faculdade de Direito de Sergipe que, em 19 de maio, por intermédio da Lei Estadual nº 242, é declarada de 6 utilidade pública, o que lhe garante, em caráter permanente, a subvenção anual de Cr$ 100.000,00. Em 20 de junho, são aprovados pela Congregação os Estatutos e o Regimento da Faculdade. Em 19 de janeiro de 1951, o Decreto 29.181, do Governo Federal, autoriza o funcionamento do curso de bacharelado da Faculdade de Direito de Sergipe. Desde o início de suas atividades a Faculdade de Direito de Sergipe teve como endereço a Avenida Ivo do Prado 612, em Aracaju, prédio onde anteriormente funcionara o Grupo Escolar Barão de Maroim2. O imóvel, doado à Faculdade pelo Governo do Estado de Sergipe por intermédio da Lei nº. 242 de 19.05.1950 foi legalmente a ela transferido por intermédio do Decreto nº. 204 de 1950. A característica mais marcante do prédio do antigo grupo escolar era a monumentalidade como afirma Santos3, traço que continha em seu bojo o ideário republicano que justificou a criação do modelo dos grupos escolares, representado na demonstração da preocupação do Estado com a educação, oferecida em um espaço concebido especificamente para esse fim, objetivando, dentre outras finalidades, propiciar economia de tempo, a vigilância e educação dos alunos, além da prática do higienismo e à cultura cívica. Em 15 de março de 1951, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, com a presença do Governador do Estado, do Bispo Diocesano, de autoridades Federais e Estaduais e de grande público, foi iniciado o curso da Faculdade de Direito de Sergipe. Coube ao professor Gonçalo Rollemberg Leite proferir a aula inaugural, sob o tema O direito em Sergipe LEITE (1953. p. 07-09.). Dava-se início, assim, à vida acadêmica da Faculdade de Direito de Sergipe. 4. A Biblioteca da Faculdade de Direito de Sergipe A criação de uma biblioteca para a Faculdade de Direito foi preocupação que ocupou uma das primeiras reuniões da Congregação, ocorrida em 05 de março de 1951. Para adquirir 2 O Grupo Escolar foi construído sobre as ruínas do antigo “Asylo Nossa Senhora da Pureza”, instituído em 1874 por personalidades sergipanas, dentre elas João Gomes de Mello, o Barão de Maroim, e funcionou até 1891. A causa para o fim de suas atividades foi a escassez de recursos para sua manutenção. Cf. SANTOS (2005, p.81). 3 Como detalha Santos a monumentalidade do prédio do Grupo Escolar Barão de Maruim encarnava diversos símbolos “[...] Esses elementos simbólicos também estavam presentes na fachada [...] Nela, havia seis colunas jônicas e três escadas [...] se constitui, também, em uma das principais e mais bonitas construções da cidade de Aracaju na primeira metade do século XX. [...]” Cf. SANTOS, 2005, p. 86. 7 o acervo inicial, o Diretor, Otávio Leite, formou Comissão constituída pelos professores João de Araújo Monteiro, Osmam Hora Fontes, Manoel Cabral Machado e Luiz Pereira de Melo. O diretor responsabilizou-se, também, em buscar doação de livros junto ao Governador do Estado. (Revista da Faculdade Direito, 1960. p. 313). No dia 06 de março, por unanimidade, o Conselho Técnico Administrativo, em reunião, aprova a indicação do professor Gonçalo Rollemberg Leite como organizador da Biblioteca da Faculdade de Direito de Sergipe, que é instalada em 20 de março de 1951, mediante a oferta de 62 obras pelo industrial Francisco de Barros Melo (Revista da Faculdade de Direito, 1960, p. 314). Em 11 de agosto de 1954, Gonçalo Rollemberg realiza a inauguração, no terreno localizado na parte dos fundos do prédio da faculdade, de um novo edifício, objetivando conceder melhores condições físicas à faculdade. Cabral Machado (informação verbal) assim relata o ânimo em que Gonçalo Rollemberg se encontrava “[...] com que amor ele fez o levantamento do prédio do fundo da faculdade onde lá instalou a Diretoria e a Secretaria da faculdade e em cima o doutoral e a biblioteca. [...]” (MACHADO, 2006). Para organizar o espaço físico, a biblioteca foi dotada de armários, estantes e bureauxs. A catalogação dos livros ficava a cargo da servidora administrativa Maria Josefina Leite Torres, que além de funcionária, bacharelou-se em Direito naquela faculdade, em 16 de abril de 1963. Na maioria das vezes, como afirmou a Secretária Ester Brito (Informação verbal), Gonçalo Rollemberg auxiliava na catalogação do acervo da biblioteca. O zelo e cuidado com a biblioteca e seu acervo são destacados pela Secretária da Faculdade de Direito, Ester Brito Rolemberg (Informação verbal), ao afirmar que Gonçalo Rollemberg diariamente visitava a biblioteca para saber sobre o estado dos livros, dos empréstimos realizados pelos leitores, etc. No processo de federalização, Josefina foi enquadrada como funcionária administrativa, passando a bibliotecária após longo processo administrativo movido junto ao Ministério da Educação no qual as informações prestadas pelo diretor Gonçalo Rollemberg Leite foram essenciais para a realização do re-enquadramento. Quanto à composição do acervo da Biblioteca da Faculdade de Direito, esta foi sendo paulatinamente realizada, por meio de doações e aquisições. Uma biblioteca que chegou a conter, em 1970, 3.568 exemplares e 7.008 volumes, que estavam divididos em uma biblioteca 8 circulante, destinada ao empréstimo de livros aos estudantes, localizando-se logo na entrada do prédio da frente da Faculdade e a Biblioteca Central, situada no primeiro andar do prédio dos fundos. O conjunto das duas bibliotecas formava a Biblioteca Tobias Barreto mais conhecida como Biblioteca da Faculdade de Direito, sendo objeto de cuidadosa atenção de Gonçalo Rollemberg. Não apenas numerosa, a Biblioteca Tobias Barreto continha um acervo que possibilitava sólida formação jurídica, como é assim relatado por Cabral Machado (informação verbal) [...] Oh! Admirável biblioteca da Faculdade de Direito nós tínhamos o cuidado especial de fazer com que a nossa biblioteca fosse uma biblioteca de alta modernidade para que os novos juristas do Brasil, da França, da Itália, da Alemanha, de Portugal pudessem estar presentes e então os alunos tiveram oportunidade de conhecer os juristas do século XIX, não somente o século do Código de Napoleão, Potier, Troplong, mas, também os juristas posteriores das transformações, Planiol, Ripert, Savatier e tantos outros, que eu não vou citar a enorme biblioteca da Faculdade de Direito.[...] (MACHADO, 2006). Nas imagens a seguir, o organizador da Biblioteca da FDS, o prédio onde a biblioteca passou a funcionar a partir de 1954 e o doador das primeiras obras. Imagem 1 – Gonçalo Rollemberg Leite – Álbum de Formatura da Turma de 1955. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Imagem 2 – Prédio dos Fundos da Faculdade – Revista da Faculdade de Direito nº 02, 1954, s/ nº pag. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Imagem 3 - Francisco de Barros Mello – Jornal a Tribuna. Santos/São Paulo, agosto de 1936. Acervo Waldir Rueda. Uma análise das informações contidas na seção Noticiário da Revista da Faculdade de Direito, no período entre 1953, data de sua primeira edição e 1970, quando ocorreu o 9 afastamento definitivo de Gonçalo Rollemberg da direção da FDS e das demais atividades por ele exercidas naquela academia, possibilita verificar que o maior número de aquisições de obras ocorreu em 1960, perfazendo 90 exemplares e 122 volumes e o maior número de doações aconteceu mediante o ingresso de 82 exemplares e 94 volumes. Passaram pela Biblioteca da Faculdade de Direito, de 1955 a 1970, pelo menos 19.471 leitores e destes, realizaram empréstimos de livros a aproximadamente 6.579 usuários. 4 A seguir, a única imagem localizada até o momento que registra o interior da Biblioteca da Faculdade de Direito e seus leitores, como também, da primeira bibliotecária, Maria Josefina Leite Torres. Observe-se na imagem 4 que os livros eram guardados em estantes de madeiras fechadas com portas de vidro, o que implica dizer que o leitor não tinha livre acesso aos livros. Imagem 4 - Biblioteca Circulante. Data aproximada 1953-1954. Acervo: Museu do Homem de Sergipe / UFS Imagem 5 – Maria Josefina Leite Torres. Quadro de formatura da Turma de 1963. Acervo: Museu do Homem de Sergipe / UFS. O elevado número de empréstimos de livros corrobora a assertiva de Gonçalo Rollemberg Leite sobre a importância da Faculdade de Direito e consequentemente da biblioteca para o desenvolvimento do Ensino Jurídico em Sergipe “[...] Num meio paupérrimo, diplomamos mais de duzentos bacharéis, a maioria dos quais não teria possibilidade de fazer curso superior, não fosse a criação da Faculdade de Direito de Sergipe [...]” (LEITE, 1969, p. 4 Utiliza-se aqui o termo pelo menos em face do levantamento basear-se na seção Noticiário da Revista da Faculdade de Direito, onde não foram consignadas informações relativas ao período de 1951 a 1955 e aos anos de 1963 a 1965, sendo presumível que o número seja superior ao informado. 10 141), ficando patenteado que o acesso à literatura jurídica, por intermédio da biblioteca da faculdade, foi essencial para os aproximadamente 300 bacharéis que ali se graduaram. Apesar da relatada qualidade das obras do acervo da biblioteca, conforme asseverado por Cabral Machado, Gonçalo Rollemberg Leite, enquanto professor de Direito Civil e Diretor daquela academia por 17 dos 20 anos de sua existência, lamentava que os discentes, em sua maioria, não tivessem uma formação humanista sólida, que possibilitasse um melhor aproveitamento dos conhecimentos específicos das disciplinas ministradas em sala de aula, conforme se pode verificar no seguinte excerto publicado na Revista da Faculdade de Direito. Nestes vinte anos de magistério superior, sempre achei, que no curso jurídico, o ponto fraco estava na ausência de conhecimentos gerais dos alunos para acompanharem o ensino no curso profissional. Como aprender as diferentes disciplinas que compõem o curso jurídico sem nada conhecer de psicologia, de elementos de economia e finanças, sem conhecimentos sólidos de história, e, pelo menos, noções de literatura? (LEITE, 1969, p. 142) Tal afirmação reflete em seu bojo os fortes traços da formação familiar e acadêmica de Gonçalo Rollemberg e sua relação com a cultura escrita e bibliotecas, conforme descrito por Resende (informação verbal) [...] Na biblioteca da casa do engenho da Fazenda Angico, onde nascemos e crescemos, Gonçalo e os demais irmãos encontraram terreno propicio para desenvolver a sua formação literária com uma seleção cuidadosa de obras dos clássicos e revistas, como as ilustrações francesas, noticiando os acontecimentos que ocorriam na Europa e no mundo. [...] (RESENDE, 2006). A incorporação da Faculdade de Direito pela Universidade Federal de Sergipe, em 15.05.1968, por intermédio do Decreto-Lei nº 269/68, e sua paulatina efetivação, trouxeram complexas mudanças para a academia jurídica, dentre elas, para a dinâmica da biblioteca em face o destino dado a seu acervo que passou a compor a Biblioteca Central da UFS (BICEN). Assim relata Cabral Machado (informação verbal) [...] e a nossa Biblioteca sumiu, em meio da Biblioteca Geral da Universidade. [...]. Passados aproximadamente 40 anos do processo de mudança, é possível identificar na BICEN parte do acervo legado da Faculdade de Direito. São cerca de 600 (seiscentos) 11 exemplares5, muitos dos quais em elegante encadernação, em capa dura, alguns escritos em inglês, francês e italiano. Não foram localizados documentos contendo registros dos livros consultados, identificação das doações recebidas, livros adquiridos, editoras, livreiros, etc, entre 1950 e 1970. A existência de anotações pormenorizadas poderia possibilitar a realização de estudos mais detalhados que permitissem maior conhecimento das práticas de leitura dos acadêmicos de Direito, a exemplo da pesquisa envidada por Carneiro (2007) que retratou a prática de leitura de leitores da Faculdade de Direito de São Paulo, no período de 1887 a 1920. Por isso, é a partir do estudo desse acervo remanescente e de outras fontes historiográficas a ele relacionadas, que a biblioteca torna-se valiosa fonte de compreensão da História do Ensino Jurídico em Sergipe. Outro exemplo das pistas que a Biblioteca pode oferecer é o dos vestígios materiais apontados por Cunha (2009), e que compreendem as marcas de leitura: objetos / relíquias (folhas, bilhetes) deixados dentro de livros por leitores; dedicatórias, anotações e observações à beira das páginas dos livros, também conhecidas como marginálias, assim como, as chamadas marcas do tempo, dentre as quais, destacam-se a cor e a textura das páginas de um livro e manchas de tinta, assim como, do levantamento das relações e inter-relações havidas no processo de circulação dos livros e impressos. Questões como: de que maneira a biblioteca estava organizada? Como e onde eram adquiridos os livros da biblioteca? Qual era o processo de definição dos títulos a serem adquiridos? Havia algum título restrito? Quem foram os doadores de livros?, podem vir a indicar preferências intelectuais, laços de sociabilidades, redes de interdependências, o itinerário dos livros dentro do processo editorial6, possibilitam o recurso a outro modo de percorrer o caminho investigativo. 5 Levantamento realizado entre os meses de novembro de 2009 a fevereiro de 2010, que catalogou os livros disponíveis para consulta nas estantes destinadas a obras classificadas como Direito na BICEN/UFS, além daquelas integrantes do Acervo de Obras Raras da BICEN, desde que a obra (exemplar/volume) tivesse como data de publicação ano anterior a 1970 e estivesse carimbada com a indicação de haver pertencido à Faculdade de Direito de Sergipe ou Faculdade Federal de Direito de Sergipe. É possível que existam outras obras que tenham pertencido à Faculdade de Direito que estejam atualmente classificadas como História, Filosofia, Medicina Legal, Psicologia, Psiquiatria, etc. 6 Para melhor compreensão do processo editorial no Brasil e em Sergipe, sugere-se a leitura de HALLEWELL (1985) e SANTOS (2004). 12 O conjunto desses elementos indiscutivelmente constitui a Biblioteca da faculdade de Direito como relevante fonte para o estudo do Ensino Jurídico em Sergipe e pode levar ao descobrimento de mais subsídios caracterizadores das práticas de leitura. 5. Considerações finais Este estudo, caracterizado como uma pesquisa típica da História da Educação, tendo como referencial teórico-metodológico a Nova História Cultural, constitui-se em percurso investigativo que analisou a constituição da Biblioteca da Faculdade de Direito no período de 1951 a 1970, na tentativa de compreender a História do Ensino Jurídico em Sergipe e algumas práticas de leitura dos acadêmicos e demais usuários, além de discutir a utilização na História e na História da Educação, de diferentes fontes historiográficas. Nesse sentido a pesquisa evidenciou os novos contornos assumidos pelos documentos, a utilização da História Oral e da Iconografia. Enfim, a própria Biblioteca da Faculdade de Direito enquanto fonte, a partir de elementos como títulos, autores, número de consultas, anotações nos livros, e o próprio silêncio, vez que não foram localizados no Arquivo Geral e na Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe, quaisquer documentos ou relatórios dentro do marco temporal estudado. A criação da Biblioteca foi uma das primeiras preocupações da Congregação da Faculdade de Direito, sendo o jurista Gonçalo Rollemberg Leite aquele ao qual foi delegada a responsabilidade de montar a biblioteca, cujas obras iniciais foram doadas por Francisco de Barros Melo. O acervo, em 1970, chegou a possuir cerca de 7.000. Batizada de Tobias Barreto, a biblioteca estava composta por uma seção circulante, destinada a empréstimos de livros, que se localizava no prédio da frente e, a partir de 1954, de outra denominada de central, composta por obras de referências. O único registro fotográfico da biblioteca até agora localizado demonstra a forma como o acervo de livros estava disposto, assim como, a forma como os leitores acessavam os livros no interior da biblioteca. Exatamente por ser um percurso investigativo, o levantamento ora realizado ainda que tenha desvelado questões relevantes para a compreensão do significado e da práticas 13 ocorridas na biblioteca da Faculdade de Direito, suscita diversas questões, tornando-a dessa forma uma fonte para o estudo do ensino jurídico em Sergipe. 7. Referências ABREU, Ricardo Nascimento. Os oficiais do exército brasileiro e a formação da elite intelectual sergipana no século XIX (1822-1889). Dissertação de Mestrado em Educação. São Cristovão: UFS, 2006. BRASIL, República Federativa do. Decreto nº 29.181, de 19 de janeiro de 1951. Autoriza o funcionamento da Faculdade de Direito de Sergipe. BRASIL, República Federativa do. Decreto Lei nº 269, de 15 de maio de 1968. Cria a Fundação Universidade Federal de Sergipe e dá outras providências. BURKE, Peter. A revolução francesa da historiografia: a escola dos Annales (1929-1989). 2. ed. São Paulo: UNESP, 1992. CARNEIRO, Maria Graciete Pinto. Dos leitores: o espaço da leitura na Biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo (1887 – 1920). Dissertação de Mestrado em História Social. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. CHARTIER, Roger. A beira da falésia. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002. CHARTIER, R. A ordem dos livros. Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora da UnB, 1994. CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. CRUZ e SILVA, Maria Lúcia Marques. Revista Liteterária do Gabinete de Leitura de Maroim (1890-1891). Dissertação de Mestrado em Educação. São Cristovão: UFS, 2006. CUNHA, Maria Teresa Santos (org.). Uma biblioteca anotada: caminhos do leitor no acervo de livros escolares do Museu da Escola Catarinense (Décadas de 20 a 60) /século XX) Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina: UDESC, 2009. DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. DARNTON, Robert. História da leitura in: BURKE, Peter (org). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. (Biblioteca Básica). 14 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1985. HÉRBRARD, Jean. As bibliotecas escolares: entre leitura pública e leitura escolar na França do II Império e da III República. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2009. EFEMÉRIDES. In: Revista da Faculdade de Direito de Sergipe. Ano VIII, nº 08. AracajuSergipe: L. Regina, 1960. p. 313-315. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 3. ed. 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