Pontos Relevantes na Atuação dos Oficiais Enfermeiros e Oficiais Médicos
Veterinários em Operações de Garantia da Lei e da Ordem
Jose Luiz Fontoura de Andrade, Márcio Roquim de Carvalho, Jose Roberto Pinho de Andrade Lima, Carla
Christina Passos
1
Resumo: A doutrina do Exército determina que o Serviço de Saúde estabeleça medidas para
preservação, bem como instrução da tropa no que se refere à saúde, higiene e profilaxia. Diretrizes
do Comando do Exército incumbem, entre outras funções, o oficial médico veterinário de cooperar na
preservação do potencial humano no Exército. Dentre as diversas funções elencadas na doutrina que
podem ser incluídas para preservação do potencial humano, muitas delas exigem a formação de uma
equipe multidisciplinar. Este artigo sugere alguns papéis que podem ser assumidos pelo oficial médico
veterinário e oficial enfermeiro em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O presente
trabalho, através de revisão bibliográfica, procura ressaltar pontos relevantes da atuação conjunta do
oficial médico veterinário e oficial enfermeiro destinadas a sustentação da combatividade da tropa,
através de medidas profiláticas e higiênicas. Este estudo visa dar subsídios aos militares citados,
quando envolvidos em operações de GLO.
Palavras-chave: doenças tropicais, profilaxia, Garantia da Lei e da Ordem, oficial médico veterinário, oficial
enfermeiro.
Summary: The Army doctrine regulates that the Service of Health establishes measures for
preservation, as well as instruction of the troop as for health, hygiene and prophylaxis. Direction lines
from the Army Command, among other functions, define the veterinarian army officer in charge to
cooperate with the preservation of the human potential in the Army. Amongst the diverse functions
listed in the doctrine that can be enclosed for preservation of the human potential, many of them
demand the formation of a multidisciplinary team. This article suggests some roles that can be
assumed by the veterinarian and the nurse army officers in Law and Order Maintenance (LOM)
operations. The present work, through bibliographical revision, intend to stress excellent points of the
joint performance of the military veterinarian and nurse destined for maintaining the troops fighting
ability through prophylactic and hygienic measures. This study aims at giving subsidies to the military
officers cited when involved in LOM operations.
Key-words: tropical disease, prophylaxis, Law and Order Maintenance, military veterinarian, military nurse.
1 – Introdução
Toda atividade operacional militar envolve
preparativos de diversas áreas: logística,
suprimento, inteligência, seleção dos
militares e instrução da tropa.
Diretrizes do Comando do Exército
incumbem, entre outras funções, o oficial
médico veterinário de cooperar na
preservação do potencial humano no
Exército (Instruções Reguladoras das
Atividades de Remonta de Veterinária em
Tempo de Paz (IR 19, 1999). A manutenção
da saúde dos militares é de crucial
importância para o sucesso da operação, e
envolve ações preventivas realizadas antes e
durante a missão. Prevenção é a ação
antecipada, tendo por objetivo interceptar
ou anular a evolução de uma doença.
Dos profissionais de saúde habilitados
para o desempenho desta ação preventiva, o
oficial enfermeiro tem em sua formação
acadêmica, capacidade para analisar as
ações preventivas que têm por fim detectar
e eliminar elos da cadeia epidemiológica,
1 EsAEx - Escola de Administração do Exército, Rua Território do Amapá, nº. 455, Pituba, Salvador –
BA, Brasil. [email protected], [email protected], [email protected],
[email protected]
tendo sempre em mente a biodiversidade
em que os militares envolvidos em
operações estarão atuando.
O oficial enfermeiro e o oficial médico
veterinário devem conhecer os múltiplos
fatores relacionados com o agente
etiológico, a tropa e o meio ambiente;
levantar os riscos que a tropa irá enfrentar
na zona da operação de Garantia da Lei e da
Ordem
(GLO),
antecipar
medidas
preventivas com o objetivo de sustentar a
capacidade combativa individual e do
grupamento.
Além das doenças tropicais endêmicas,
existem doenças que podem surgir em
condições limites de higiene, acomodação e
transporte. No Brasil, grande parte das
doenças infecciosas não é de notificação
compulsória, e as que são têm uma grande
proporção de subnotificação. Além disso,
boa parte dos diagnósticos não é conclusiva
do ponto de vista etiológico. Desta forma,
os números conhecidos oficialmente são
bem inferiores aos reais.
No planejamento das operações de GLO,
a preservação do potencial humano abriga
um espectro muito amplo de atividades
profiláticas que podem ser adotadas.
A partir de revisão bibliográfica e
informações epidemiológicas do Brasil,
serão levantados principais riscos para os
militares envolvidos em operações de GLO,
bem como algumas sugestões de medidas
preventivas. Fica definido como teatros de
operações possíveis para atuação em GLO
qualquer ponto do território Brasileiro, em
área urbana ou rural.
Riscos para sanidade da tropa foram
listados e agrupados visando facilitar a
sugestão de medidas preventivas. Para a
seleção e inclusão de riscos à saúde foram
utilizados três critérios: doenças endêmicas
tropicais, doenças com baixa incidência nos
últimos anos, mas com grande letalidade e
doenças emergentes ou reemergentes que o
oficial enfermeiro deve estar preparado para
identificar e ou prevenir. O presente artigo
tem como objetivo sugerir aquelas mais
significativas, a partir da epidemiologia de
problemas sanitários que uma tropa em
GLO possa enfrentar quando em ação e
levantar as principais atuações dos oficiais
enfermeiros e oficiais médicos veterinários
nesse tipo de operação.
2 – Doenças Transmitidas por Insetos
2.1 - Malária. O agente etiológico é o
Plasmodium (das espécies P. malariae, P.
vivax e P. falciparum). Os mosquitos
anófeles são os transmissores. Ocorre
também a transmissão por sangue
contaminado na transfusão sanguínea
(ROUQUAYROL, 1994).
O Brasil
registrou de 1980 a 2003 10.750.771
lâminas positivas, a região norte concentra
80,97% do total (BRASIL, 2005).
O oficial médico veterinário pode
preveni-la através de dedetização próximo a
pontos importantes na ação de GLO, tais
como: postos de observação, de controle de
veículos, de descanso ou acampamento da
tropa, uso de mosquiteiros impregnados
com
repelentes,
nos
alojamentos
provisórios como escolas ou outros prédios
públicos cedidos para tropa, uso de
repelentes nos militares, e em suas fardas.
Vistoria nas áreas próximas e se exeqüível,
drenagem para evitar os focos de
mosquitos.
O oficial enfermeiro pode ser
responsável pela administração e controle
da quimioprofilaxia para os militares que se
deslocam temporariamente para regiões
endêmicas. Cloroquina uma vez por semana
na zona endêmica e por quatro semanas
depois da volta; para quem não tolerar esse
princípio ativo, doxiciclina uma vez por dia
na área endêmica e por quatro semanas na
volta. (US Army Medical Research and
Materiel Command, 1994).
2.2 – Febre Maculosa. Causada por uma
bactéria do gênero Rickettsia (R. rickettsii)
e transmitida por picada de carrapatos,
principalmente os do gênero Ambyiomma
(A.cajanense, A.cooperi) de distribuição em
quase todo território nacional. No período
de 1995 a 2003 foram confirmados 241
casos, com letalidade média de 30%.
O papel do oficial médico veterinário
está no diagnóstico e isolamento do agente
ainda nos roedores, realizando vigilância
eco-epidemiológica. Também para melhor
caracterização de roedores hospedeiros
envolvidos no ciclo de transmissão da
doença, são ações que têm sido
implementadas com o objetivo de detectar e
tratar precocemente os casos suspeitos
visando à redução da letalidade além de
conhecer a distribuição da doença segundo
lugar, tempo e pessoa e investigar os locais
prováveis de infecção (BRASIL, 2005).
2.3 - Febre Amarela. São reconhecidas no
Brasil três áreas distintas: endêmica ou
enzoótica (Região Norte e Centro-Oeste e
estado do Maranhão); epizoótica ou de
transição: abrange uma faixa que vai da
região centro-sul do Piauí, oeste da Bahia,
noroeste de Minas Gerais, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, e área indene, que corresponde a área
onde não há circulação comprovada do
vírus amarílico e abrange os estados da
região Nordeste, Sudeste e Sul.
Dados de 1980 – 2003: Brasil – total de
658
casos
confirmados.
Norte
–
aproximadamente 37,08% do total, CentroOeste – aproximadamente 26,60% do total
(BRASIL, 2005).
O oficial enfermeiro conta com
excelente instrumento de prevenção, há
vacina disponível, em dose única e reforço
a cada dez anos, e irá coordenar a vacinação
em militares que se deslocam para áreas
endêmicas, atentando para a antecedência
de 10 dias, disponibilizando o Cartão
Vacinal para o acompanhamento do militar.
(PENNA et al, 1998).
2.4 - Doença de Chagas. O agente
etiológico é o protozoário Trypanosoma
cruzi. Transmitida, principalmente, por
triatomíneos
infectados
(insetos
hematófagos), conhecidos como barbeiros,
que ao sugarem sangue de indivíduos
defecam e aí depositam as formas
infectantes de T. cruzi na pele ou mucosas
de pessoas suscetíveis. (ROUQUAYROL,
1994). O oficial médico veterinário irá atuar
nas medidas de controle ao barbeiro,
dificultando e/ou impedindo a sua
proliferação no acampamento e em seus
arredores. O oficial enfermeiro se ocupará
em instruir a tropa para manter a barraca
limpa, varrer o chão, expor ao sol os
colchões e cobertores onde costuma se
esconder os barbeiros. (VERONESI, 1996).
2.5 - Leishmaniose Visceral (LV) ou
Calazar. Cujo agente etiológico é a
Leishmania
donovani.
Tem
como
reservatórios o homem, cão e outros
canídeos. Transmitida pela picada do
mosquito flebótomo. (ROUQUAYROL,
1994). Porcentagem de casos confirmados
por regiões do Brasil. Dados de 1980 –
2003: nordeste – aproximadamente 85,94%
do total, sendo Bahia (28,95%) (BRASIL,
2005).
O oficial médico veterinário irá instruir a
tropa a respeito dos riscos de manter
animais próximos ou mesmo dentro das
barracas, irá trabalhar em colaboração com
entidades civis para controle de animais
errantes, se a situação estiver a ponto de por
em risco a saúde dos militares envolvidos
na missão de GLO.
O oficial enfermeiro irá instruir a tropa
quanto à profilaxia e sinais da doença, para
que caso algum militar seja infectado,
receba atendimento o mais rápido possível.
2.6 - Leishmaniose Tegumentar. Causada
pela Leishmania braziliensis. Tem como
reservatório os roedores, outros animais
silvestres e domésticos (tatu, cão, gato,
etc.).
Transmitida
pelos
mosquitos
flebótomos (ROUQUAYROL, 1994). No
Brasil, de 1980 a 2003, foram registrados
552.059 casos confirmados, sendo que norte
e nordeste representam 73,16 % do total
(BRASIL, 2005).
A preocupação maior será quando a
operação de GLO em garimpos, áreas de
expansão de fronteiras agrícolas e
extrativismo, em condições ambientais
favoráveis a transmissão da doença.
Não há vacina, mas o oficial enfermeiro
poderá estar orientando aos militares quanto
a prevenção, sinais da doença e
encaminhamento
adequado.
para
o
tratamento
2.7 – Oncocercose. Causada por um verme
nematódeo transmitido por picada de
mosquitos vetores do gênero Simulium.
Tem conseqüências graves como a cegueira.
No Brasil, está restrita à área Yanomami,
no estado de Roraima, onde inquérito
epidemiológico realizado pelo Ministério da
Saúde no período de 1993 a 1997, em 28
pólos-base, encontrou 1.247 infectados
(29,12%) entre os 4.283 indígenas
examinados. (BRASIL, 2005).
2.8 –
Dengue. Conforme relata
Colombrini (2000), é causada por um vírus
da família Flaviviridae, que apresenta
quatro sorotipos distintos. A transmissão se
dá pela picada do mosquito infectado pelo
vírus, principalmente o Aedes aegypti. Não
há vacina (SCHECHTER, 1998).
Porcentagem de casos confirmados por
regiões do Brasil. Dados de 1980 – 2003:
Brasil – total de 3.474.350 casos
confirmados. Nordeste – aproximadamente
46,00% do total (BRASIL, 2005).
2.9 - Medidas Profiláticas contra Doenças
Transmitidas por Insetos
Impregnar fardas com permetrina (SOTO et
al, 1995).
Neste trabalho,
foram
comparados dois grupos de soldados em
patrulha, um grupo com farda impregnada
com deltametrina, e outro não, chamado de
grupo controle.
No grupo com farda
impregnada, apenas 3% de 86 soldados
contraíram malária, no grupo controle, 14%
contraíram malária. Em outra região,
endêmica de leishmaniose, 3% de 143
soldados usando uniforme impregnado
tiveram leishmaniose, enquanto no grupo
controle 12% teve a doença. O próprio
autor pondera que os casos positivos entre o
grupo usando farda impregnada foram
devido a picada em áreas do corpo não
protegidas pela farda (rosto e mãos).
Uniformes tratados com permetrina não
são tóxicos, houve apenas dois casos de
leve irritação de pele no universo testado de
229 soldados, a impregnação é rápida e
barata. (ALEXANDER et al, 1995).
A utilização de repelente individual na
prevenção de transmissão de doenças a
partir de insetos na veterinária está
documentado(ELFASSY,
2001;
GUANGHUA, 1995; HALBIG, 2000).
O oficial enfermeiro deve orientar o uso
de repelente em áreas desprotegidas do
corpo como mãos e rosto dos soldados em
ações de GLO, na perspectiva de diminuir a
incidência de doenças transmitidas por
insetos. O oficial médico veterinário deve
coordenar o uso de deltametrina para
impregnar telas, barracas e redes.
(ALEXANDER et al, 1995). Eventuais
reações devem ser monitoradas pelo Oficial
enfermeiro.
3 – Doenças Transmitidas por Animais
3.1 – Raiva. O agente etiológico é um
vírus, do gênero Lyssavirus. Transmitida
por mamíferos. As principais fontes de
infecção no ciclo urbano são o cão e o gato.
No Brasil, o morcego hematófago é o
principal responsável pela manutenção da
cadeia silvestre.
Nas duas últimas décadas houve redução
no número de casos humanos, caindo de
173, em 1980, para 17 casos em 2003,
tendo o cão como o principal transmissor da
doença. Atualmente esses casos estão
concentrados principalmente na região norte
e nordeste. Sua letalidade é de 100%
(BRASIL, 2005).
O oficial médico veterinário e o Oficial
enfermeiro irão atuar na educação da tropa,
a respeito dos riscos de interagir com
animais silvestres, não manusear animais
encontrados
doentes,
especialmente
morcegos. Não adotar mascotes de nenhum
tipo, silvestres ou não.
O oficial enfermeiro irá decidir a
necessidade e adequação da profilaxia, feita
mediante o uso de vacinas e soro. Os
critérios para isso são descritos em outras
fontes (PENNA et al, 1998, MURRAY,
2000).
3.2 - Peste Bubônica. É causada pela
Yersinia pestis e transmitida por pulgas de
roedores silvestres, atualmente está restrita
a algumas áreas serranas ou de planalto,
principalmente na região nordeste, sendo
geralmente associada com o cultivo e
armazenagem de grãos. Nesta região, os
últimos casos foram registrados no ano
2000, restritos ao estado da Bahia.
As atividades permanentes de vigilância
sobre os roedores, com captura e exames de
laboratório para detectar a infecção têm
possibilitado
a
manutenção
e
aprofundamento da situação de controle,
sendo sua ocorrência restrita à forma
bubônica (BRASIL, 2005).
3.3 – Hantaviroses. Constituem-se numa
doença emergente com duas formas clínicas
principais, a renal e a cardiopulmonar.
A infecção humana ocorre, mais
freqüentemente, pela inalação de aerossóis
formados a partir de secreções e excreções
dos reservatórios, que são roedores
silvestres. Desde o início da detecção de
casos no país já foram registrados 338 casos
em onze estados até 2003, com uma
letalidade média de 44,5% (BRASIL,
2005).
O oficial médico veterinário e o Oficial
enfermeiro devem monitorar a situação de
circulação de alguns hantavírus nos
roedores silvestres brasileiros, objeto de
ações de vigilância eco-epidemiológica.
Essas ações melhoram a capacidade de
detecção, antecipando um quadro mais
apropriado da realidade epidemiológica das
hantaviroses, em nosso país, assim como a
adoção de medidas adequadas de prevenção
e controle.
4 – Doenças Transmitidas por Contato
com Água e Solo Contaminados
4.1 – Tétano. Causado pela exotoxina do
Clostridium tetani. Tem como reservatório
o solo e intestino de animais, incluindo o
homem. É uma doença transmissível, nãocontagiosa e que apresenta duas formas de
ocorrência:
acidental
e
neonatal.
(ROUQUAYROL, 1994).
Os militares envolvidos em operações de
GLO estão sujeitos a primeira forma que
acomete pessoas que entram em contato
com o bacilo tetânico através de ferimentos
ou lesões ao manusearem o solo ou
ocorridas por materiais contaminados
(BENITIVOGLIO;
SACRAMENTO;
TAVARES
NETO,
2001).
Foram
registradas, desde 1998, 300 mortes por
tétano acidental (BRASIL, 2005).
O oficial enfermeiro pode prevenir o
tétano acidental pelo uso da vacina dupla
adulto(dT) nos militares. Deve ser
ministrada uma dose de reforço a cada dez
anos para quem já tem o esquema completo.
Este reforço deve ser antecipado para cinco
anos em caso de ferimentos graves
(PORTARIA Nº 069, 2003). Outra medida
importante é a adoção de procedimentos
adequados de limpeza e desinfecção de
ferimentos ou lesão suspeita para tétano, já
nos primeiros socorros.
4.2 – Esquistossomose. Tem como
reservatório o homem e agente etiológico:
Schistosoma mansoni. Os caramujos
dulciaquícolas do gênero Biomphalaria
constituem o hospedeiro intermediário. A
transmissão se dá indiretamente, quando as
pessoas entram em contato com as cercárias
eliminadas, na água, por planorbídeos.
(ROUQUAYROL, 1994).
Tem ampla distribuição geográfica no
Brasil, com maior intensidade de
transmissão na região nordeste do país e
norte de Minas Gerais.
O oficial enfermeiro deve estar
instruindo a tropa quanto às medidas
profiláticas, tais como: deposição das fezes
em lugar conveniente, prevenção de contato
com a água contaminada, controle dos
caramujos
e
educação
sanitária
(VERONESI, 1996).
Coleções hídricas contaminadas com o
parasito devem ser identificadas pela equipe
precursora de saúde e a tropa deve ser
instruída a evitar essas áreas. Se esta for
importante para o cumprimento da missão,
os moluscicidas poderão ser utilizados.
4.3 – Leptospirose. O agente etiológico é
uma espiroqueta do gênero Leptospira. É
uma zoonose de caráter endêmico, podendo
apresentar-se na forma de surto ou epidemia
sob determinadas condições climáticas,
ambientais, de infra-estrutura sanitária e
alta infestação de roedores.
Os roedores sinantrópicos (ratazanas,
ratos de telhado e camundongos) são os
principais reservatórios da doença. São
afetados também e podem atuar como
portadores os cães, bovinos, suínos, ovinos,
caprinos e eqüinos.
A prevenção se dá pelo extermínio dos
ratos, eliminação dos locais alagados,
limpeza dos córregos, uso de botas e luvas
em locais suspeitos, bem como campanhas
de orientação à população (HERMANN,
1986)
No período de 1994 a 2003 foram
registrados 3.324 casos e 334 óbitos,
correspondendo a uma letalidade média de
10%. Enchentes e chuvas fortes contribuem
para o contato do homem com água e lama
contaminadas pela urina de roedores,
favorecendo a infecção (BRASIL, 2005).
O oficial enfermeiro deve dar atenção
especial a militares em exercício ou
campanha em áreas de enchente ou alagadas
pois representam grupo de risco.
Porcentagem de casos confirmados por
regiões do Brasil. Dados de 1980 – 2003:
Brasil – total de 53.444 casos confirmados.
Norte – aproximadamente 13,55% do total,
Nordeste – aproximadamente 29,55% do
total, Sudeste – aproximadamente 37,26%
do total, sul – aproximadamente 18,52% do
total, Centro-Oeste – aproximadamente
1,11% do total (BRASIL, 2005).
4.4 - Febre Tifóide. O agente etiológico é a
Salmonella typhi. Tem como reservatório o
homem. A transmissão se dá através água,
leite e outros alimentos contaminados, que
são as principais vias indiretas.
No Brasil teve um total de 57.403 casos
confirmados no período de 1980 – 2003, a
região com maior incidência foi a nordeste:
aproximadamente 68,81% do total.
(BRASIL, 2005).
O oficial médico veterinário deve
verificar a qualidade de água tratada pela
engenharia. Orientar a remoção e destino
adequado dos dejetos, combate as moscas e
insetos
próximos
aos
locais
de
acampamento da tropa em GLO.
O oficial enfermeiro deve orientar a
tropa para consumir alimentos e água de
origem militar. Deve também instruir a
respeito de consumo de água em condições
de sobrevivência com cloração ou fervura.
Também é sua função realizar exames
periódicos de fezes para os manipuladores
de alimentos, tratamento e isolamento de
casos e educação em saúde.
A imunidade adquirida após a infecção
ou vacinação não é definitiva e a vacina não
apresenta efetividade para o controle de
surtos (HERMANN, 1986).
4.5 – Cólera. Doença de veiculação
predominantemente hídrica, causada pela
enterotoxina do Vibrio cholerae. Existem
dois biotipos de V. cholerae: o clássico e o
El Tor, sendo que este é menos patogênico
que aquele.
A pandemia causada pelo Vibrio
cholerae El Tor, chegou ao Brasil em 1991
e até 2001 atingiu todas as regiões do país,
produzindo um total de 168.598 casos e
2.035 óbitos, com registro de grandes
epidemias na região nordeste (BRASIL,
2005).
Não é indicada a quimioprofilaxia, pois
esta se mostrou ineficaz. Também as
vacinas atualmente disponíveis não
conseguem promover o controle da cólera.
4.6 - Hepatite A. O agente etiológico é o
vírus da hepatite A. São reservatórios o
homem e os chimpanzés. É transmitida via
fecal-oral. Água, leite, vegetais e ostras
contaminadas. Em caso de epidemia,
efetuar investigação epidemiológica para
identificação de uma possível fonte comum
de infecção (ROUQUAYROL, 1994).
Brasil registrou o total de 71.992 casos
confirmados de 1980 a 2003, 33,16% do
total na Região Sul, aproximadamente
20,78% do total na Região Nordeste e
Sudeste 21,54% do total.
4.7 Medidas Profiláticas contra doenças
transmitidas por contato com água e solo
contaminados
O oficial enfermeiro e o oficial médico
veterinário devem instruir a tropa para
consumir água e mantimentos de origem
exclusiva militar. Em hipótese alguma fonte
não militar, que não tenha sido testada,
aprovada ou tratada pela Engenharia e ou
Intendência, deve ser consumida. Em
situações de sobrevivência, a água de
consumo individual deve ser tratada com
comprimidos de cloro distribuídos nas
rações operacionais.
O oficial médico veterinário deve
verificar a se os alimentos realmente
procedem da cadeia de suprimento, pois já
vêm inspecionados, se por algum motivo
isso não aconteça, deve verificar a
pasteurização do leite e de seus principais
produtos. É sua função também instruir os
militares do rancho para cozimento e
acondicionamento adequado dos alimentos.
O oficial médico veterinário e o oficial
enfermeiro devem instruir a tropa para dar
destino e tratamento adequado dos dejetos,
nos acampamentos, áreas de controle ou de
estacionamento, bem como treinamento
para acondicionamento e destino adequado
do lixo nas diferentes realidades enfrentadas
em ações de GLO. (BRASIL, 1994).
5. Acidentes com Animais Peçonhentos
Acidentes com animais peçonhentos têm
importância pela gravidade que podem
alcançar. O oficial médico veterinário e o
oficial enfermeiro, atuando conjuntamente
em GLO, devem preparar instrução
específica para a tropa sobre os animais
peçonhentos prevalentes na região da
missão. Preparar e instruir a tropa para
medidas de primeiros socorros, e de
evacuação se for o caso. As medidas
preventivas são simples, de fácil aplicação e
podem preservar a vida dos militares
envolvidos na operação. Material para
instrução, disponibilidade de medidas
preventivas e de emergência específicas
estão bem descritas em outras fontes
(Manual de diagnóstico e tratamento de
acidentes por animais peçonhentos).
Devem ser considerados na instrução
acidentes com aranhas, lagartas, escorpiões,
arraias e serpentes. Os acidentes mais
graves são causados por serpentes.
A distribuição dos acidentes ofídicos no
país indica incidências mais elevadas na
Região Centro-Oeste e Norte, apesar do
número absoluto de casos ser maior no
sudeste. Da mesma forma, a ocorrência dos
acidentes ao longo do ano apresenta
marcada sazonalidade, com predomínio dos
casos nos meses quentes e chuvosos. Os
acidentes
botrópicos
(causados
por
serpentes do gênero Bothrops, conhecidas
popularmente por jararacas) representam
88% dos casos, enquanto que os acidentes
crotálicos (Crotalus, cascavéis), laquéticos
(Lachesis,
surucucu-pico-de-jaca)
e
elapídicos (Micrurus, corais verdadeiras)
correspondem a, respectivamente, 9%,
2,5% e 0,5% do total das notificações.
5.1 Medidas Preventivas contra acidentes
com Animais peçonhentos
As medidas preventivas realizadas pelo
oficial enfermeiro devem ter características
epidemiológicas dos acidentes. Este militar
está habilitado para orientar a distribuição e
utilização dos soros antipeçonhentos de
acordo com as necessidades regionais. O
oficial médico veterinário irá instruir a
tropa como prevenir acidentes, de acordo
com a fauna peçonhenta a ser encontrada na
região de atuação da tropa em GLO.
Algumas medidas preventivas contra
acidentes com animais peçonhentos devem
ser abordadas em instrução de orientação
para tropa, como uso de coturno, uso de
instrumentos auxiliares como facão de mato
ou outro para explorar tocas e buracos, e
principalmente primeiros socorros e
evacuação imediata do militar acidentado.
Limpeza das áreas de estacionamento,
paradas, descanso e acampamento. A coleta
e destino adequado de lixo evitam a
proliferação de insetos e roedores que
atraem animais peçonhentos.
A instrução sobre cuidado com destino
de lixo e especialmente de dejetos humanos
deve ser conduzida em conjunto com o
oficial enfermeiro e oficial médico
veterinário, recomendando construção de
fossas temporárias ou até mesmo
definitivas, seguindo vários modelos
descritos
em
outras
fontes,
(ROUQUAYROL,
1994).
Essas
construções feitas pelos Militares em GLO,
podem e devem ser usadas em Ações
Cívicas Sociais (ACISO), onde a
comunidade local será orientada como
prevenir doenças dando um destino
adequado ao lixo. Além da educação
ambiental, que os militares passarão a ser
multiplicadores, há excelente oportunidade
de ACISO, além de a tropa deixar excelente
imagem perante a comunidade local ao
abandonar os pontos de estacionamento ou
acampamento.
6. Doenças Adquiridas por Consumo de
Água e ou Comida Contaminada
6.1 - Consumo de Peixe. Acidentes
importantes acontecem quando bactérias
provocam descarboxilação da histidina na
carne de peixes mal conservados,
produzindo a toxina saurina, capaz de
liberar histamina em seres humanos.
Acúmulo de metil-mercúrio em peixes
pescados em águas contaminadas pode
produzir
quadros
neurológicos
em
humanos, quando houver ingestão crônica.
Os acidentes sarcotóxicos ocorrem por
ingestão de peixes e frutos do mar. Os
baiacus
(Tetrodontidae)
produzem
tetrodontoxina,
potente
bloqueador
neuromuscular que pode conduzir a vítima
à paralisia consciente e óbito por falência
respiratória. Peixes que se alimentam do
dinoflagelado
Gambierdiscus
toxicus
podem ter acúmulo progressivo de
ciguatoxina nos tecidos, provocando o
quadro
denominado
ciguatera
(neurotoxicidade).
6.2 Medidas Profiláticas de doenças
adquiridas por consumo de água e ou
comida contaminada
Os alimentos adquiridos pela cadeia de
suprimento do Exército têm de sofrer
obrigatoriamente Inspeção Veterinária.
Devem ser verificados nos Depósitos de
Suprimentos pelos oficiais médicos
veterinários.
A principal prevenção é a educação e
disciplina da tropa. Esta deve ser instruída a
consumir exclusivamente alimentos e água
de origem militar, inspecionados pelo
oficial médico veterinário, seguindo
legislação especifica do Ministério da
Agricultura e Abastecimento.
O oficial médico veterinário e o oficial
enfermeiro devem, em conjunto, preparar
instrução para todos os militares envolvidos
no rancho da operação de GLO, a fim de
prevenir
doenças
transmitidas
por
alimentos. Pode ser consultado o Manual
Integrado de Prevenção e Controle de
Doenças Transmitidas por Alimentos do
Brasil.
O papel do oficial médico veterinário na
prevenção de doenças transmitidas por
alimentos
como
sarcosporidiose
(Sarcocystis
spp),
toxoplasmose
(Toxoplasma
gondii),
equinococose,
cisticercose,
trichinose
(Tricchinella
spirales). Tuberculose, brucelose está bem
definida na legislação (Regulamento de
Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos
de Origem Animal, Regulamento Técnico
Condições Higiênico Sanitárias e de Boas
Práticas
de
Fabricação
para
Estabelecimentos
Produtores
e
Industrializadores de Alimentos).
A tropa deve ser instruída a não
consumir carne, leite ou derivados ovos,
mel de origem não militar. Também deve
ser orientada a não abater ou manipular
carcaças de caça ou animais domésticos
abatidos de forma clandestina, evitando
doenças
pela
manipulação,
como
carbúnculo.
A instrução de sobrevivência deve
orientar a diferenciação de animais
saudáveis de doentes. Em condições
adversas de sobrevivência, o militar pode
procurar caçar e pescar animais saudáveis, e
ainda sim, identificar doenças transmitidas
pelos alimentos.
O oficial médico veterinário e o oficial
enfermeiro devem instruir os militares em
medidas de higiene, mesmo em condições
adversas de sobrevivência. A separação de
partes suspeitas da carcaça ou mesmo a
disciplina de não se alimentar de uma
carcaça com alterações, em situações
extremas de sobrevivência deve ser passada
a tropa.
7. Doenças Emergentes ou Reemergentes
Outra área importante para pesquisa
militar é a de doenças emergentes ou
reemergentes, que tem seu aparecimento
favorecido pelas condições modernas de
vida. Assim, uma doença com potencial
epidêmico que ocorra em qualquer local
pode ser um risco para a população global.
A transmissão dessas doenças reemergentes
pode se dar ao acaso ou de maneira
coordenada por ação de terrorismo, como
Antrax ou bioterrorismo, onde o alvo pode
não ser apenas a população, mas também a
economia do país atacando sua produção
agropecuária. O oficial médico veterinário e
o oficial enfermeiro devem estar
preparados, pois o Exército pode
representar a primeira linha de defesa para
este tipo de risco, organizando instituições
privadas e públicas.
Conclusão
O presente trabalho é uma abordagem
multidisciplinar
e
preventiva
da
manutenção da combatividade do militar
envolvido em GLO.
Foram levantados alguns pontos
principais de riscos, agrupados de maneira a
facilitar ações preventivas. Estas ações são
mais viáveis economicamente, evitando
desgastes desnecessários com familiares e
sociedade em geral, mantendo elevado o
moral da tropa e preservando a imagem do
Exército.
O levantamento de informações da
região em que a missão irá se desenvolver,
explorando fontes militares locais deve ser
feito antes do deslocamento da tropa. A
política de saúde do Exército para aquela
região específica deve ser consultada e
seguida.
A ação preventiva mais freqüente foi a
simples
informação
da
Tropa.
Consideráveis riscos podem ser evitados
com atividades simples de instrução e
educação dos militares.
A falta de bibliografia específica foi a
maior dificuldade e referências pertinentes a
outras áreas devem ser pesquisadas e
adaptadas para realidade militar.
Poucos artigos pesquisados exploram a
identificação de riscos e prevenção
específica para militares. A carência de
literatura demonstra a relevância do
presente artigo. As pesquisas científicas
devem ser fomentadas nas escolas de
formação de saúde e EsAEx, com o intuito
de apoiar com informações especializadas e
profissionais técnicos para aumentar a
eficiência e a capacidade das ações de nossa
tropa.
De acordo com as características de
nossa realidade territorial e o nosso homem,
elemento principal na ação de combate,
outros aspectos pertinentes a diversas áreas
de conhecimento poderão ainda ser
abordados em trabalhos futuros, como
manutenção do moral elevado, bem estar de
militares e familiares, prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis e outros.
Excelentes fontes civis estão disponíveis,
inclusive na internet para preparar as
instruções para a tropa.
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