UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MESTRADO A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA RENATO PONTE BOTTESELLE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS PROF. DR. PAULO AFONSO ZARTH Ijuí, RS, Brasil 2010 UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MESTRADO A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Dissertação apresentada junto ao Programa de Pós-graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências. RENATO PONTE BOTTESELLE Orientador: Prof. Dr. PAULO AFONSO ZARTH Ijuí, RS, Brasil, março de 2010 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MESTRADO A banca examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação: A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA elaborada por RENATO PONTE BOTTESELLE como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências. Banca Examinadora: Prof. Dr. Paulo Afonso Zarth (UNIJUÍ): __________________________________ Prof. Dr. Walter Frantz (UNIJUÍ): _______________________________________ Profª. Drª. Arisa Araújo da Luz (UERGS): ________________________________ Ijuí/RS, 15 de março de 2010. “Ou os estudantes se identificam com o destino do seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, que nesse caso, serão aliados daqueles que exploram o povo”. (Florestan Fernandes) Dedico esta conquista à memória do meu irmão Roberto, que não teve a oportunidade que estou tendo. v AGRADECIMENTOS Ao meu professor, amigo e orientador, Paulo Zarth, por acreditar no meu trabalho, pelo incentivo e por não ter me dado todas as respostas. Ao professor e co-orientador, Walter Frantz, por me fazer acreditar que era possível. Ao professor Valdir Sandri que, com suas aulas de História, ainda no Ensino Médio, fez despertar em mim o interesse pela História. À professora Ariza Araújo da Luz, que gentilmente aceitou participar da banca final, vindo lá dos Sete Povos Missioneiros até aqui. Ao professor Julio Quevedo pelo incentivo inicial. À Profª Anna Olívia do Nascimento e à Profª Ivete Maria Catelan, que abriram para mim as portas do IHG-SLG; e à Eladir Heinzmann, que muito colaborou na formatação final do trabalho. À Angélica, nossa secretária do curso, que foi quem me deu a notícia de que, na terceira tentativa, finalmente tinha sido selecionado. Confesso a vocês: foi uma bela noite sem dormir... E aqui estou eu, se não o mais velho, talvez o mais experiente. Aos professores da inesquecível Pós em Ciências Sociais aqui lembrados pelos professores Ivo Canabarro, Andréa Narvaes e minha orientadora Sandra Amaral. Aos colegas, na lembrança da Fátima, Márcia, André, Anelise, Neiva, Gilce, Kadigia, Cláudio, Ana Cristina e da Eterna Garota Verão, Nadine Dubal. Vocês todos, com certeza, moram no meu coração. Aos meus pais, Renato e Maria Helena, por existirem; pelo amor, fé e carinho com que me educaram; pela confiança que em mim depositaram; pelo incentivo e pelas condições dadas para que eu pudesse colocar em prática (e na prática a teoria é outra... felizmente!) os meus projetos e frequentar o curso de Mestrado. À minha irmã Sheila que, do seu modo especial, foi porto seguro nos momentos mais difíceis de minha vida, assim como pela paciência e disponibilidade quando da pesquisa. Aos meus filhos, Giancarlo e Lorenzo, maravilhosos principalmente na compreensão de um Pai nem sempre presente, que fazem com que eu acredite que um outro mundo é possível. À minha netinha Raffaella, fruto do amor do Giancarlo e da Francieli, que me faz lembrar duas convicções que tenho: não podemos abandonar as crianças e não podemos abandonar o mundo! Aos meus afilhados Eduardo, Laurinha e Lucas, e à Elise, minha eterna sobrinha preferida. Ao Jorge, À Maristane e ao Capitão Rodrigo, parceiros de fé nas horas difíceis, obrigado pelo apoio recebido. Ao meu irmão João Marcelino, pela torcida. vi Aos meus colegas de mestrado, José Black Adair e Renivaldo, amigos de todas as horas, verdadeiras bússola nos momentos de tempestades; momentos esses muitas vezes acompanhados de muitas caipirinhas... E as colegas Francini, Lao-Tsé, Cátia, Lizandra e Dulce, musas inspiradoras nos momentos em que nos fogem as idéias. Aos amigos de São Luiz Gonzaga, a mais autêntica redução missioneira dos Sete Povos das Missões: Jairo Delavy, Arami Tacha-Tacha, Luiz Henrique Mola, Juliana, Giane e Edson Cebolinha; à amiga “missio” Irene Gomes, que também ajudou na pesquisa. Aos amigos de Ijuhy, Sergio Pires, Carlos Litti Dahmer e Jorge Berto; à eterna secretária do Departamento de História da Unijuí, a nossa querida Maria de Lourdes; e à Daniele Aguiar, criança querida, parceira por um ano na Câmara de Vereadores. E, finalizando, ao meu velho, fiel e guerreiro computador que muitas vezes parecia funcionar “movido à lenha” e que, junto a muitos e muitos cafés, sempre acompanhados pelo abominável cigarro, entre uma tragada e outra, foram meus companheiros na solidão poética do encontro do homem com as novas tecnologias. Nos dias e nas madrugadas em que o corpo reclama, a mente pede descanso e os olhos fecham sem querer... Afinal, se foi Sepé Tiarajú quem disse: “... alto lá, esta terra tem dono!”, foi o nosso poeta maior, o pajador missioneiro, Jayme Caetano Braun quem falou e eu repito aqui: “... não é à tôa chomisco, que sou de São Luiz Gonzaga...”. Muito Obrigado! RESUMO O presente estudo tem por objetivo verificar a metodologia do discurso missioneiro nos currículos escolares, levando-se em conta sua origem e implementação no Rio Grande do Sul, Brasil, mais especificamente na cidade de São Luiz Gonzaga, que faz parte da região denominada de Sete Povos das Missões. Para a efetivação dessa proposta, as escolas: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe, Escola Estadual de Ensino Fundamental Senador Pinheiro Machado, Escola Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio e Escola Básica da URI - São Luiz Gonzaga, servem como base para a pesquisa, a exposição e a discussão da metodologia e da hipótese de que o discurso missioneiro faz parte dos currículos escolares, ou não. Além disso, são articulados seus aspectos teóricos e conceitos referenciais, considerados relevantes para a sua fundamentação, tais como: discurso, (re)construção da identidade missioneira, folclore, cultura, lugares de memória, tradição e currículos escolares. Ao abordar tais questões, em específico o discurso missioneiro e os currículos escolares, optou-se pela utilização de autores que trabalham com o tema e servem para referenciar as análises como Arno Alvarez Kern, Stuart Hall, Edward Wadie Said e Tomaz Tadeu da Silva, entre outros. Consequentemente, o estudo dá enfoque para a reflexão acerca das possibilidades de se trabalhar a história local e regional, nas escolas, a partir do discurso missioneiro inserido nos currículos escolares. Além do tema objeto deste trabalho, tentou-se compreender também as raízes históricas da “ideologia missioneira” e sua influência na educação e formação da população local; a caracterização do “missioneiro” e sua relação com a formação do cidadão; e, por fim, o modo como o assunto aparece na educação escolar. Palavras-chave: Missioneiro, Currículos escolares, Identidade, Cultura, Tradição. ABSTRACT This study aims to verify the methodology of the regional discourse in formal education curricula, considering its origin and implementation in Rio Grande do Sul, specifically in the city of São Luiz Gonzaga, which belongs to the region called Seven Peoples Missions. To achieve this proposal, some schools (Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe, Escola Estadual de Ensino Fundamental José Bonifácio and Escola Básica da URI – São Luiz Gonzaga) serve as base for methodology research, presentation and discussion, as well as for verification whether or not the regional discourse integrate the curricula. Besides, theoretical aspects and referential concepts considered relevant for the reasoning of the study are articulated, such as discourse, (re)construction of regional identity, folklore, culture, memory places, tradition and curricula. To deal with these questions, especially the regional discourse and the formal education curricula, we opt to mention some authors who study the subject and serve to reference the analysis, as Arno Alvarez Kern, Stuart Hall, Edward Wadie Said e Tomaz Tadeu da Silva. Therefore, the study focuses on reflection on the opportunity of teaching regional and local history in schools from the regional discourse inserted in the curricula. In addition to this subject, we try to understand the historical roots of a regional ideology named “missionary” and its influence on education and formation of local community; the characterization of the “missioneiro” (individual from Mission Region) e its relationship with formation of the citizen; and, at last, how this subject is carried on in school education. Key-words: Missionary, Curriculum development, Identity, Culture, Tradition. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa Histórico e Geográfico de La Província de Misiones: 1585-1896.....22 Figura 2: Santo Inácio de Loyola................................................................................25 Figura 3: Reduções de São Nicolau I.........................................................................27 Figura 4: Reduções de São Nicolau II........................................................................28 Figura 5: Fachada frontal da Igreja de São Miguel Arcanjo, numa das Sete Reduções Jesuíticas, em São Miguel/RS...................................................................................30 Figura 6: Museu das Missões, projetado pelo famoso arquiteto Lúcio Costa, em São Miguel/RS...................................................................................................................30 Figura 7: Sepé Tiaraju................................................................................................32 Figura 8: Ratio Studiorum. ........................................................................................33 Figura 9: Claustro da Redução de São Luiz – Início do séc. XX ...............................35 Figura 10: Grupo Fogo de Chão................................................................................47 Figura 11: V Encontro Internacional de Chamameceros realizado em São Luiz Gonzaga/RS, em Janeiro/2oo9. Autor Desconhecido – Material de Publicidade ......48 Figura 12: Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga .................................48 Figura 13: Logotipo dos 25 anos do IHGSLG............................................................50 Figura 14: Placa e prédio do IHGSLG.......................................................................51 Figura 15: Jaime Caetano Braun...............................................................................51 Figura 16: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão .....................................................56 Figura 17: Conteúdos sobre as missões nos PPPs I ................................................62 Figura 18: Conteúdos sobre as missões nos PPPs II ...............................................63 Figura 19: Exercício de sala de aula .........................................................................65 Figura 20: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas I.........66 Figura 21: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas II........67 Figura 22: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas III.......68 Figura 23: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas V .......69 Figura 24: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas VI ......70 Figura 25: Capa do livro Um Gauchinho nas Missões ..............................................71 Figura 26: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões I ............................................72 Figura 27: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões II ...........................................73 Figura 28: Capa do livro Rio Grande do Sul..............................................................74 Figura 29: Partes do livro Rio Grande do Sul I .................................................................75 x Figura 30: Partes do livro Rio Grande do Sul II .........................................................76 Figura 31: Partes do livro Rio Grande do Sul III ........................................................77 Figura 32: Capa do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças................................78 Figura 33: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças I............................78 Figura 34: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças II...........................79 Figura 35: Capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação definitiva da redução de São Miguel, em 1987..........................................................79 Figura 36: Capa da revista Mensageiro ....................................................................80 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Reducciones Jesuiticas de Guaranies......................................................23 Quadro 2: Fundaciones regionales ...........................................................................24 LISTA DE ANEXOS Anexo 1: Missões Jesuíticas .....................................................................................90 Anexo 2: Esclarecimentos sobre a obra SEPÉ TIARAJÚ SÃO-LUIZENSE E MISSIONEIRO ..........................................................................................................91 Anexo 3: Atividades do CIMI – Conselho Indigenista Missionário e Movimento Social Via Campesina ..........................................................................................................94 Anexo 4: Músicas ......................................................................................................97 Anexo 5: Encontro Internacional de chamameceros .........................................................99 Anexo 6: História de Jayme Caetano Braun............................................................101 Anexo 7: Artistas Missioneiros ................................................................................104 Anexo 8: Mostra de Arte Missioneira: 1981-1987....................................................106 Anexo 9: Certificado de colaboração para construção do monumento paisagístico em homenagem ao pajador Jayme Caetano Braun. .....................................................107 SUMÁRIO RESUMO...................................................................................................................07 ABSTRACT...............................................................................................................08 LISTA DE FIGURAS .................................................................................................09 LISTA DE QUADROS...............................................................................................11 LISTA DE ANEXOS..................................................................................................12 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14 1 OS SETE POVOS DAS MISSÕES ........................................................................21 1.1 AS REDUÇÕES JESUÍTICAS GUARANI ..........................................................21 1.2 OS SETE POVOS DAS MISSÕES: NASCIMENTO, GLÓRIA E MORTE ..........27 1.3 A EDUCAÇÃO NOS SETE POVOS DAS MISSÕES .........................................32 2 O MISSIONEIRO....................................................................................................37 2.1 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MISSIONEIRA ..............................................37 2.2 AS TRADIÇÕES RE(INVENTADAS)..................................................................42 2.3 O FOLCLORE.....................................................................................................45 2.4 AS MEMÓRIAS HISTÓRICAS............................................................................49 2.5 A CULTURA MISSIONEIRA...............................................................................53 3 OS SETE POVOS DAS MISSÕES NAS ESCOLAS DE SÃO LUIZ GONZAGA...58 3.1 A TEMÁTICA MISSIONEIRA..............................................................................58 3.2 OS CURRÍCULOS ESCOLARES E OS PROJETOS POLÍTICOPEDAGÓGICOS ESCOLARES ................................................................................60 3.3 O TEMA MISSIONEIRO NOS CURRÍCULOS ESCOLARES E SUA PRESENÇA NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS ...........................................................................64 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................82 REFERÊNCIAS.........................................................................................................86 ANEXOS ...................................................................................................................89 INTRODUÇÃO O fato de ter nascido e vivido toda a minha infância em São Luiz Gonzaga, lugar onde foi iniciei a vida escolar, e pelo fato de, mesmo tendo habitado outros pagos, pelos mais diversos motivos, sempre voltar às Missões, em permanente contato com o seu modo de vida, legou-me o direito e o desejo de fazer esta pesquisa, com um olhar atento para a leitura de como é apresentado o discurso missioneiro nas escolas. A história das Reduções Jesuíticas Guarani, no caso uma parcela do que compunha os trinta povos das Missões Jesuíticas do Paraguai – os Sete Povos das Missões – servirá como pano de fundo para abordar o que é o tema missioneiro nos currículos escolares. A Escola, concebida como o espaço de encontro entre as diferentes formas de ser, pensar e sentir, de valorizar e de viver, construídas em um marco de tempo e espaço, é o ambiente que dá pertinência e identidade a indivíduos e grupos sociais. O tema missioneiro, como resultado do encontro de duas culturas diferenciadas, a guaranítica e a européia, produziu um legado, um novo modo de ser, o missioneiro, encontrado nos termos linguísticos, entre eles nomes de pessoas, localidades, bairros, ruas, rios, etc.; no folclore, com suas lendas e cantos; no cultivo de plantas; e até mesmo nos hábitos alimentares, como o mate e o churrasco. Nesta pesquisa, que tem por título: “A História Missioneira nos Currículos Escolares em São Luiz Gonzaga: Contribuição na Formação Discente e na Construção da Cidadania”, tratei de explanar a temática missioneira, verificando a situação do currículo escolar em relação a ela, e tentando identificar se há necessidade de mudanças para melhor compreender e levar os alunos a aprenderem história. O currículo escolar de História compreende a temática do discurso missioneiro? De que maneira esse discurso é abordado? A questão é contextualizada? Esse estudo consegue fazer com que o estudante realmente compreenda sua realidade? Se não compreende, o que se pode fazer, e de que forma, para estabelecer um novo paradigma? São perguntas que precisam ser 15 respondidas para que se verifique como anda o discurso missioneiro na escola, e se consegue abarcar a interdisciplinaridade e a contextualização, de acordo com a realidade das pessoas. A escolha das Escolas: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe, Escola Estadual de Ensino Fundamental Senador Pinheiro Machado, Escola Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio e Escola Básica da URI - São Luiz Gonzaga foi devido a serem: Estadual, Municipal e Particular e, uma delas, por ter sido a primeira escola em que estudei, a qual me fez sonhar em ser educador – sonho esse que realizei! Dessa forma, este estudo inicia-se centrado na possibilidade de que o discurso missioneiro, compondo os currículos escolares, viabilizaria a valorização da herança cultural de uma comunidade, constituída de fatores peculiares, de costumes, hábitos e lendas construídos pelo ser humano, e que se difundiram numa sociedade, através dos anos, consciente ou inconscientemente, de tal forma que delinearam seu estilo de viver, suas formas de morar, suas obras e suas crenças. Assim sendo, o objetivo do presente estudo não é só tratar de um tema que atrai pesquisadores de diversas áreas do conhecimento como da história, da sociologia, da geografia, da antropologia, da filosofia, da arqueologia e da literatura, que estudam o local e o regional no contexto universal, mas verificar a presença do tema missioneiro nos currículos escolares e a sua influência nas práticas educativas. Levando em consideração o objeto desta investigação, este estudo caracteriza-se como sendo um estudo de caso – o que é a ideologia missioneira e como ela se apresenta nas escolas - que visa a olhar, de maneira aprofundada, uma determinada situação, permitindo conhecê-la de forma ampla e detalhada. É adequado ver a possibilidade da discussão, assim como de sua consequente conscientização a respeito da história missioneira, envolver os mais variados segmentos da comunidade regional, tendo em vista que a história missioneira vem ganhando cada vez mais um espaço importante, não só no Rio Grande do Sul, mas nas instituições de ensino nas escolas de São Luiz Gonzaga, 16 bem como em vários setores da sociedade contemporânea. Um exemplo disso é o carnaval do Rio de Janeiro – uma das maiores festas populares do Brasil – quando a Escola de Samba Beija-flor de Nilópolis, no ano de 2005, apresentou-se e venceu com o tema: “O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete Povos na fé e na dor... Sete missões de amor!”, contando assim ao Brasil e ao mundo a história dos Sete Povos das Missões. Consequentemente, ao usar o método de pesquisa a partir do geral para chegar ao particular, ou seja, da História dos Sete Povos das Missões até os Currículos Escolares nos nossos dias – foi necessário realizar uma pesquisa sobre o que foram as Reduções Jesuíticas, como fator determinante para o entendimento do caso. Destarte, busquei saber um conjunto de fatos, conceitos, acontecimentos e obras, entre as muitas já realizadas, que dão as coordenadas para que, a partir daí fosse possível analisar a hipótese objeto desta pesquisa, com elementos anteriores ao trabalho de campo. Nesse sentido, valeu-me a interpretação do que foram as Missões Jesuíticas, sendo uma utopia política, como nos contou Arno Alvarez Kern em sua obra Missões: Uma Utopia Política, e Tau Golin em Guerra Guaranítica e em Etnocídio e Herança Indígena. Tomaz Tadeu da Silva, com as Teorias do Currículo Escolar, Edward Wadie Said em Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente, Stuart Hall em A Identidade Cultural na Pós-Modernidade e Marilda Oliveira de Oliveira em Identidades e Interculturalidade da História e Arte Guarani, são autores que, com suas obras, além de outros que aparecem ao longo da pesquisa, que deram contribuições que servem para a investigação e respostas da premissa aceita, a priori, como verdadeira, da presença do discurso missioneiro nos currículos escolares. 17 No primeiro capítulo é feita uma revisão da história das reduções jesuíticas guarani, enfocando a concretização da sociedade guarani, e apresentando uma síntese da trajetória de sua implantação no Sul do continente americano. O segundo capítulo é uma abordagem histórica da formação dos Sete Povos Missioneiros, onde a mística da história jesuítica guarani literalmente se instalou, sem a pretensão de apresentar uma nova visão ou trazer informações inéditas sobre a saga do povo indígena e das reduções jesuíticas, analisando o que já foi dito sobre o assunto, o que fundamenta a pesquisa e embasa o tema a ser tratado nos currículos escolares. Ao reafirmar que as missões jesuíticas guarani e, especialmente, os Sete Povos das Missões, são retratos de um momento na história do Rio Grande do Sul – ou do Sul do Brasil – tendo seu lado mais triste no massacre dos guarani, fiz uma abordagem considerada importante do modelo de sociedade que as reduções jesuíticas guarani, em especial os Sete Povos das Missões - local onde “nasci e me criei”, como costuma se dizer popularmente nas Missões – nos deixaram como herança, destacando-se a parte artística: cantos, danças, rituais com elementos nativos, além da beleza arquitetônica, o chamado “barroco missioneiro”, que fazem parte do legado das missões. No terceiro capítulo tratei das raízes históricas da ideologia missioneira, da formação da sua identidade, das tradições (re)inventadas, do folclore missioneiro, dos lugares de memória histórica que marcam a trajetória da construção dos Sete Povos Missioneiros, focalizando uma das suas reduções, São Luiz Gonzaga, lugar onde se fiz a pesquisa. Procurei verificar o significado do termo “missioneiro”, na intenção de identificar a caracterização do homem que habita a terra missioneira. Como os Sete Povos das Missões fazem parte de uma segunda fase das reduções jesuíticas guarani na América, a (re)construção do discurso missioneiro gerou-se de uma identidade (re)construída, num tempo, num tempo e num espaço delimitado e de pertencimentos, formando-se por vários elementos com suas especificidades locais e regionais. 18 Essas especificidades se relacionaram às características sociais que se convencionaram, para assim generalizar todo um conjunto que formou o território missioneiro. Como veremos adiante, são tradições inventadas ou re-inventadas, no sentido de Hobsbawn (1997), que resultaram em uma identidade – a missioneira – e que se diferenciam, culturalmente, do restante do Rio Grande do Sul e dos demais gaúchos. Cabe relevar que essas aparências e seus aspectos foram submetidos à análise, tendo como um dos articuladores o passado, exposto através das obras de Durval Muniz de Alburquerque: A Invenção do Nordeste e outras artes, de Stuart Hall: A Centralidade da Cultura, e de Edward Wadie Said: Orientalismo - O Oriente como invenção do Ocidente. Procurei verificar também como uma comunidade consegue, através da memória, celebrar a vida, a luta de um povo, que continua presente ainda hoje no coração daqueles que acreditam numa Terra Sem Males. Como escreveu o dramaturgo sueco Hjalmar Berman: “A memória, a nossa memória, é uma coisa notável – incerta, indigna de crédito, caprichosa, insidiosa, penosa, enervante, confortante, mas acima de tudo indispensável. Vivemos na memória pela memória”. Para demonstrar as memórias missioneiras, busquei identificar a temática missioneira na comunidade, focalizando representações de narrativas em torno da história, mitos e heróis, muitas vezes com sentidos que se contrapõem, expressas por meio de determinadas “tradições”, que mostram um suposto modo de vida dos seus antepassados, bem como a construção de estátuas e monumentos paisagísticos, artesanato, organização de festivais musicais, mostras de arte missioneira, debates, palestras, enfim, atividades que produzem um discurso em espaços públicos, como nas escolas, refletindo uma imagem que um grupo ou uma sociedade desejam conferir a si mesmos. Tratei de discutir o objeto que envolve a temática “missioneiro” nos Currículos Escolares, com a idéia de perpassar o trabalho, voltado para mostrar essa peculiaridade, da forma e com a intensidade com que vem sendo praticado o tema 19 das “missões” nas escolas e no processo de ensino-aprendizagem. Também tratei de verificar, através das práticas pedagógicas escolares, como esse assunto foi e é tratado nas escolas pesquisadas, na vida, no cotidiano da escola, lugar onde o aluno tem as possibilidades e oportunidades de encontrar os caminhos de sua compreensão de valores, da formação de sua cidadania, e da análise histórica dos múltiplos olhares possíveis decorrentes da complexidade de dizer o que realmente foram as reduções jesuíticas guaranis e os Sete Povos das Missões, da importância de políticas voltadas aos estudos sobre os índios, com questionamentos sobre o seu lugar no passado, e sobre que lugar terão eles no futuro; ou ainda de questões de grande relevância como a política, a social, a arquitetônica, ou mesmo a religiosa. Dentro desse contexto, mostrei vários exemplos de livros, exercícios, tarefas escolares, entre outros, além de cópias de parte dos Projetos Políticos Pedagógicos1, os PPPs, elaborados e aplicados tanto na rede de ensino estadual como na municipal, que tratam da temática objeto desta pesquisa. É justamente através desse material que se configura, na prática, o ensino do “missioneiro” no currículo escolar. Eis aí onde aparece o discurso missioneiro na escola, apresentando como pressuposto básico a apropriação do passado, negociado a partir de necessidades e sensações e de interesses de quem estabelece uma relação de poder. Dessa maneira, a construção da cultura missioneira, num processo que usa do afetivo, do intuitivo, do racional e até mesmo do religioso, pela educação escolar, e, portanto, num espaço público, exerce um papel de formação de consciência na população local, apropriando-se das raízes históricas de uma “ideologia missioneira” que tratei de caracterizar ao longo deste trabalho. Compõe-se assim uma dialética que envolve a realidade da sala de aula, com o tema pesquisado, o pesquisador e os referenciais teóricos que dão sustentação ao 1 A partir deste momento usarei a abreviatura PPPs para Projetos Políticos Pedagógicos. 20 trabalho de pesquisa. 1 OS SETE POVOS DAS MISSÕES 1.1 AS REDUÇÕES JESUÍTICAS GUARANI A experiência cristã das Missões Guarani representa um verdadeiro triunfo da Humanidade. (Voltaire) Todos nós sentimos, com maior ou menor intensidade, numa determinada época da vida, a vontade, a curiosidade e às vezes a necessidade de conhecer a nossa origem, o nosso passado, seguindo a máxima: “de onde eu vim e para onde irei?” Com certeza podemos buscar as referências que respondam ao primeiro questionamento, já que o segundo não há como saber. Sentimos orgulho quando falamos dos nossos costumes, dos nossos antepassados, das nossas raízes, dos fatos que nos remetem à nossa formação identitária. É justamente a partir dessas sensações e necessidades que iniciei a pesquisa da história e da cultura missioneira nos Currículos Escolares, tendo como pressuposto básico a questão do apropriar-se do que já passou pelos membros de uma comunidade, ou seja, da memória coletiva. Nessa perspectiva, enfoquei o fascínio das pessoas no contato com o passado, reunindo temas como: discurso, missões jesuíticas, formação de identidades, tradições, culturas, folclore, memórias e educação, no presente caso, como parte integrante do currículo escolar. Posso iniciar dizendo que a História das Reduções Jesuíticas, seu nascimento, glória e morte das Missões Orientais, no nosso caso uma parcela que compunha os trinta povos das Missões Jesuíticas do Paraguai – os Sete Povos das Missões – resume-se hoje ao que nos falam suas ruínas. Cada pedra delas é um ponto de interrogação. Llamamos reducciones a los pueblos de índios, que viviendo a su antigua usanza, separados, los redujo la diligencia de los Padres a poblaciones grandes y a vida política y humana. Como se vê por esta apreciación de Montoya (1989: 58; cap. V), lãs Reducciones eran una organización del espacio que se identifica com um proyecto urbanístico del cual se esperan efectos políticos, sociales, culturales y religiosos. (MELIÁ; NAGEL, 1995, p.137). 22 A extensa área ocupada pelos trinta povos missioneiros localiza-se no território que hoje pertence ao Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. A cópia do mapa abaixo mostra a localização das reduções jesuíticas e fornece dados interessantes a respeito delas. Ele faz parte do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga e é um importante artefato para a memória missioneira: Figura 1: Mapa Histórico e Geográfico de La Província de Misiones: 1585-1896 Fonte: Ivete Maria Catelan, nov/2009 23 Quadro 1: Reducciones Jesuiticas De Guaranies REDUCCIONES JESUITICAS DE GUARANIES 1. SAN IGNACIO GUAZU 2. LORETO 3. SAN IGNACIO MINI 4. SANTA MARIA DE LOS REYES 5. ITAPUA (1615) ENCARNACION (1625) 6. SANTA ANA 7. YAGUAPOHA (1618) 8. CONCEPCION (1619) 9. CORPUS 10. SAN JAVIER (1622) 11. NATIVIDAD DE LA SMA. VIRGEN DEL ACARAY (1622) 12. SAN JOSE (1625) 13. ENCARNACION (1625) 14. SANTA MARIA LA MAYOR (DEL IGUAZU) 15. SAN MIGUEL (1625) 16. SAN PABLO (1626) 17. SAN NICOLAS (1626, 1687) 18. SAN JAVIER DE YAGUARAI 19. YAPEYU (1627) 20. CANDELARIA DEL IBICUY (1622) 21. SAN ANTONIO (1627) 22. CONCEPCION (1627) 23. SAN PEDRO (1627) 24. ARCANGELES (1628) 25. SANTO TOMAS (1628) 26. JESUS MARIA (1628) 27. CANDELARIA 28. TRINIDAD (1706) 29. ASUNCION DEL IYUI (1628) 30. MARTIRES 31. ASUNCION DEL ACARAGUA (1630) ASUNCION DE MBORORE LA CRUZ (1657) 32. SAN JAVIER DE TABATI (1629) 33. APOSTOLES 34. SAN CARLOS 35. SAN MIGUEL 36. SANTO TOME 37. SAN JOSE 38. SANTA TERESA (1634) 39. NATIVIDAD (1632) 40. SANTA ANA 41. JESUS MARIA (1633) 42. SAN JOAQUIN (1633) 43. VISITACION (1633) 44. SAN COSME Y SAN DAMIAN 45. SAN CRISTOBAL (1634) 46. SANTA MARIA DE FE (1669) 47. SANTIAGO (1669) 48. SAN BORJA (1682, 1690) 49. JESUS 50. SAN LUIS (1687) 51. SAN LORENZO (1690) 52. SAN JUAN (1697) 53. SANTA ROSA 54. SANTO ANGEL (1707) Fonte: Fuente de Datos Cartográficos: Mapa de La Cuenca del Plata, editado por La Organización de Estados Americanos. Recopiado por El Profesor Casiano N. Carvallo - Ano de 1979.Editado por Instituto Superior Del Profesorado Antonio Ruiz de Montoya. Posadas – Misiones. 24 Quadro 2: Fundaciones regionales Fundaciones regionales Paraná - Uruguay Guayrá Tape Itatín Fundaciones transmigradas Guayrá Tape Itatín Fundaciones consolidadas Paraná - Uruguay Treinta Doctrinas de guaraníes. Sucesos Expulsión de los Padres jesuitas Misiones Província española Misiones Província argentina Pueblos misioneros arrasados al occidente del Rio Uruguay: 10. Ambas costas del Rio Paraná: 7 Oriente del Rio Uruguay: 7 Anexión de Misiones a Corrientes: Trinchera de San José, hoy Posadas, decreto de deslinde y mensura, por el Gobierno de Corrientes: Federalización de Misiones: Capitalización de Posadas: Provincialización de Misiones: 1609 - 1638 1610 - 1630 1631 - 1636 1631 - 1669 1631 1638 1669 1641 1767 - 1768 1803 - 1810 1810 - 1832 1817 – 1818 1832 1º de abril de 1871 1881 30 de julio de 1884 1953 Fonte: Fuente de Datos Cartográficos: Mapa de La Cuenca del Plata, editado por La Organización de Estados Americanos. Recopiado por El Profesor Casiano N. Carvallo - Ano de 1979.Editado por Instituto Superior Del Profesorado Antonio Ruiz de Montoya. Posadas – Misiones A Cia. De Jesus, fundada na Europa em 1534, pelo Padre Inácio de Loyola, após ter realizado várias e intensas catequizações de índios em todas as partes do continente, chega ao Brasil por volta de 1549, sendo esse o primeiro contingente de jesuítas, liderados pelo Padre Manoel da Nóbrega2. 2 Foto e Texto sobre Santo Inácio de Loyola disponibilizado pelo Grupo de Oração Universitário GOU, Ministério Universidades Renovadas, Renovação Carismática Católica do Brasil, da Igreja Católica, na página intitulada “Santo do Dia”, em 31 de julho, suposto dia de seu nascimento. (Consulta Internet: <http://gousantoinacio.blogspot.com/2009/08/historia-do-gou.santo-inacioinacio_09.html> Acesso em 10. set. 2009). 25 Figura 2: Santo Inácio de Loyola Fonte: http://gousantoinacio.blogspot.com/2009/08/historia-do-gou.santo-inacio-inacio_09.html Acesso em: 10. set. 2009. Kern nos descreve como e quem eram esses Padres Jesuítas da Companhia de Jesus: Os jesuítas enviados para as Missões implantadas na América espanhola ou portuguesa eram cuidadosamente selecionados, bem preparados e adestrados, com vigor físico, moral e espiritual, disciplinados e obedientes, forças motrizes fundamentais para a realização de um vasto objetivo de cristianização de populações nativas (1982, p.71). Seguindo seu texto, continua Kern: A estrutura hierárquica da própria Ordem era eficaz e contínua, e uma das coisas que caracteriza a Companhia de Jesus nesta obra de construção de uma nova sociedade, fundindo o mundo ocidental europeu ao mundo indígena, é o seu gênio administrativo. Para isto, o fato de terem sido técnicos que formavam equipes interdisciplinares em muito colaborou, pois foram educadores, psicólogos, engenheiros, arquitetos, metalúrgicos, agricultores, artesãos, médicos, farmacêuticos, pintores e escultores (1982, p.71). As Reduções Jesuítas Orientais não se constituíram como uma República Guarani, assim como não eram também uma simples cópia de utopias renascentistas3, mas uma comunidade construída coletivamente tendo como referências o Rei e Deus. 3 “O Renascimento sintetizou um grande experimento de racionalização da vida humana. Para construir a sua sorte e o destino da humanidade, os homens daquela época fixaram normas de conduta e quiseram regulamentar cada aspecto da vida prática. A lógica desta idéia levou à construção de critérios universalmente válidos para cada atividade, com normas, regras e códigos: surgiram assim os tratados sobre o perfeito cortesão, sobre o perfeito ministro, sobre o perfeito homem do mundo”. Autor/Coordenador: Carlos Eduardo Omelas Berriel. 26 Por mais criativos que tenham sido os utopistas, nenhum foi capaz de imaginar uma história tão complexa e interessante quanto à dos Trinta Povos das Missões. Além de não constituírem uma concretização de utopias antigas ou renascentistas também não consubstanciaram “antevisão de nenhuma sociedade do futuro” (GOLIN, 1999, p. 14). Foi necessário também estabelecer um tempo e um espaço para que possamos situar a História das Reduções Jesuítas Guarani, o que é feito comumente nas muitas obras que tratam do assunto, mesmo que alguns autores estabeleçam de modo diferente: “[...] não devemos imaginar os ‘Trinta Povos’ como um tipo ideal, estático e imóvel no tempo, durante um século e meio” (KERN, 1982, p. 9). Conforme Schallenberger “o espaço missioneiro configurou-se muito mais em função das pessoas e dos povoados indígenas do que de uma apropriação territorial propriamente dita” (2006, p. 124). Entende-se, portanto, que pela ascendência que exerciam sobre os indígenas, com uma ação evangelizadora, o poder dos jesuítas aí residia, e se projetava na direção da estruturação de comunidades integradas socialmente. Retomando as idéias de Kern: [...] as pressões externas, provenientes tanto do Império Português, para o qual as missões eram um obstáculo ao expansionismo, bem como da própria sociedade hispânico-americana, precipitarão a queda de todo o conjunto, a partir do Tratado de Madri (1750), até a expulsão final da ordem jesuíta em 1768 (1982, p.14). Destarte, assim terminam os Trinta Pueblos da Província Jesuítica do Paraguai, que nasceram durante o Império Colonial Espanhol4 dos Habsburgos e acabaram no dos Bourbons, num processo histórico que durou um século e meio. 4 “O Império Colonial Espanhol atingiu seu auge e declinou sob a dinastia dos Habsburgos (chamada também de Casa da Áustria). A Espanha obteve sua maior extensão graças à conquista de territórios na América e outras colônias de ultramar sob Carlos I, também intitulado Imperador Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico. Após a morte de Carlos I em 1556, o extenso reino se dividiu em duas porções: o Sacro Império de um lado; a Espanha e os Países Baixos de outra, sob o controle de Filipe II. Felipe II, aumenta seus territórios na América e une a coroa de Portugal com seus territórios de Ultramar, iniciando a breve União Ibérica que se converteu na maior potência econômica e militar do mundo.A grande extensão gerou conflitos internos. Em 1640 Portugal readquire sua independência. Em 1648 o rei Filipe IV reconhece a independência dos Países Baixos com o fim da Guerra dos Oitenta Anos. Ao domínio de Filipe V, da dinastia Bourbon, que persiste até hoje.” Fonte: Europa Brasil. Disponível em: <http://www.europabrasil.com.br/Espanha/historia/39Dinastia_Habsburgo.html> Acesso em Maio/2010 27 1.2 OS SETE POVOS DAS MISSÕES: NASCIMENTO, GLÓRIA E MORTE Quando o português chegou Debaixo de uma bruta chuva Vestiu o índio Que Pena! Fosse uma manhã de Sol O índio tinha despido o português. “Erro de Português”, (Poesia de Oswald de Andrade, 1925). A experiência histórica do que foram os Sete Povos das Missões é constantemente contada, ao passar dos anos, por pesquisadores, historiadores, escritores, jornalistas, entre muitos outros que, de uma maneira ou de outra, em determinadas épocas, se interessavam pela história das reduções jesuíticas guarani. Portanto, as referências possuem um caráter necessariamente incompleto, ou seja, emitem opiniões que acredita-se sejam sempre provisórias, e nas quais não podemos colocar um ponto final, levando em conta suas proposições teóricas, econômicas, sociais, religiosas e políticas. Assim compreendido, com a historiografia extensa, numerosa, volumosa, abundante e heterogênea, que em sua maioria deixa muito a desejar, reflete-se mais ainda sobre o que representaram e ainda representam as reduções jesuíticas dos Sete Povos das Missões. Figura 3: Reduções de São Nicolau I Fonte: Fotos obtidas no site oficial da Prefeitura de São Nicolau, autor não citado. (Consulta Internet: <http://saonicolaurs.blogspot.com/2009/08/os-sete-povos-das-missoes.html - Acesso em 10. set. 2009). 28 Figura 4: Reduções de São Nicolau II Fonte: Fotos obtidas no site oficial da Prefeitura de São Nicolau, autor não citado. (Consulta Internet: <http://saonicolaurs.blogspot.com/2009/08/os-sete-povos-das-missoes.html - Acesso em 10. set. 2009). Nas reduções de São Nicolau restaram indícios de um dos Sete Povos das Missões, conforme nos mostram as imagens acima. A primeira, é conhecida como “A Figueira Centenária da Praça Roque Gonzales”; a segunda são ruínas da igreja da redução; a terceira, seria uma “adega jesuítica”; e a última, o interior do Museu Histórico Arqueológico Missioneiro. Havia passado quase meio século desde que tinham sido expulsos pelos caçadores de escravos – os bandeirantes – quando, no ano de 1682, os Padres Jesuítas espanhóis da Companhia de Jesus5 voltaram e fundaram novamente, a poucos quilômetros da margem esquerda do Rio Uruguai, em terras onde hoje se localiza o Rio Grande do Sul - Brasil, duas reduções: São Francisco de Borja e São Nicolau, esta em 1687. Logo em seguida fundaram outras cinco: São Luiz Gonzaga e São Miguel Arcanjo, em 1687; São Lourenço de Mártir, em 1690; São João Batista, em 1687; e, finalmente, Santo Ângelo Custódio, em 1706, as quais ficaram conhecidas como os 5 A relação entre Estado e Igreja nessa época era próxima, na medida em que ambas empreendiam medidas que colaboravam com seus interesses mútuos. Enquanto os jesuítas tinham apoio na catequização dos nativos, o Estado contava com auxílio clerical na exploração do território e na administração. Sob tal aspecto, devemos relembrar que o interesse da Igreja em ocupar e evangelizar o Novo Mundo se dava também pelas várias transformações ocorridas na Europa do século XVI. Nessa época, as religiões protestantes surgiam como uma alternativa ao milenar poderio religioso católico. Para reagir à significativa perda de fiéis, a Igreja aprovou a concepção da Ordem de Jesus, criada em 1534 por Inácio de Loyola, com objetivo de pregar o cristianismo nas Américas. Fonte: Mundo Educação: Os Jesuítas no Brasil. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/os-jesuitas-no-brasil.htm> Acesso em Maio/2010. 29 Sete Povos das Missões6. Estas últimas sete reduções faziam parte das trinta missões jesuíticas guarani que formavam a Província Jesuítica do Paraguai, a qual iniciou em 1610, com a fundação da redução de San Ignacio Guazu, do outro lado do Rio Uruguai, conforme mapa na página 23. Desse modo, por ficarem situadas à esquerda do rio Uruguai, e também terem sido fundadas em uma época posterior às primeiras reduções, configurou-se o território dos Sete Povos das Missões, a partir de um olhar que integrava essa grande comunidade – das trinta reduções jesuíticas, mas que se diferencia por esse território estar hoje em território brasileiro. A esse respeito, é importante a contribuição de Erneldo Schallenberg (1982, p.50), quando diz que “... os sete povos das missões fizeram parte de um conjunto maior de Trinta Povos”. O que equivale a dizer que os sete povos missioneiros tiveram sua estrutura político-administrativa nos mesmos moldes dos outros povos jesuíticos guarani e não se constituíram em nenhuma experiência política autônoma. Segundo Schallenberger, tendo “... passado três décadas da fundação da última das reduções jesuíticas guarani do chamado Sete Povos das Missões, viviam nelas aproximadamente 34.000 índios”. (2006, p. 119) As reduções tinham também uma economia complexa e com tecnologias consideradas de nível elevado para aquela época, com profissionais de várias áreas atuando na fabricação de cerâmicas, esculturas, instrumentos musicais, pintura e arquitetura, além de produtos oriundos da metalurgia. Refere, ainda, a mesma obra: “[...] os monumentos em ruínas e os trabalhos arqueológicos revelam que a experiência humana e ecológica acumulada nas missões jesuíticas desafia os modelos sociais, políticos e econômicos contemporâneos”. (SCHALLENBERGER, 2006: p.119). 6 Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul - vol. 4 da Série de 20 fascículos publicados por Já Porto Alegre Editores. Encartado no Jornal Zero Hora - Porto Alegre/RS. 1998. 30 Figura 5: Fachada frontal da Igreja de São Miguel Arcanjo, numa das Sete Reduções Jesuíticas, em São Miguel/RS. Fonte: Acesso internet: http://origin.viajeaqui.abril.com.br/fotos/ em setembro/2009. Foto: Jorge Medditsch. Figura 6: Museu das Missões, projetado pelo famoso arquiteto Lúcio Costa, em São Miguel/RS. Fonte: Acesso internet: www.margs.rs.gov.br/imprensa_releases_abert.php em setembro/2009. Foto: Liane Neves. No prefácio da obra de Quevedo o historiador Arno Alvarez Kern faz uma interessante observação ao dizer que as Missões Jesuíticas “[...] foram uma bem sucedida tentativa política das monarquias despóticas absolutistas de defesa do Império Espanhol” (1977, p. 9), e que, portanto, são “[...] a base dos sonhos temporais jesuíticos de ocupação territorial do continente sul-americano [...], numa época de crenças nas leis divinas e após os embates da contra-reforma [...]” (Idem). 31 O Tratado de Madrid, em 1750, firmado pela Espanha e Portugal, determinou a troca da Colônia de Sacramento7, hoje lugar em que se localiza a República Oriental do Uruguai, pelo território que ficava localizado à margem oriental à esquerda do Rio Uruguai, pelos Sete Povos das Missões, determinando assim os novos limites e fronteiras da região. Assim sendo, cerca de 30 mil índios deveriam, levando consigo seus pertences e gado somente, abandonarem os Sete Povos Missioneiros, deixando para trás suas construções, roças, ervais, migrando para o Oeste da região. Com essas exigências do chamado Tratado de Madrid, a História contou em suas páginas um de seus mais tristes episódios: o início do fim dos Sete Povos das Missões, o que desencadeou a Guerra Guaranítica (1754-1756). De tempos em tempos aparece alguém na mídia escrevendo sobre um assunto que diz respeito aos Sete Povos das Missões. Por exemplo, mais precisamente no dia 23 de setembro de 2009, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, que tem uma das maiores tiragens do Rio Grande do Sul, publicou o artigo8 do escritor Alcy Cheuiche, que serve para observarmos as abordagens feitas na mídia a respeito do tema “missões jesuíticas” nos dias atuais. Portanto, a experiência missioneira das reduções jesuíticas foi um processo histórico que durou quase um século e meio, ou seja, de longa duração, e não foi um Estado organizado isoladamente, independente, ou mesmo um projeto utópico de uma sociedade perfeita e sim dependente do Império Espanhol. 7 Situada na margem norte do Rio da Prata, esta colônia foi fundada em 1680 pelos portugueses (hoje território onde se localiza o Uruguai). Motivo de disputa repetida por parte das duas potências ibéricas, Espanha e Portugal, devido à posição estratégica que ocupava nas rotas do comércio de metais preciosos, a colônia do Sacramento viria a ser entregue à Espanha em 1750, nos termos do Tratado de Madrid. (trocada pelo território dos Sete Povos Missioneiros). Colônia do Sacramento. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-05-25]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$colonia-do-sacramento>. 8 No artigo o escritor fala da missão de paz dos padre jesuítas que vieram para o Sul do Brasil, fundarem as primeiras reduções jesuíticas-guarani, em 1610; da Lei brasileira que inscreve o nome do índio Sepé Tiarajú no livro dos Heróis da Pátria; contando como viveu e morreu o mesmo e ainda do reconhecimento das ruínas da redução de São Miguel Arcanjo, um dos Sete Povos Missioneiros, como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. 32 Figura 7: Sepé Tiaraju Fonte: BOTTESELLE, set/2009 Assim, os sonhos mais generosos dos jesuítas, de igualdade, religiosidade, de um espaço ilimitado de liberdade e da autonomia utópica representada na figura do índio Sepé Tiaraju, transformaram-se no mais terrível dos pesadelos. 1.3 A EDUCAÇÃO NOS SETE POVOS DAS MISSÕES Ratio Studiorum Primeira compilação de regras de estudo para normatizar o trabalho desenvolvido nos colégios jesuítas, em 1599, descrevendo procedimentos para a elaboração de planos, programas e métodos de estudo, delimitando tempos e espaços de trabalho e de convivência. Apresenta o ideal de formação humana característico dos colégios da Companhia de Jesus, além de estabelecer objetivos, conteúdos e metodologias com orientações precisas para mestres e estudantes. Neste documento está configurado um modo particular de ser e de fazer educação, no qual o aluno aparece como a figura central do processo pedagógico. (Escrito pelo Padre Inácio de Loyola, da Companhia de Jesus). DIAS, Geraldo Aparecido. A PEDAGOGIA JESUÍTICA: UMA LEITURA DO RATIO STUDIORUM. Dissertação de Mestrado em Educação – 2002, p. 88 - Faculdade Metodista de Piracicaba. São Paulo/SP. 33 Figura 8: Ratio Studiorum. Fonte: DIAS, 2002, p. 88. A história da educação no Brasil, como se construiu e se projetou, certamente merece um estudo à parte, principalmente se observarmos como era a educação nos tempos das reduções jesuíticas no sul do Brasil, mais precisamente nos Sete Povos das Missões. Vimos anteriormente o modo como ocorreu o processo que resultou na chegada, na instalação, e no funcionamento, com seus objetivos, dos Sete Povos das Missões, pelos padres jesuítas, bem como os motivos que os levaram ao abandono. Obviamente que, no caso deste estudo, o assunto que nos interessa, mesmo não inserido no tema por inteiro, é o que trata da educação proposta e realizada pelos jesuítas. Isso no leva a refletir sobre alguns aspectos levantados por Dermeval Saviani (2008) em sua obra “História das Idéias Pedagógicas no Brasil”, na qual ele divide essa história em quatro partes: 1) No espaço entre os anos de 1549 a 1759, que ele denomina de monopólio da vertente religiosa na pedagogia tradicional; 2) de 1759 a 1932, quando há a coexistência entre as vertentes religiosa e leiga na pedagogia tradicional; 3) de 1932 a 1969, quando acontece o predomínio da pedagogia nova, e 34 4) de 1969 a 2001, quando configura-se a concepção da pedagogia produtivista. Trata-se de uma abordagem, sendo que agora nos interessa apenas compreender o primeiro período por ele delimitado, para o desenvolvimento desta pesquisa: Que rumo tomarão as idéias pedagógicas no Brasil? Os eventos a partir dos quais foram definidos os marcos da periodização são os seguintes: -1549: Chegada ao Brasil dos primeiros jesuítas chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega. Há, com efeito, razoável consenso entre os pesquisadores que é com a chegada dos jesuítas que tem início, no Brasil, a educação formal, sendo, portanto, a partir desse momento que podemos falar, em sentido próprio, de circulação de idéias pedagógicas. -1759: Expulsão dos jesuítas pelo Marques de Pombal. Instituindo colégios e seminários, os jesuítas exerceram o monopólio do ensino até sua expulsão, o que confere um caráter orgânico a todo esse período marcado pelo pleno domínio das idéias pedagógicas classificadas no âmbito da concepção tradicional em sua vertente religiosa. A partir de 1759, através das reformas pombalinas da instrução pública, abre-se espaço para a circulação das idéias pedagógicas inspiradas no laicismo que caracterizou a visão iluminista. (SAVIANI, 2008, p.15). Retomando a questão da educação nas reduções jesuíticas guarani, [...] não se deu sem conflitos no aculturamento religioso imposto pelos jesuítas aos indígenas na desconstrução simbólica de mitos e crenças que davam coesão aos grupos tribais guaranis para uma linguagem cristã. As práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino escolar, assim como na música, dança e artes cênicas foram usadas pelo educador jesuíta no educando guarani. (SCHALLENBERGER, 2006, p. 133). Ainda, segundo o mesmo autor: “... criaram gramáticas e dicionários, e produziram textos catequéticos e político-sociais, procurando organizar a realidade cultural expressa na língua guarani” (2006, p. 133). Assim sendo, Schallenberger (2006, p.134-135), na sequência do texto, diz que, dominando a língua guarani, os jesuítas infundiram na alma dos índios um sistema de representações, que para eles eram tradicionais, de categorias e símbolos na linguagem de sonhos e representações “o guarani não deixou de sonhar, mas não sonhou mais como guarani” (MELIÀ, 1987, p.9-21 apud 35 SCHALLENBERGER, 2006, p.134-135). Figura 9: Claustro da Redução de São Luiz – Início do séc. XX Fonte: NASCIMENTO, 2006, p. 10 O ensino nas reduções jesuíticas guarani fundamentou-se, basicamente, nos princípios da doutrina cristã: Havia, contudo, escolas de ler, escrever e de música. Não eram os missionários os mestres dos filhos da elite local (filho dos caciques, dos corregedores), mas de índios que se destacavam e conseguiram culturas superiores à comum e demonstravam notável vocação para o ensino. (SCHALLENBERGER, 2006, p.135). Já na visão de Kern: Não se pode exigir que, em pleno século XVII, os jesuítas tivessem criado nas Reduções-Doutrinas um sistema educacional intensivo e extensivo, como o que existe em algumas nações atuais. Com apenas dois missionários em cada Missão seria materialmente impossível este tipo de realização, mesmo que ele existisse na época. [...] nem nas Missões dos jesuítas, nem nas de qualquer outra ordem religiosa, nunca foram instalados colégios. Estes eram um privilégio apenas de alguns centros maiores. (1982, p. 118). Segundo Meliá “a catequese educacional atingia toda a redução, as crianças diariamente, nas escolas, e os adultos aos domingos, indiretamente, por meio das crianças” (1969, p.174). O ensino da doutrina cristã era feita usando o método de recitação e repetição. A memorização assim induzia a linguagem cristã. 36 Diante desse cenário, ainda hoje, de certa forma, os PPPs escolares são uma espécie de Ratio Studiorum que normatizam o ensino nas escolas pesquisadas, incluindo nos currículos, muitas vezes de forma oculta, os significados da cultura missioneira, com suas lendas e tradições (re)inventadas e negociadas constantemente, contribuindo assim na formação da identidade missioneira na população local. Se as reduções jesuíticas guarani abriram um espaço de imposição da cultura européia à cultura guarani, é no espaço do cotidiano escolar que aparecem e se apresentam os estudos das representações do imaginário missioneiro guarani, com a intenção de alcançar determinados objetivos pedagógicos. Portanto, podemos concluir que houve, na educação das reduções jesuíticas guarani, uma tutela educacional dos missionários, buscando manter um prestígio e um vínculo entre os guarani e os missionários. Assim hoje, com um discurso educativo, a escola apropria-se da obra dos jesuítas – da utopia missioneira – usando para isso um conjunto de temas, imagens, lendas e argumentos; das criações da literatura e da historiografia, usando as referências do passado reducional, na tentativa de encontrar conceitos contemporâneos que caracterizem a população local como um povo missioneiro. 2 O MISSIONEIRO 2.1 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MISSIONEIRA “Esta terra tem dono!” frase atribuída ao herói missioneiro, o índio Sepé Tiaraju. O que significa ser missioneiro? É para responder esta pergunta, ou na tentativa de compreendê-la, que debatemos a ocupação espanhola e portuguesa neste território localizado ao sul do continente americano, e que se chama Rio Grande do Sul, mais especificamente nos Sete Povos Missioneiros, através da atuação da Companhia de Jesus nas denominadas Reduções Jesuíticas Guarani. Como é próprio do ser humano fazer questionamentos, não raros são os momentos em que perguntam o que significa ser “missioneiro”. A resposta, que a princípio parece ser simples, requer algumas considerações mais complexas: O gaúcho missioneiro é o elemento cultural típico da região conhecida como Missioneira. Entendemos que sua principal diferença em relação ao gaúcho da campanha possa ser explicada pelo uso de referências ao passado reducional, apresentado para ser seu, e que elabora uma relação muito peculiar com a terra. O gaúcho missioneiro tende a se apresentar, através de cantos, contos, lendas e poesias, como um elemento fortemente ligado à região e à defesa da terra, requerendo-a como propriedade histórico-cultural. Um exemplo dessa relação dos grupos locais com a terra encontra-se na repetição constante do que teria sido a figura e o grito de Sepé Tiaraju: “Esta terra tem dono"! (POMMER, 2009, p. 62-63). É importante, porém, completar a pergunta inicial, questionando se ainda “existe” o missioneiro, original, intocado, puro; e quais as outras qualificações do tipo, qual sua identidade atual. Questiona-se, ainda, se a população regional, ou ao menos uma grande parte dela, que se imagina “missioneira”, seria resultado de representações do imaginário missioneiro e guarani, ou seja, se o modo de ser do índio guarani transformado/influenciado caracteriza o modo de ser do missioneiro. Passei então a analisar o significado de identidade, usando como forma de 38 dar suporte às reflexões, teóricos que já elaboraram estudos e obras nesse sentido, como Stuart Hall, em A centralidade da cultura, na qual nos diz que: A identidade não emerge de um centro interior e verdadeiro, supostamente “autentico”, mas do diálogo entre os conceitos e definições que são representados para nós pelos discursos de uma cultura e pelo nosso desejo (consciente ou inconsciente) de responder aos apelos feitos por esses significados, de sermos interpelados por eles...”. O que denominamos “nossas identidades” poderia provavelmente ser melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que sem dúvida são ocasionadas por um conjunto de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências únicas e peculiarmente nossas, como sujeitos individuais (HALL, 1997, p. 15). Segue o mesmo autor nos dizendo: [...] nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente. Devemos pensar as identidades sociais como construídas no interior da representação, através da cultura, não fora delas. Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas subjetividades são, então, produzidas de modo discursivo e dialógico (HALL, 1997, p.26-27). Dentro desse contexto, e ainda segundo Hall, podemos identificar três diferentes tipos de identidade: [...] a primeira é a do homem centrado em si próprio, originada no Iluminismo; a segunda, é aquela em que o indivíduo se coloca em relação aos demais, é a da sociologia; e por último, a denominada por ele de pósmoderna, em que o homem é móvel e múltiplo segundo o momento e o local, ou seja, no tempo e no espaço em que se encontra (1977, p. 26-2728). Nessa compreensão, os questionamentos de quem somos e de onde viemos se constituem elementos essenciais para a análise das condições que explicam a formação identitária de um determinado grupo de pessoas. Isso se explica ainda em Hall, para quem “[...] as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela [...]” (2005, p.106) e as identidades são mais “[...] o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma identidade idêntica, naturalmente constituída, de uma identidade em seu significado tradicional” (Idem). Diante disso, pode-se dizer que o que define a identidade vai depender, 39 basicamente, da concepção que temos de “cultura”, e como ela se constitui. E, ainda, que o que caracteriza o indivíduo é aquilo que o une à sociedade na qual ele se inclui, ou seja, a idéia de identidade é a idéia que tem de si mesmo. No presente caso, exemplificando o missioneiro, pode-se dizer que alguns costumes, rituais e modos de como se organizaram e viveram as antigas aldeias dos pueblos das reduções jesuíticas guarani, seguindo um rígido plano de administração, foram e ainda são importantes na formação da identidade missioneira: As missões situadas no território gaúcho, fizeram parte de um sistema econômico-social que abrangeu extensas regiões hoje integradas na Argentina, no Brasil e no Paraguai. Convencionou-se chamá-la de República Guarani, mas, não existiu um Estado Missioneiro no sentido moderno da palavra. Durante muito tempo essas comunidades se denominaram “reduções”, do fato de que nelas os indígenas eram “reduzidos” à fé e a civilização. Generalizaram-se depois o termo missões e o gentílico missioneiros (FREITAS, 1982, p. 17). Nesse sentido, Brum, em artigo publicado na Revista Anthropológicas, diz o seguinte: [...] o povo missioneiro tem a base inicial de sua formação étnica nos índios, portugueses e espanhóis (origem do gauche ou gaúcho, 9 10 andarengo e peleador no período pós-jesuítico-guarani), que contribuiu decisivamente para a formação cultural do atual gaúcho e sua forte 11 identidade em defesa de sua terra . Nessa compreensão, de que o missioneiro tem sua “base inicial de formação étnica nos índios, portugueses e espanhóis”, devemos ressaltar que, passados mais de trezentos anos, a formação étnica do “missioneiro”, hoje, é constituída por diversos grupos sociais, de várias etnias como, além das citadas acima, negros, alemães, italianos, poloneses, franceses, russos, entre outros. Retomando a questão da identidade missioneira, cita-se como exemplo de representação produzida nas missões, a figura histórica e mitológica do índio Sepé 9 Andarengo: caminhador, andador, andejo, pessoa que viaja constantemente a cavalo (in: Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul). 10 Peleador: pelejador, lutador, brigão, turbulento, rixento (in: Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul). 11 Artigo de Ceres Karam Brum, UFSM/RS. 40 Tiaraju, no sentido de uma idéia de pertencimento que é reinventada a todo o momento. Vejamos o que nos diz Ceres Karan Brum, na tentativa de compreendermos como se constrói uma identidade missioneira, percebida através da construção de uma imagem de um grupo ou de uma sociedade, que confere a si mesma a figura de um mito, “[...] ao apresentar e analisar algumas representações a cerca da figura histórica e mitológica do índio guarani-missioneiro Sepé Tiaraju produzidas no Rio Grande do Sul”: Essas representações se configuram em narrativas sobre o passado missioneiro, demonstrando a existência de um imaginário em relação às Missões e ao gaúcho elaborado a partir de representações em torno do índio Sepé, que se referem à diversidade de relações estabelecidas com este passado no presente e ao processo de construção das identidades regionais no estado do Rio Grande do Sul. O estudo das representações sobre o passado missioneiro e sobre a figura de Sepé Tiaraju é enfocado como um problema antropológico relativo à influência de um evento assado na construção do presente dos grupos sociais, ou seja, na necessidade de se pensar no processo de construção dos mitos a partir 12 da historia e suas apropriações . A (re)construção da identidade missioneira foi, e continua sendo seguidamente negociada, definida e perpassada pelas disputas entre os grupos sociais que se formaram e se formam, quando desejam impor sua supremacia, nas relações de poder que se estabelecem, ajustando o ser humano a um sistema social, através de regras, de símbolos, de instrumentos de comunicação, do sentir e do pensar como membros pertencentes dessa sociedade. Pode-se também dizer que essa identidade cultural missioneira resultou da formação histórica, através de símbolos, de fontes de informações, de sistemas de significados, que deram formas, objetivos e direção ao comportamento humano, pautando assim as posições assumidas e com as quais nos identificamos. Um exemplo disso pode ser visto nas narrativas em torno da figura do mitoherói-missioneiro, o índio Sepé Tiaraju, quando uma comunidade (ou uma grande 12 “Esta terra tem dono”: Representações do passado missioneiro no Rio Grande do Sul. O mito de Sepé Tiaraju. Artigo de Ceres Karam Brum, Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Santa Maria, RS. 41 parte dela) se mobiliza para construir uma estátua que o imortalize e que a represente, mesmo que como uma hipótese, amparada na experiência histórica das missões como sendo sua, na história de lutas e resistências do que se optou chamar de utopia missioneira. Comprova-se esse exemplo pela construção de uma estátua paisagística que representa a figura do índio/mito/herói Sepé Tiaraju,13 em São Luiz Gonzaga/RS, um dos Sete Povos Missioneiros, colocada no principal trevo de acesso rodoviário à cidade, na BR-285. É interessante observar no depoimento de uma pessoa que é um verdadeiro misto de artesão e escultor, ao descrever sua obra, como aparece a importância do sentimento de ser um missioneiro, parte integrante de uma comunidade (imaginária), de um mundo em que eu sou aquilo que eu imagino que sou. Vejamos então o que nos diz Moita Lopes: A identidade não é uma qualidade inerente a uma pessoa, ela nasce da interação com os outros, ou seja, as identidades são construídas no discurso, sendo, portanto fragmentadas, contraditórias e ambíguas. É nesse processo que construímos a história de nossas vidas, nossa história, a história que contamos aos outros como nossa. Os significados que, portanto, construímos sobre o mundo e sobre as pessoas são ideológicos, no sentido que incorporam visões particulares e contribuem para a produção, reprodução e transformação das relações de dominação (2002, p. 68). Portanto, conforme Lévi-Strauss citado por Ceres Karam Brum, em “Esta terra tem dono”: Representações do passado missioneiro no Rio Grande do Sul. O mito de Sepé Tiaraju: “[...] o mito tem por objetivo resolver as contradições entre o passado e o presente [...]” (1996, p.241), dando a dimensão exata desse sentimento, cultuado pelos que se dizem missioneiros, cuja idéia de pertencimento é reinventada a todo o momento. Por fim, ao pesquisar nas escolas missioneiras referidas neste trabalho, veremos, nos capítulos finais, como essa identidade missioneira aparece nos currículos escolares, cumprindo uma função de expressão cultural nas práticas 13 Ver informações fornecidas pelo idealizador e construtor da obra, o escultor Vinícius Ribeiro, em anexos. 42 educativas, e que, por isso mesmo, tem que ser observada, na tentativa de se compreender como ela aparece e atua. 2.2 AS TRADIÇÕES RE(INVENTADAS) Durante muito tempo, até meados da década de 1960, os Sete Povos das Missões, assim como o termo “missioneiro”, não eram muito divulgados, quase que esquecidos pela mídia, tanto local e regional como nacional. As Missões pareciam ser um lugar imaginário e ao mesmo tempo real, no mapa do Estado do Rio Grande do Sul. Além de suas fronteiras, apareciam em algumas obras literárias e ensaios acadêmicos. Em relação ao tempo e ao espaço dos Sete Povos das Missões, é importante a contribuição de Stuart Hall, na sua obra A Identidade Cultural na PósModernidade. Nela o autor destaca a questão de tempo e do espaço na construção/invenção das tradições: “Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos” (1997, p. 76). Hall propõe, para que se possa verificar as construções de identidades e as re-invenções de tradições: Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas “geografias imagináveis” (SAID, 1990): suas “paisagens” características, seu senso de “lugar”, de “casa/lar”, ou heimat, bem como suas localizações no tempo – nas tradições inventadas que ligam passado e presente, em mitos de origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes. Podemos pensar isso de uma outra forma: nos termos daquilo que Giddens (1990) chama de separação entre espaço e lugar. O “lugar” é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado; o ponto de práticas sociais específicas que nos moldam e nos formam e com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas (1997, p.76). Diante disso, podemos entender que o espaço missioneiro constitui-se e identifica-se ao demarcar fronteiras simbólicas, definindo assim o que faz parte ou não de seu território, através da memória elaborada a partir de uma interpretação periodicamente negociada, dos costumes populares, atravessada por relações de poder entre grupos sociais que procuram impor imagens e valores, como interpretar 43 hinos, escolher a língua oficial, re-construir mitos e heróis e eternizá-los em monumentos paisagísticos, etc., com o objetivo de definir “quem somos nós”. Nesse sentido, a escola exerce papel importante na(s) re-invenções das tradições, que são definidoras do que é ser missioneiro e as características desse povo, ou seja, o missioneiro como uma proposição que configura um etnotipo delimitador de espaços que correspondem a um conjunto de elementos, de pertencimentos, que geram identidades com suas especificidades locais, que se relacionam com características sociais convencionadas para generalizar o conjunto que forma esse território. Cabe aqui, a esse respeito, uma reflexão sobre o que nos diz Hobsbawn na conceituação de tradições: Por tradição podemos entender o conjunto dos testemunhos e práticas conservados ou desaparecidos, de uma antiguidade tal que não se pode determinar facilmente sua origem e localização. A tradição serve como reforço de legitimidade às práticas atuais de forma que se pode determinar a moral e a validade de determinadas circunstâncias ou comportamentos. Para Hobsbawn nem todas as tradições possuem uma origem distante, indeterminada, antiga. Muitas delas são inventadas, recentes e formalmente institucionalizadas. Para justificar sua hipótese apresenta vários exemplos de tradições ‘inventadas’ principalmente entre os britânicos. Neste sentido, a tradição inventada tem objetivos ideológicos, legitimadores das relações de status nas sociedades de classe. Veja sua definição: Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade com o passado. (HOBSBAWN,1997, p. 9) Essas considerações são importantes no contexto desta pesquisa, na medida em que uma história regional se constrói também pelo ensino nas escolas, nas raízes que unem, ao menos a parcela da população que se diz missioneira, a uma tradição (regional) na construção histórico-cultural, sendo filhos e seguidores dessas tradições. Isso acontece como uma proposta de transmissão dessa identidade às novas gerações, para que vivam e sobrevivam com esse açulo de sentimentos, hábitos, costumes, etc., pois mesmo que se oponham a ela, não podemos destruí-la ou mesmo negá-la totalmente. 44 Por outro lado, os conceitos de Stuart Hall, quando trata da identidade e das tradições, servem como referencial de análise e interpretações, particularmente no caso desta pesquisa, pois observa-se que, ao longo dos anos, a formação do povo da região missioneira tem se constituído a partir da mestiçagem e de um hibridismo cultural do índio e do negro escravizados, junto aos mais variados grupos de imigrantes que para a região vieram, especialmente a partir do século XIX, permitindo um enriquecimento que se deve a um multiculturalismo. Nos últimos anos, os movimentos sociais têm estado presentes na tentativa de resgatar a história indígena no Brasil e consequentemente atuando também na região dos Sete Povos das Missões. O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, cujo lema é: “a causa indígena é de todos nós”, tenta resgatar a cultura e as tradições indígenas, promovendo encontros, debates, visitas, assembléias regionais e continentais, reunindo descendentes de índios guarani, e estimulando todas as formas de ações que levem à união e autonomia do povo Guarani. Esse exemplo serve para mostrar como a re-construção de tradições acontece no cotidiano de nossa época. Cabe ressaltar que, como integrantes desses movimentos sociais, destacam-se hoje lideranças políticas como o ex-deputado estadual Frei Sérgio Gorgen e o Irmão Antonio Cechin, em suas assessorias. Por ocasião da comemoração dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju, reuniram-se em São Gabriel14, local onde supostamente foi morto o mito-herói guarani-missioneiro. Retomando os conceitos referenciais de Stuart Hall e Eric Hobsbawn, já ditos neste capítulo quando abordam a questão da identidade e tradição, podemos concluir que identidade não é o mesmo que cultura, pois a identidade que caracteriza o indivíduo é aquilo que o une à sociedade na qual ele se inclui, considerando sua classe (social/econômica), gênero, família, crença, religião, etc. Portanto, neste caso, os costumes e rituais, o modo como estão estruturados, a língua em comum, são importantes na elaboração/construção/reconstrução da identidade missioneira, que traçou a sua história pelas caminhadas em busca do que 14 Ver a transcrição de parte de uma das atividades realizadas em anexo. 45 denominou yvyju miri – terra perfeita ou então yvyju maraey – terra sem males. 2.3 O FOLCLORE Abordar o folclore missioneiro, pelo próprio interesse da pesquisa, que abarca e compreende o espaço geográfico em questão - São Luiz Gonzaga, uma das sete cidades/reduções jesuíticas das Missões, com seus trezentos anos de existência, além da importância do estudo histórico, nos leva a considerá-lo sob diferentes matizes, com suas características ímpares no Continente Americano, principalmente seus cantos, que muito encantam. Por incentivo e influência da escola e da “estação de rádio”, “curtindo” as músicas de raiz missioneira, encontramos em Canclini a explicação teórica das músicas, dos cantos, pajadores, poetas e cantores: Por discutíveis que pareçam certos usos comerciais de bens folclóricos, é inegável que grande parte do crescimento e a difusão das culturas tradicionais se deve à promoção das indústrias fonográficas, aos festivais de dança, às feiras que incluem artesanato e, é claro, à sua divulgação pelos meios massivos. A comunicação radiofônica e televisiva ampliou, em escala nacional e internacional, músicas de repercussão local, como ocorre com o valse criollo e a chicha peruanos, o chamamé e os cuartetos na Argentina, a música nordestina e as canções gaúchas no Brasil, os corridos revolucionários mexicanos, incluídos no repertório dos que divulgam a nova música nos meios eletrônicos. Mas todos esses usos da cultura tradicional seriam impossíveis sem um fenômeno básico: a continuidade da produção de artesões, músicos, bailarinos e poetas populares, interessados em manter sua herança e em renová-la (CANCLINI, 1997, p. 217). Esse é, sem dúvida alguma, o caso da comunidade missioneira de São Luiz Gonzaga, que usa e negocia como referência a história da utopia guarani, mesmo que em determinados momentos com modelos forjados, que partem de uma análise trabalhada em cima do modo em que viviam os índios guarani antes das reduções e depois da organização dos povoados missioneiros, através de representações como a música, que é hoje uma das formas mais evidentes dessa construção, com narrativas que se referem à elaboração da memória coletiva. Antes de prosseguir, se folclore é uma referência, vejamos então o que o 46 termo significa, segundo alguns autores: [...] o folclore não é, como se pensa, uma simples coleção de fatos disparatados e mais ou menos curiosos e divertidos; é uma ciência sintética que se ocupa especialmente dos camponeses e da vida rural e daquilo que ainda subsiste de tradicional nos meios industriais e urbanos. O folclore ligase, assim, à economia política, à história das instituições, à do direito, à da arte, à tecnologia, etc., sem, entretanto confundir-se com estas disciplinas que estudam os fatos em si mesmos, de preferência a sua reação sobre os meios nos quais evoluem [...] (LAYTANO, 1984, p. 11). O que se observa é que a música está sempre presente em qualquer conceituação que se encontre na definição de folclore. Durante toda a minha infância, desde a idade escolar, sempre esteve presente na sala de aula a música (vamos usar essa definição neste momento), como tradicionalista, gaúcha, da terra, nativista, de galpão, e mais recentemente missioneira. São inúmeros os eventos que acontecem, de tempos em tempos, em que a música serve como pano de fundo para manifestações populares, na tentativa de incrementar a produção local, permitindo assim a continuidade da produção de artesões, músicos, bailarinos, poetas, pajadores populares, todos voltados no sentido de manter e renovar a herança guarani15. 15 Ver em anexo alguns deles que lembram em suas letras musicais (composições) os belos cantos missioneiros. 47 Figura 10: Grupo Fogo de Chão Fonte: www.nocompassodoriogrande.com.br Obs.: Foto cedida por Irene Gomes, Diretora da Rádio Digital No Compasso do Rio Grande “a música com sabor de mate e romance”, que informou o seguinte: “Ela mostra o Grupo “Fogo de Chão” quando se apresentava no 2º Canto dos Sete Povos das Missões - São Luiz Gonzaga/RS”. Fonte: www.nocompassodoriogrande.com.br. Em outro evento, o Encontro Internacional de Chamameceros, vemos uma manifestação popular em que novamente aparece a música como elemento importante do folclore regional. Na foto e nos textos abaixo observarmos como se expressa a idéia de um acontecimento que se tornou tradicional na vida da cidade de São Luiz Gonzaga, com a organização de um Encontro Internacional de Música, no caso o ritmo chamado popularmente de chamamé16, o qual tem crescido a cada ano que passa e já está em fase de organização de sua sétima edição, que acontecerá em janeiro de 2011, tendo cinco noites de apresentações, sem caráter de disputa, com cantos, danças, e um público médio de três mil pessoas a cada noite17. 16 Chamamé: Corre solto pelo Rio Grande do Sul um ritmo musical contrabandeado da Argentina. O principal gênero de música folclórica do nordeste argentino, o chamamé, avança sobre o Estado, formando uma legião de apreciadores e enriquecendo o repertório das canções regionais. Ritmo folclórico argentino, originou-se na província de Corrientes. A palavra chamamé não é nem guarani e nem espanhola. Por isso, não há uma tradução para chamamé. Para os argentinos, chamamé significa "senhora ama-me". No Brasil, a palavra tem o significado de "chama-me para bailar" ou "aprochegar-se de mim". Fonte: Página do Gaúcho - Reportagem de Mauro Maciel, publicado na edição de 01 de maio de 2004 no periódico Zero Hora. Publicado por Roberto Cohen em 01/05/2004. 17 Ver exemplo da grande expectativa desse encontro na região, no site da Rádio Progresso de Ijuí quando da divulgação do evento, em anexo. 48 Figura 12: Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga Fonte: http://encontrodechamamecerosemslg.blogspot.com Figura 11: V Encontro Internacional de Chamameceros realizado em São Luiz Gonzaga/RS, em Janeiro/2oo9. Autor Desconhecido – Material de Publicidade Fonte: Xbox 60 vídeos - http://www.xbox360videos.com/index.php?key=SAOLUIZ Acesso em Junho/2010 HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DO ENCONTRO INTERNACIONAL DE CHAMAMECEROS - Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga. Em São Luiz Gonzaga, nesta cidade rica em folclore missioneiro, gaúcho, mais precisamente no Galpão Ameríndio Guarani Missioneiro, de Jorge Guedes "Guga", surge a idéia de unir num só ritmo de chamamé, sem fronteiras, os chamameceros brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios. O trio idealizador deste evento internacional é formado pelos 18 amigos Luiz Carlos Borges, Yamandú Costa e Jorge Guedes . 18 Consulta Internet: ENCONTRO INTERNACIONAL DE CHAMAMECEROS: <http://encontrodechamamecerosemslg.blogspot.com/ Acesso em novembro/2009 49 Assim, o olhar regionalista do folclore missioneiro, através das manifestações populares, apresenta uma forte característica dos denominados povos missioneiros, com a temática guarani, cujo legado as missões jesuíticas nos deixaram: Arte Guarani Missioneira. Assim sendo, a aparente contradição entre a cultura tradicional indígena guaranítica e os valores de uma sociedade espanhola, nos remete aos dias de hoje, com a ideologia liberal globalizada, que segundo Immanuel Wallerstein, um dos maiores críticos da chamada globalização capitalista, quando diz que: A história do sistema-mundo moderno tem sido, em grande parte, a história da expansão dos povos e dos Estados europeus pelo resto do mundo. Essa é a parte essencial da construção da economia-mundocapitalista. Na maioria das regiões do mundo, essa expansão envolveu conquista militar, exploração econômica e injustiças em massa [...] (2007, p.29). Portanto, podemos questionar que direito tinham os conquistadores espanhóis contra os povos indígenas? E assim mesmo, a história regional dos missioneiros, nos Sete Povos das Missões, a sua cultura local hoje, é um marco de resistência cultural a essa globalização, como uma possibilidade de construção de uma nova ordem mundial. 2.4 AS MEMÓRIAS HISTÓRICAS Entrefechado espinheiro que se abre ao calor do afago, é um caso a parte no pago o gênio do missioneiro: dele nos vêm as legendas da crisma de nossa fé, o exemplo que deu Sepé, a tropilha azul das lendas, as artes do Generoso, a toada do Boi Barroso e heranças da bruxaria... Nem há no Rio Grande inteiro rincão como o missioneiro na floração da poesia... (Hugo Ramírez, Missões). 50 A memória, os acontecimentos do passado, o que foi guardado e pesquisado, servem para ajudar a definir a identidade. O Tratado de Madri definiu, como já vimos anteriormente, que os Sete Povos das Missões ficariam com Portugal, enquanto a Colônia de Sacramento ficaria pertencendo à Espanha, assim ficou definida a configuração geográfica que perdura até hoje, lógico que não mais como terras de colônias européias, mas de um Estado independente cujo espaço constitui os Sete Povos das Missões, que assim demarcam uma identidade territorial. O Instituto Histórico e Geográfico, fundado em 07 de novembro de 1984, em São Luiz Gonzaga/RS, cujo acervo constitui-se em importante fonte de pesquisa nas áreas de História e Geografia, possibilita a busca das memórias missioneiras. Figura 13: Logotipo dos 25 anos do IHGSLG Fonte: Tipografia Cunde de Santa Rosa/RS 51 Figura 14: Placa e prédio do IHGSLG Fonte: BOTTESELLE, set/2009 A questão do que representa a memória no cotidiano de um povo - no caso de São Luiz Gonzaga, um dos Sete Povos das Missões – em relação aos monumentos é fundamental para o registro histórico. Vejamos: em um dos chamados “trevos de acesso à cidade”, nas margens da rodovia BR 285, encontramos uma estátua representando o índio Sepé Tiarajú, como um verdadeiro “herói missioneiro”. Em outro trevo de acesso, na mesma rodovia, inaugurou-se em dezembro de 2009, uma nova estátua, desta vez de tamanho ainda maior – cerca de 6 metros de altura – representando o missioneiro, do pajador Jaime Caetano Braun. Figura 15: Jaime Caetano Braun Fonte: BOTTESELLE, Nov/2009 52 No centro da cidade, mais precisamente na Praça da Matriz, há um monumento com o busto do Senador Pinheiro Machado19. A três quadras dali, há uma Praça denominada Expedicionário Cícero Cavalheiro20. Sem muito esforço podemos notar que ambas encontram-se hoje ofuscadas por outras personalidades, na memória coletiva da população local, pois homenageiam figuras esquecidas pelo tempo, sem lembranças do que elas representaram. Enquanto que hoje reverenciam-se os feitos, nem sempre comprovados, de um índio, misto de herói e mito, Sepé Tiaraju, que viveu num tempo anterior ao do Senador Pinheiro Machado e do militar Cícero Cavalheiro. É a partir desse enfoque, das percepções e sentimentos, que se torna imperativo que o discurso missioneiro na comunidade em questão e nas suas escolas apresentem a questão jesuítica-guarani como uma apropriação do passado pelos indivíduos, visto que não podemos negar o deslumbramento que consegue despertar o relacionamento do homem com o passado, ao longo da história. 19 Nasceu em Cruz Alta - Rio Grande do Sul, em 8 de maio de 1851. Foi um líder republicano, Senador da República (1890-1915), fundador do Partido Republicano Conservador e Vice-Presidente do Senado Federal. Em 1865, com quinze anos de idade, aluno da Escola Militar no Rio de Janeiro, demonstrando a sua coragem e patriotismo, abandonou os seus estudos para combater na Guerra do Paraguai, como alistado do Corpo de Voluntários da Pátria, onde permaneceu até 1868. Em 1893, inicia-se a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, uma grande ameaça ao novo regime, razão pela qual Pinheiro Machado deixa a sua cadeira de senador para combater aquele movimento armado, organizando a legendária Divisão do Norte que heroicamente sustentou a luta contra as forças aguerridas de Gumercindo Saraiva. Tendo derrotado os revoltosos na Batalha de Passo Fundo, fato pelo qual foi homenageado pelo Marechal Floriano Peixoto com a patente de general, retornou para o Senado, onde cumpriu o seu mandato até o prematuro falecimento. Foi uma presença marcante na vida política nacional, se constituindo num dos fatores da estabilidade do regime republicano do qual era um fiel soldado e servidor. Apoiou com o seu prestígio e força moral vários governos republicanos, principalmente o do seu amigo e correligionário o Marechal Hermes da Fonseca, assegurando da Presidência do Senado a estabilidade necessária à consolidação do regime republicano em nosso país (Fonte: Personalidades do Século em São Luiz Gonzaga. Biografias. Gráfica “A Notícia”. 2000 p. 08). 20 Nascido em São Luiz Gonzaga no dia 31 de janeiro de 1922, filho de João Cavalheiro e Vitória Caetano, casou-se com Célia Fabrício do Nascimento no ano de 1947. No ano de 1941 alistou-se como voluntário no Regimento A. Neves, fazendo parte do primeiro escalão de brasileiros a ir para a Itália na Segunda Guerra Mundial. Na batalha para tomada do antológico Monte Castelo, foi vítima de uma mina e teve parte de seus pés a parte de suas pernas dilaceradas, bem como vários ferimentos pelo corpo todo. Ferido, ficou até a metade de janeiro de 1945 em tratamento na Itália, na cidade de Livorno, quando foi transferido para os Estados Unidos, para tratamento e recuperação. Em consequencia de seus ferimentos recebidos e das sequelas, veio a falecer muito jovem ainda, no dia 24 de dezembro de 1957, aos 35 anos de idade. São Luiz Gonzaga prestou-lhe uma homenagem justa, com a denominação de praça poliesportiva com o seu nome (Fonte: Personalidades do Século em São Luiz Gonzaga. Biografias. Gráfica “A Notícia”. 2000 p. 08). 53 Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. (NORA, 1993, P. 13). Ao tentar uma interpretação do passado missioneiro, através das lembranças e da memória, da história jesuítica nos Sete Povos das Missões, os moradores elaboram para si uma espécie de sistema articulado de idéias, de símbolos e de representações coletivas que muitas vezes se processam sob variadas formas e em diferentes tempos e espaços. Essa prática, desenvolvida em diferentes contextos, pode se observar no culto ao pajador missioneiro Jayme Caetano Braun21, hoje já consagrado muito além da região missioneira, na manifestação popular que levou a comunidade a erguer, na porta de entrada de sua cidade, um monumento de rara beleza que concretiza e resgata a auto-estima de um grupo estabelecendo uma relação com seu passado. 2.5 A CULTURA MISSIONEIRA “São Luiz Gonzaga é Um Teatro, onde a Praça é o Palco e nós somos os Atores”. (Plínio Ivar da Rosa, arquiteto e poeta, em conversas de mesa de bar durante uma noite de prosa, violão e cantorias, no “Bar do Mário”, em São Luiz Gonzaga). O sentido e o significado das palavras mudam com o decorrer do tempo. Assim, cultura – termo latino que surge no século XIII para designar inicialmente uma parcela de terra cultivada, hoje reporta-se a um estado de espírito. Vejamos inicialmente alguns conceitos a esse respeito. 21 Ver em anexo. 54 Segundo Rodriguez22, é necessário possibilitar o desenvolvimento de situações que favoreçam o encontro cultural, reconhecendo similitudes e diferenças, cultivando atitudes e habilidades de comunicação e respeito entre as culturas, exercendo a crítica da própria cultura para construir configurações culturais mais ricas, mais amplas e mais adaptadas à sociedade contemporâneas. Para Giroux há um ganho pedagógico quando se faz uma abordagem em que se possa “[...] nomear e discutir as múltiplas tradições e narrativas que constituem as complexas e multi-estratificadas construções, desdobramentos e usos da identidade nacional” (1995, p. 99). Partindo dessa premissa para a apreensão das “[...] narrativas, histórias locais e memórias subjugadas que foram extraídas e marginalizadas nas interpretações dominantes da história [...]” (GIROUX, 1995, p. 103), aponta-se para uma perspectiva de interculturalidade. Trabalhando esse centro de culturas, a escola pode ajudar os alunos a examinarem criticamente sua própria localização histórica, sua origem, folclore, lendas, linguagem, entre outros aspectos. Algumas ressalvas, no entanto, devem ser feitas. Cultura Missioneira é uma referência à sociedade originária dos Sete Povos Missioneiros, com a instalação das reduções jesuíticas, em um tempo linear, num processo de aculturação dos índios autóctones (os que se originaram no próprio continente americano), pela doutrina católica exercida pelos padres jesuítas em suas missões evangelizadoras. Dessa forma, a sociedade guarani teve que assumir essa doutrina católica, com suas crenças, costumes e moral cristã, o que obviamente veio a transformar radicalmente essa comunidade indígena. Nesse sentido, é válido o que nos diz Kern: Não foram apenas duas culturas que se defrontaram e se mesclaram, mas igualmente duas épocas históricas que se tocaram, separadas por séculos de desenvolvimento diferente. Nesta organização política, os representantes destas duas sociedades, destas duas concepções de 22 RODRIGUEZ, Lúcia Helena. Hacia la reconceptualización del campo de ensenanza de la historia desde una perspectiva para la comprensión intercultural. In: IV Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana. Pontifícia Universidad Católica. Santiago, Chile, maio de 1998. 55 mundo, foram o cacique e o jesuíta. Juntos tentaram a síntese política destas duas sociedades diferentes. (1982, p. 47). No cotidiano da comunidade missioneira, a cultura é síntese, e assim recorrese novamente à poesia e à música para uma reflexão das representações, dos sentidos e dos significados que fazem parte da vida dos indivíduos que se consideram missioneiros, pertencentes a uma comunidade, mesmo que imaginária, lastreada nos acontecimentos históricos. Nas missões, mais particularmente em São Luiz Gonzaga, é comum ouvir-se a voz dos cantores missioneiros. Hoje, talvez a que mais representa esse sentimento cultural missioneiro seja a do poeta, cantor e compositor Pedro Ortaça23. Podemos perceber que artistas como Pedro Ortaça fazem uma relação entre o passado, que enaltecem e do qual sentem orgulho, com o presente, através dos seus versos e das músicas que cantam. Assim como também evocam o passado para reverenciar suas origens e a de seus conterrâneos da região missioneira. É importante lembrar que os compositores missioneiros têm como referencial de modelo a figura de Sepé Tiaraju - mito e herói, já dito anteriormente, na construção de um gaúcho missioneiro, herdeiro da valentia e bravura do índio guarani, elevado a símbolo maior, que corresponde à produção da memória coletiva, cuja imagem um grupo, ou uma comunidade, almeja confiar a si mesma. As manifestações culturais na cidade de São Luiz Gonzaga se mostram em toda a parte e em todos os lugares, como no interior da Igreja Matriz (católica), onde encontramos hoje várias estátuas originárias da época jesuítica e também o famoso quadro pintado pelo Frei Armando Seibert, do extinto Colégio Santo Antônio de Pádua, que retrata o gaúcho missioneiro servindo um “mate” à Nossa Senhora, o qual mostramos a seguir: 23 Ver mais em anexo. 56 ’ Figura 16: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão Fonte: BOTTESELLE, Nov/2009 Obs.: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão. Autor: Frei Armando Seibert - Personagens retratados, olhando-se da esquerda para a direita:São Luiz Gonzaga: João Farias. Gaúcho: Roco (vereador). Pe. Roque Gonzales: Sr. Robertinho (porteiro do Cine Lux). Nossa Senhora: mistura da Sra. Elisabete Fabrício e da Irmã do Autor. Menino Jesus/Indiozinho: filhos da faxineira do Colégio Santo Antônio de Pádua A tela foi feita por volta dos anos de 1960/62, e mostra pessoas da comunidade que serviram de “modelo” para o Frei Armando, segundo a historiadora Professora Anna Olívia do Nascimento, Presidenta do Instituto Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga. Observa-se assim que são muitas as manifestações culturais, algumas já citadas ao longo deste trabalho, que mostram uma comunidade voltada, em determinados períodos com mais ênfase, para contar a sua história - a utopia missioneira inscrita no processo histórico que a criou - sempre re-visitando, reinventando tradições das realidades culturais guarani, do tempo dos Sete Povos Missioneiros, sempre negociando e recriando a identidade missioneira, constantemente reposta, atualizada e evocada: O passado de uma cultura tão rica como a guarani não pode ficar gravado em pedra e assim permanecer petrificado com o passar dos anos. 57 O significado e as experiências vividas naquele momento histórico precisam ser re-enquadradas, revisitadas dentro dos contextos atuais. In: Identidade na Contemporaneidade: Cultura Guarani - Introduzindo a temática, de Marilda Oliveira de Oliveira, artigo que é fruto de reflexões advindas da publicação do livro “Identidade e Interculturalidade - História e Arte Guarani”, de sua autoria (OLIVEIRA, 2004, p. 61). Por fim, o que se pode notar é que hoje, na região dos Sete Povos Missioneiros, as relações de hereditariedade já não funcionam mais, a não ser no campo do imaginário, do sobrenatural. O missioneiro atualmente é um grupo social formado por múltiplas afinidades culturais. Na questão territorial, se um dia foram importantes as fronteiras, hoje já não têm mais sentido. Em consequência disso, a cultura missioneira é um mosaico originário de várias etnias. 3 OS SETE POVOS DAS MISSÕES NAS ESCOLAS DE SÃO LUIZ GONZAGA 3.1 A TEMÁTICA MISSIONEIRA Quando mencionamos a questão do discurso em relação aos currículos escolares, foi importante também a conceituação dessas terminologias com relação as suas aplicações práticas no cotidiano das escolas em que este estudo foi realizado. Do ponto de vista linguístico, discurso é definido como um encadeamento de palavras, organizado em uma sequência de frases, seguindo regras gramaticais, e uma determinada ordem, para que possa comunicar a outro, ou a outros, alguma informação. Segundo a lógica de um discurso, no momento em que pretendemos significar algo a outro é porque temos a intenção de lhe transmitir um conjunto de informações que, quanto mais coerentes forem, melhor serão entendidas. Assim, podemos dizer que os discursos podem desempenhar várias funções, baseadas na arte da manipulação ou mesmo da sugestão, visando, através de vários meios, à persuasão do outro. Nesse sentido, o discurso missioneiro, segundo Marilda Oliveira de Oliveira, nos mostra que: “[...] o objetivo do discurso colonial foi sempre apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial, de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução [...]”24, ou seja, as identidades são construídas também no discurso. Ao definir o que é um discurso, Silva (2002) observa que antes dele existe uma teoria que, ao descrever um objeto, inventa-o, ou seja, não se limita a descrever, descobrir ou mesmo a explicar a realidade, mas sim implica na sua produção. Portanto, faz mais sentido falar em discurso, ou texto, do que em teorias. 24 IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: CULTURA GUARANI. Disponível <http://publice.rdc.pucrio.br/revistaalceu/media/Alceu_n14_Oliveira> Acesso em 30. jul. 2009 em: 59 E diz ainda: [...] uma teoria supostamente descobre e descreve um objeto que tem uma existência independente relativamente à teoria. Um discurso, em troca, produz seu próprio objeto: a existência do objeto inseparável da trama linguística que supostamente o descreve [...] um discurso sobre o currículo – aquilo que, numa outra concepção, seria uma teoria – não se restringe a representar uma coisa que seria o “currículo”, que existiria antes desse discurso e que está ali, apenas à espera de ser descoberto e descrito. Um discurso sobre o currículo, mesmo que se pretenda apenas descrevê-lo “tal como ele realmente é”, o que efetivamente faz é produzir uma noção particular de currículo. A suposta descrição é, efetivamente, uma criação. (2002, p.12). Dessa forma, supostas afirmações sobre a realidade do discurso missioneiro nos currículos escolares acabam funcionando como se fossem afirmações sobre como são ou deveriam ser essas realidades, o que implica verificar o que significa a terminologia: currículos escolares, o que será abordado no capítulo seguinte. Tratando-se do discurso missioneiro aplicado na sala de aula, o que buscamos verificar foi sua discussão, ou seja, de que forma ele se integra no ensino de História Regional, como uma possibilidade de conhecimento da história das reduções jesuíticas guarani, mais especificamente do estudo sobre os Sete Povos Missioneiros. A pesquisa sobre a experiência jesuítica guarani contextualizada na história Ibero Americana, e de maneira especial o estudo da formação do Rio Grande do Sul e a importância que tiveram as Missões nesse tema, recorrente na relação não só dos povos missioneiros com nosso Estado, mas também deste com o Brasil. Ao analisarmos as raízes históricas da “ideologia missioneira”, e a sua influência na educação e na formação da população regional, recorremos novamente a Milton Santos: “O regionalismo pode ser encarado como um campo de disputas, no qual grupos com diferentes posições e interesses se enfrentam” (1996, p.200). [...] quando se examinam ideologias é muito frequente apontar o seu anacronismo, além do aspecto de falseamento da realidade. É como se uma ideologia, além de conseguir inverter a realidade, ainda o fizesse com idéias superadas pelo tempo. Mas, na medida em que uma ideologia se 60 mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutam no imaginário social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na mente do pesquisador e não nos agentes sociais. Uma ideologia é bem sucedida à medida que consegue dar a impressão de unificar interesses de diferentes grupos sociais. Para isso é necessário que um discurso ao interpelar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo seu discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos aos quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos (SANTOS, 1996, p. 201-202). Assim sendo, a história das missões jesuíticas guarani é estudada, nas escolas de São Luiz Gonzaga, com um discurso que mostra a sua importância no desenvolvimento do tema, como veremos nos capítulos seguintes, de forma útil para a vida em sociedade, com uma abordagem importante na formação da cidadania do aluno, pois estudar a utopia missioneira e a experiência do processo histórico que a criou, é estudar toda a sua cultura. 3.2 OS CURRÍCULOS ESCOLARES E OS PROJETOS POLÍTICO- PEDAGÓGICOS ESCOLARES Entendendo que a escola é concebida como espaço de encontro das diferentes formas de ser, de pensar e de sentir, de valorizar e de viver, construídas em um marco de tempo e de espaço, observa-se que essas formas dão pertinência e identidade aos indivíduos e aos grupos sociais. A partir dessa premissa é importante que se possibilite o encontro dos inúmeros discursos existentes, ressaltando-se no presente caso o do missioneiro, cujo enfoque decorre da localização do estudo, por situar-se na região missioneira, e através do qual identificamos as marcas resultantes da formação histórica e de posições assumidas, perpassando as gerações, re-inventando as tradições, e chegando indeléveis aos dias de hoje. Na educação, todo o processo deve ser fundamentado em bases e referenciais teóricos científicos que demarcam a metodologia a ser usada, para que 61 o ensino desperte no aluno o interesse, neste caso para a História Regional, cujos critérios nada mais são do que propostas de levar esses alunos a olhar, conhecer e sentir o passado da experiência histórica das reduções jesuítica guarani. Ao analisar aspectos dos problemas da escolarização e os seus significados sociais e econômicos, Michael W. Apple, em Ideologia e Currículo (com Nancy King), assim se posiciona: Deverei interpretar as escolas como instituições que incorporam tradições coletivas, que cumprem determinadas finalidades humanas que, por sua vez, são produtos de ideologias sociais e econômicas concretas. Desta forma, o ponto de partida poderia ser melhor expresso através da formulação da seguinte questão: “De quem são os significados recolhidos e distribuídos através dos currículos manifestos e ocultos nas escolas? Ou seja, como Marx costumava dizer, a realidade não se exibe como rótulo. O currículo nas escolas responde e representa (a)os recursos ideológicos e culturais provenientes de alguma parte. Nem todas as visões de grupos se encontram representadas, nem se respondem a todos os significados dos grupos. Então como é que atuam, na realidade, para distribuir esse capital cultural? A quem pertence a realidade que “passeia” nos corredores e nas salas de aula das escolas? (1999, p.87). Como este trabalho não tem a finalidade maior da análise dos problemas educacionais nas escolas, embora eles apareçam no dia a dia da pesquisa e obviamente terminam por ser tratados, voltamos à questão dos Projetos PolíticoPedagógicos nos Currículos Escolares. Ao longo do tempo de realização deste trabalho, procurei participar de todo e qualquer evento que tratasse dos temas Missões Jesuíticas, currículos escolares, Projetos Político-Pedagógicos, etc., como festivais musicais, semanas acadêmicas, colóquios, inaugurações de monumentos, e o que mais acontecesse. O que pude verificar e comprovar é que o ensino de História, não só nas escolas de São Luiz Gonzaga, mas de uma maneira geral, vem sofrendo alterações e mudanças ao longo dos anos, no que se refere aos seus aspectos teóricometodológicos, assim como nos currículos escolares, nas opções dos conteúdos, inclusive no que diz respeito às reduções jesuíticas guarani. Nos documentos a seguir verificamos como aparecem os conteúdos sobre as 62 missões nos PPPs da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Estadual de Educação: Figura 17: Conteúdos sobre as missões nos PPPs I Fonte: Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Estadual de Educação 63 Figura 18: Conteúdos sobre as missões nos PPPs II Fonte: Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Estadual de Educação Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCNs – no ensino de História, as Missões Jesuíticas Guarani e sua história estão incluídas na parte referente à História (regional), tendo como objetivo conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais, como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertencimento ao país. Assim como, para o Ensino Fundamental no segundo ciclo, os PCNs colocam que o aluno deverá reconhecer algumas relações sociais, econômicas, políticas e 64 culturais que a sua coletividade estabelece ou estabeleceu com outras localidades, no presente e no passado. Novamente aqui se inclui a História das Missões. Portanto, o verdadeiro desafio que foi pesquisar nos currículos escolares e nas escolas, trouxe a certeza que o tema Missões faz parte de um currículo nem sempre explícito, de forma oculta, ou se explícito, com pouca aparência, mas sempre trabalhado quando algum evento surje no cotidiano da comunidade missioneira são-luizense, no dia a dia da escola. Recorremos novamente a Tomáz Tadeu da Silva, para quem, na escola “[...] o cultural torna-se pedagógico e o pedagógico torna-se cultural [...]” (2002, p. 150), e ainda: O currículo tem significados que vão além daqueles aos quais as teorias tradicionais confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (Idem). Por fim, o fato é que, mesmo aparecendo nos currículos escolares de maneira sintética, como nos referimos acima, a história dos povos guarani, as reduções e os Sete Povos Missioneiros, a experiência dessa comunidade, onde o passado e o presente se cruzam, mostra que existiu uma sociedade de controvertida organização social e política: a utopia missioneira. 3.3 O TEMA MISSIONEIRO NOS CURRÍCULOS ESCOLARES E SUA PRESENÇA NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS O ensino de História, tal como é abordado nas escolas de São Luiz Gonzaga, trata do tema “Missões” por uma visão não convencional em relação às demais escolas. Uma constatação é que, embora às vezes despercebida, há nas escolas uma reflexão sobre como foram construídos os conteúdos programáticos, partindo do currículo oficial, passando pelo oculto, para posteriormente surgir na prática do ensino, no cotidiano escolar, fato que se observa com muita clareza. 65 É possível observar também, na prática pedagógica, que há dois veículos com uma grande importância na transmissão: os professores e os manuais, os quais procuram manter certas formas de ser, estar, viver e ver os outros. [...] Actividades como colorir, desenhar, pôr-se em fila, ouvir histórias, assistir a filmes, fazer faxina e cantar eram consideradas como trabalho. Dessa forma, trabalhar era fazer o que se mandava fazer, independentemente da natureza da actividade em questão. (APPLE, 1999 p.100). Quanto aos manuais e materiais usados nas escolas, pode-se observar que são centrados em evidências da cultura jesuítica guarani, que despertam assim o interesse do aluno, e facilitam a sua possibilidade de aprendizagem, o que podemos verificar com o exemplo a seguir: Figura 19: Exercício de sala de aula - Profª Isolde Dalenogare, Fonte: Escola de Ensino Médio 66 Exercício aplicado em sala de aula, no componente curricular de Geografia, que apresenta ao aluno o seguinte questionamento: qual fato importante para a atual Região Sul aconteceu a partir de 1750? Qual acordo foi feito entre espanhóis e portugueses, pelo Tratado de Madri? Entre outros questionamentos. Contribuem para o processo educativo materiais didáticos produzidos especificamente para isso, como obras do professor Julio Quevedo, como no Livro intitulado Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas, quando ele mostra, de forma simples, a história dos Sete Povos Missioneiros, como podemos ver pelas figuras: Figura 20: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas I Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.] 67 Uma “linha de tempo” do período das reduções, que permite ao aluno situarse no tempo, com o resumo dos principais acontecimentos, e, além disso, propõe exercícios que facilitam o ensino e a aprendizagem, para, logo em seguida, retomar o tema contextualizando as características do período e da história missioneira. Figura 21: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas II Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.] 68 Figura 22: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas III Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.] 69 Figura 23: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas V Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.] 70 Figura 24: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas VI Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.] 71 Material produzido pela educadora Iria Müller Poças, que propõe uma produção, com os alunos, de uma peça de teatro, de cujo texto mostramos uma parte que conta a história de “um gauchinho nas missões”, e que servirá de base para o estudo em sala de aula. Figura 25: Capa do livro Um Gauchinho nas Missões Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.] 72 Figura 26: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões I Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.] 73 Figura 27: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões II Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.] 74 A foto da capa de outra obra encontrada nas escolas, que conta a história jesuítica guarani, dos autores Julio Quevedo, Marlene Ordoñez e Geraldo Sales, em forma de manual, para ensino de Estudos Sociais. Figura 28: Capa do livro Rio Grande do Sul Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.] Encontram-se também muitos “fascículos” de diversos autores como o abaixo mostrado, intitulado de “História Ilustrada do Rio Grande do Sul”. 75 Figura 29: Partes do livro Rio Grande do Sul I Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.] 76 Figura 30: Partes do livro Rio Grande do Sul II Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.] 77 Figura 31: Partes do livro Rio Grande do Sul III Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.] Uma obra de destaque encontrada foi a “Histórias Missioneiras para Crianças”, cuja autora, Mara Regina Rösler conta a história missioneira de uma forma agradável, tornando a aprendizagem interessante, tendo ainda uma ilustração feita por Lisandro Carpes. A seguir uma pequena mostra da obra: 78 Figura 32: Capa do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças Fonte: RÖSLER, 2003. Figura 33: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças I Fonte: RÖSLER, 2003, p. 17. 79 Figura 34: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças II Fonte: RÖSLER, 2003, p. 71. Abaixo a capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação definitiva da redução de São Miguel, em 1987, elaborado pela Secretaria Educação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Figura 35: Capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação definitiva da redução de São Miguel, em 1987 Fonte: Secretaria Educação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. 80 O Conselho Indigenista Missionário também produz materiais didáticos. Capa da revista Mensageiro, que nasceu em 1979 por iniciativa de cinco tuxauas, que conta a história de luta do povo indígena. Figura 36: Capa da revista Mensageiro Fonte: Conselho Indigenista Missionário. Por fim, observou-se que o processo pelo qual são realizadas as práticas pedagógicas no que se refere ao tema história missioneira, é fundamentado, e nele o ensino e a aprendizagem consideram como fonte de pesquisa primária o objeto, com elementos resultantes da cultura, no qual os alunos constroem suas identidades a partir de uma herança real ou inventada, negociada, tomando como ponto central 81 as experiências históricas das reduções jesuítas guarani, portanto uma história regional, na qual se reconhecem como sujeitos dessas ações que resultam de um processo cultural. 82 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS O encanto e o desafio de pesquisar nas escolas de São Luiz Gonzaga, cidade da memória da minha infância, construída ao longo dos anos vividos num espaço de sabores e odores, alegrias e tristezas, trazem à tona lembranças e saudades, e evocam sentimentos de pertencimento a essa terra missioneira, ao tratar de um tema cujo pano de fundo é os Sete Povos Missioneiros. Ao trabalhar com essa temática, a primeira parte do trabalho situou historicamente o lugar e o tempo, como forma de contextualizar a relação de uma comunidade com seu passado. A formação da identidade, a cultura, a memória, o folclore e as tradições (re)inventadas, que resultam em uma identidade – missioneira – são pontos que diferenciam culturalmente essa região do restante do Rio Grande do Sul e dos demais gaúchos. A seguir focalizei o discurso, os currículos escolares e a prática pedagógica nas escolas. Encontrei então o sentido e a metodologia do discurso missioneiro nos currículos escolares, fato que novamente encanta e desafia, tendo em vista que essa metodologia apresentada consegue fazer com que os objetivos iniciais propostos, que são específicos, sejam ultrapassados, superando possíveis falhas, e ainda propondo soluções, mesmo que a título de sugestões. Para conhecer e reconhecer a cultura e a diversidade de um determinado povo, através de um processo histórico, parti da idéia de que não existe cultura mais ou menos importante, mas sim que toda a comunidade tem suas particularidades próprias, em épocas e lugares diferentes. Não há sociedade que não tenha crise de identidade. E identidade é um problema de quem se imagina no mundo. Ao verificar com professores, orientadores pedagógicos, e profissionais da educação envolvidos com Projetos Político-Pedagógicos e currículos escolares, o ensino das Missões nas escolas de São Luiz Gonzaga, observei que: os conteúdos aparecem trabalhados principalmente nas disciplinas de História e Geografia, na 4ª série do ensino fundamental, e em outras séries com menor intensidade, sendo 83 abordados em Educação Artística, Língua Portuguesa e Literatura. A prática docente utiliza-se de pesquisas bibliográficas; manuais e livros didáticos dos mais variados, como vimos no último capítulo do trabalho; pesquisas de campo com visitas regulares a sítios arqueológicos, com maior frequência à redução de São Miguel; uso da internet e mapas diversos; enfim, diversas atividades que integram a ação pedagógica. Ressalta-se que a maioria das aulas são expositivas, com relatos de fatos sem muita interpretação crítica dos mesmos, atitude que muda radicalmente no momento em que a comunidade volta-se para algum evento, como os que serão relacionados logo a seguir. Quando isso acontece, de imediato a escola, como um todo, é mobilizada em torno dele. Não são fatos que nos ascendem e sim fatos que nos invadem. Ao dar ênfase a essas peculiaridades, a comunidade escolar está, nesse momento, reafirmando o seu pertencimento à comunidade regional missioneira, constituindo-se como suporte da construção da identidade missioneira, amparada pela memória da experiência histórica das Missões, mesmo com pouca consistência científica do que teriam sido as reduções jesuíticas guarani. Esse modo de agir vai influenciando na educação e formação da população regional. Este estudo pretende contribuir na tentativa de aprimorar o ensino da história missioneira nas escolas, na perspectiva de reforçar uma idéia. É necessário que se use uma metodologia mais dinâmica, no sentido de que os professores envolvidos com esse conteúdo possam fazer um aprofundamento na análise desse processo histórico, na compreensão de aspectos fundamentais, para abranger um enorme e vasto campo de investigação; no presente caso, a experiência das reduções jesuíticas guarani, de modo a tornar a sala de aula um foco de investigação. Portanto, a contribuição seria do sentido de formar professores que realmente estejam preparados, que estudem e pesquisem o tema proposto, e que incluam, de forma bastante clara e destacada, o ensino dos Sete Povos Missioneiros nos 84 currículos escolares. Essas tarefas são de especialista, e não podem ser delegadas, do ponto de vista pedagógico. Pesquisar e estudar as práticas pedagógicas dos jesuítas da Companhia de Jesus, a partir da concepção indígena guarani, mostra-se como um grande desafio para os historiadores. Assim, a História contada nas escolas missioneiras de São Luiz Gonzaga, poderia produzir ou reproduzir as mais variadas versões sobre o mesmo episódio, como forma dos alunos discutirem e formarem sua própria opinião. Ao concluir este trabalho é necessário relembrar, mais uma vez, a importância do sonho de uma sociedade democrática – para alguns (exageradamente) considerada uma experiência socialista, mas que ainda vive, utopicamente, na memória do Sul do Brasil. Decorridos mais de três séculos desde que aqui chegaram os padres jesuítas da Companhia de Jesus, oriundos da Europa “civilizada”, quando saíram de sua terra para mundos distantes a serviço da missão religiosa e do Rei, que lhes delegava a autoridade, mas não o poder, com possibilidades de martírio, ainda permanece viva a lembrança do pastor atencioso e cura das almas que passou a administrador, do missionário jesuíta que foi o primeiro europeu a entrar no Sul do Brasil, dos sonhos e pesadelos da utopia da República Guarani, repousando hoje nas ruínas o que restou dos Sete Povos das Missões. Patrimônio Histórico, protegido pelo IPHAN, o sítio arqueológico de São Miguel das Missões foi declarado pela UNESCO, em 1983, como Patrimônio Cultural da Humanidade. As ruínas das reduções jesuíticas guarani ainda estão ali, nas terras do interior do Rio Grande do Sul, como a conduzir nossa imaginação e a testemunhar o que restou do sonho de construir uma sociedade, através da catequização do seu povo, e que teve a pretensão de dar ao índio guarani, no mundo colonial ibero-americano, um lugar de liberdade, uma terra sem males. Neste estudo, o sentimento que fica é o de que o cotidiano das Escolas de 85 São Luiz Gonzaga é permeado pela História da República Guarani – a Utopia Missioneira, pois fazem parte de uma comunidade que vive constantemente em torno de memórias de um tempo e lugar eterno, com suas diversas interpretações, com seus costumes e simbolismos, seus mitos e heróis, conjugando lembranças e imaginários, formando identidades e re-inventando tradições, sempre negociando com o passado jesuítico-guarani dos pueblos missioneiros. A metodologia do discurso missioneiro presente nos currículos e no cotidiano da vida escolar colabora, muitas vezes sem perceber, para a formação dessa identidade missioneira, consolidada por uma idéia de pertencimento, através de contos, lendas, mitos, cantos, músicas, canções, versos, artesanato, enfim, expressões de reconhecimento de um passado histórico. Isso acontece com intensas e constantes atividades populares e culturais como: Festa dos 100 Anos; Mostras de Artes Missioneira; Festivais Musicais como o Canto aos Sete Povos; Estátua do Índio, mito e herói missioneiro Sepé Tiaraju; Encontro Internacional de Chamameceros (já está na sexta edição, programada para acontecer em janeiro do próximo ano); Monumento ao “pajador” missioneiro Jayme Caetano Braun; além de outros eventos menores, mas nem por isso menos importantes na formação da mentalidade da população local e regional. Não restaram somente ruínas no chão encharcado pelo sangue dos índios guarani, para contar a sua história nas escolas missioneiras. Ficou também o clamor de um povo que sonhou com uma terra sem males, e o grito de Sepé, que ainda hoje se escuta no imaginário missioneiro: “Co yvy oguereco yara”! ou TERRA TEM DONO”! “ESTA 86 REFERÊNCIAS ALBURQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo/SP: Cortez Editora, 1999. APPLE, Michel W. Ideologia e Currículo. Coleção: Currículo, Políticas e Práticas. Portugal - Porto Editora, 1999. CARVALHO, E. de A. Identidade étnico-cultural e movimentos sociais indígenas. Perspectivas, São Paulo, 1983. FERR, Al. Ocasos Sangrentos. 2.ed. Santa Maria/RS: Editora Pallotti, 1980. FREITAS, Décio. O Socialismo Missioneiro. Coleção Documentos, vol. 32 - Porto Alegre/RS: Ed. Movimento, 1982. GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo/SP: Ática, 2000. GENNEP, Arnold von. In LAYTANO, Dante de. 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Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antonio Fraga (Org.). Territórios Contestados - O currículo e os novos mapas políticos e culturais. Vários autores. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995. 88 WALLERSTEIN, Immanuel Maurice, O Universalismo Europeu – A retórica do Poder. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. ANEXOS Anexo 1: Missões Jesuíticas Artigo publicado no Jornal Zero, de Porto Alegre, que tem uma das maiores tiragens do Rio Grande do Sul, no dia 23 de setembro de 2009, do escritor Alcy Cheuiche, que serve para observarmos as colocações feitas na mídia a respeito do tema “missões jesuíticas” nos dias atuais: Sepé Tiaraju, Herói da Pátria Brasileira A primeira boa notícia nos veio no dia 15 de julho de 1608. O rei da Espanha, Felipe III, enviava carta ao governador do Paraguai, Hermandarias de Saavedra, exigindo que os 150 mil índios do Guairá (atual território do nosso Estado do Paraná) só fossem submetidos “pelos ensinamentos do Evangelho”. Um basta à carnificina que campeava, há mais de um século, em toda a América espanhola. Em consequência disso, foram enviados em missão de paz os padres jesuítas italianos Giusepe Cataldino e Simon Maceta, os fundadores das primeiras reduções de índios guaranis, chamada Loreto, em 1610. Às vésperas de comemorarmos os 400 anos do inicio dessa epopéia, embrião da República Guarani, à qual pertenceram os nossos Sete Povos das Missões, chega de Brasília a segunda boa noticia. O vicepresidente, José Alencar, acaba de sancionar a lei do deputado gaúcho Marco Maia que “inscreve o nome de Sepé Tiaraju no Livro dos Heróis da Pátria”, que fica no Panteão da Liberdade e Democracia, na Praça dos Três Poderes. E isto, três anos depois de nossa Assembléia Legislativa ter aprovado, e o governador Germano Rigotto sancionado, a lei proposta pelo deputado Sérgio Görgen que reconheceu Sepé Tiaraju como “heróiriograndense”, nos 250 anos de sua morte. Sepé Tiaraju morreu de lança em punho, no entardecer do dia 7 de fevereiro de 1756, lutando contra soldados espanhóis e portugueses que haviam invadido o território da República Guarani. O local, hoje no perímetro urbano da cidade de São Gabriel, à margem esquerda do Rio Vacacaí, tornou-se lugar de visita obrigatória para todos aqueles que reconheceram a legitimidade da luta dos nossos índios em defesa das suas famílias, dos seus campos e gados, das lavouras de trigo e algodão, das casas e igrejas, daquele sistema socialista cristão de vida em comum, que Voltaire classificou como “um verdadeiro triunfo da humanidade”. E, não por outra razão,a Unesco reconheceu, há cerca de 20 anos, as ruínas de São Miguel Arcanjo como “Patrimônio da Humanidade”. Não apenas um patrimônio de velhas pedras talhadas, mas sim, o patrimônio das idéias de justiça social, de respeito às diferenças raciais, de louvor àquele oásis de vida digna em meio ao genocídio de todo o povo précolombiano das três Américas. Prefeito de São Miguel Arcanjo, eleito pelo voto de seus concidadãos, Sepé Tiaraju enfrentou legitimamente os invasores portugueses e espanhóis daquele rico território. Três dias depois da sua morte, 1,5 mil índios armados de lanças e poucos arcabuzes, sob o comando de Nicolau Nhenguiru, foram dizimados a tiros de canhão na chamada “batalha” de Caiboaté. Estava aberto o caminho para a destruição dos Sete Povos das Missões, uma utopia de liberdade, igualdade e Fraternidade, que nunca mais existiu entre nós”. Anexo 2: Esclarecimentos sobre a obra SEPÉ TIARAJÚ SÃO-LUIZENSE E MISSIONEIRO O símbolo maior da resistência guarany, nasceu, segundo alguns historiadores, em São Luiz Gonzaga, e era imprescindível utilizarmos essa informação em nosso benefício. Foi esse o motivo que nos levou a confeccionar a estátua. Seu tamanho e dimensões foram elaborados para um pórtico, que na minha inocência achava que seria construído... Na falta do dito, e pela urgência da situação, solicitei a inauguração da obra no dia 19 de abril de 2006, dia do índio. Digo urgência, porque constatei que até aquela data, a figura de Sepé divulgada pela imprensa regional e estadual era a da escultura existente na cidade de Santo Ângelo, chamada "Familia Guarany", do escultor Olindo Donadel. Precisávamos mostrar ao mundo que esse símbolo universal de resistência era são-luizense. Hoje, quando a mídia cita esse vulto, obrigatoriamente tem que focalizar a nossa (de todos nós são-luizenses) estátua. Um artista, como dizia meu saudoso amigo e escultor Valentim Barcelos, é um criador de símbolos. A estátua de Sepé é um símbolo de força e determinação, sendo mais uma das imagens que representam nosso povo. Explicações sobre a Cruz: Esta estátua de Sepé Tiaraju que fiz, dei o nome de:"A cruz acima da lança!" A cruz cristã representa o sacrifício voluntário em prol de algo grandioso... Ela é um símbolo universal e também representa a paz, coisa importante nos dias de hoje e importantíssima para o amanhã. Nessa posição, Sepé está postado tal qual uma barreira de carne e osso, com a Cruz acima da Lança, como a dizer que a paz era seu primeiro objetivo e a lança estava em segundo plano, porém firme... Sepé foi um símbolo de resistência, por isso a grande maioria admira-o, pois representa a força daquele que aparentemente parece ser o mais fraco. Nas reduções, era essa a cruz que usavam. Por estes motivos ela foi colocada na obra, para exaltar o apelo da paz. Explicações sobre a confecção da obra: Para poder realizar essa obra, tive que cobrar apenas o preço de custo dela; de outra forma ela não seria realizada, pois já naquela época eu era sabedor de que Turismo e Arte, lamentavelmente, estão muito longe de terem seu merecido reconhecimento na nossa cidade... Hoje, a situação está melhor do que antes. Aos poucos vamos compreendendo que estamos pisando sobre uma riqueza enorme chamada: história e cultura. E explorar isso, de forma turisticamente correta, será uma de nossas maiores fontes de renda. Estátua de Sepé Tiaraju - esclarecimentos e informações: - material: toda feita em concreto armado, sobre armação de tela de arame e esqueleto de canos de ferro; - medidas: 2 metros altura, até a cabeça e de 3 metros até a cruz, por 1,5 metro de largura; - peso: aproximadamente 950 kg; - confecção: o trabalho foi realizado manualmente, sem a utilização de nenhum tipo de forma; - período de confecção: foram necessários 3 meses: - início: 15 de dezembro de 2005 e término: 13 de abril de 2006; - desenho: criação própria de Vinícius Ribeiro, em abril de 2002; com modificação na posição da lança em agosto de 2005; - projetos apresentados: o projeto referente à estátua de Sepé Tiaraju foi apresentado quatro vezes ao Poder Público Municipal nas seguintes datas: 1º) em abril de 2002; 2º) em abril de 2003; 3º) em abril de 2004 e 4º) em agosto de 2005; - localização da estátua: A estátua foi elaborada desde o primeiro esboço 92 (abril de 2002) única e exclusivamente para ser erigida em pórtico no trevo principal da cidade de São Luiz Gonzaga, de frente para a BR-285; - estilo da obra: estilizado, esse estilo foi utilizado para dar maior ênfase ao feito realizado por Sepé; sua estatura foi ampliada para exaltar a idéia de monumento; - significados da obra: Cruz: “a cruz acima da lança”! A Cruz Cristã (levemente estilizada, para compor melhor a obra), representada aqui como símbolo universal do sacrifício consciente e voluntário em busca da paz e não um artefato de alguma religião. Ela encontra-se em primeiro plano, demonstrando o que ele representava e o que defendia. Pois Sepé era cristão, nascido nas Missões, assim como seu pai e provavelmente seu avô. Esse era o ambiente, o Lar ao qual ele protegia. Lança: A lança encontra-se em segundo plano, apontada para baixo, simbolizando que esta terra tinha dono e que ele não queria a guerra, mas estavam prontos para morrerem lutando em defesa de seu Lar. Vestimentas: As vestes selvagens e os adornos de seus antepassados, a boleadeira, a lança, como que para buscar forças nas suas raízes mais primitivas. A utilização dessas vestes tem por objetivo demonstrar a mescla de emoções e sentimentos vivenciados por Sepé e seus irmãos naqueles tempos: a raiva pelo incompreensível e desumano Tratado de Madri, a impotência perante o poderio português, a forte dor da traição por parte do Rei da Espanha, a qual eles aprenderam a amar desde pequenos, e ao qual pagavam altos impostos anuais (durante quase 70 anos) pela posse da terra. Finalmente a dor maior do abandono, por parte da maioria dos padres jesuítas. Adornos: Tembetá: símbolo característico do Guarani, osso cravado no lábio inferior; Tettymakuaá: atado existente nas pernas e braços dos guerreiros, feito de cabelo trançado de jovem índia, após a sua primeira menstruação. Frase: a frase “Sepé Tiaraju São-luizense e Missioneiro” foi elaborada em abril de 2002. Possui uma linguagem limpa e de fácil captação, além de explorar o forte apelo às Missões, comunica de forma objetiva, o que alguns historiadores confirmam: de que Sepé Tiaraju nasceu em São Luiz Gonzaga. Alterações na Obra: de acordo com a Lei de Direitos Autorais, nº. 9610/98, nenhuma alteração poderá ser feita na obra sem autorização por escrito de seu autor. Valores: Para que essa obra fosse realizada, o escultor cobrou apenas o preço de custo da mesma. São Luiz Gonzaga, 13 de março de 2006. Vinícius Ribeiro (Escultor). 93 Anexo 3: Atividades do CIMI – Conselho Indigenista Missionário e Movimento Social Via Campesina São Gabriel – Rio Grande do Sul 06/02/2006 - 09:44 - Jovens discutem legado das missões. Neste sábado, dia 4, os jovens acampados debateram o legado das missões para a população brasileira, com assessoria do Irmão Antonio Cechin e do deputado estadual Frei Sérgio Gorgen. Gorgen destacou três pontos principais desta herança. O primeiro foi a experiência de uma sociedade justa. "Nos legam a utopia de algo que foi colocado em prática: os sonhos de uma sociedade justa não são só desejos, mas podem ser concretizados", afirmou. O segundo ponto importante é que os indígenas deram ao país a possibilidade de ser formado por povos distintos, com visões de mundo distintas, e de sermos um povo multiétnico e pluricultural. Para Frei Sergio, esta visão se choca com todo o preconceito que fomos ensinados a ter desde pequenos, quando aprendemos a esconder as raízes indígenas presentes na grande maioria das famílias do Brasil. Desta percepção decorre o terceiro legado das missões e dos indígenas apontado pelo palestrante, que é a capacidade de luta e resistência: "Quando nós vemos o que fizeram Sepé e os 1.500 Guaranis que foram mortos, sabemos que somos descendentes de lutadores", afirmou. No mesmo momento, na tenda ao lado, mais de mil indígenas do povo Guarani apresentava-se e contavam, uns aos outros, em idioma Guarani, os desafios que enfrentam a cada dia para terem terras para viver a seu modo e para seguirem vivendo a seu modo. Em momentos diferentes e de formas distintas, o Irmão Antonio Cechin e o jesuíta Bartolomeu Meliá, que também participou das atividades dos jovens, repetiram a idéia de que aquilo que um país faz com suas minorias, ele acaba fazendo com toda a sua população, e que o respeito às minorias é um ponto central para democracias verdadeiras. Antonio Cechin disse, como exemplo, que se aos indígenas não é dado o direito ao acesso à terra, isso também acaba acontecendo com os camponeses. "O termômetro de uma democracia é o modo como ela trata as populações indígenas", afirmou Meliá. Raquel Casiraghi - Via Campesina e Priscila D. Carvalho - CIMI. Algumas entidades que participaram das comemorações: Conselho Indigenista Missionário - Cimi, Brasil Equipo Nacional de Pastoral Indígena - Endepa, Argentina Coordenación Nacional de Pastoral Indígena - Conapi, Paraguai Comissão Pró-Índio - São Paulo, Brasil Porantim - Em Defesa da Causa Indígena, Brasil Irmãs Catequistas Franciscanas, Brasil Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Marçal de Souza - MS, Brasil Consulta Popular - SP, Brasil Departamento de Antropologia - PUC/SP, Brasil Rede Educação Cidadã - MS, Brasil Centro Acadêmico de Ciências Sociais - PUC/SP, Brasil Vivat Internacional - Paraguai Centro de Mídia Independente - CMI, Brasil Rede Nacional de Advogados Populares - Renap, Brasil Centro Missionário Internacional - CMCI, Holanda Justicia y Paz e Integrídad de Ia Creacion, JUPICP - Paraguai 95 Articulação Ecumênica Latino-americana de Missiologia - AELAMI, Brasil Congregação Notre Dame, Brasil E, ainda, atividades e depoimentos pela mesma ocasião: 07/02/2006 - 11:46 - "A dominação, agora, vem pelas multinacionais", diz Stédile. Em ato realizado na coxilha de Caiboaté, em São Gabriel, indígenas rezam pelos Guaranis mortos e apontam a ganância econômica como causa pela perda de suas terras. Dirigente camponês afirma que a dominação apenas se modernizou. A programação do acampamento em memória aos 250 anos de morte de Sepé, que acontece em São Gabriel (RS), começou bem diferente nesta segunda-feira (06/02). Às sete horas da manhã, as cerca de cinco mil pessoas que participam do encontro visitaram a Coxilha de Caiboaté, local em que 1.500 índios guarani foram mortos pelas tropas espanholas e portuguesas em 10 de fevereiro de 1756 - batalha que deu fim às guerras guaraníticas e aos Sete Povos das Missões. No local, guaranis kaiowá, do Mato Grosso do Sul, rezaram pelas almas dos índios mortos. Ao mesmo tempo, traziam faixas reivindicando a demarcação das terras, sem a qual não haverá o fim da violência contra os povos indígenas. Truká, Xukuru e Pankaru dançaram o "toré", celebração típica das etnias. Logo depois, lideranças indígenas, quilombolas e camponesas manifestaram-se sobre a importância do resgate da história de resistência das Missões e do povo guarani. "Cortaram nossos galhos e nossos troncos, mas não conseguiram matar nossa luta", afirmou o kaiowá Anastácio Peralta. Maurício Guarani, cacique da reserva indígena do Cantagalo, em Porto Alegre (RS), falou em tupi-guarani e depois em português. Para ele, ir até o local em que seus antepassados foram massacrados é um fato muito importante e muito triste também. "Fico triste porque essa terra, um dia, foi dos guarani. Mas por ganância econômica dos europeus, ela foi tirada de nós", argumenta. A crítica às ações de dominação dos países ricos também foi o tom das declarações de João Pedro Stédile, integrante da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "A dominação apenas se modernizou. No passado, vinha com canhões e a cavalo. Hoje, ela chega por meio da televisão e do dinheiro", ressalta. Fonte: Raquel Casiraghi – Via Campesina. Conselho Indigenista Missionário. Consulta Internet: www.cimi.org.br - Acesso em nov./2009. O jesuíta Bartolomeu Meliá, em entrevista nessa ocasião, faz importante observação quando se refere à questão da “tradição” indígena: 05/02/2006 - 17:11 - Entrevista com Bartolomeu Melià na Assembléia Continental Guarani: O jesuíta Bartomeu Melià estuda o povo Guarani e convive com ele há mais de 50 anos, tendo contato especialmente com os grupos que vivem no Paraguai. Logo antes de conceder entrevista a este boletim, Melià havia feito uma fala na plenária onde estavam reunidos os indígenas, na Assembléia Continental Guarani. Comunicou-se com os indígenas em idioma Guarani, que ele fala fluentemente. Na entrevista, perguntamos a ele qual tinha sido sua mensagem aos participantes. "Eu disse que estava 96 muito feliz. Falei que provavelmente é a primeira vez na historia que há uma reunião assim de todas as etnias Guaranis, e que não se precisa ter vergonha de ser Guarani, de manter a tradição. O que não quer dizer que tem que só manter como estão. Se querem escola, que seja uma escola, que não seja um instrumento para ficar fora de si mesmo", relatou. A divisão entre etnias que ele cita refere-se aos grupos que fazem parte do complexo cultural Guarani, que se dividem, segundo os antropólogos, em pelo menos três grupos: os Kaiowá, Nhandeva, M'Bya. Fonte: Priscila D. Carvalho – CIMI Conselho Indigenista Missionário Consulta Internet: www.cimi.org.br - Acesso em nov./2009. Anexo 4: Músicas Do 1º CANTO DOS SETE POVOS, festival de música missioneira realizado pela Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga, através da Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, em 1985 (pesquisa realizada juntamente com a missioneira Irene Gomes, esposa do historiador José Gomes): Música: RENASCER Letra: Dr.Valdir Amaral Pinto (da cidade de Santiago) Música e Interpretação: Miguel Marques Ritmo: Chamamé Música classificada em 1º lugar. O LP foi gravado no salão de festas do Clube Harmonia, produzido por Quero-quero Gravações e Produções Ltda (Porto Alegre). Entre os jurados deste festival estava Jaime Medeiros Pinto, destacado poeta/compositor da cidade de Santiago e dono da Relider (rede de emissoras de rádio). Esta música foi regravada por: - Valdomiro Maicá (Três Passos), faz parte do CD Valdomiro Maicá nos Festivais. - Grupo Sete Povos (São Luiz Gonzaga), faz parte do CD "Minha Estampa", gravado em 2001. - Faz parte de uma coletânea lançada em 2006, pela Rádio Missioneira (São Luiz Gonzaga), com o título "Revivendo o Canto dos Sete Povos", que resgata algumas músicas da 1ª, 2ª e 3ª edição do Canto dos Sete Povos, cuja renda do CD foi em beneficio da APAE. - Miguel Marques (Santiago) em 2007, sendo a música título do CD. Essa música é muito conhecida no meio nativista, e para muitos sãoluizenses é "quase" um hino. Renascer Os campos de um verde esquisito E um céu tão azul Como igual nunca vi... As nuvens de poeira vermelha Brincando com o vento Me lembram de ti. Rincões misteriosos da infância Tesouros guardados No fundo dos rios... Serpente escondida na igreja Na guarda indormida Do templo vazio. Lavouras de trigo aloirando No alegre prenúncio Do canto e do pão. Mulheres tecendo com jeito Um sonho perfeito De branco algodão. Missões de Pinheiro Machado Destino marcado De macho e de herói Que bom que acordaste do sono Do teu abandono Que mata e que dói. Missões pra ti é meu canto Na hora do encanto Do teu renascer... Missões, tua história é tão grande Que só no Rio Grande Podia caber. 98 No 2º CANTO DOS SETE POVOS, também realizado em São Luiz Gonzaga, destaca-se a canção a seguir, que apesar de ter ficado em 2º lugar na classificação, enfoca a temática missioneira e é muito bonita: Um Canto aos Sete Povos Canto uma história antiga Deste marco em anais Versos contendo memórias De índios e catedrais Guarany valente raça Jesuítas em missões Semearam em campo aberto Herva, gado, reduções Sete povos lindo sonho De um mundo mais seguro Desarmado e sem ganâncias Nos olhares do futuro Sete Povos, bata o sino desperta a humanidade Que as pedras ainda insistem Em clamar por liberdade. Os tratados de além-mar Ao chegar fazem razão Tesouro, suor e sangue Bandeados pra outro chão E os desejos tão antigos Não serviram para nada O grito brotado da terra Calou-se na amarga es Muita paz cruz missioneira Encontramos nos teus braços Ao lembrar que tantas guerras São motivos de fracassos E as verdades não sabidas Passo-a-passo vão adiante E o destino de uma raça Se transforma num instante. Essa canção, cuja letra é de autoria do compositor Carlos Alberto Dahmer – conhecido no meio artístico como Litti Dahmer – tem música e interpretação do cantor Antônio Olesiak, e foi defendida pelo Grupo Fogo de Chão, de Ijuí/RS. Em seus versos, nos dá uma idéia do sentimento missioneiro. Anexo 5: Encontro Internacional de Chamameceros Notícias Escrito por José Luis Bonamigo Variedades - Segunda-feira, 08 de Dezembro de 2008 - 14:02 Encontro Internacional de chamameceros Começam os preparativos para a 5º edição do Encontro Internacional de Chamameceros, programada para os dias 08, 09, 10 e 11 de janeiro, no município de São Luiz Gonzaga, RS. O evento será realizado no Parque de Exposições do Sindicato Rural do município. A promoção é do Galpão Ameríndio Guarani Missioneiro, do cantor e compositor Jorge Guedes, com a empresa cultural Vânia Morais Guedes Ltda. Conforme Vânia Guedes e Mário Meira, o Parque do Sindicato Rural foi escolhido por oferecer uma maior estrutura e também maior acesso ao público, em dias de chuva. O projeto da 5ª edição está pronto e prevê uma área coberta desde a entrada do parque até o pavilhão central. O palco será construído em frente ao Restaurante Central. O público será acomodado em cadeiras na área central, usada para o desfile dos animais campeões. A comissão organizadora pretende usar dois pavilhões do parque, sendo um pavilhão para acomodação de músicos e cantores e outro para o artesanato. Ao redor de toda esta estrutura serão montados acampamentos. Também serão contratados serviços de banheiros químicos, pois é esperado um grande público para esta edição. Entre as atrações confirmadas estão: Gicela Mendes Ribeiro, da Argentina, que este ano deverá trazer um casal de bailarinos, para uma coreografia sobre a integração do Brasil com a Argentina. Também está confirmada a vinda de Gilberto Monteiro, que participa pela primeira vez do Chamameceros. Além destes também está confirmada a presença de Raulito Barbosa e artistas da França. Outros nomes estão sendo contatados e confirmados através da comissão, que também tem a participação de Luiz Carlos Borges. O objetivo da comissão central é montar cinco shows por noite, com artistas de renome internacional. A grande novidade este ano será o Baile Chamamecero típico, no sábado, junto ao restaurante do parque, com o concurso do Grito do Sapucay. 100 Os ingressos continuam no mesmo valor: R$ 10,00 no dia e permanentes a R$ 30,00 para as quatro noites de shows. (Consulta Internet: www.radioprogresso.com.br - Acesso em 15 de novembro de 2009). Anexo 6: História de Jayme Caetano Braun Para contar a história de Jayme Caetano Braun, recorremos novamente ao seu escultor, Vinícius Ribeiro, o qual, além de sua obra, nos relata quem foi esse mito pajador missioneiro: [...] Antes de começar uma obra, procuro sempre fazer o histórico do homenageado; aqui no caso, fiz com muita alegria, pois além de ser grande admirador de Jayme Caetano Braun, sou primo de 3º grau dele (quando o vivente é bom, a gente puxa parentesco até o 5º grau). Não sou e nem tenho pretensões de ser historiador. Um dos objetivos de estar divulgando esse histórico é de corrigir vários erros existentes na internet, sobre a vida do poeta. Um dos erros é de que sua mãe era uma "chirua bugra", na verdade sua mãe, D. Euclides Ramos Caetano, era filha de produtores rurais da Timbaúva (veja foto abaixo), outro é sobre o local de seu nascimento. SOLICITO àqueles que queiram usar as informações deste histórico, que não esqueçam de citarem os créditos; neste trabalho entrevistei várias pessoas e tenho documentos e certidões de nascimento, casamento e morte, para provar o que aqui está escrito. Neste trabalho de pesquisa, tive o auxílio da D. Gelsa Ramos de Moraes, prima-irmã do Jayme, poetisa e payadora do mais alto nível, pessoa que tinha estreita relação com o poeta. E para finalizar com chave de ouro, a revisão final deste simples histórico foi feita na data de 10 de fevereiro de 2009, pela D. Aurora (Bréa) Ramos Braun, viúva do homenageado. Poeta, tradicionalista, declamador e payador (do castelhano, lê-se pajador: poeta que faz versos de improviso com temática muito próxima a milonga). Símbolo maior da poesia gauchesca; especializou-se em décimas (poemas com estrofes de 10 versos). Em seus versos retratou, com conhecimento de causa, os hábitos costumes e vicissitudes do homem campeiro do sul do Brasil. O peão de estância, o gaúcho andarilho, o índio missioneiro e muita outras figuras regionais ganharam vida em seus poemas. A formação dos Sete Povos das Missões, a epopéia farroupilha, foram alguns dos seus muitos temas. Eterno filósofo galponeiro, em suas reflexões, buscou as respostas da existência na visão do homem simples. Sua temática ia da raiz às estrelas, sendo ao mesmo tempo regional e universal; seus versos, mescla de história, costumes e atualidades, exaltaram a vida do homem excluído, pobre e oprimido. Deixou sua obra imortalizada em vários livros e discos. Sendo considerado pelo meio tradicionalista como referência gauchesca da essência riograndense. [...] Nome completo: Jayme Guilherme Caetano Braun Nome mãe: Euclides Ramos Caetano Braun Nome pai: João Aloysio Thiesen Braun Avós maternos: Aníbal Antônio Souza Caetano e Florinda Ramos Caetano Avós paternos: Jacob Braun e Guilhermina Thiesen Braun Nascido em 30 de Janeiro de 1924, às 8:30, na fazenda Santa Catarina, de seu avô materno (Aníbal Caetano), na localidade da Timbaúva (na época 3° Distrito de São Luiz Gonzaga), hoje mu nicípio de Bossoroca). Irmãos: Maria Florinda, Terezinha, Judite, Zélia e Pedro Canísio (Jayme foi o 2° filho do casal Braun). 102 Pais do Jayme: Sr. João Aloysio Braun e D. Euclides Ramos Caetano [...] Após sua experiência como bolicheiro começou em 1945 a participar de campanhas políticas (daqueles aos quais ele admirava) como payador. Seu poema “O Petiço de São Borja”, referente a Getúlio Vargas, foi publicado na época em revistas e jornais do país. Participou na campanha de seu tio materno Ruy Ramos com o poema “O Mouro do Alegrete”. Nos anos seguintes participou nas campanhas de Leonel Brizola, João Goulart e Egídio Michaelsen. Na campanha de Ruy Ramos a deputado federal, apresentava um programa radiofônico na radio São Luiz, contratado pelo seu outro tio Danton Ramos, para divulgar a candidatura de Ruy. Devido ao sucesso, obtido em grande parte pelos seus versos de improviso, o programa teve continuidade. Em 1948 iniciou o programa, na mesma radio, chamado “Galpão de Estância” (existente até os dias atuais), juntamente com Dangremon Flores e Darci Fagundes. Desse nome veio a surgir mais tarde o 1° CTG em São Luiz Gonzaga, cha mado CTG Galpão de Estância. Incentivado e apoiado por Ruy Ramos, concorreu a deputado estadual pelo PTB no ano de 1959, não alcançando votação suficiente. Esta passagem pela política lhe trouxe mágoas que o acompanharam por muito tempo. Em 1959, a convite de Ruy Ramos, passou a residir em Porto Alegre, onde ingressou na biblioteca pública do estado, ocupando o cargo de diretor até final de 1963. Depois foi para o IPASE (Instituto de Pensões e aposentadoria dos Servidores do Estado), onde ficou até se aposentar. Em 1973 participa do programa semanal Brasil Grande do Sul, na Radio Guaíba, durante 15 anos. Os direitos autorais de seus vários livros e discos serviram como complemento de renda, pois o poeta, como muitos que trabalham com a arte, enriqueceu mais a alma do que os bolsos. [...] Faleceu no dia 8 de julho de 1999, às 5 horas e 30 minutos, aos 75 anos de idade, na clínica São José, em Porto Alegre, vítima de complicações cardiovasculares. O corpo foi velado às 17 horas no Salão Nobre Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, sede do governo estadual gaúcho; foi enterrado no cemitério João XXIII em Porto Alegre. Pesquisa Vinícius Ribeiro - 2° Semestre 2005. Colaboração: Senhora Gelsa Ramos de Moraes. Revisão final: Aurora Ramos Braun (feita em 10 de fevereiro de 2009). Fontes 103 - Entrevistados: Sr. Ataliba dos Santos e Sr. Juca Ramos. - Cartório de registro civil de São Luiz Gonzaga. - Cartório de registro civil de Bossoroca. - Jornal Zero Hora (Porto Alegre). - Jornal A Notícia (São Luiz Gonzaga). Nas fotos, quando do translado do monumento: O monumento paisagístico em homenagem a Jayme Caetano Braun, como se encontra nos dias de hoje, localizado no trevo de acesso Rodoviário, na BR-285, em São Luiz Gonzaga, uma das cidades dos Sete Povos Missioneiros. Anexo 7: Artistas Missioneiros Em meados de 1966 eu, juntamente com Noel Guarani e Cenair Maíca, nos reunimos para tocar e cantar, e decidimos que iríamos criar um novo modo de cantar e tocar, pois a maneira que as coisas do Rio Grande eram colocadas não nos satisfaziam, não era a maneira que queríamos como norte para nosso trabalho. Digo nosso por que surgimos nesse contexto, na mesma época e com os mesmos ideais. E juntamente com o grande payador Jaime Caetano Braun, que serviu de fonte e vertente para o nosso trabalho. Fomos denominados pelo grande payador como “os quatros troncos da cultura missioneira”, pois conseguimos, cada qual com seu estilo, criar uma nova identidade na cultura musical gaúcha, a identidade musical missioneira, que nos torna diferentes diante da música gaúcha, e é reconhecida no Rio Grande do Sul e no Brasil pela maneira diferente de cantarmos: • denunciamos; • protestamos; • registramos, e levamos para o futuro, o passado de um povo esquecido, explorado, mas cheio de encantos e essências: o povo guarani. A música missioneira tem o cheiro da terra colorada. Hoje nossa música está nas universidades, nos maiores centros culturais e escolas. Estão estudando nossas letras e nossas músicas, que são fontes de pesquisas e teses. Somos hoje considerados pela crítica “... quatro escolas da cultura musical missioneira”. Não foi 105 fácil, mas conseguimos! Somos hoje ouvidos na Europa, nas universidades de Portugal e França. Em São Paulo nosso trabalho: De Guerreiro a Payador (em parceria com Vaine Darde) serviu para provar que o índio missioneiro não havia sido extinto. Na Faculdade Metodista de Nutrição e Fonoaudiologia - Porto Alegre, foi feita uma pesquisa qualitativa: como os compositores gaúchos retratam nossa sociedade. Nossa música jamais deixará de existir, por que tem cheiro de terra e como ela permanecerá. Fonte: disponível no site da rede: artistasgauchos.com.br (Consulta Internet: www.pedroortaca.com.br . Acesso em 25/11/2009. Anexo 8: Mostra de Arte Missioneira: 1981-1987 Capa do Livro sobre a Mostra de Arte Missioneira 1981-1987, um trabalho elaborado pelas professoras Anna Olívia do Nascimento e Vera Wolski de Oliveira, editado em 1987, composto e impresso na Gráfica A Notícia Ltda/São Luiz Gonzaga/RS, que conta se constituiu essa movimento que visava difundir preservar a cultura missioneira. Anexo 9: Certificado de colaboração para construção do monumento paisagístico em homenagem ao pajador Jayme Caetano Braun. Foto que mostra o Certificado recebido por cada um colaborador que contribuísse com determinado valor para a viabilização da obra que hoje encontra-se pronta as margens da rodovia BR-285, trevo de acesso à cidade de São Luiz Gonzaga/RS. Mostra a mobilização da comunidade que une-se em torno das homenagens de seus mitos/heróis missioneiros.