Pontos Relevantes na Atuação dos Oficiais Enfermeiros e Oficiais Médicos Veterinários em Operações de Garantia da Lei e da Ordem Jose Luiz Fontoura de Andrade, Márcio Roquim de Carvalho, Jose Roberto Pinho de Andrade Lima, Carla Christina Passos 1 Resumo: A doutrina do Exército determina que o Serviço de Saúde estabeleça medidas para preservação, bem como instrução da tropa no que se refere à saúde, higiene e profilaxia. Diretrizes do Comando do Exército incumbem, entre outras funções, o oficial médico veterinário de cooperar na preservação do potencial humano no Exército. Dentre as diversas funções elencadas na doutrina que podem ser incluídas para preservação do potencial humano, muitas delas exigem a formação de uma equipe multidisciplinar. Este artigo sugere alguns papéis que podem ser assumidos pelo oficial médico veterinário e oficial enfermeiro em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O presente trabalho, através de revisão bibliográfica, procura ressaltar pontos relevantes da atuação conjunta do oficial médico veterinário e oficial enfermeiro destinadas a sustentação da combatividade da tropa, através de medidas profiláticas e higiênicas. Este estudo visa dar subsídios aos militares citados, quando envolvidos em operações de GLO. Palavras-chave: doenças tropicais, profilaxia, Garantia da Lei e da Ordem, oficial médico veterinário, oficial enfermeiro. Summary: The Army doctrine regulates that the Service of Health establishes measures for preservation, as well as instruction of the troop as for health, hygiene and prophylaxis. Direction lines from the Army Command, among other functions, define the veterinarian army officer in charge to cooperate with the preservation of the human potential in the Army. Amongst the diverse functions listed in the doctrine that can be enclosed for preservation of the human potential, many of them demand the formation of a multidisciplinary team. This article suggests some roles that can be assumed by the veterinarian and the nurse army officers in Law and Order Maintenance (LOM) operations. The present work, through bibliographical revision, intend to stress excellent points of the joint performance of the military veterinarian and nurse destined for maintaining the troops fighting ability through prophylactic and hygienic measures. This study aims at giving subsidies to the military officers cited when involved in LOM operations. Key-words: tropical disease, prophylaxis, Law and Order Maintenance, military veterinarian, military nurse. 1 – Introdução Toda atividade operacional militar envolve preparativos de diversas áreas: logística, suprimento, inteligência, seleção dos militares e instrução da tropa. Diretrizes do Comando do Exército incumbem, entre outras funções, o oficial médico veterinário de cooperar na preservação do potencial humano no Exército (Instruções Reguladoras das Atividades de Remonta de Veterinária em Tempo de Paz (IR 19, 1999). A manutenção da saúde dos militares é de crucial importância para o sucesso da operação, e envolve ações preventivas realizadas antes e durante a missão. Prevenção é a ação antecipada, tendo por objetivo interceptar ou anular a evolução de uma doença. Dos profissionais de saúde habilitados para o desempenho desta ação preventiva, o oficial enfermeiro tem em sua formação acadêmica, capacidade para analisar as ações preventivas que têm por fim detectar e eliminar elos da cadeia epidemiológica, 1 EsAEx - Escola de Administração do Exército, Rua Território do Amapá, nº. 455, Pituba, Salvador – BA, Brasil. [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] tendo sempre em mente a biodiversidade em que os militares envolvidos em operações estarão atuando. O oficial enfermeiro e o oficial médico veterinário devem conhecer os múltiplos fatores relacionados com o agente etiológico, a tropa e o meio ambiente; levantar os riscos que a tropa irá enfrentar na zona da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), antecipar medidas preventivas com o objetivo de sustentar a capacidade combativa individual e do grupamento. Além das doenças tropicais endêmicas, existem doenças que podem surgir em condições limites de higiene, acomodação e transporte. No Brasil, grande parte das doenças infecciosas não é de notificação compulsória, e as que são têm uma grande proporção de subnotificação. Além disso, boa parte dos diagnósticos não é conclusiva do ponto de vista etiológico. Desta forma, os números conhecidos oficialmente são bem inferiores aos reais. No planejamento das operações de GLO, a preservação do potencial humano abriga um espectro muito amplo de atividades profiláticas que podem ser adotadas. A partir de revisão bibliográfica e informações epidemiológicas do Brasil, serão levantados principais riscos para os militares envolvidos em operações de GLO, bem como algumas sugestões de medidas preventivas. Fica definido como teatros de operações possíveis para atuação em GLO qualquer ponto do território Brasileiro, em área urbana ou rural. Riscos para sanidade da tropa foram listados e agrupados visando facilitar a sugestão de medidas preventivas. Para a seleção e inclusão de riscos à saúde foram utilizados três critérios: doenças endêmicas tropicais, doenças com baixa incidência nos últimos anos, mas com grande letalidade e doenças emergentes ou reemergentes que o oficial enfermeiro deve estar preparado para identificar e ou prevenir. O presente artigo tem como objetivo sugerir aquelas mais significativas, a partir da epidemiologia de problemas sanitários que uma tropa em GLO possa enfrentar quando em ação e levantar as principais atuações dos oficiais enfermeiros e oficiais médicos veterinários nesse tipo de operação. 2 – Doenças Transmitidas por Insetos 2.1 - Malária. O agente etiológico é o Plasmodium (das espécies P. malariae, P. vivax e P. falciparum). Os mosquitos anófeles são os transmissores. Ocorre também a transmissão por sangue contaminado na transfusão sanguínea (ROUQUAYROL, 1994). O Brasil registrou de 1980 a 2003 10.750.771 lâminas positivas, a região norte concentra 80,97% do total (BRASIL, 2005). O oficial médico veterinário pode preveni-la através de dedetização próximo a pontos importantes na ação de GLO, tais como: postos de observação, de controle de veículos, de descanso ou acampamento da tropa, uso de mosquiteiros impregnados com repelentes, nos alojamentos provisórios como escolas ou outros prédios públicos cedidos para tropa, uso de repelentes nos militares, e em suas fardas. Vistoria nas áreas próximas e se exeqüível, drenagem para evitar os focos de mosquitos. O oficial enfermeiro pode ser responsável pela administração e controle da quimioprofilaxia para os militares que se deslocam temporariamente para regiões endêmicas. Cloroquina uma vez por semana na zona endêmica e por quatro semanas depois da volta; para quem não tolerar esse princípio ativo, doxiciclina uma vez por dia na área endêmica e por quatro semanas na volta. (US Army Medical Research and Materiel Command, 1994). 2.2 – Febre Maculosa. Causada por uma bactéria do gênero Rickettsia (R. rickettsii) e transmitida por picada de carrapatos, principalmente os do gênero Ambyiomma (A.cajanense, A.cooperi) de distribuição em quase todo território nacional. No período de 1995 a 2003 foram confirmados 241 casos, com letalidade média de 30%. O papel do oficial médico veterinário está no diagnóstico e isolamento do agente ainda nos roedores, realizando vigilância eco-epidemiológica. Também para melhor caracterização de roedores hospedeiros envolvidos no ciclo de transmissão da doença, são ações que têm sido implementadas com o objetivo de detectar e tratar precocemente os casos suspeitos visando à redução da letalidade além de conhecer a distribuição da doença segundo lugar, tempo e pessoa e investigar os locais prováveis de infecção (BRASIL, 2005). 2.3 - Febre Amarela. São reconhecidas no Brasil três áreas distintas: endêmica ou enzoótica (Região Norte e Centro-Oeste e estado do Maranhão); epizoótica ou de transição: abrange uma faixa que vai da região centro-sul do Piauí, oeste da Bahia, noroeste de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e área indene, que corresponde a área onde não há circulação comprovada do vírus amarílico e abrange os estados da região Nordeste, Sudeste e Sul. Dados de 1980 – 2003: Brasil – total de 658 casos confirmados. Norte – aproximadamente 37,08% do total, CentroOeste – aproximadamente 26,60% do total (BRASIL, 2005). O oficial enfermeiro conta com excelente instrumento de prevenção, há vacina disponível, em dose única e reforço a cada dez anos, e irá coordenar a vacinação em militares que se deslocam para áreas endêmicas, atentando para a antecedência de 10 dias, disponibilizando o Cartão Vacinal para o acompanhamento do militar. (PENNA et al, 1998). 2.4 - Doença de Chagas. O agente etiológico é o protozoário Trypanosoma cruzi. Transmitida, principalmente, por triatomíneos infectados (insetos hematófagos), conhecidos como barbeiros, que ao sugarem sangue de indivíduos defecam e aí depositam as formas infectantes de T. cruzi na pele ou mucosas de pessoas suscetíveis. (ROUQUAYROL, 1994). O oficial médico veterinário irá atuar nas medidas de controle ao barbeiro, dificultando e/ou impedindo a sua proliferação no acampamento e em seus arredores. O oficial enfermeiro se ocupará em instruir a tropa para manter a barraca limpa, varrer o chão, expor ao sol os colchões e cobertores onde costuma se esconder os barbeiros. (VERONESI, 1996). 2.5 - Leishmaniose Visceral (LV) ou Calazar. Cujo agente etiológico é a Leishmania donovani. Tem como reservatórios o homem, cão e outros canídeos. Transmitida pela picada do mosquito flebótomo. (ROUQUAYROL, 1994). Porcentagem de casos confirmados por regiões do Brasil. Dados de 1980 – 2003: nordeste – aproximadamente 85,94% do total, sendo Bahia (28,95%) (BRASIL, 2005). O oficial médico veterinário irá instruir a tropa a respeito dos riscos de manter animais próximos ou mesmo dentro das barracas, irá trabalhar em colaboração com entidades civis para controle de animais errantes, se a situação estiver a ponto de por em risco a saúde dos militares envolvidos na missão de GLO. O oficial enfermeiro irá instruir a tropa quanto à profilaxia e sinais da doença, para que caso algum militar seja infectado, receba atendimento o mais rápido possível. 2.6 - Leishmaniose Tegumentar. Causada pela Leishmania braziliensis. Tem como reservatório os roedores, outros animais silvestres e domésticos (tatu, cão, gato, etc.). Transmitida pelos mosquitos flebótomos (ROUQUAYROL, 1994). No Brasil, de 1980 a 2003, foram registrados 552.059 casos confirmados, sendo que norte e nordeste representam 73,16 % do total (BRASIL, 2005). A preocupação maior será quando a operação de GLO em garimpos, áreas de expansão de fronteiras agrícolas e extrativismo, em condições ambientais favoráveis a transmissão da doença. Não há vacina, mas o oficial enfermeiro poderá estar orientando aos militares quanto a prevenção, sinais da doença e encaminhamento adequado. para o tratamento 2.7 – Oncocercose. Causada por um verme nematódeo transmitido por picada de mosquitos vetores do gênero Simulium. Tem conseqüências graves como a cegueira. No Brasil, está restrita à área Yanomami, no estado de Roraima, onde inquérito epidemiológico realizado pelo Ministério da Saúde no período de 1993 a 1997, em 28 pólos-base, encontrou 1.247 infectados (29,12%) entre os 4.283 indígenas examinados. (BRASIL, 2005). 2.8 – Dengue. Conforme relata Colombrini (2000), é causada por um vírus da família Flaviviridae, que apresenta quatro sorotipos distintos. A transmissão se dá pela picada do mosquito infectado pelo vírus, principalmente o Aedes aegypti. Não há vacina (SCHECHTER, 1998). Porcentagem de casos confirmados por regiões do Brasil. Dados de 1980 – 2003: Brasil – total de 3.474.350 casos confirmados. Nordeste – aproximadamente 46,00% do total (BRASIL, 2005). 2.9 - Medidas Profiláticas contra Doenças Transmitidas por Insetos Impregnar fardas com permetrina (SOTO et al, 1995). Neste trabalho, foram comparados dois grupos de soldados em patrulha, um grupo com farda impregnada com deltametrina, e outro não, chamado de grupo controle. No grupo com farda impregnada, apenas 3% de 86 soldados contraíram malária, no grupo controle, 14% contraíram malária. Em outra região, endêmica de leishmaniose, 3% de 143 soldados usando uniforme impregnado tiveram leishmaniose, enquanto no grupo controle 12% teve a doença. O próprio autor pondera que os casos positivos entre o grupo usando farda impregnada foram devido a picada em áreas do corpo não protegidas pela farda (rosto e mãos). Uniformes tratados com permetrina não são tóxicos, houve apenas dois casos de leve irritação de pele no universo testado de 229 soldados, a impregnação é rápida e barata. (ALEXANDER et al, 1995). A utilização de repelente individual na prevenção de transmissão de doenças a partir de insetos na veterinária está documentado(ELFASSY, 2001; GUANGHUA, 1995; HALBIG, 2000). O oficial enfermeiro deve orientar o uso de repelente em áreas desprotegidas do corpo como mãos e rosto dos soldados em ações de GLO, na perspectiva de diminuir a incidência de doenças transmitidas por insetos. O oficial médico veterinário deve coordenar o uso de deltametrina para impregnar telas, barracas e redes. (ALEXANDER et al, 1995). Eventuais reações devem ser monitoradas pelo Oficial enfermeiro. 3 – Doenças Transmitidas por Animais 3.1 – Raiva. O agente etiológico é um vírus, do gênero Lyssavirus. Transmitida por mamíferos. As principais fontes de infecção no ciclo urbano são o cão e o gato. No Brasil, o morcego hematófago é o principal responsável pela manutenção da cadeia silvestre. Nas duas últimas décadas houve redução no número de casos humanos, caindo de 173, em 1980, para 17 casos em 2003, tendo o cão como o principal transmissor da doença. Atualmente esses casos estão concentrados principalmente na região norte e nordeste. Sua letalidade é de 100% (BRASIL, 2005). O oficial médico veterinário e o Oficial enfermeiro irão atuar na educação da tropa, a respeito dos riscos de interagir com animais silvestres, não manusear animais encontrados doentes, especialmente morcegos. Não adotar mascotes de nenhum tipo, silvestres ou não. O oficial enfermeiro irá decidir a necessidade e adequação da profilaxia, feita mediante o uso de vacinas e soro. Os critérios para isso são descritos em outras fontes (PENNA et al, 1998, MURRAY, 2000). 3.2 - Peste Bubônica. É causada pela Yersinia pestis e transmitida por pulgas de roedores silvestres, atualmente está restrita a algumas áreas serranas ou de planalto, principalmente na região nordeste, sendo geralmente associada com o cultivo e armazenagem de grãos. Nesta região, os últimos casos foram registrados no ano 2000, restritos ao estado da Bahia. As atividades permanentes de vigilância sobre os roedores, com captura e exames de laboratório para detectar a infecção têm possibilitado a manutenção e aprofundamento da situação de controle, sendo sua ocorrência restrita à forma bubônica (BRASIL, 2005). 3.3 – Hantaviroses. Constituem-se numa doença emergente com duas formas clínicas principais, a renal e a cardiopulmonar. A infecção humana ocorre, mais freqüentemente, pela inalação de aerossóis formados a partir de secreções e excreções dos reservatórios, que são roedores silvestres. Desde o início da detecção de casos no país já foram registrados 338 casos em onze estados até 2003, com uma letalidade média de 44,5% (BRASIL, 2005). O oficial médico veterinário e o Oficial enfermeiro devem monitorar a situação de circulação de alguns hantavírus nos roedores silvestres brasileiros, objeto de ações de vigilância eco-epidemiológica. Essas ações melhoram a capacidade de detecção, antecipando um quadro mais apropriado da realidade epidemiológica das hantaviroses, em nosso país, assim como a adoção de medidas adequadas de prevenção e controle. 4 – Doenças Transmitidas por Contato com Água e Solo Contaminados 4.1 – Tétano. Causado pela exotoxina do Clostridium tetani. Tem como reservatório o solo e intestino de animais, incluindo o homem. É uma doença transmissível, nãocontagiosa e que apresenta duas formas de ocorrência: acidental e neonatal. (ROUQUAYROL, 1994). Os militares envolvidos em operações de GLO estão sujeitos a primeira forma que acomete pessoas que entram em contato com o bacilo tetânico através de ferimentos ou lesões ao manusearem o solo ou ocorridas por materiais contaminados (BENITIVOGLIO; SACRAMENTO; TAVARES NETO, 2001). Foram registradas, desde 1998, 300 mortes por tétano acidental (BRASIL, 2005). O oficial enfermeiro pode prevenir o tétano acidental pelo uso da vacina dupla adulto(dT) nos militares. Deve ser ministrada uma dose de reforço a cada dez anos para quem já tem o esquema completo. Este reforço deve ser antecipado para cinco anos em caso de ferimentos graves (PORTARIA Nº 069, 2003). Outra medida importante é a adoção de procedimentos adequados de limpeza e desinfecção de ferimentos ou lesão suspeita para tétano, já nos primeiros socorros. 4.2 – Esquistossomose. Tem como reservatório o homem e agente etiológico: Schistosoma mansoni. Os caramujos dulciaquícolas do gênero Biomphalaria constituem o hospedeiro intermediário. A transmissão se dá indiretamente, quando as pessoas entram em contato com as cercárias eliminadas, na água, por planorbídeos. (ROUQUAYROL, 1994). Tem ampla distribuição geográfica no Brasil, com maior intensidade de transmissão na região nordeste do país e norte de Minas Gerais. O oficial enfermeiro deve estar instruindo a tropa quanto às medidas profiláticas, tais como: deposição das fezes em lugar conveniente, prevenção de contato com a água contaminada, controle dos caramujos e educação sanitária (VERONESI, 1996). Coleções hídricas contaminadas com o parasito devem ser identificadas pela equipe precursora de saúde e a tropa deve ser instruída a evitar essas áreas. Se esta for importante para o cumprimento da missão, os moluscicidas poderão ser utilizados. 4.3 – Leptospirose. O agente etiológico é uma espiroqueta do gênero Leptospira. É uma zoonose de caráter endêmico, podendo apresentar-se na forma de surto ou epidemia sob determinadas condições climáticas, ambientais, de infra-estrutura sanitária e alta infestação de roedores. Os roedores sinantrópicos (ratazanas, ratos de telhado e camundongos) são os principais reservatórios da doença. São afetados também e podem atuar como portadores os cães, bovinos, suínos, ovinos, caprinos e eqüinos. A prevenção se dá pelo extermínio dos ratos, eliminação dos locais alagados, limpeza dos córregos, uso de botas e luvas em locais suspeitos, bem como campanhas de orientação à população (HERMANN, 1986) No período de 1994 a 2003 foram registrados 3.324 casos e 334 óbitos, correspondendo a uma letalidade média de 10%. Enchentes e chuvas fortes contribuem para o contato do homem com água e lama contaminadas pela urina de roedores, favorecendo a infecção (BRASIL, 2005). O oficial enfermeiro deve dar atenção especial a militares em exercício ou campanha em áreas de enchente ou alagadas pois representam grupo de risco. Porcentagem de casos confirmados por regiões do Brasil. Dados de 1980 – 2003: Brasil – total de 53.444 casos confirmados. Norte – aproximadamente 13,55% do total, Nordeste – aproximadamente 29,55% do total, Sudeste – aproximadamente 37,26% do total, sul – aproximadamente 18,52% do total, Centro-Oeste – aproximadamente 1,11% do total (BRASIL, 2005). 4.4 - Febre Tifóide. O agente etiológico é a Salmonella typhi. Tem como reservatório o homem. A transmissão se dá através água, leite e outros alimentos contaminados, que são as principais vias indiretas. No Brasil teve um total de 57.403 casos confirmados no período de 1980 – 2003, a região com maior incidência foi a nordeste: aproximadamente 68,81% do total. (BRASIL, 2005). O oficial médico veterinário deve verificar a qualidade de água tratada pela engenharia. Orientar a remoção e destino adequado dos dejetos, combate as moscas e insetos próximos aos locais de acampamento da tropa em GLO. O oficial enfermeiro deve orientar a tropa para consumir alimentos e água de origem militar. Deve também instruir a respeito de consumo de água em condições de sobrevivência com cloração ou fervura. Também é sua função realizar exames periódicos de fezes para os manipuladores de alimentos, tratamento e isolamento de casos e educação em saúde. A imunidade adquirida após a infecção ou vacinação não é definitiva e a vacina não apresenta efetividade para o controle de surtos (HERMANN, 1986). 4.5 – Cólera. Doença de veiculação predominantemente hídrica, causada pela enterotoxina do Vibrio cholerae. Existem dois biotipos de V. cholerae: o clássico e o El Tor, sendo que este é menos patogênico que aquele. A pandemia causada pelo Vibrio cholerae El Tor, chegou ao Brasil em 1991 e até 2001 atingiu todas as regiões do país, produzindo um total de 168.598 casos e 2.035 óbitos, com registro de grandes epidemias na região nordeste (BRASIL, 2005). Não é indicada a quimioprofilaxia, pois esta se mostrou ineficaz. Também as vacinas atualmente disponíveis não conseguem promover o controle da cólera. 4.6 - Hepatite A. O agente etiológico é o vírus da hepatite A. São reservatórios o homem e os chimpanzés. É transmitida via fecal-oral. Água, leite, vegetais e ostras contaminadas. Em caso de epidemia, efetuar investigação epidemiológica para identificação de uma possível fonte comum de infecção (ROUQUAYROL, 1994). Brasil registrou o total de 71.992 casos confirmados de 1980 a 2003, 33,16% do total na Região Sul, aproximadamente 20,78% do total na Região Nordeste e Sudeste 21,54% do total. 4.7 Medidas Profiláticas contra doenças transmitidas por contato com água e solo contaminados O oficial enfermeiro e o oficial médico veterinário devem instruir a tropa para consumir água e mantimentos de origem exclusiva militar. Em hipótese alguma fonte não militar, que não tenha sido testada, aprovada ou tratada pela Engenharia e ou Intendência, deve ser consumida. Em situações de sobrevivência, a água de consumo individual deve ser tratada com comprimidos de cloro distribuídos nas rações operacionais. O oficial médico veterinário deve verificar a se os alimentos realmente procedem da cadeia de suprimento, pois já vêm inspecionados, se por algum motivo isso não aconteça, deve verificar a pasteurização do leite e de seus principais produtos. É sua função também instruir os militares do rancho para cozimento e acondicionamento adequado dos alimentos. O oficial médico veterinário e o oficial enfermeiro devem instruir a tropa para dar destino e tratamento adequado dos dejetos, nos acampamentos, áreas de controle ou de estacionamento, bem como treinamento para acondicionamento e destino adequado do lixo nas diferentes realidades enfrentadas em ações de GLO. (BRASIL, 1994). 5. Acidentes com Animais Peçonhentos Acidentes com animais peçonhentos têm importância pela gravidade que podem alcançar. O oficial médico veterinário e o oficial enfermeiro, atuando conjuntamente em GLO, devem preparar instrução específica para a tropa sobre os animais peçonhentos prevalentes na região da missão. Preparar e instruir a tropa para medidas de primeiros socorros, e de evacuação se for o caso. As medidas preventivas são simples, de fácil aplicação e podem preservar a vida dos militares envolvidos na operação. Material para instrução, disponibilidade de medidas preventivas e de emergência específicas estão bem descritas em outras fontes (Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos). Devem ser considerados na instrução acidentes com aranhas, lagartas, escorpiões, arraias e serpentes. Os acidentes mais graves são causados por serpentes. A distribuição dos acidentes ofídicos no país indica incidências mais elevadas na Região Centro-Oeste e Norte, apesar do número absoluto de casos ser maior no sudeste. Da mesma forma, a ocorrência dos acidentes ao longo do ano apresenta marcada sazonalidade, com predomínio dos casos nos meses quentes e chuvosos. Os acidentes botrópicos (causados por serpentes do gênero Bothrops, conhecidas popularmente por jararacas) representam 88% dos casos, enquanto que os acidentes crotálicos (Crotalus, cascavéis), laquéticos (Lachesis, surucucu-pico-de-jaca) e elapídicos (Micrurus, corais verdadeiras) correspondem a, respectivamente, 9%, 2,5% e 0,5% do total das notificações. 5.1 Medidas Preventivas contra acidentes com Animais peçonhentos As medidas preventivas realizadas pelo oficial enfermeiro devem ter características epidemiológicas dos acidentes. Este militar está habilitado para orientar a distribuição e utilização dos soros antipeçonhentos de acordo com as necessidades regionais. O oficial médico veterinário irá instruir a tropa como prevenir acidentes, de acordo com a fauna peçonhenta a ser encontrada na região de atuação da tropa em GLO. Algumas medidas preventivas contra acidentes com animais peçonhentos devem ser abordadas em instrução de orientação para tropa, como uso de coturno, uso de instrumentos auxiliares como facão de mato ou outro para explorar tocas e buracos, e principalmente primeiros socorros e evacuação imediata do militar acidentado. Limpeza das áreas de estacionamento, paradas, descanso e acampamento. A coleta e destino adequado de lixo evitam a proliferação de insetos e roedores que atraem animais peçonhentos. A instrução sobre cuidado com destino de lixo e especialmente de dejetos humanos deve ser conduzida em conjunto com o oficial enfermeiro e oficial médico veterinário, recomendando construção de fossas temporárias ou até mesmo definitivas, seguindo vários modelos descritos em outras fontes, (ROUQUAYROL, 1994). Essas construções feitas pelos Militares em GLO, podem e devem ser usadas em Ações Cívicas Sociais (ACISO), onde a comunidade local será orientada como prevenir doenças dando um destino adequado ao lixo. Além da educação ambiental, que os militares passarão a ser multiplicadores, há excelente oportunidade de ACISO, além de a tropa deixar excelente imagem perante a comunidade local ao abandonar os pontos de estacionamento ou acampamento. 6. Doenças Adquiridas por Consumo de Água e ou Comida Contaminada 6.1 - Consumo de Peixe. Acidentes importantes acontecem quando bactérias provocam descarboxilação da histidina na carne de peixes mal conservados, produzindo a toxina saurina, capaz de liberar histamina em seres humanos. Acúmulo de metil-mercúrio em peixes pescados em águas contaminadas pode produzir quadros neurológicos em humanos, quando houver ingestão crônica. Os acidentes sarcotóxicos ocorrem por ingestão de peixes e frutos do mar. Os baiacus (Tetrodontidae) produzem tetrodontoxina, potente bloqueador neuromuscular que pode conduzir a vítima à paralisia consciente e óbito por falência respiratória. Peixes que se alimentam do dinoflagelado Gambierdiscus toxicus podem ter acúmulo progressivo de ciguatoxina nos tecidos, provocando o quadro denominado ciguatera (neurotoxicidade). 6.2 Medidas Profiláticas de doenças adquiridas por consumo de água e ou comida contaminada Os alimentos adquiridos pela cadeia de suprimento do Exército têm de sofrer obrigatoriamente Inspeção Veterinária. Devem ser verificados nos Depósitos de Suprimentos pelos oficiais médicos veterinários. A principal prevenção é a educação e disciplina da tropa. Esta deve ser instruída a consumir exclusivamente alimentos e água de origem militar, inspecionados pelo oficial médico veterinário, seguindo legislação especifica do Ministério da Agricultura e Abastecimento. O oficial médico veterinário e o oficial enfermeiro devem, em conjunto, preparar instrução para todos os militares envolvidos no rancho da operação de GLO, a fim de prevenir doenças transmitidas por alimentos. Pode ser consultado o Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos do Brasil. O papel do oficial médico veterinário na prevenção de doenças transmitidas por alimentos como sarcosporidiose (Sarcocystis spp), toxoplasmose (Toxoplasma gondii), equinococose, cisticercose, trichinose (Tricchinella spirales). Tuberculose, brucelose está bem definida na legislação (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, Regulamento Técnico Condições Higiênico Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores e Industrializadores de Alimentos). A tropa deve ser instruída a não consumir carne, leite ou derivados ovos, mel de origem não militar. Também deve ser orientada a não abater ou manipular carcaças de caça ou animais domésticos abatidos de forma clandestina, evitando doenças pela manipulação, como carbúnculo. A instrução de sobrevivência deve orientar a diferenciação de animais saudáveis de doentes. Em condições adversas de sobrevivência, o militar pode procurar caçar e pescar animais saudáveis, e ainda sim, identificar doenças transmitidas pelos alimentos. O oficial médico veterinário e o oficial enfermeiro devem instruir os militares em medidas de higiene, mesmo em condições adversas de sobrevivência. A separação de partes suspeitas da carcaça ou mesmo a disciplina de não se alimentar de uma carcaça com alterações, em situações extremas de sobrevivência deve ser passada a tropa. 7. Doenças Emergentes ou Reemergentes Outra área importante para pesquisa militar é a de doenças emergentes ou reemergentes, que tem seu aparecimento favorecido pelas condições modernas de vida. Assim, uma doença com potencial epidêmico que ocorra em qualquer local pode ser um risco para a população global. A transmissão dessas doenças reemergentes pode se dar ao acaso ou de maneira coordenada por ação de terrorismo, como Antrax ou bioterrorismo, onde o alvo pode não ser apenas a população, mas também a economia do país atacando sua produção agropecuária. O oficial médico veterinário e o oficial enfermeiro devem estar preparados, pois o Exército pode representar a primeira linha de defesa para este tipo de risco, organizando instituições privadas e públicas. Conclusão O presente trabalho é uma abordagem multidisciplinar e preventiva da manutenção da combatividade do militar envolvido em GLO. Foram levantados alguns pontos principais de riscos, agrupados de maneira a facilitar ações preventivas. Estas ações são mais viáveis economicamente, evitando desgastes desnecessários com familiares e sociedade em geral, mantendo elevado o moral da tropa e preservando a imagem do Exército. O levantamento de informações da região em que a missão irá se desenvolver, explorando fontes militares locais deve ser feito antes do deslocamento da tropa. A política de saúde do Exército para aquela região específica deve ser consultada e seguida. A ação preventiva mais freqüente foi a simples informação da Tropa. Consideráveis riscos podem ser evitados com atividades simples de instrução e educação dos militares. A falta de bibliografia específica foi a maior dificuldade e referências pertinentes a outras áreas devem ser pesquisadas e adaptadas para realidade militar. Poucos artigos pesquisados exploram a identificação de riscos e prevenção específica para militares. A carência de literatura demonstra a relevância do presente artigo. As pesquisas científicas devem ser fomentadas nas escolas de formação de saúde e EsAEx, com o intuito de apoiar com informações especializadas e profissionais técnicos para aumentar a eficiência e a capacidade das ações de nossa tropa. De acordo com as características de nossa realidade territorial e o nosso homem, elemento principal na ação de combate, outros aspectos pertinentes a diversas áreas de conhecimento poderão ainda ser abordados em trabalhos futuros, como manutenção do moral elevado, bem estar de militares e familiares, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e outros. Excelentes fontes civis estão disponíveis, inclusive na internet para preparar as instruções para a tropa. Referências: ALEXANDER, B. et al. Medical and Veterinary Entomology: evaluations of delatamethrin-impregnated bednets and curtains against phlebotomine sandflies in Valle del Cauca, Colombia: p. 279-283, 1995. BENITIVOGLIO, G. J.; SACRAMENTO, E.; TAVARES-NETO, J. 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