2 • Público • Quinta-feira 7 Agosto 2008
Destaque
Entrevista exclusiva Ronaldo desfaz tabu sobre o seu futuro
“Ficar no Manchester não será um
sacrifício mas uma honra enorme”
Cristiano Ronaldo explica por que quis primeiro ir para o Real Madrid
e agora decidiu permanecer em Old Trafford, no Manchester United
Bruno Prata
a Cristiano Ronaldo vai continuar
em Manchester na próxima
época. É o próprio que o diz numa
entrevista ao PÚBLICO, em que
assume com frontalidade a sua
responsabilidade no “romance”
que fez gastar toneladas de papel
com a possibilidade de se mudar
para o Real Madrid. Refere mesmo
ter sido ele o culpado das clivagens
que entretanto se criaram entre o
clube inglês e o espanhol. Mas não
pede desculpa, porque o seu único
erro foi ter sido sincero.
O avançado português explica
ainda os motivos por que vai
manter-se em Old Trafford,
faz o elogio do Manchester e
principalmente de Ferguson,
mas não esconde que o sonho
de jogar em Madrid é bem real e
antigo. E que é um sonho que se
mantém. Mas pede que não se
especule a propósito disso, até
porque, insiste, a sua cabeça estará
agora apenas em Manchester,
que quer ajudar a defender os
títulos conquistados e a sagrar-se
campeão do mundo de clubes.
Alex Ferguson afirmou
anteontem que “o assunto
está encerrado” e que,
definitivamente, o Cristiano
Ronaldo jogará em Manchester
na próxima época. É verdade?
É verdade. O meu treinador teve
a amabilidade de se vir encontrar
comigo há dias, em Lisboa, como
já penso ser público. Foi uma
conversa franca, entre duas
pessoas que se respeitam muito
e que, tenho a certeza, têm um
carinho e uma amizade mútua.
O que dissemos um ao outro fica
apenas entre nós. Ferguson ouviu
os meus argumentos, eu ouvi os
dele e, de facto, ficou entre nós
estabelecido que o melhor para
ambas as partes seria eu continuar.
Por isso, posso confirmar que,
na próxima época, irei jogar no
Manchester. E, antes que surjam
rumores e especulações no sentido
de que vou ficar contrariado,
quero já esclarecer uma coisa:
quem disser ou escrever isso estará
a mentir. Vou jogar no Manchester
de corpo e alma. Vou lutar e
honrar aquela camisola com o
empenho e a dedicação de sempre.
E como é que acha que se
vão sentir os dirigentes do Real
Madrid ao vê-lo agora assumir
que fica em Manchester?
Quero assumir que fui eu o
grande responsável por toda esta
polémica. Eles não tiveram culpa,
porque fui eu que manifestei
publicamente a vontade de
ir para o Real Madrid. Acabei
também por ser, mesmo que
involuntariamente, o responsável
pelos atritos que se verificaram
entre os dois clubes.
As suas declarações, logo após
a final da Liga do Campeões,
mas também no decorrer e
após o Europeu, indiciaram
uma vontade enorme de sair
do Manchester United e de se
mudar para o Real Madrid.
Afinal, qual era mesmo a sua
vontade?
Sabia que o Real Madrid
estava interessado em contratarme e que, alegadamente, teria
apresentado uma proposta muito
elevada ao Manchester para o
conseguir. A minha vontade
foi, durante algum tempo, que
o Manchester tivesse aceitado
transferir-me para Madrid. Dizer
o contrário seria estar a enganar
as pessoas e a minha própria
consciência. Quem me conhece
bem sabe que só algo de muito
forte me poderia levar a assumir
isto. Se há coisa que nunca
fui – nem quero vir a ser – foi
ingrato. O Manchester (desde os
irmãos Glaser, seus dirigentes,
designadamente David Gill, aos
treinadores, colegas de equipa
e simples funcionários) é um
clube que estará para sempre no
meu coração. E isso será sempre
verdade, aconteça o que acontecer
no futuro. Sei bem o que este
clube fez por mim e estar-lhe-ei
eternamente grato em quaisquer
circunstâncias. Mas, até por
isso, até por eu saber que este
é um clube diferente, com uma
dimensão humana extraordinária,
em determinado momento tive
alguma esperança de que a minha
vontade e as minhas razões fossem
entendidas.
E quais foram essas razões que
chegaram a fazê-lo querer sair?
Depois de termos ganho a Liga
dos Campeões, senti que em cinco
anos tinha ajudado a conquistar
tudo o que havia para conquistar. Já
Vou jogar no Manchester
de corpo e alma. Vou lutar
e honrar aquela camisola
com o empenho
e a dedicação de sempre
Para quê mentir? Não vou
ser um hipócrita e dizer
o contrário do que penso,
como outros fazem.
Eu disse exactamente o que
penso: tenho este sonho de
jogar em Madrid e achei que
era a hora de partir.
Nunca foi minha vontade
forçar a saída sem o
consentimento do Manchester.
Ao recusarem a oferta, os
responsáveis do Manchester
acabaram também por deixar
bem vincado o quanto gostam
de mim. Na altura, não o
compreendi totalmente, mas
agora sei dar-lhe o justo valor
JORGE MONTEIRO/GESTIFUTEMEDIA
tínhamos sido bicampeões ingleses
e eu já tinha ganho a generalidade
dos troféus individuais, incluindo
o de melhor marcador da Premier
League, da Liga dos Campeões e da
Europa. Senti, por isso, que talvez
precisasse de um novo desafio.
Por outro lado, nunca escondi
que tinha o desejo de jogar em
Espanha, mais concretamente
no Real Madrid, e achei que este
podia ser o momento para o
fazer. O Manchester e o Real são
provavelmente os dois maiores
clubes do mundo e nunca seria
uma decisão fácil. Além do novo
desafio que ponderei, toda a gente
entenderá que o estilo de vida e
a cultura espanhola estão mais
próximos da portuguesa. Estas
foram, de facto, as razões que me
fizeram ponderar.
Mas não houve mais nada? A
atracção do ordenado ainda mais
milionário que o Real Madrid se
diz estar disposto a pagar-lhe,
por exemplo?
Tenho a consciência de que,
em qualquer circunstância, serei
sempre vítima de especulações.
Sabia, designadamente, que não
iria faltar quem dissesse que a
minha preocupação era apenas
ganhar ainda mais dinheiro.
Outros iriam insistir na tese de
que a minha vaidade não resiste
à possibilidade de ficar ligado à
maior transferência de sempre
com apenas 23 anos. Claro que
tenho orgulho por o meu trabalho
ser reconhecido, mas nada disto
pesou de forma decisiva na minha
vontade. Mais: se fosse apenas a
questão monetária, nunca sairia do
Manchester. Para além dos motivos
que já referi, tenho também de
reconhecer que a minha família
via com bons olhos esta mudança.
A possibilidade de estar a uma
hora de avião da minha mãe e da
minha restante família era uma
atracção muito forte, mais a mais
passando a servir um clube com
a dimensão do Real Madrid. Eu
sei que tenho de lidar com essas
circunstâncias, mesmo que por
vezes também me custe, mas é um
pouco doloroso exigi-lo àqueles de
quem mais gosto. A maior prova
do que acabei de dizer é o facto
de eu ter efectuado um elevado
investimento na compra de uma
casa em Manchester, quando
até nem tinha necessidade de o
fazer. Fi-lo precisamente para
tentar dar o máximo de conforto
não só a mim, mas também
aos que me são mais próximos.
As pessoas do Manchester,
designadamente o seu treinador,
compreenderam os meus motivos.
Mas acabámos todos por concluir
que eu devo continuar a envergar
aquela camisola número sete
do Manchester. Não será um
Público • Quinta-feira 7 Agosto 2008 • 3
Kaká votou em Ronaldo para melhor jogador do ano na votação
promovida pela FIFPro, a associação internacional de sindicatos
de jogadores. Foi o primeiro a votar, entre mais de 40 mil jogadores.
EDDIE KEOGH/REUTERS
sacrifício para mim, antes uma
honra enorme. Tenho coisas
importantes para continuar a
conquistar em Inglaterra. E vou
dar tudo de mim em Manchester.
Quero defender o título europeu
e ajudar o Manchester a sagrarse campeão mundial. Isto, claro,
sem deixarmos de olhar para a
conquista da Premier League e
para as restantes provas.
Não teme ser mal recebido
pelos adeptos do Manchester?
Sinceramente, não. Essa
possibilidade existe, mas espero
que não se verifique.
Sei que sou um bom profissional,
sei que ninguém é mais exigente
consigo próprio do que eu e vou
continuar a sê-lo em quaisquer
circunstâncias. A maior alegria
profissional na minha carreira foi
a conquista da Liga dos Campeões.
Nunca ninguém o apagará da
minha memória, como ninguém
conseguirá apagar o facto de ter
sido conseguida com a camisola
do Manchester United. Aquilo
que eu disse publicamente, se
calhar com alguma ingenuidade,
assumo-o totalmente. As pessoas
têm de perceber uma coisa: aos
18 anos cheguei a um clube de
sonho como é o Manchester. Foi
o cumprir de um sonho. Mas,
mesmo nesse momento, já tinha
na cabeça o desejo de jogar uns
anos valentes em Inglaterra e,
depois, ir jogar em Espanha. Já
na altura pensava assim, e nem
por isso deixei alguma vez de
me aplicar ao máximo. Para quê
mentir? Não vou ser um hipócrita
e dizer o contrário do que penso,
como outros fazem. Eu disse
exactamente o que penso: tenho
este sonho de jogar em Madrid e
achei que era a hora de partir. As
pessoas não podem levar a mal
que eu queira cumprir um sonho
de infância.
Mas seria justo para o
Manchester ver-se obrigado a
prescindir dos seus serviços,
quando você ainda tem um
contrato em vigor?
Eu sei bem o quanto este clube
fez por mim. Estar-lhe-ei grato
para sempre. O Manchester e os
seus adeptos podem ter a certeza
que nunca os esquecerei, aconteça
o que acontecer. São especiais e
têm um cantinho aqui guardado
[bate com a mão no coração].
Aliás, confesso que uma das razões
por que ganhei coragem para
assumir o meu desejo foi o de estar
garantido que o Manchester iria
ser justamente recompensado.
Os valores de que se falaram,
que seriam recorde a nível
mundial, serviriam, pelo menos
materialmente, para compensar a
dívida de gratidão que tenho para
com o clube. Vou aqui assumir
algo que nunca disse a ninguém:
se não tivéssemos sido campeões
europeus, provavelmente eu não
teria sequer chegado a dar sinais
de que queria ir para Madrid. E há
uma coisa importante que deve ser
referida: nunca foi minha vontade
forçar a saída sem o consentimento
do Manchester. Ao recusarem
a oferta, os responsáveis do
Manchester acabaram também
por deixar bem vincado o quanto
gostam de mim. Na altura, não o
compreendi totalmente, mas agora
sei dar-lhe o justo valor.
Ronaldo e a sua carreira no futebol
“Ferguson foi a pessoa mais
importante que encontrei”
a Você acabou por dar razão
ao Joseph Blatter, quando o
presidente da FIFA disse que
os contratos de longa duração
entre os jogadores e os clubes
eram uma forma de “escravatura
moderna”...
Isso não tem cabimento, nem
creio que fosse isso que ele queria
dizer, como o próprio Blatter já
teve oportunidade de referir. O
meu comentário foi a uma coisa
diferente. Foi no sentido de que os
jogadores devem estar num sítio
onde se sentem felizes. Apenas isso.
Alex Ferguson manteve-se
sempre intransigente e negou
qualquer possibilidade de
transferência…
Para mim é, podem crer, um
orgulho saber o quanto ele gosta
de mim. E ele sabe que tenho
exactamente a mesma consideração
por ele. Tem sido uma das pessoas
que mais me têm marcado no
futebol. Não só pelo que aprendi
e continuo a aprender com ele,
mas também pela sua dimensão
humana. Adoro a forma apaixonada
como ele vive o futebol. Se isso fosse
humanamente possível, gostaria
de o ter sempre a meu lado. Claro
que esta é uma possibilidade irreal,
mas diz bem da consideração,
admiração e respeito que tenho
por ele. Em Manchester foi sempre
para mim como um segundo pai.
Nunca esquecerei que foi ele que
me explicou o significado de vestir
a camisola sete do Manchester,
que será sempre a minha camisola.
Quando eu estava no Sporting, tive
várias propostas para sair, algumas
delas altamente vantajosas. Chegou
uma ao meu empresário que me
permitia receber imediatamente
oito milhões de euros só como
prémio de assinatura, sendo que
eu continuaria a jogar mais um
ano no Sporting e depois sairia
livre. Mas o dinheiro não é tudo na
vida. O Barcelona, o Real Madrid,
o Inter, o Milan, a Juventus, o
Valência e praticamente todos os
grandes clubes também estavam
interessados. Na altura, o Jorge
Mendes explicou-me que o
Manchester também me queria e
que Ferguson lhe tinha explicado
que haveria muito cuidado com
a progressão da minha carreira.
Por isso, iria jogar, no mínimo, 50
por cento dos jogos na primeira
época, como veio a acontecer. Isto
para dizer que também eu escolhi
o Manchester e que o dinheiro não
foi fundamental na minha opção.
Juntamente com o meu empresário
( Jorge Mendes), Ferguson foi
a pessoa mais importante que
encontrei na minha carreira. Mas
até por isso, por essa relação
especial que existe entre nós, sei
que ele compreenderá que há
alturas em que um pai tem de se
preocupar apenas em escolher o
melhor para o seu filho.
Os jornais espanhóis continuam
a garantir que o seu futuro passa
pelo Real Madrid…
Não vale a pena estarmos a
Alex Ferguson com Ronaldo
antecipar quadros. Não vale a pena
especular, até porque nada está
estabelecido e as coisas no futebol
mudam a toda a hora. Hoje há
oportunidades que nenhum de nós
sabe se irão repetir-se no futuro.
Há apenas duas coisas certas:
vou jogar no Manchester, clube
que me orgulho de representar; o
Real Madrid continuará a ser um
grande clube mesmo sem mim e
eu continuarei a manter pelo clube
espanhol a admiração que tenho
desde miúdo. Estou a dizer o que
verdadeiramente penso e espero
que terminem as especulações. A
imprensa tem escrito barbaridades
sobre mim e sobre todo este
processo. Inventaram-se mil e uma
coisas. Essa foi também uma das
razões por que aceitei falar agora
sobre tudo isto. E as pessoas podem
estar certas de uma coisa: tudo o
que atrás afirmei saiu do fundo do
coração e é a única verdade.
Quer dizer que não põe de parte
o sonho de um dia jogar em
Madrid?
Sou um profissional a cem por
cento e sempre me entreguei
de corpo e alma a este clube.
Ainda esta época joguei boa parte
dos jogos lesionado, como se
acabou por comprovar quando
tive de ser operado. Joguei com
dores insuportáveis e tomando
diariamente anti-inflamatórios.
E voltaria a fazê-lo, se fosse
necessário. Este clube merece
tudo, porque tem dirigentes e
adeptos espectaculares, para além
do carinho e consideração que já
referi ter por Alex Ferguson. Se
algum dia sair, quero fazê-lo com a
consciência de que tudo continuei
a fazer para ajudar este clube a
ganhar o máximo possível, ou seja,
nesse caso sairei com o sentimento
de total dever cumprido.
Participe na discussão sobre Ronaldo
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