UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
MESTRADO
A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ
GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA
RENATO PONTE BOTTESELLE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
PROF. DR. PAULO AFONSO ZARTH
Ijuí, RS, Brasil
2010
UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
MESTRADO
A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ
GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA
Dissertação apresentada junto ao
Programa
de
Pós-graduação
em
Educação nas Ciências da UNIJUÍ,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação nas
Ciências.
RENATO PONTE BOTTESELLE
Orientador: Prof. Dr. PAULO AFONSO ZARTH
Ijuí, RS, Brasil, março de 2010
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
MESTRADO
A banca examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação:
A HISTÓRIA MISSIONEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES EM SÃO LUIZ
GONZAGA: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DISCENTE E NA CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA
elaborada por
RENATO PONTE BOTTESELLE
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação nas Ciências.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Paulo Afonso Zarth (UNIJUÍ): __________________________________
Prof. Dr. Walter Frantz (UNIJUÍ): _______________________________________
Profª. Drª. Arisa Araújo da Luz (UERGS): ________________________________
Ijuí/RS, 15 de março de 2010.
“Ou os estudantes se identificam com o
destino do seu povo, com ele sofrendo a
mesma luta, ou se dissociam do seu povo,
que nesse caso, serão aliados daqueles
que exploram o povo”.
(Florestan Fernandes)
Dedico esta conquista à memória do meu irmão
Roberto, que não teve a oportunidade que estou tendo.
v
AGRADECIMENTOS
Ao meu professor, amigo e orientador, Paulo Zarth, por acreditar no meu
trabalho, pelo incentivo e por não ter me dado todas as respostas. Ao professor e
co-orientador, Walter Frantz, por me fazer acreditar que era possível. Ao professor
Valdir Sandri que, com suas aulas de História, ainda no Ensino Médio, fez despertar
em mim o interesse pela História. À professora Ariza Araújo da Luz, que gentilmente
aceitou participar da banca final, vindo lá dos Sete Povos Missioneiros até aqui. Ao
professor Julio Quevedo pelo incentivo inicial. À Profª Anna Olívia do Nascimento e à
Profª Ivete Maria Catelan, que abriram para mim as portas do IHG-SLG; e à Eladir
Heinzmann, que muito colaborou na formatação final do trabalho. À Angélica, nossa
secretária do curso, que foi quem me deu a notícia de que, na terceira tentativa,
finalmente tinha sido selecionado. Confesso a vocês: foi uma bela noite sem
dormir... E aqui estou eu, se não o mais velho, talvez o mais experiente.
Aos professores da inesquecível Pós em Ciências Sociais aqui lembrados
pelos professores Ivo Canabarro, Andréa Narvaes e minha orientadora Sandra
Amaral. Aos colegas, na lembrança da Fátima, Márcia, André, Anelise, Neiva, Gilce,
Kadigia, Cláudio, Ana Cristina e da Eterna Garota Verão, Nadine Dubal. Vocês
todos, com certeza, moram no meu coração.
Aos meus pais, Renato e Maria Helena, por existirem; pelo amor, fé e carinho
com que me educaram; pela confiança que em mim depositaram; pelo incentivo e
pelas condições dadas para que eu pudesse colocar em prática (e na prática a teoria
é outra... felizmente!) os meus projetos e frequentar o curso de Mestrado.
À minha irmã Sheila que, do seu modo especial, foi porto seguro nos
momentos mais difíceis de minha vida, assim como pela paciência e disponibilidade
quando da pesquisa. Aos meus filhos, Giancarlo e Lorenzo, maravilhosos
principalmente na compreensão de um Pai nem sempre presente, que fazem com
que eu acredite que um outro mundo é possível. À minha netinha Raffaella, fruto do
amor do Giancarlo e da Francieli, que me faz lembrar duas convicções que tenho:
não podemos abandonar as crianças e não podemos abandonar o mundo! Aos
meus afilhados Eduardo, Laurinha e Lucas, e à Elise, minha eterna sobrinha
preferida. Ao Jorge, À Maristane e ao Capitão Rodrigo, parceiros de fé nas horas
difíceis, obrigado pelo apoio recebido. Ao meu irmão João Marcelino, pela torcida.
vi
Aos meus colegas de mestrado, José Black Adair e Renivaldo, amigos de
todas as horas, verdadeiras bússola nos momentos de tempestades; momentos
esses muitas vezes acompanhados de muitas caipirinhas... E as colegas Francini,
Lao-Tsé, Cátia, Lizandra e Dulce, musas inspiradoras nos momentos em que nos
fogem as idéias.
Aos amigos de São Luiz Gonzaga, a mais autêntica redução missioneira dos
Sete Povos das Missões: Jairo Delavy, Arami Tacha-Tacha, Luiz Henrique Mola,
Juliana, Giane e Edson Cebolinha; à amiga “missio” Irene Gomes, que também
ajudou na pesquisa.
Aos amigos de Ijuhy, Sergio Pires, Carlos Litti Dahmer e Jorge Berto; à eterna
secretária do Departamento de História da Unijuí, a nossa querida Maria de Lourdes;
e à Daniele Aguiar, criança querida, parceira por um ano na Câmara de Vereadores.
E, finalizando, ao meu velho, fiel e guerreiro computador que muitas vezes
parecia funcionar “movido à lenha” e que, junto a muitos e muitos cafés, sempre
acompanhados pelo abominável cigarro, entre uma tragada e outra, foram meus
companheiros na solidão poética do encontro do homem com as novas tecnologias.
Nos dias e nas madrugadas em que o corpo reclama, a mente pede descanso e os
olhos fecham sem querer... Afinal, se foi Sepé Tiarajú quem disse: “... alto lá, esta
terra tem dono!”, foi o nosso poeta maior, o pajador missioneiro, Jayme Caetano
Braun quem falou e eu repito aqui: “... não é à tôa chomisco, que sou de São Luiz
Gonzaga...”.
Muito Obrigado!
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo verificar a metodologia do discurso missioneiro
nos currículos escolares, levando-se em conta sua origem e implementação no Rio
Grande do Sul, Brasil, mais especificamente na cidade de São Luiz Gonzaga, que
faz parte da região denominada de Sete Povos das Missões. Para a efetivação
dessa proposta, as escolas: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe,
Escola Estadual de Ensino Fundamental Senador Pinheiro Machado, Escola
Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio e Escola Básica da URI - São Luiz
Gonzaga, servem como base para a pesquisa, a exposição e a discussão da
metodologia e da hipótese de que o discurso missioneiro faz parte dos currículos
escolares, ou não. Além disso, são articulados seus aspectos teóricos e conceitos
referenciais, considerados relevantes para a sua fundamentação, tais como:
discurso, (re)construção da identidade missioneira, folclore, cultura, lugares de
memória, tradição e currículos escolares. Ao abordar tais questões, em específico o
discurso missioneiro e os currículos escolares, optou-se pela utilização de autores
que trabalham com o tema e servem para referenciar as análises como Arno Alvarez
Kern, Stuart Hall, Edward Wadie Said e Tomaz Tadeu da Silva, entre outros.
Consequentemente, o estudo dá enfoque para a reflexão acerca das possibilidades
de se trabalhar a história local e regional, nas escolas, a partir do discurso
missioneiro inserido nos currículos escolares. Além do tema objeto deste trabalho,
tentou-se compreender também as raízes históricas da “ideologia missioneira” e sua
influência na educação e formação da população local; a caracterização do
“missioneiro” e sua relação com a formação do cidadão; e, por fim, o modo como o
assunto aparece na educação escolar.
Palavras-chave: Missioneiro, Currículos escolares, Identidade, Cultura, Tradição.
ABSTRACT
This study aims to verify the methodology of the regional discourse in formal
education curricula, considering its origin and implementation in Rio Grande do Sul,
specifically in the city of São Luiz Gonzaga, which belongs to the region called Seven
Peoples Missions. To achieve this proposal, some schools (Instituto Estadual de
Educação Professor Osmar Poppe, Escola Estadual de Ensino Fundamental José
Bonifácio and Escola Básica da URI – São Luiz Gonzaga) serve as base for
methodology research, presentation and discussion, as well as for verification
whether or not the regional discourse integrate the curricula. Besides, theoretical
aspects and referential concepts considered relevant for the reasoning of the study
are articulated, such as discourse, (re)construction of regional identity, folklore,
culture, memory places, tradition and curricula. To deal with these questions,
especially the regional discourse and the formal education curricula, we opt to
mention some authors who study the subject and serve to reference the analysis, as
Arno Alvarez Kern, Stuart Hall, Edward Wadie Said e Tomaz Tadeu da Silva.
Therefore, the study focuses on reflection on the opportunity of teaching regional and
local history in schools from the regional discourse inserted in the curricula. In
addition to this subject, we try to understand the historical roots of a regional ideology
named “missionary” and its influence on education and formation of local community;
the characterization of the “missioneiro” (individual from Mission Region) e its
relationship with formation of the citizen; and, at last, how this subject is carried on in
school education.
Key-words: Missionary, Curriculum development, Identity, Culture, Tradition.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa Histórico e Geográfico de La Província de Misiones: 1585-1896.....22
Figura 2: Santo Inácio de Loyola................................................................................25
Figura 3: Reduções de São Nicolau I.........................................................................27
Figura 4: Reduções de São Nicolau II........................................................................28
Figura 5: Fachada frontal da Igreja de São Miguel Arcanjo, numa das Sete Reduções
Jesuíticas, em São Miguel/RS...................................................................................30
Figura 6: Museu das Missões, projetado pelo famoso arquiteto Lúcio Costa, em São
Miguel/RS...................................................................................................................30
Figura 7: Sepé Tiaraju................................................................................................32
Figura 8: Ratio Studiorum. ........................................................................................33
Figura 9: Claustro da Redução de São Luiz – Início do séc. XX ...............................35
Figura 10: Grupo Fogo de Chão................................................................................47
Figura 11: V Encontro Internacional de Chamameceros realizado em São Luiz
Gonzaga/RS, em Janeiro/2oo9. Autor Desconhecido – Material de Publicidade ......48
Figura 12: Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga .................................48
Figura 13: Logotipo dos 25 anos do IHGSLG............................................................50
Figura 14: Placa e prédio do IHGSLG.......................................................................51
Figura 15: Jaime Caetano Braun...............................................................................51
Figura 16: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão .....................................................56
Figura 17: Conteúdos sobre as missões nos PPPs I ................................................62
Figura 18: Conteúdos sobre as missões nos PPPs II ...............................................63
Figura 19: Exercício de sala de aula .........................................................................65
Figura 20: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas I.........66
Figura 21: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas II........67
Figura 22: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas III.......68
Figura 23: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas V .......69
Figura 24: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas VI ......70
Figura 25: Capa do livro Um Gauchinho nas Missões ..............................................71
Figura 26: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões I ............................................72
Figura 27: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões II ...........................................73
Figura 28: Capa do livro Rio Grande do Sul..............................................................74
Figura 29: Partes do livro Rio Grande do Sul I .................................................................75
x
Figura 30: Partes do livro Rio Grande do Sul II .........................................................76
Figura 31: Partes do livro Rio Grande do Sul III ........................................................77
Figura 32: Capa do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças................................78
Figura 33: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças I............................78
Figura 34: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças II...........................79
Figura 35: Capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação
definitiva da redução de São Miguel, em 1987..........................................................79
Figura 36: Capa da revista Mensageiro ....................................................................80
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Reducciones Jesuiticas de Guaranies......................................................23
Quadro 2: Fundaciones regionales ...........................................................................24
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1: Missões Jesuíticas .....................................................................................90
Anexo 2: Esclarecimentos sobre a obra SEPÉ TIARAJÚ SÃO-LUIZENSE E
MISSIONEIRO ..........................................................................................................91
Anexo 3: Atividades do CIMI – Conselho Indigenista Missionário e Movimento Social
Via Campesina ..........................................................................................................94
Anexo 4: Músicas ......................................................................................................97
Anexo 5: Encontro Internacional de chamameceros .........................................................99
Anexo 6: História de Jayme Caetano Braun............................................................101
Anexo 7: Artistas Missioneiros ................................................................................104
Anexo 8: Mostra de Arte Missioneira: 1981-1987....................................................106
Anexo 9: Certificado de colaboração para construção do monumento paisagístico em
homenagem ao pajador Jayme Caetano Braun. .....................................................107
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................07
ABSTRACT...............................................................................................................08
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................09
LISTA DE QUADROS...............................................................................................11
LISTA DE ANEXOS..................................................................................................12
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14
1 OS SETE POVOS DAS MISSÕES ........................................................................21
1.1 AS REDUÇÕES JESUÍTICAS GUARANI ..........................................................21
1.2 OS SETE POVOS DAS MISSÕES: NASCIMENTO, GLÓRIA E MORTE ..........27
1.3 A EDUCAÇÃO NOS SETE POVOS DAS MISSÕES .........................................32
2 O MISSIONEIRO....................................................................................................37
2.1 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MISSIONEIRA ..............................................37
2.2 AS TRADIÇÕES RE(INVENTADAS)..................................................................42
2.3 O FOLCLORE.....................................................................................................45
2.4 AS MEMÓRIAS HISTÓRICAS............................................................................49
2.5 A CULTURA MISSIONEIRA...............................................................................53
3 OS SETE POVOS DAS MISSÕES NAS ESCOLAS DE SÃO LUIZ GONZAGA...58
3.1 A TEMÁTICA MISSIONEIRA..............................................................................58
3.2 OS CURRÍCULOS ESCOLARES E OS PROJETOS POLÍTICOPEDAGÓGICOS ESCOLARES ................................................................................60
3.3 O TEMA MISSIONEIRO NOS CURRÍCULOS ESCOLARES E SUA PRESENÇA
NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS ...........................................................................64
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................82
REFERÊNCIAS.........................................................................................................86
ANEXOS ...................................................................................................................89
INTRODUÇÃO
O fato de ter nascido e vivido toda a minha infância em São Luiz Gonzaga,
lugar onde foi iniciei a vida escolar, e pelo fato de, mesmo tendo habitado outros
pagos, pelos mais diversos motivos, sempre voltar às Missões, em permanente
contato com o seu modo de vida, legou-me o direito e o desejo de fazer esta
pesquisa, com um olhar atento para a leitura de como é apresentado o discurso
missioneiro nas escolas.
A história das Reduções Jesuíticas Guarani, no caso uma parcela do que
compunha os trinta povos das Missões Jesuíticas do Paraguai – os Sete Povos das
Missões – servirá como pano de fundo para abordar o que é o tema missioneiro nos
currículos escolares.
A Escola, concebida como o espaço de encontro entre as diferentes formas
de ser, pensar e sentir, de valorizar e de viver, construídas em um marco de tempo e
espaço, é o ambiente que dá pertinência e identidade a indivíduos e grupos sociais.
O tema missioneiro, como resultado do encontro de duas culturas
diferenciadas, a guaranítica e a européia, produziu um legado, um novo modo de
ser, o missioneiro, encontrado nos termos linguísticos, entre eles nomes de pessoas,
localidades, bairros, ruas, rios, etc.; no folclore, com suas lendas e cantos; no cultivo
de plantas; e até mesmo nos hábitos alimentares, como o mate e o churrasco.
Nesta pesquisa, que tem por título: “A História Missioneira nos Currículos
Escolares em São Luiz Gonzaga: Contribuição na Formação Discente e na
Construção da Cidadania”, tratei de explanar a temática missioneira, verificando a
situação do currículo escolar em relação a ela, e tentando identificar se há
necessidade de mudanças para melhor compreender e levar os alunos a
aprenderem história. O currículo escolar de História compreende a temática do
discurso missioneiro? De que maneira esse discurso é abordado? A questão é
contextualizada? Esse estudo consegue fazer com que o estudante realmente
compreenda sua realidade? Se não compreende, o que se pode fazer, e de que
forma, para estabelecer um novo paradigma? São perguntas que precisam ser
15
respondidas para que se verifique como anda o discurso missioneiro na escola, e se
consegue abarcar a interdisciplinaridade e a contextualização, de acordo com a
realidade das pessoas.
A escolha das Escolas: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar
Poppe, Escola Estadual de Ensino Fundamental Senador Pinheiro Machado, Escola
Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio e Escola Básica da URI - São Luiz
Gonzaga foi devido a serem: Estadual, Municipal e Particular e, uma delas, por ter
sido a primeira escola em que estudei, a qual me fez sonhar em ser educador –
sonho esse que realizei!
Dessa forma, este estudo inicia-se centrado na possibilidade de que o
discurso missioneiro, compondo os currículos escolares, viabilizaria a valorização da
herança cultural de uma comunidade, constituída de fatores peculiares, de
costumes, hábitos e lendas construídos pelo ser humano, e que se difundiram numa
sociedade, através dos anos, consciente ou inconscientemente, de tal forma que
delinearam seu estilo de viver, suas formas de morar, suas obras e suas crenças.
Assim sendo, o objetivo do presente estudo não é só tratar de um tema que
atrai pesquisadores de diversas áreas do conhecimento como da história, da
sociologia, da geografia, da antropologia, da filosofia, da arqueologia e da literatura,
que estudam o local e o regional no contexto universal, mas verificar a presença do
tema missioneiro nos currículos escolares e a sua influência nas práticas educativas.
Levando em consideração o objeto desta investigação, este estudo
caracteriza-se como sendo um estudo de caso – o que é a ideologia missioneira e
como ela se apresenta nas escolas - que visa a olhar, de maneira aprofundada, uma
determinada situação, permitindo conhecê-la de forma ampla e detalhada.
É adequado ver a possibilidade da discussão, assim como de sua
consequente conscientização a respeito da história missioneira, envolver os mais
variados segmentos da comunidade regional, tendo em vista que a história
missioneira vem ganhando cada vez mais um espaço importante, não só no Rio
Grande do Sul, mas nas instituições de ensino nas escolas de São Luiz Gonzaga,
16
bem como em vários setores da sociedade contemporânea.
Um exemplo disso é o carnaval do Rio de Janeiro – uma das maiores festas
populares do Brasil – quando a Escola de Samba Beija-flor de Nilópolis, no ano de
2005, apresentou-se e venceu com o tema: “O vento corta as terras dos Pampas.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete Povos na fé e na dor... Sete
missões de amor!”, contando assim ao Brasil e ao mundo a história dos Sete Povos
das Missões.
Consequentemente, ao usar o método de pesquisa a partir do geral para
chegar ao particular, ou seja, da História dos Sete Povos das Missões até os
Currículos Escolares nos nossos dias – foi necessário realizar uma pesquisa sobre o
que foram as Reduções Jesuíticas, como fator determinante para o entendimento do
caso.
Destarte, busquei saber um conjunto de fatos, conceitos, acontecimentos e
obras, entre as muitas já realizadas, que dão as coordenadas para que, a partir daí
fosse possível analisar a hipótese objeto desta pesquisa, com elementos anteriores
ao trabalho de campo.
Nesse sentido, valeu-me a interpretação do que foram as Missões Jesuíticas,
sendo uma utopia política, como nos contou Arno Alvarez Kern em sua obra
Missões: Uma Utopia Política, e Tau Golin em Guerra Guaranítica e em Etnocídio e
Herança Indígena.
Tomaz Tadeu da Silva, com as Teorias do Currículo Escolar, Edward Wadie
Said em Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente, Stuart Hall em A
Identidade Cultural na Pós-Modernidade e Marilda Oliveira de Oliveira em
Identidades e Interculturalidade da História e Arte Guarani, são autores que, com
suas obras, além de outros que aparecem ao longo da pesquisa, que deram
contribuições que servem para a investigação e respostas da premissa aceita, a
priori, como verdadeira, da presença do discurso missioneiro nos currículos
escolares.
17
No primeiro capítulo é feita uma revisão da história das reduções jesuíticas
guarani, enfocando a concretização da sociedade guarani, e apresentando uma
síntese da trajetória de sua implantação no Sul do continente americano.
O segundo capítulo é uma abordagem histórica da formação dos Sete Povos
Missioneiros, onde a mística da história jesuítica guarani literalmente se instalou,
sem a pretensão de apresentar uma nova visão ou trazer informações inéditas sobre
a saga do povo indígena e das reduções jesuíticas, analisando o que já foi dito sobre
o assunto, o que fundamenta a pesquisa e embasa o tema a ser tratado nos
currículos escolares.
Ao reafirmar que as missões jesuíticas guarani e, especialmente, os Sete
Povos das Missões, são retratos de um momento na história do Rio Grande do Sul –
ou do Sul do Brasil – tendo seu lado mais triste no massacre dos guarani, fiz uma
abordagem considerada importante do modelo de sociedade que as reduções
jesuíticas guarani, em especial os Sete Povos das Missões - local onde “nasci e me
criei”, como costuma se dizer popularmente nas Missões – nos deixaram como
herança, destacando-se a parte artística: cantos, danças, rituais com elementos
nativos, além da beleza arquitetônica, o chamado “barroco missioneiro”, que fazem
parte do legado das missões.
No terceiro capítulo tratei das raízes históricas da ideologia missioneira, da
formação da sua identidade, das tradições (re)inventadas, do folclore missioneiro,
dos lugares de memória histórica que marcam a trajetória da construção dos Sete
Povos Missioneiros, focalizando uma das suas reduções, São Luiz Gonzaga, lugar
onde se fiz a pesquisa.
Procurei verificar o significado do termo “missioneiro”, na intenção de
identificar a caracterização do homem que habita a terra missioneira. Como os Sete
Povos das Missões fazem parte de uma segunda fase das reduções jesuíticas
guarani na América, a (re)construção do discurso missioneiro gerou-se de uma
identidade (re)construída, num tempo, num tempo e num espaço delimitado e de
pertencimentos, formando-se por vários elementos com suas especificidades locais
e regionais.
18
Essas especificidades se relacionaram às características sociais que se
convencionaram, para assim generalizar todo um conjunto que formou o território
missioneiro. Como veremos adiante, são tradições inventadas ou re-inventadas, no
sentido de Hobsbawn (1997), que resultaram em uma identidade – a missioneira – e
que se diferenciam, culturalmente, do restante do Rio Grande do Sul e dos demais
gaúchos.
Cabe relevar que essas aparências e seus aspectos foram submetidos à
análise, tendo como um dos articuladores o passado, exposto através das obras de
Durval Muniz de Alburquerque: A Invenção do Nordeste e outras artes, de Stuart
Hall: A Centralidade da Cultura, e de Edward Wadie Said: Orientalismo - O Oriente
como invenção do Ocidente.
Procurei verificar também como uma comunidade consegue, através da
memória, celebrar a vida, a luta de um povo, que continua presente ainda hoje no
coração daqueles que acreditam numa Terra Sem Males. Como escreveu o
dramaturgo sueco Hjalmar Berman: “A memória, a nossa memória, é uma coisa
notável – incerta, indigna de crédito, caprichosa, insidiosa, penosa, enervante,
confortante, mas acima de tudo indispensável. Vivemos na memória pela memória”.
Para demonstrar as memórias missioneiras, busquei identificar a temática
missioneira na comunidade, focalizando representações de narrativas em torno da
história, mitos e heróis, muitas vezes com sentidos que se contrapõem, expressas
por meio de determinadas “tradições”, que mostram um suposto modo de vida dos
seus antepassados, bem como a construção de estátuas e monumentos
paisagísticos, artesanato, organização de festivais musicais, mostras de arte
missioneira, debates, palestras, enfim, atividades que produzem um discurso em
espaços públicos, como nas escolas, refletindo uma imagem que um grupo ou uma
sociedade desejam conferir a si mesmos.
Tratei de discutir o objeto que envolve a temática “missioneiro” nos Currículos
Escolares, com a idéia de perpassar o trabalho, voltado para mostrar essa
peculiaridade, da forma e com a intensidade com que vem sendo praticado o tema
19
das “missões” nas escolas e no processo de ensino-aprendizagem.
Também tratei de verificar, através das práticas pedagógicas escolares, como
esse assunto foi e é tratado nas escolas pesquisadas, na vida, no cotidiano da
escola, lugar onde o aluno tem as possibilidades e oportunidades de encontrar os
caminhos de sua compreensão de valores, da formação de sua cidadania, e da
análise histórica dos múltiplos olhares possíveis decorrentes da complexidade de
dizer o que realmente foram as reduções jesuíticas guaranis e os Sete Povos das
Missões, da importância de políticas voltadas aos estudos sobre os índios, com
questionamentos sobre o seu lugar no passado, e sobre que lugar terão eles no
futuro; ou ainda de questões de grande relevância como a política, a social, a
arquitetônica, ou mesmo a religiosa.
Dentro desse contexto, mostrei vários exemplos de livros, exercícios, tarefas
escolares, entre outros, além de cópias de parte dos Projetos Políticos
Pedagógicos1, os PPPs, elaborados e aplicados tanto na rede de ensino estadual
como na municipal, que tratam da temática objeto desta pesquisa.
É justamente através desse material que se configura, na prática, o ensino do
“missioneiro” no currículo escolar. Eis aí onde aparece o discurso missioneiro na
escola, apresentando como pressuposto básico a apropriação do passado,
negociado a partir de necessidades e sensações e de interesses de quem
estabelece uma relação de poder.
Dessa maneira, a construção da cultura missioneira, num processo que usa
do afetivo, do intuitivo, do racional e até mesmo do religioso, pela educação escolar,
e, portanto, num espaço público, exerce um papel de formação de consciência na
população local, apropriando-se das raízes históricas de uma “ideologia missioneira”
que tratei de caracterizar ao longo deste trabalho.
Compõe-se assim uma dialética que envolve a realidade da sala de aula, com
o tema pesquisado, o pesquisador e os referenciais teóricos que dão sustentação ao
1
A partir deste momento usarei a abreviatura PPPs para Projetos Políticos Pedagógicos.
20
trabalho de pesquisa.
1 OS SETE POVOS DAS MISSÕES
1.1 AS REDUÇÕES JESUÍTICAS GUARANI
A experiência cristã das Missões Guarani representa um
verdadeiro triunfo da Humanidade. (Voltaire)
Todos nós sentimos, com maior ou menor intensidade, numa determinada
época da vida, a vontade, a curiosidade e às vezes a necessidade de conhecer a
nossa origem, o nosso passado, seguindo a máxima: “de onde eu vim e para onde
irei?” Com certeza podemos buscar as referências que respondam ao primeiro
questionamento, já que o segundo não há como saber.
Sentimos orgulho quando falamos dos nossos costumes, dos nossos
antepassados, das nossas raízes, dos fatos que nos remetem à nossa formação
identitária. É justamente a partir dessas sensações e necessidades que iniciei a
pesquisa da história e da cultura missioneira nos Currículos Escolares, tendo como
pressuposto básico a questão do apropriar-se do que já passou pelos membros de
uma comunidade, ou seja, da memória coletiva.
Nessa perspectiva, enfoquei o fascínio das pessoas no contato com o
passado, reunindo temas como: discurso, missões jesuíticas, formação de
identidades, tradições, culturas, folclore, memórias e educação, no presente caso,
como parte integrante do currículo escolar.
Posso iniciar dizendo que a História das Reduções Jesuíticas, seu
nascimento, glória e morte das Missões Orientais, no nosso caso uma parcela que
compunha os trinta povos das Missões Jesuíticas do Paraguai – os Sete Povos das
Missões – resume-se hoje ao que nos falam suas ruínas. Cada pedra delas é um
ponto de interrogação.
Llamamos reducciones a los pueblos de índios, que viviendo a su
antigua usanza, separados, los redujo la diligencia de los Padres a
poblaciones grandes y a vida política y humana. Como se vê por esta
apreciación de Montoya (1989: 58; cap. V), lãs Reducciones eran una
organización del espacio que se identifica com um proyecto urbanístico del
cual se esperan efectos políticos, sociales, culturales y religiosos. (MELIÁ;
NAGEL, 1995, p.137).
22
A extensa área ocupada pelos trinta povos missioneiros localiza-se no
território que hoje pertence ao Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil.
A cópia do mapa abaixo mostra a localização das reduções jesuíticas e
fornece dados interessantes a respeito delas. Ele faz parte do acervo do Instituto
Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga e é um importante artefato para a
memória missioneira:
Figura 1: Mapa Histórico e Geográfico de La Província de Misiones: 1585-1896
Fonte: Ivete Maria Catelan, nov/2009
23
Quadro 1: Reducciones Jesuiticas De Guaranies
REDUCCIONES JESUITICAS DE GUARANIES
1. SAN IGNACIO GUAZU
2. LORETO
3. SAN IGNACIO MINI
4. SANTA MARIA DE LOS REYES
5. ITAPUA (1615) ENCARNACION (1625)
6. SANTA ANA
7. YAGUAPOHA (1618)
8. CONCEPCION (1619)
9. CORPUS
10. SAN JAVIER (1622)
11. NATIVIDAD DE LA SMA. VIRGEN DEL ACARAY (1622)
12. SAN JOSE (1625)
13. ENCARNACION (1625)
14. SANTA MARIA LA MAYOR (DEL IGUAZU)
15. SAN MIGUEL (1625)
16. SAN PABLO (1626)
17. SAN NICOLAS (1626, 1687)
18. SAN JAVIER DE YAGUARAI
19. YAPEYU (1627)
20. CANDELARIA DEL IBICUY (1622)
21. SAN ANTONIO (1627)
22. CONCEPCION (1627)
23. SAN PEDRO (1627)
24. ARCANGELES (1628)
25. SANTO TOMAS (1628)
26. JESUS MARIA (1628)
27. CANDELARIA
28. TRINIDAD (1706)
29. ASUNCION DEL IYUI (1628)
30. MARTIRES
31. ASUNCION DEL ACARAGUA (1630)
ASUNCION DE MBORORE
LA CRUZ (1657)
32. SAN JAVIER DE TABATI (1629)
33. APOSTOLES
34. SAN CARLOS
35. SAN MIGUEL
36. SANTO TOME
37. SAN JOSE
38. SANTA TERESA (1634)
39. NATIVIDAD (1632)
40. SANTA ANA
41. JESUS MARIA (1633)
42. SAN JOAQUIN (1633)
43. VISITACION (1633)
44. SAN COSME Y SAN DAMIAN
45. SAN CRISTOBAL (1634)
46. SANTA MARIA DE FE (1669)
47. SANTIAGO (1669)
48. SAN BORJA (1682, 1690)
49. JESUS
50. SAN LUIS (1687)
51. SAN LORENZO (1690)
52. SAN JUAN (1697)
53. SANTA ROSA
54. SANTO ANGEL (1707)
Fonte: Fuente de Datos Cartográficos: Mapa de La Cuenca del Plata, editado por La Organización de
Estados Americanos. Recopiado por El Profesor Casiano N. Carvallo - Ano de 1979.Editado por
Instituto Superior Del Profesorado Antonio Ruiz de Montoya. Posadas – Misiones.
24
Quadro 2: Fundaciones regionales
Fundaciones regionales
Paraná - Uruguay
Guayrá
Tape
Itatín
Fundaciones transmigradas
Guayrá
Tape
Itatín
Fundaciones consolidadas
Paraná - Uruguay
Treinta Doctrinas de guaraníes.
Sucesos
Expulsión de los Padres jesuitas
Misiones Província española
Misiones Província argentina
Pueblos misioneros arrasados
al occidente del Rio Uruguay: 10.
Ambas costas del Rio Paraná: 7
Oriente del Rio Uruguay: 7
Anexión de Misiones a Corrientes:
Trinchera de San José, hoy Posadas, decreto
de deslinde y mensura, por el
Gobierno de Corrientes:
Federalización de Misiones:
Capitalización de Posadas:
Provincialización de Misiones:
1609 - 1638
1610 - 1630
1631 - 1636
1631 - 1669
1631
1638
1669
1641
1767 - 1768
1803 - 1810
1810 - 1832
1817 – 1818
1832
1º de abril de 1871
1881
30 de julio de 1884
1953
Fonte: Fuente de Datos Cartográficos: Mapa de La Cuenca del Plata, editado por La Organización de
Estados Americanos. Recopiado por El Profesor Casiano N. Carvallo - Ano de 1979.Editado por
Instituto Superior Del Profesorado Antonio Ruiz de Montoya. Posadas – Misiones
A Cia. De Jesus, fundada na Europa em 1534, pelo Padre Inácio de Loyola,
após ter realizado várias e intensas catequizações de índios em todas as partes do
continente, chega ao Brasil por volta de 1549, sendo esse o primeiro contingente de
jesuítas, liderados pelo Padre Manoel da Nóbrega2.
2
Foto e Texto sobre Santo Inácio de Loyola disponibilizado pelo Grupo de Oração Universitário GOU, Ministério Universidades Renovadas, Renovação Carismática Católica do Brasil, da Igreja
Católica, na página intitulada “Santo do Dia”, em 31 de julho, suposto dia de seu nascimento.
(Consulta
Internet:
<http://gousantoinacio.blogspot.com/2009/08/historia-do-gou.santo-inacioinacio_09.html> Acesso em 10. set. 2009).
25
Figura 2: Santo Inácio de Loyola
Fonte:
http://gousantoinacio.blogspot.com/2009/08/historia-do-gou.santo-inacio-inacio_09.html
Acesso em: 10. set. 2009.
Kern nos descreve como e quem eram esses Padres Jesuítas da Companhia
de Jesus:
Os jesuítas enviados para as Missões implantadas na América
espanhola ou portuguesa eram cuidadosamente selecionados, bem
preparados e adestrados, com vigor físico, moral e espiritual, disciplinados e
obedientes, forças motrizes fundamentais para a realização de um vasto
objetivo de cristianização de populações nativas (1982, p.71).
Seguindo seu texto, continua Kern:
A estrutura hierárquica da própria Ordem era eficaz e contínua, e
uma das coisas que caracteriza a Companhia de Jesus nesta obra de
construção de uma nova sociedade, fundindo o mundo ocidental europeu ao
mundo indígena, é o seu gênio administrativo. Para isto, o fato de terem
sido técnicos que formavam equipes interdisciplinares em muito colaborou,
pois foram educadores, psicólogos, engenheiros, arquitetos, metalúrgicos,
agricultores, artesãos, médicos, farmacêuticos, pintores e escultores (1982,
p.71).
As Reduções Jesuítas Orientais não se constituíram como uma República
Guarani, assim como não eram também uma simples cópia de utopias
renascentistas3, mas uma comunidade construída coletivamente tendo como
referências o Rei e Deus.
3
“O Renascimento sintetizou um grande experimento de racionalização da vida humana. Para
construir a sua sorte e o destino da humanidade, os homens daquela época fixaram normas de
conduta e quiseram regulamentar cada aspecto da vida prática. A lógica desta idéia levou à
construção de critérios universalmente válidos para cada atividade, com normas, regras e códigos:
surgiram assim os tratados sobre o perfeito cortesão, sobre o perfeito ministro, sobre o perfeito
homem do mundo”. Autor/Coordenador: Carlos Eduardo Omelas Berriel.
26
Por mais criativos que tenham sido os utopistas, nenhum foi capaz
de imaginar uma história tão complexa e interessante quanto à dos Trinta
Povos das Missões. Além de não constituírem uma concretização de
utopias antigas ou renascentistas também não consubstanciaram “antevisão
de nenhuma sociedade do futuro” (GOLIN, 1999, p. 14).
Foi necessário também estabelecer um tempo e um espaço para que
possamos situar a História das Reduções Jesuítas Guarani, o que é feito
comumente nas muitas obras que tratam do assunto, mesmo que alguns autores
estabeleçam de modo diferente: “[...] não devemos imaginar os ‘Trinta Povos’ como
um tipo ideal, estático e imóvel no tempo, durante um século e meio” (KERN, 1982,
p. 9).
Conforme Schallenberger “o espaço missioneiro configurou-se muito mais em
função das pessoas e dos povoados indígenas do que de uma apropriação territorial
propriamente dita” (2006, p. 124). Entende-se, portanto, que pela ascendência que
exerciam sobre os indígenas, com uma ação evangelizadora, o poder dos jesuítas aí
residia, e se projetava na direção da estruturação de comunidades integradas
socialmente.
Retomando as idéias de Kern:
[...] as pressões externas, provenientes tanto do Império Português,
para o qual as missões eram um obstáculo ao expansionismo, bem como
da própria sociedade hispânico-americana, precipitarão a queda de todo o
conjunto, a partir do Tratado de Madri (1750), até a expulsão final da ordem
jesuíta em 1768 (1982, p.14).
Destarte, assim terminam os Trinta Pueblos da Província Jesuítica do
Paraguai, que nasceram durante o Império Colonial Espanhol4 dos Habsburgos e
acabaram no dos Bourbons, num processo histórico que durou um século e meio.
4
“O Império Colonial Espanhol atingiu seu auge e declinou sob a dinastia dos Habsburgos (chamada
também de Casa da Áustria). A Espanha obteve sua maior extensão graças à conquista de territórios
na América e outras colônias de ultramar sob Carlos I, também intitulado Imperador Carlos V do
Sacro Império Romano-Germânico. Após a morte de Carlos I em 1556, o extenso reino se dividiu em
duas porções: o Sacro Império de um lado; a Espanha e os Países Baixos de outra, sob o controle de
Filipe II. Felipe II, aumenta seus territórios na América e une a coroa de Portugal com seus territórios
de Ultramar, iniciando a breve União Ibérica que se converteu na maior potência econômica e militar
do mundo.A grande extensão gerou conflitos internos. Em 1640 Portugal readquire sua
independência. Em 1648 o rei Filipe IV reconhece a independência dos Países Baixos com o fim da
Guerra dos Oitenta Anos. Ao domínio de Filipe V, da dinastia Bourbon, que persiste até hoje.”
Fonte: Europa Brasil. Disponível em: <http://www.europabrasil.com.br/Espanha/historia/39Dinastia_Habsburgo.html> Acesso em Maio/2010
27
1.2 OS SETE POVOS DAS MISSÕES: NASCIMENTO, GLÓRIA E MORTE
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que Pena!
Fosse uma manhã de Sol
O índio tinha despido o português.
“Erro de Português”, (Poesia de Oswald de Andrade, 1925).
A experiência histórica do que foram os Sete Povos das Missões é
constantemente contada, ao passar dos anos, por pesquisadores, historiadores,
escritores, jornalistas, entre muitos outros que, de uma maneira ou de outra, em
determinadas épocas, se interessavam pela história das reduções jesuíticas guarani.
Portanto, as referências possuem um caráter necessariamente incompleto, ou
seja, emitem opiniões que acredita-se sejam sempre provisórias, e nas quais não
podemos colocar um ponto final, levando em conta suas proposições teóricas,
econômicas, sociais, religiosas e políticas.
Assim compreendido, com a historiografia extensa, numerosa, volumosa,
abundante e heterogênea, que em sua maioria deixa muito a desejar, reflete-se mais
ainda sobre o que representaram e ainda representam as reduções jesuíticas dos
Sete Povos das Missões.
Figura 3: Reduções de São Nicolau I
Fonte: Fotos obtidas no site oficial da Prefeitura de São Nicolau, autor não citado. (Consulta Internet:
<http://saonicolaurs.blogspot.com/2009/08/os-sete-povos-das-missoes.html - Acesso em 10. set.
2009).
28
Figura 4: Reduções de São Nicolau II
Fonte: Fotos obtidas no site oficial da Prefeitura de São Nicolau, autor não citado. (Consulta Internet:
<http://saonicolaurs.blogspot.com/2009/08/os-sete-povos-das-missoes.html - Acesso em 10. set.
2009).
Nas reduções de São Nicolau restaram indícios de um dos Sete Povos das
Missões, conforme nos mostram as imagens acima. A primeira, é conhecida como
“A Figueira Centenária da Praça Roque Gonzales”; a segunda são ruínas da igreja
da redução; a terceira, seria uma “adega jesuítica”; e a última, o interior do Museu
Histórico Arqueológico Missioneiro.
Havia passado quase meio século desde que tinham sido expulsos pelos
caçadores de escravos – os bandeirantes – quando, no ano de 1682, os Padres
Jesuítas espanhóis da Companhia de Jesus5 voltaram e fundaram novamente, a
poucos quilômetros da margem esquerda do Rio Uruguai, em terras onde hoje se
localiza o Rio Grande do Sul - Brasil, duas reduções: São Francisco de Borja e São
Nicolau, esta em 1687.
Logo em seguida fundaram outras cinco: São Luiz Gonzaga e São Miguel
Arcanjo, em 1687; São Lourenço de Mártir, em 1690; São João Batista, em 1687; e,
finalmente, Santo Ângelo Custódio, em 1706, as quais ficaram conhecidas como os
5
A relação entre Estado e Igreja nessa época era próxima, na medida em que ambas empreendiam
medidas que colaboravam com seus interesses mútuos. Enquanto os jesuítas tinham apoio na
catequização dos nativos, o Estado contava com auxílio clerical na exploração do território e na
administração. Sob tal aspecto, devemos relembrar que o interesse da Igreja em ocupar e
evangelizar o Novo Mundo se dava também pelas várias transformações ocorridas na Europa do
século XVI. Nessa época, as religiões protestantes surgiam como uma alternativa ao milenar poderio
religioso católico. Para reagir à significativa perda de fiéis, a Igreja aprovou a concepção da Ordem de
Jesus, criada em 1534 por Inácio de Loyola, com objetivo de pregar o cristianismo nas Américas.
Fonte:
Mundo
Educação:
Os
Jesuítas
no
Brasil.
Disponível
em:
<http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/os-jesuitas-no-brasil.htm>
Acesso
em
Maio/2010.
29
Sete Povos das Missões6.
Estas últimas sete reduções faziam parte das trinta missões jesuíticas guarani
que formavam a Província Jesuítica do Paraguai, a qual iniciou em 1610, com a
fundação da redução de San Ignacio Guazu, do outro lado do Rio Uruguai, conforme
mapa na página 23.
Desse modo, por ficarem situadas à esquerda do rio Uruguai, e também
terem sido fundadas em uma época posterior às primeiras reduções, configurou-se o
território dos Sete Povos das Missões, a partir de um olhar que integrava essa
grande comunidade – das trinta reduções jesuíticas, mas que se diferencia por esse
território estar hoje em território brasileiro.
A esse respeito, é importante a contribuição de Erneldo Schallenberg (1982,
p.50), quando diz que “... os sete povos das missões fizeram parte de um conjunto
maior de Trinta Povos”. O que equivale a dizer que os sete povos missioneiros
tiveram sua estrutura político-administrativa nos mesmos moldes dos outros povos
jesuíticos guarani e não se constituíram em nenhuma experiência política autônoma.
Segundo Schallenberger, tendo “... passado três décadas da fundação da
última das reduções jesuíticas guarani do chamado Sete Povos das Missões, viviam
nelas aproximadamente 34.000 índios”. (2006, p. 119)
As reduções tinham também uma economia complexa e com tecnologias
consideradas de nível elevado para aquela época, com profissionais de várias áreas
atuando na fabricação de cerâmicas, esculturas, instrumentos musicais, pintura e
arquitetura, além de produtos oriundos da metalurgia. Refere, ainda, a mesma obra:
“[...] os monumentos em ruínas e os trabalhos arqueológicos revelam que a
experiência humana e ecológica acumulada nas missões jesuíticas desafia os
modelos sociais, políticos e econômicos contemporâneos”. (SCHALLENBERGER,
2006: p.119).
6
Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul - vol. 4 da Série de 20 fascículos publicados por Já
Porto Alegre Editores. Encartado no Jornal Zero Hora - Porto Alegre/RS. 1998.
30
Figura 5: Fachada frontal da Igreja de São Miguel Arcanjo, numa das Sete Reduções Jesuíticas, em
São Miguel/RS.
Fonte: Acesso internet: http://origin.viajeaqui.abril.com.br/fotos/ em setembro/2009. Foto: Jorge
Medditsch.
Figura 6: Museu das Missões, projetado pelo famoso arquiteto Lúcio Costa, em São Miguel/RS.
Fonte: Acesso internet: www.margs.rs.gov.br/imprensa_releases_abert.php em setembro/2009.
Foto: Liane Neves.
No prefácio da obra de Quevedo o historiador Arno Alvarez Kern faz uma
interessante observação ao dizer que as Missões Jesuíticas “[...] foram uma bem
sucedida tentativa política das monarquias despóticas absolutistas de defesa do
Império Espanhol” (1977, p. 9), e que, portanto, são “[...] a base dos sonhos
temporais jesuíticos de ocupação territorial do continente sul-americano [...], numa
época de crenças nas leis divinas e após os embates da contra-reforma [...]” (Idem).
31
O Tratado de Madrid, em 1750, firmado pela Espanha e Portugal, determinou
a troca da Colônia de Sacramento7, hoje lugar em que se localiza a República
Oriental do Uruguai, pelo território que ficava localizado à margem oriental à
esquerda do Rio Uruguai, pelos Sete Povos das Missões, determinando assim os
novos limites e fronteiras da região.
Assim sendo, cerca de 30 mil índios deveriam, levando consigo seus
pertences e gado somente, abandonarem os Sete Povos Missioneiros, deixando
para trás suas construções, roças, ervais, migrando para o Oeste da região.
Com essas exigências do chamado Tratado de Madrid, a História contou em
suas páginas um de seus mais tristes episódios: o início do fim dos Sete Povos das
Missões, o que desencadeou a Guerra Guaranítica (1754-1756).
De tempos em tempos aparece alguém na mídia escrevendo sobre um
assunto que diz respeito aos Sete Povos das Missões. Por exemplo, mais
precisamente no dia 23 de setembro de 2009, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre,
que tem uma das maiores tiragens do Rio Grande do Sul, publicou o artigo8 do
escritor Alcy Cheuiche, que serve para observarmos as abordagens feitas na mídia a
respeito do tema “missões jesuíticas” nos dias atuais.
Portanto, a experiência missioneira das reduções jesuíticas foi um processo
histórico que durou quase um século e meio, ou seja, de longa duração, e não foi um
Estado organizado isoladamente, independente, ou mesmo um projeto utópico de
uma sociedade perfeita e sim dependente do Império Espanhol.
7
Situada na margem norte do Rio da Prata, esta colônia foi fundada em 1680 pelos portugueses
(hoje território onde se localiza o Uruguai). Motivo de disputa repetida por parte das duas potências
ibéricas, Espanha e Portugal, devido à posição estratégica que ocupava nas rotas do comércio de
metais preciosos, a colônia do Sacramento viria a ser entregue à Espanha em 1750, nos termos do
Tratado de Madrid. (trocada pelo território dos Sete Povos Missioneiros). Colônia do Sacramento. In
Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-05-25]. Disponível na www:
<URL: http://www.infopedia.pt/$colonia-do-sacramento>.
8
No artigo o escritor fala da missão de paz dos padre jesuítas que vieram para o Sul do Brasil,
fundarem as primeiras reduções jesuíticas-guarani, em 1610; da Lei brasileira que inscreve o nome
do índio Sepé Tiarajú no livro dos Heróis da Pátria; contando como viveu e morreu o mesmo e ainda
do reconhecimento das ruínas da redução de São Miguel Arcanjo, um dos Sete Povos Missioneiros,
como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
32
Figura 7: Sepé Tiaraju
Fonte: BOTTESELLE, set/2009
Assim, os sonhos mais generosos dos jesuítas, de igualdade, religiosidade,
de um espaço ilimitado de liberdade e da autonomia utópica representada na figura
do índio Sepé Tiaraju, transformaram-se no mais terrível dos pesadelos.
1.3 A EDUCAÇÃO NOS SETE POVOS DAS MISSÕES
Ratio Studiorum
Primeira compilação de regras de estudo para normatizar o trabalho
desenvolvido nos colégios jesuítas, em 1599, descrevendo procedimentos
para a elaboração de planos, programas e métodos de estudo, delimitando
tempos e espaços de trabalho e de convivência. Apresenta o ideal de
formação humana característico dos colégios da Companhia de Jesus, além
de estabelecer objetivos, conteúdos e metodologias com orientações
precisas para mestres e estudantes. Neste documento está configurado um
modo particular de ser e de fazer educação, no qual o aluno aparece como
a figura central do processo pedagógico. (Escrito pelo Padre Inácio de
Loyola, da Companhia de Jesus).
DIAS, Geraldo Aparecido. A PEDAGOGIA JESUÍTICA: UMA LEITURA DO
RATIO STUDIORUM. Dissertação de Mestrado em Educação – 2002, p. 88
- Faculdade Metodista de Piracicaba. São Paulo/SP.
33
Figura 8: Ratio Studiorum.
Fonte: DIAS, 2002, p. 88.
A história da educação no Brasil, como se construiu e se projetou, certamente
merece um estudo à parte, principalmente se observarmos como era a educação
nos tempos das reduções jesuíticas no sul do Brasil, mais precisamente nos Sete
Povos das Missões.
Vimos anteriormente o modo como ocorreu o processo que resultou na
chegada, na instalação, e no funcionamento, com seus objetivos, dos Sete Povos
das Missões, pelos padres jesuítas, bem como os motivos que os levaram ao
abandono. Obviamente que, no caso deste estudo, o assunto que nos interessa,
mesmo não inserido no tema por inteiro, é o que trata da educação proposta e
realizada pelos jesuítas.
Isso no leva a refletir sobre alguns aspectos levantados por Dermeval Saviani
(2008) em sua obra “História das Idéias Pedagógicas no Brasil”, na qual ele divide
essa história em quatro partes:
1) No espaço entre os anos de 1549 a 1759, que ele denomina de monopólio
da vertente religiosa na pedagogia tradicional;
2) de 1759 a 1932, quando há a coexistência entre as vertentes religiosa e
leiga na pedagogia tradicional;
3) de 1932 a 1969, quando acontece o predomínio da pedagogia nova, e
34
4) de 1969 a 2001, quando configura-se a concepção da pedagogia
produtivista.
Trata-se de uma abordagem, sendo que agora nos interessa apenas
compreender o primeiro período por ele delimitado, para o desenvolvimento desta
pesquisa:
Que rumo tomarão as idéias pedagógicas no Brasil? Os eventos a
partir dos quais foram definidos os marcos da periodização são os
seguintes:
-1549: Chegada ao Brasil dos primeiros jesuítas chefiados pelo
Padre Manoel da Nóbrega.
Há, com efeito, razoável consenso entre os pesquisadores que é
com a chegada dos jesuítas que tem início, no Brasil, a educação formal,
sendo, portanto, a partir desse momento que podemos falar, em sentido
próprio, de circulação de idéias pedagógicas.
-1759: Expulsão dos jesuítas pelo Marques de Pombal.
Instituindo colégios e seminários, os jesuítas exerceram o
monopólio do ensino até sua expulsão, o que confere um caráter orgânico a
todo esse período marcado pelo pleno domínio das idéias pedagógicas
classificadas no âmbito da concepção tradicional em sua vertente religiosa.
A partir de 1759, através das reformas pombalinas da instrução
pública, abre-se espaço para a circulação das idéias pedagógicas
inspiradas no laicismo que caracterizou a visão iluminista. (SAVIANI, 2008,
p.15).
Retomando a questão da educação nas reduções jesuíticas guarani,
[...] não se deu sem conflitos no aculturamento religioso imposto pelos
jesuítas aos indígenas na desconstrução simbólica de mitos e crenças que
davam coesão aos grupos tribais guaranis para uma linguagem cristã. As
práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino escolar, assim como na
música, dança e artes cênicas foram usadas pelo educador jesuíta no
educando guarani. (SCHALLENBERGER, 2006, p. 133).
Ainda, segundo o mesmo autor: “... criaram gramáticas e dicionários, e
produziram textos catequéticos e político-sociais, procurando organizar a realidade
cultural expressa na língua guarani” (2006, p. 133).
Assim sendo, Schallenberger (2006, p.134-135), na sequência do texto, diz
que, dominando a língua guarani, os jesuítas infundiram na alma dos índios um
sistema de representações, que para eles eram tradicionais, de categorias e
símbolos na linguagem de sonhos e representações “o guarani não deixou de
sonhar, mas não sonhou mais como guarani” (MELIÀ, 1987, p.9-21 apud
35
SCHALLENBERGER, 2006, p.134-135).
Figura 9: Claustro da Redução de São Luiz – Início do séc. XX
Fonte: NASCIMENTO, 2006, p. 10
O ensino nas reduções jesuíticas guarani fundamentou-se, basicamente, nos
princípios da doutrina cristã:
Havia, contudo, escolas de ler, escrever e de música. Não eram os
missionários os mestres dos filhos da elite local (filho dos caciques, dos
corregedores), mas de índios que se destacavam e conseguiram culturas
superiores à comum e demonstravam notável vocação para o ensino.
(SCHALLENBERGER, 2006, p.135).
Já na visão de Kern:
Não se pode exigir que, em pleno século XVII, os jesuítas tivessem
criado nas Reduções-Doutrinas um sistema educacional intensivo e
extensivo, como o que existe em algumas nações atuais. Com apenas dois
missionários em cada Missão seria materialmente impossível este tipo de
realização, mesmo que ele existisse na época. [...] nem nas Missões dos
jesuítas, nem nas de qualquer outra ordem religiosa, nunca foram instalados
colégios. Estes eram um privilégio apenas de alguns centros maiores.
(1982, p. 118).
Segundo Meliá “a catequese educacional atingia toda a redução, as crianças
diariamente, nas escolas, e os adultos aos domingos, indiretamente, por meio das
crianças” (1969, p.174). O ensino da doutrina cristã era feita usando o método de
recitação e repetição. A memorização assim induzia a linguagem cristã.
36
Diante desse cenário, ainda hoje, de certa forma, os PPPs escolares são uma
espécie de Ratio Studiorum que normatizam o ensino nas escolas pesquisadas,
incluindo nos currículos, muitas vezes de forma oculta, os significados da cultura
missioneira,
com
suas
lendas
e
tradições
(re)inventadas
e
negociadas
constantemente, contribuindo assim na formação da identidade missioneira na
população local.
Se as reduções jesuíticas guarani abriram um espaço de imposição da cultura
européia à cultura guarani, é no espaço do cotidiano escolar que aparecem e se
apresentam os estudos das representações do imaginário missioneiro guarani, com
a intenção de alcançar determinados objetivos pedagógicos.
Portanto, podemos concluir que houve, na educação das reduções jesuíticas
guarani, uma tutela educacional dos missionários, buscando manter um prestígio e
um vínculo entre os guarani e os missionários.
Assim hoje, com um discurso educativo, a escola apropria-se da obra dos
jesuítas – da utopia missioneira – usando para isso um conjunto de temas, imagens,
lendas e argumentos; das criações da literatura e da historiografia, usando as
referências
do
passado
reducional,
na
tentativa
de
encontrar
conceitos
contemporâneos que caracterizem a população local como um povo missioneiro.
2 O MISSIONEIRO
2.1 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MISSIONEIRA
“Esta terra tem dono!” frase atribuída ao herói missioneiro, o índio
Sepé Tiaraju.
O que significa ser missioneiro?
É para responder esta pergunta, ou na
tentativa de compreendê-la, que debatemos a ocupação espanhola e portuguesa
neste território localizado ao sul do continente americano, e que se chama Rio
Grande do Sul, mais especificamente nos Sete Povos Missioneiros, através da
atuação da Companhia de Jesus nas denominadas Reduções Jesuíticas Guarani.
Como é próprio do ser humano fazer questionamentos, não raros são os
momentos em que perguntam o que significa ser “missioneiro”. A resposta, que a
princípio parece ser simples, requer algumas considerações mais complexas:
O gaúcho missioneiro é o elemento cultural típico da região
conhecida como Missioneira. Entendemos que sua principal diferença em
relação ao gaúcho da campanha possa ser explicada pelo uso de
referências ao passado reducional, apresentado para ser seu, e que elabora
uma relação muito peculiar com a terra.
O gaúcho missioneiro tende a se apresentar, através de cantos,
contos, lendas e poesias, como um elemento fortemente ligado à região e à
defesa da terra, requerendo-a como propriedade histórico-cultural. Um
exemplo dessa relação dos grupos locais com a terra encontra-se na
repetição constante do que teria sido a figura e o grito de Sepé Tiaraju:
“Esta terra tem dono"! (POMMER, 2009, p. 62-63).
É importante, porém, completar a pergunta inicial, questionando se ainda
“existe” o missioneiro, original, intocado, puro; e quais as outras qualificações do
tipo, qual sua identidade atual.
Questiona-se, ainda, se a população regional, ou ao menos uma grande parte
dela, que se imagina “missioneira”, seria resultado de representações do imaginário
missioneiro
e
guarani,
ou
seja,
se
o
modo
de
ser
do
índio
guarani
transformado/influenciado caracteriza o modo de ser do missioneiro.
Passei então a analisar o significado de identidade, usando como forma de
38
dar suporte às reflexões, teóricos que já elaboraram estudos e obras nesse sentido,
como Stuart Hall, em A centralidade da cultura, na qual nos diz que:
A identidade não emerge de um centro interior e verdadeiro,
supostamente “autentico”, mas do diálogo entre os conceitos e definições
que são representados para nós pelos discursos de uma cultura e pelo
nosso desejo (consciente ou inconsciente) de responder aos apelos feitos
por esses significados, de sermos interpelados por eles...”.
O que denominamos “nossas identidades” poderia provavelmente
ser melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas
diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”,
como se viessem de dentro, mas que sem dúvida são ocasionadas por um
conjunto de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências únicas e
peculiarmente nossas, como sujeitos individuais (HALL, 1997, p. 15).
Segue o mesmo autor nos dizendo:
[...] nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente. Devemos
pensar as identidades sociais como construídas no interior da
representação, através da cultura, não fora delas. Elas são o resultado de
um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior
das definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos
subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas subjetividades são, então,
produzidas de modo discursivo e dialógico (HALL, 1997, p.26-27).
Dentro desse contexto, e ainda segundo Hall, podemos identificar três
diferentes tipos de identidade:
[...] a primeira é a do homem centrado em si próprio, originada no
Iluminismo; a segunda, é aquela em que o indivíduo se coloca em relação
aos demais, é a da sociologia; e por último, a denominada por ele de pósmoderna, em que o homem é móvel e múltiplo segundo o momento e o
local, ou seja, no tempo e no espaço em que se encontra (1977, p. 26-2728).
Nessa compreensão, os questionamentos de quem somos e de onde viemos
se constituem elementos essenciais para a análise das condições que explicam a
formação identitária de um determinado grupo de pessoas. Isso se explica ainda em
Hall, para quem “[...] as identidades são construídas por meio da diferença e não
fora dela [...]” (2005, p.106) e as identidades são mais “[...] o produto da marcação
da diferença e da exclusão do que o signo de uma identidade idêntica, naturalmente
constituída, de uma identidade em seu significado tradicional” (Idem).
Diante disso, pode-se dizer que o que define a identidade vai depender,
39
basicamente, da concepção que temos de “cultura”, e como ela se constitui. E,
ainda, que o que caracteriza o indivíduo é aquilo que o une à sociedade na qual ele
se inclui, ou seja, a idéia de identidade é a idéia que tem de si mesmo.
No presente caso, exemplificando o missioneiro, pode-se dizer que alguns
costumes, rituais e modos de como se organizaram e viveram as antigas aldeias dos
pueblos
das
reduções
jesuíticas
guarani,
seguindo
um
rígido
plano
de
administração, foram e ainda são importantes na formação da identidade
missioneira:
As missões situadas no território gaúcho, fizeram parte de um
sistema econômico-social que abrangeu extensas regiões hoje integradas
na Argentina, no Brasil e no Paraguai.
Convencionou-se chamá-la de República Guarani, mas, não existiu
um Estado Missioneiro no sentido moderno da palavra. Durante muito
tempo essas comunidades se denominaram “reduções”, do fato de que
nelas os indígenas eram “reduzidos” à fé e a civilização. Generalizaram-se
depois o termo missões e o gentílico missioneiros (FREITAS, 1982, p. 17).
Nesse sentido, Brum, em artigo publicado na Revista Anthropológicas, diz o
seguinte:
[...] o povo missioneiro tem a base inicial de sua formação étnica
nos índios, portugueses e espanhóis (origem do gauche ou gaúcho,
9
10
andarengo e peleador no período pós-jesuítico-guarani), que contribuiu
decisivamente para a formação cultural do atual gaúcho e sua forte
11
identidade em defesa de sua terra .
Nessa compreensão, de que o missioneiro tem sua “base inicial de formação
étnica nos índios, portugueses e espanhóis”, devemos ressaltar que, passados mais
de trezentos anos, a formação étnica do “missioneiro”, hoje, é constituída por
diversos grupos sociais, de várias etnias como, além das citadas acima, negros,
alemães, italianos, poloneses, franceses, russos, entre outros.
Retomando a questão da identidade missioneira, cita-se como exemplo de
representação produzida nas missões, a figura histórica e mitológica do índio Sepé
9
Andarengo: caminhador, andador, andejo, pessoa que viaja constantemente a cavalo (in: Dicionário
de Regionalismo do Rio Grande do Sul).
10
Peleador: pelejador, lutador, brigão, turbulento, rixento (in: Dicionário de Regionalismo do Rio
Grande do Sul).
11
Artigo de Ceres Karam Brum, UFSM/RS.
40
Tiaraju, no sentido de uma idéia de pertencimento que é reinventada a todo o
momento.
Vejamos o que nos diz Ceres Karan Brum, na tentativa de compreendermos
como se constrói uma identidade missioneira, percebida através da construção de
uma imagem de um grupo ou de uma sociedade, que confere a si mesma a figura de
um mito, “[...] ao apresentar e analisar algumas representações a cerca da figura
histórica e mitológica do índio guarani-missioneiro Sepé Tiaraju produzidas no Rio
Grande do Sul”:
Essas representações se configuram em narrativas sobre o
passado missioneiro, demonstrando a existência de um imaginário em
relação às Missões e ao gaúcho elaborado a partir de representações em
torno do índio Sepé, que se referem à diversidade de relações
estabelecidas com este passado no presente e ao processo de construção
das identidades regionais no estado do Rio Grande do Sul. O estudo das
representações sobre o passado missioneiro e sobre a figura de Sepé
Tiaraju é enfocado como um problema antropológico relativo à influência de
um evento assado na construção do presente dos grupos sociais, ou seja,
na necessidade de se pensar no processo de construção dos mitos a partir
12
da historia e suas apropriações .
A
(re)construção
da
identidade
missioneira
foi,
e
continua
sendo
seguidamente negociada, definida e perpassada pelas disputas entre os grupos
sociais que se formaram e se formam, quando desejam impor sua supremacia, nas
relações de poder que se estabelecem, ajustando o ser humano a um sistema
social, através de regras, de símbolos, de instrumentos de comunicação, do sentir e
do pensar como membros pertencentes dessa sociedade.
Pode-se também dizer que essa identidade cultural missioneira resultou da
formação histórica, através de símbolos, de fontes de informações, de sistemas de
significados, que deram formas, objetivos e direção ao comportamento humano,
pautando assim as posições assumidas e com as quais nos identificamos.
Um exemplo disso pode ser visto nas narrativas em torno da figura do mitoherói-missioneiro, o índio Sepé Tiaraju, quando uma comunidade (ou uma grande
12
“Esta terra tem dono”: Representações do passado missioneiro no Rio Grande do Sul. O mito de
Sepé Tiaraju. Artigo de Ceres Karam Brum, Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da
Educação da Universidade Federal de Santa Maria, RS.
41
parte dela) se mobiliza para construir uma estátua que o imortalize e que a
represente, mesmo que como uma hipótese, amparada na experiência histórica das
missões como sendo sua, na história de lutas e resistências do que se optou chamar
de utopia missioneira.
Comprova-se esse exemplo pela construção de uma estátua paisagística que
representa a figura do índio/mito/herói Sepé Tiaraju,13 em São Luiz Gonzaga/RS, um
dos Sete Povos Missioneiros, colocada no principal trevo de acesso rodoviário à
cidade, na BR-285.
É interessante observar no depoimento de uma pessoa que é um verdadeiro
misto de artesão e escultor, ao descrever sua obra, como aparece a importância do
sentimento de ser um missioneiro, parte integrante de uma comunidade (imaginária),
de um mundo em que eu sou aquilo que eu imagino que sou. Vejamos então o que
nos diz Moita Lopes:
A identidade não é uma qualidade inerente a uma pessoa, ela nasce
da interação com os outros, ou seja, as identidades são construídas no
discurso, sendo, portanto fragmentadas, contraditórias e ambíguas. É nesse
processo que construímos a história de nossas vidas, nossa história, a
história que contamos aos outros como nossa. Os significados que,
portanto, construímos sobre o mundo e sobre as pessoas são ideológicos,
no sentido que incorporam visões particulares e contribuem para a
produção, reprodução e transformação das relações de dominação (2002,
p. 68).
Portanto, conforme Lévi-Strauss citado por Ceres Karam Brum, em “Esta terra
tem dono”: Representações do passado missioneiro no Rio Grande do Sul. O mito
de Sepé Tiaraju: “[...] o mito tem por objetivo resolver as contradições entre o
passado e o presente [...]” (1996, p.241), dando a dimensão exata desse sentimento,
cultuado pelos que se dizem missioneiros, cuja idéia de pertencimento é reinventada a todo o momento.
Por fim, ao pesquisar nas escolas missioneiras referidas neste trabalho,
veremos, nos capítulos finais, como essa identidade missioneira aparece nos
currículos escolares, cumprindo uma função de expressão cultural nas práticas
13
Ver informações fornecidas pelo idealizador e construtor da obra, o escultor Vinícius Ribeiro, em
anexos.
42
educativas, e que, por isso mesmo, tem que ser observada, na tentativa de se
compreender como ela aparece e atua.
2.2 AS TRADIÇÕES RE(INVENTADAS)
Durante muito tempo, até meados da década de 1960, os Sete Povos das
Missões, assim como o termo “missioneiro”, não eram muito divulgados, quase que
esquecidos pela mídia, tanto local e regional como nacional. As Missões pareciam
ser um lugar imaginário e ao mesmo tempo real, no mapa do Estado do Rio Grande
do Sul. Além de suas fronteiras, apareciam em algumas obras literárias e ensaios
acadêmicos.
Em relação ao tempo e ao espaço dos Sete Povos das Missões, é importante
a contribuição de Stuart Hall, na sua obra A Identidade Cultural na PósModernidade. Nela o autor destaca a questão de tempo e do espaço na
construção/invenção das tradições: “Todas as identidades estão localizadas no
espaço e no tempo simbólicos” (1997, p. 76).
Hall propõe, para que se possa verificar as construções de identidades e as
re-invenções de tradições:
Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas “geografias
imagináveis” (SAID, 1990): suas “paisagens” características, seu senso de
“lugar”, de “casa/lar”, ou heimat, bem como suas localizações no tempo –
nas tradições inventadas que ligam passado e presente, em mitos de
origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de
nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais
amplos, mais importantes. Podemos pensar isso de uma outra forma: nos
termos daquilo que Giddens (1990) chama de separação entre espaço e
lugar. O “lugar” é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado; o
ponto de práticas sociais específicas que nos moldam e nos formam e com
as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas (1997, p.76).
Diante disso, podemos entender que o espaço missioneiro constitui-se e
identifica-se ao demarcar fronteiras simbólicas, definindo assim o que faz parte ou
não de seu território, através da memória elaborada a partir de uma interpretação
periodicamente negociada, dos costumes populares, atravessada por relações de
poder entre grupos sociais que procuram impor imagens e valores, como interpretar
43
hinos, escolher a língua oficial, re-construir mitos e heróis e eternizá-los em
monumentos paisagísticos, etc., com o objetivo de definir “quem somos nós”.
Nesse sentido, a escola exerce papel importante na(s) re-invenções das
tradições, que são definidoras do que é ser missioneiro e as características desse
povo, ou seja, o missioneiro como uma proposição que configura um etnotipo
delimitador de espaços que correspondem a um conjunto de elementos, de
pertencimentos, que geram identidades com suas especificidades locais, que se
relacionam com características sociais convencionadas para generalizar o conjunto
que forma esse território.
Cabe aqui, a esse respeito, uma reflexão sobre o que nos diz Hobsbawn na
conceituação de tradições:
Por tradição podemos entender o conjunto dos testemunhos e
práticas conservados ou desaparecidos, de uma antiguidade tal que não se
pode determinar facilmente sua origem e localização. A tradição serve como
reforço de legitimidade às práticas atuais de forma que se pode determinar
a moral e a validade de determinadas circunstâncias ou comportamentos.
Para Hobsbawn nem todas as tradições possuem uma origem
distante, indeterminada, antiga. Muitas delas são inventadas, recentes e
formalmente institucionalizadas. Para justificar sua hipótese apresenta
vários exemplos de tradições ‘inventadas’ principalmente entre os
britânicos.
Neste sentido, a tradição inventada tem objetivos ideológicos,
legitimadores das relações de status nas sociedades de classe. Veja sua
definição:
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade com o passado. (HOBSBAWN,1997, p.
9)
Essas considerações são importantes no contexto desta pesquisa, na medida
em que uma história regional se constrói também pelo ensino nas escolas, nas
raízes que unem, ao menos a parcela da população que se diz missioneira, a uma
tradição (regional) na construção histórico-cultural, sendo filhos e seguidores dessas
tradições. Isso acontece como uma proposta de transmissão dessa identidade às
novas gerações, para que vivam e sobrevivam com esse açulo de sentimentos,
hábitos, costumes, etc., pois mesmo que se oponham a ela, não podemos destruí-la
ou mesmo negá-la totalmente.
44
Por outro lado, os conceitos de Stuart Hall, quando trata da identidade e das
tradições, servem como referencial de análise e interpretações, particularmente no
caso desta pesquisa, pois observa-se que, ao longo dos anos, a formação do povo
da região missioneira tem se constituído a partir da mestiçagem e de um hibridismo
cultural do índio e do negro escravizados, junto aos mais variados grupos de
imigrantes que para a região vieram, especialmente a partir do século XIX,
permitindo um enriquecimento que se deve a um multiculturalismo.
Nos últimos anos, os movimentos sociais têm estado presentes na tentativa
de resgatar a história indígena no Brasil e consequentemente atuando também na
região dos Sete Povos das Missões. O CIMI – Conselho Indigenista Missionário,
cujo lema é: “a causa indígena é de todos nós”, tenta resgatar a cultura e as
tradições indígenas, promovendo encontros, debates, visitas, assembléias regionais
e continentais, reunindo descendentes de índios guarani, e estimulando todas as
formas de ações que levem à união e autonomia do povo Guarani.
Esse exemplo serve para mostrar como a re-construção de tradições
acontece no cotidiano de nossa época. Cabe ressaltar que, como integrantes desses
movimentos sociais, destacam-se hoje lideranças políticas como o ex-deputado
estadual Frei Sérgio Gorgen e o Irmão Antonio Cechin, em suas assessorias. Por
ocasião da comemoração dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju, reuniram-se em
São Gabriel14, local onde supostamente foi morto o mito-herói guarani-missioneiro.
Retomando os conceitos referenciais de Stuart Hall e Eric Hobsbawn, já ditos
neste capítulo quando abordam a questão da identidade e tradição, podemos
concluir que identidade não é o mesmo que cultura, pois a identidade que
caracteriza o indivíduo é aquilo que o une à sociedade na qual ele se inclui,
considerando sua classe (social/econômica), gênero, família, crença, religião, etc.
Portanto, neste caso, os costumes e rituais, o modo como estão estruturados,
a língua em comum, são importantes na elaboração/construção/reconstrução da
identidade missioneira, que traçou a sua história pelas caminhadas em busca do que
14
Ver a transcrição de parte de uma das atividades realizadas em anexo.
45
denominou yvyju miri – terra perfeita ou então yvyju maraey – terra sem males.
2.3 O FOLCLORE
Abordar o folclore missioneiro, pelo próprio interesse da pesquisa, que abarca
e compreende o espaço geográfico em questão - São Luiz Gonzaga, uma das sete
cidades/reduções jesuíticas das Missões, com seus trezentos anos de existência,
além da importância do estudo histórico, nos leva a considerá-lo sob diferentes
matizes, com suas características ímpares no Continente Americano, principalmente
seus cantos, que muito encantam.
Por incentivo e influência da escola e da “estação de rádio”, “curtindo” as
músicas de raiz missioneira, encontramos em Canclini a explicação teórica das
músicas, dos cantos, pajadores, poetas e cantores:
Por discutíveis que pareçam certos usos comerciais de bens
folclóricos, é inegável que grande parte do crescimento e a difusão das
culturas tradicionais se deve à promoção das indústrias fonográficas, aos
festivais de dança, às feiras que incluem artesanato e, é claro, à sua
divulgação pelos meios massivos. A comunicação radiofônica e televisiva
ampliou, em escala nacional e internacional, músicas de repercussão local,
como ocorre com o valse criollo e a chicha peruanos, o chamamé e os
cuartetos na Argentina, a música nordestina e as canções gaúchas no
Brasil, os corridos revolucionários mexicanos, incluídos no repertório dos
que divulgam a nova música nos meios eletrônicos.
Mas todos esses usos da cultura tradicional seriam impossíveis
sem um fenômeno básico: a continuidade da produção de artesões,
músicos, bailarinos e poetas populares, interessados em manter sua
herança e em renová-la (CANCLINI, 1997, p. 217).
Esse é, sem dúvida alguma, o caso da comunidade missioneira de São Luiz
Gonzaga, que usa e negocia como referência a história da utopia guarani, mesmo
que em determinados momentos com modelos forjados, que partem de uma análise
trabalhada em cima do modo em que viviam os índios guarani antes das reduções e
depois da organização dos povoados missioneiros, através de representações como
a música, que é hoje uma das formas mais evidentes dessa construção, com
narrativas que se referem à elaboração da memória coletiva.
Antes de prosseguir, se folclore é uma referência, vejamos então o que o
46
termo significa, segundo alguns autores:
[...] o folclore não é, como se pensa, uma simples coleção de fatos
disparatados e mais ou menos curiosos e divertidos; é uma ciência sintética
que se ocupa especialmente dos camponeses e da vida rural e daquilo que
ainda subsiste de tradicional nos meios industriais e urbanos. O folclore ligase, assim, à economia política, à história das instituições, à do direito, à da
arte, à tecnologia, etc., sem, entretanto confundir-se com estas disciplinas
que estudam os fatos em si mesmos, de preferência a sua reação sobre os
meios nos quais evoluem [...] (LAYTANO, 1984, p. 11).
O que se observa é que a música está sempre presente em qualquer
conceituação que se encontre na definição de folclore. Durante toda a minha
infância, desde a idade escolar, sempre esteve presente na sala de aula a música
(vamos usar essa definição neste momento), como tradicionalista, gaúcha, da terra,
nativista, de galpão, e mais recentemente missioneira.
São inúmeros os eventos que acontecem, de tempos em tempos, em que a
música serve como pano de fundo para manifestações populares, na tentativa de
incrementar a produção local, permitindo assim a continuidade da produção de
artesões, músicos, bailarinos, poetas, pajadores populares, todos voltados no
sentido de manter e renovar a herança guarani15.
15
Ver em anexo alguns deles que lembram em suas letras musicais (composições) os belos cantos
missioneiros.
47
Figura 10: Grupo Fogo de Chão
Fonte: www.nocompassodoriogrande.com.br
Obs.: Foto cedida por Irene Gomes, Diretora da Rádio Digital No Compasso do Rio Grande “a música
com sabor de mate e romance”, que informou o seguinte: “Ela mostra o Grupo “Fogo de Chão”
quando se apresentava no 2º Canto dos Sete Povos das Missões - São Luiz Gonzaga/RS”. Fonte:
www.nocompassodoriogrande.com.br.
Em outro evento, o Encontro Internacional de Chamameceros, vemos uma
manifestação popular em que novamente aparece a música como elemento
importante do folclore regional.
Na foto e nos textos abaixo observarmos como se expressa a idéia de um
acontecimento que se tornou tradicional na vida da cidade de São Luiz Gonzaga,
com a organização de um Encontro Internacional de Música, no caso o ritmo
chamado popularmente de chamamé16, o qual tem crescido a cada ano que passa e
já está em fase de organização de sua sétima edição, que acontecerá em janeiro de
2011, tendo cinco noites de apresentações, sem caráter de disputa, com cantos,
danças, e um público médio de três mil pessoas a cada noite17.
16
Chamamé: Corre solto pelo Rio Grande do Sul um ritmo musical contrabandeado da Argentina. O
principal gênero de música folclórica do nordeste argentino, o chamamé, avança sobre o Estado,
formando uma legião de apreciadores e enriquecendo o repertório das canções regionais. Ritmo
folclórico argentino, originou-se na província de Corrientes. A palavra chamamé não é nem guarani e
nem espanhola. Por isso, não há uma tradução para chamamé. Para os argentinos, chamamé
significa "senhora ama-me". No Brasil, a palavra tem o significado de "chama-me para bailar" ou
"aprochegar-se de mim". Fonte: Página do Gaúcho - Reportagem de Mauro Maciel, publicado na
edição de 01 de maio de 2004 no periódico Zero Hora. Publicado por Roberto Cohen em 01/05/2004.
17
Ver exemplo da grande expectativa desse encontro na região, no site da Rádio Progresso de Ijuí
quando da divulgação do evento, em anexo.
48
Figura 12: Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga
Fonte: http://encontrodechamamecerosemslg.blogspot.com
Figura 11: V Encontro Internacional de Chamameceros realizado em São Luiz Gonzaga/RS, em
Janeiro/2oo9. Autor Desconhecido – Material de Publicidade
Fonte: Xbox 60 vídeos - http://www.xbox360videos.com/index.php?key=SAOLUIZ Acesso em
Junho/2010
HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DO ENCONTRO INTERNACIONAL DE
CHAMAMECEROS - Galpão da Família Guedes, em São Luiz Gonzaga.
Em São Luiz Gonzaga, nesta cidade rica em folclore missioneiro,
gaúcho, mais precisamente no Galpão Ameríndio Guarani Missioneiro, de
Jorge Guedes "Guga", surge a idéia de unir num só ritmo de chamamé, sem
fronteiras, os chamameceros brasileiros, argentinos, paraguaios e
uruguaios. O trio idealizador deste evento internacional é formado pelos
18
amigos Luiz Carlos Borges, Yamandú Costa e Jorge Guedes .
18
Consulta
Internet:
ENCONTRO
INTERNACIONAL
DE
CHAMAMECEROS:
<http://encontrodechamamecerosemslg.blogspot.com/ Acesso em novembro/2009
49
Assim, o olhar regionalista do folclore missioneiro, através das manifestações
populares, apresenta uma forte característica dos denominados povos missioneiros,
com a temática guarani, cujo legado as missões jesuíticas nos deixaram: Arte
Guarani Missioneira.
Assim sendo, a aparente contradição entre a cultura tradicional indígena
guaranítica e os valores de uma sociedade espanhola, nos remete aos dias de hoje,
com a ideologia liberal globalizada, que segundo Immanuel Wallerstein, um dos
maiores críticos da chamada globalização capitalista, quando diz que:
A história do sistema-mundo moderno tem sido, em grande parte, a
história da expansão dos povos e dos Estados europeus pelo resto do
mundo. Essa é a parte essencial da construção da economia-mundocapitalista. Na maioria das regiões do mundo, essa expansão envolveu
conquista militar, exploração econômica e injustiças em massa [...] (2007,
p.29).
Portanto, podemos questionar que direito tinham os conquistadores
espanhóis contra os povos indígenas? E assim mesmo, a história regional dos
missioneiros, nos Sete Povos das Missões, a sua cultura local hoje, é um marco de
resistência cultural a essa globalização, como uma possibilidade de construção de
uma nova ordem mundial.
2.4 AS MEMÓRIAS HISTÓRICAS
Entrefechado espinheiro
que se abre ao calor do afago,
é um caso a parte no pago
o gênio do missioneiro:
dele nos vêm as legendas
da crisma de nossa fé,
o exemplo que deu Sepé,
a tropilha azul das lendas,
as artes do Generoso,
a toada do Boi Barroso
e heranças da bruxaria...
Nem há no Rio Grande inteiro
rincão como o missioneiro
na floração da poesia...
(Hugo Ramírez, Missões).
50
A memória, os acontecimentos do passado, o que foi guardado e pesquisado,
servem para ajudar a definir a identidade.
O Tratado de Madri definiu, como já vimos anteriormente, que os Sete Povos
das Missões ficariam com Portugal, enquanto a Colônia de Sacramento ficaria
pertencendo à Espanha, assim ficou definida a configuração geográfica que perdura
até hoje, lógico que não mais como terras de colônias européias, mas de um Estado
independente cujo espaço constitui os Sete Povos das Missões, que assim
demarcam uma identidade territorial.
O Instituto Histórico e Geográfico, fundado em 07 de novembro de 1984, em
São Luiz Gonzaga/RS, cujo acervo constitui-se em importante fonte de pesquisa nas
áreas de História e Geografia, possibilita a busca das memórias missioneiras.
Figura 13: Logotipo dos 25 anos do IHGSLG
Fonte: Tipografia Cunde de Santa Rosa/RS
51
Figura 14: Placa e prédio do IHGSLG
Fonte: BOTTESELLE, set/2009
A questão do que representa a memória no cotidiano de um povo - no caso
de São Luiz Gonzaga, um dos Sete Povos das Missões – em relação aos
monumentos é fundamental para o registro histórico. Vejamos: em um dos
chamados “trevos de acesso à cidade”, nas margens da rodovia BR 285,
encontramos uma estátua representando o índio Sepé Tiarajú, como um verdadeiro
“herói missioneiro”. Em outro trevo de acesso, na mesma rodovia, inaugurou-se em
dezembro de 2009, uma nova estátua, desta vez de tamanho ainda maior – cerca de
6 metros de altura – representando o missioneiro, do pajador Jaime Caetano Braun.
Figura 15: Jaime Caetano Braun
Fonte: BOTTESELLE, Nov/2009
52
No centro da cidade, mais precisamente na Praça da Matriz, há um
monumento com o busto do Senador Pinheiro Machado19. A três quadras dali, há
uma Praça denominada Expedicionário Cícero Cavalheiro20. Sem muito esforço
podemos notar que ambas encontram-se hoje ofuscadas por outras personalidades,
na memória coletiva da população local, pois homenageiam figuras esquecidas pelo
tempo, sem lembranças do que elas representaram.
Enquanto que hoje reverenciam-se os feitos, nem sempre comprovados, de
um índio, misto de herói e mito, Sepé Tiaraju, que viveu num tempo anterior ao do
Senador Pinheiro Machado e do militar Cícero Cavalheiro.
É a partir desse enfoque, das percepções e sentimentos, que se torna
imperativo que o discurso missioneiro na comunidade em questão e nas suas
escolas apresentem a questão jesuítica-guarani como uma apropriação do passado
pelos indivíduos, visto que não podemos negar o deslumbramento que consegue
despertar o relacionamento do homem com o passado, ao longo da história.
19
Nasceu em Cruz Alta - Rio Grande do Sul, em 8 de maio de 1851. Foi um líder republicano,
Senador da República (1890-1915), fundador do Partido Republicano Conservador e Vice-Presidente
do Senado Federal. Em 1865, com quinze anos de idade, aluno da Escola Militar no Rio de Janeiro,
demonstrando a sua coragem e patriotismo, abandonou os seus estudos para combater na Guerra do
Paraguai, como alistado do Corpo de Voluntários da Pátria, onde permaneceu até 1868. Em 1893,
inicia-se a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, uma grande ameaça ao novo regime, razão
pela qual Pinheiro Machado deixa a sua cadeira de senador para combater aquele movimento
armado, organizando a legendária Divisão do Norte que heroicamente sustentou a luta contra as
forças aguerridas de Gumercindo Saraiva. Tendo derrotado os revoltosos na Batalha de Passo
Fundo, fato pelo qual foi homenageado pelo Marechal Floriano Peixoto com a patente de general,
retornou para o Senado, onde cumpriu o seu mandato até o prematuro falecimento. Foi uma
presença marcante na vida política nacional, se constituindo num dos fatores da estabilidade do
regime republicano do qual era um fiel soldado e servidor. Apoiou com o seu prestígio e força moral
vários governos republicanos, principalmente o do seu amigo e correligionário o Marechal Hermes da
Fonseca, assegurando da Presidência do Senado a estabilidade necessária à consolidação do
regime republicano em nosso país (Fonte: Personalidades do Século em São Luiz Gonzaga.
Biografias. Gráfica “A Notícia”. 2000 p. 08).
20
Nascido em São Luiz Gonzaga no dia 31 de janeiro de 1922, filho de João Cavalheiro e Vitória
Caetano, casou-se com Célia Fabrício do Nascimento no ano de 1947. No ano de 1941 alistou-se
como voluntário no Regimento A. Neves, fazendo parte do primeiro escalão de brasileiros a ir para a
Itália na Segunda Guerra Mundial. Na batalha para tomada do antológico Monte Castelo, foi vítima de
uma mina e teve parte de seus pés a parte de suas pernas dilaceradas, bem como vários ferimentos
pelo corpo todo. Ferido, ficou até a metade de janeiro de 1945 em tratamento na Itália, na cidade de
Livorno, quando foi transferido para os Estados Unidos, para tratamento e recuperação. Em
consequencia de seus ferimentos recebidos e das sequelas, veio a falecer muito jovem ainda, no dia
24 de dezembro de 1957, aos 35 anos de idade. São Luiz Gonzaga prestou-lhe uma homenagem
justa, com a denominação de praça poliesportiva com o seu nome (Fonte: Personalidades do Século
em São Luiz Gonzaga. Biografias. Gráfica “A Notícia”. 2000 p. 08).
53
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas
minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e
enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência
a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa,
a história os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que
eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a
necessidade de construí-los. (NORA, 1993, P. 13).
Ao tentar uma interpretação do passado missioneiro, através das lembranças
e da memória, da história jesuítica nos Sete Povos das Missões, os moradores
elaboram para si uma espécie de sistema articulado de idéias, de símbolos e de
representações coletivas que muitas vezes se processam sob variadas formas e em
diferentes tempos e espaços.
Essa prática, desenvolvida em diferentes contextos, pode se observar no
culto ao pajador missioneiro Jayme Caetano Braun21, hoje já consagrado muito além
da região missioneira, na manifestação popular que levou a comunidade a erguer,
na porta de entrada de sua cidade, um monumento de rara beleza que concretiza e
resgata a auto-estima de um grupo estabelecendo uma relação com seu passado.
2.5 A CULTURA MISSIONEIRA
“São Luiz Gonzaga é Um Teatro, onde a Praça é o Palco e nós
somos os Atores”. (Plínio Ivar da Rosa, arquiteto e poeta, em conversas de
mesa de bar durante uma noite de prosa, violão e cantorias, no “Bar do
Mário”, em São Luiz Gonzaga).
O sentido e o significado das palavras mudam com o decorrer do tempo.
Assim, cultura – termo latino que surge no século XIII para designar inicialmente
uma parcela de terra cultivada, hoje reporta-se a um estado de espírito. Vejamos
inicialmente alguns conceitos a esse respeito.
21
Ver em anexo.
54
Segundo Rodriguez22, é necessário possibilitar o desenvolvimento de
situações que favoreçam o encontro cultural, reconhecendo similitudes e diferenças,
cultivando atitudes e habilidades de comunicação e respeito entre as culturas,
exercendo a crítica da própria cultura para construir configurações culturais mais
ricas, mais amplas e mais adaptadas à sociedade contemporâneas.
Para Giroux há um ganho pedagógico quando se faz uma abordagem em que
se possa “[...] nomear e discutir as múltiplas tradições e narrativas que constituem as
complexas e multi-estratificadas construções, desdobramentos e usos da identidade
nacional” (1995, p. 99).
Partindo dessa premissa para a apreensão das “[...] narrativas, histórias locais
e memórias subjugadas que foram extraídas e marginalizadas nas interpretações
dominantes da história [...]” (GIROUX, 1995, p. 103), aponta-se para uma
perspectiva de interculturalidade.
Trabalhando esse centro de culturas, a escola pode ajudar os alunos a
examinarem criticamente sua própria localização histórica, sua origem, folclore,
lendas, linguagem, entre outros aspectos.
Algumas ressalvas, no entanto, devem ser feitas. Cultura Missioneira é uma
referência à sociedade originária dos Sete Povos Missioneiros, com a instalação das
reduções jesuíticas, em um tempo linear, num processo de aculturação dos índios
autóctones (os que se originaram no próprio continente americano), pela doutrina
católica exercida pelos padres jesuítas em suas missões evangelizadoras.
Dessa forma, a sociedade guarani teve que assumir essa doutrina católica,
com suas crenças, costumes e moral cristã, o que obviamente veio a transformar
radicalmente essa comunidade indígena. Nesse sentido, é válido o que nos diz Kern:
Não foram apenas duas culturas que se defrontaram e se mesclaram,
mas igualmente duas épocas históricas que se tocaram, separadas por
séculos de desenvolvimento diferente. Nesta organização política, os
representantes destas duas sociedades, destas duas concepções de
22
RODRIGUEZ, Lúcia Helena. Hacia la reconceptualización del campo de ensenanza de la historia
desde una perspectiva para la comprensión intercultural. In: IV Congreso Iberoamericano de Historia
de la Educación Latinoamericana. Pontifícia Universidad Católica. Santiago, Chile, maio de 1998.
55
mundo, foram o cacique e o jesuíta. Juntos tentaram a síntese política
destas duas sociedades diferentes. (1982, p. 47).
No cotidiano da comunidade missioneira, a cultura é síntese, e assim recorrese novamente à poesia e à música para uma reflexão das representações, dos
sentidos e dos significados que fazem parte da vida dos indivíduos que se
consideram missioneiros, pertencentes a uma comunidade, mesmo que imaginária,
lastreada nos acontecimentos históricos.
Nas missões, mais particularmente em São Luiz Gonzaga, é comum ouvir-se
a voz dos cantores missioneiros. Hoje, talvez a que mais representa esse
sentimento cultural missioneiro seja a do poeta, cantor e compositor Pedro Ortaça23.
Podemos perceber que artistas como Pedro Ortaça fazem uma relação entre
o passado, que enaltecem e do qual sentem orgulho, com o presente, através dos
seus versos e das músicas que cantam. Assim como também evocam o passado
para reverenciar suas origens e a de seus conterrâneos da região missioneira.
É importante lembrar que os compositores missioneiros têm como referencial
de modelo a figura de Sepé Tiaraju - mito e herói, já dito anteriormente, na
construção de um gaúcho missioneiro, herdeiro da valentia e bravura do índio
guarani, elevado a símbolo maior, que corresponde à produção da memória coletiva,
cuja imagem um grupo, ou uma comunidade, almeja confiar a si mesma.
As manifestações culturais na cidade de São Luiz Gonzaga se mostram em
toda a parte e em todos os lugares, como no interior da Igreja Matriz (católica), onde
encontramos hoje várias estátuas originárias da época jesuítica e também o famoso
quadro pintado pelo Frei Armando Seibert, do extinto Colégio Santo Antônio de
Pádua, que retrata o gaúcho missioneiro servindo um “mate” à Nossa Senhora, o
qual mostramos a seguir:
23
Ver mais em anexo.
56
’
Figura 16: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão
Fonte: BOTTESELLE, Nov/2009
Obs.: Quadro Nossa Senhora do Chimarrão. Autor: Frei Armando Seibert - Personagens
retratados, olhando-se da esquerda para a direita:São Luiz Gonzaga: João Farias. Gaúcho: Roco
(vereador). Pe. Roque Gonzales: Sr. Robertinho (porteiro do Cine Lux). Nossa Senhora: mistura da
Sra. Elisabete Fabrício e da Irmã do Autor. Menino Jesus/Indiozinho: filhos da faxineira do Colégio
Santo Antônio de Pádua
A tela foi feita por volta dos anos de 1960/62, e mostra pessoas da
comunidade que serviram de “modelo” para o Frei Armando, segundo a historiadora
Professora Anna Olívia do Nascimento, Presidenta do Instituto Histórico e
Geográfico de São Luiz Gonzaga.
Observa-se assim que são muitas as manifestações culturais, algumas já
citadas ao longo deste trabalho, que mostram uma comunidade voltada, em
determinados períodos com mais ênfase, para contar a sua história - a utopia
missioneira inscrita no processo histórico que a criou - sempre re-visitando, reinventando tradições das realidades culturais guarani, do tempo dos Sete Povos
Missioneiros,
sempre
negociando
e
recriando
a
identidade
missioneira,
constantemente reposta, atualizada e evocada:
O passado de uma cultura tão rica como a guarani não pode ficar
gravado em pedra e assim permanecer petrificado com o passar dos anos.
57
O significado e as experiências vividas naquele momento histórico precisam
ser re-enquadradas, revisitadas dentro dos contextos atuais. In: Identidade
na Contemporaneidade: Cultura Guarani - Introduzindo a temática, de
Marilda Oliveira de Oliveira, artigo que é fruto de reflexões advindas da
publicação do livro “Identidade e Interculturalidade - História e Arte
Guarani”, de sua autoria (OLIVEIRA, 2004, p. 61).
Por fim, o que se pode notar é que hoje, na região dos Sete Povos
Missioneiros, as relações de hereditariedade já não funcionam mais, a não ser no
campo do imaginário, do sobrenatural. O missioneiro atualmente é um grupo social
formado por múltiplas afinidades culturais. Na questão territorial, se um dia foram
importantes as fronteiras, hoje já não têm mais sentido. Em consequência disso, a
cultura missioneira é um mosaico originário de várias etnias.
3 OS SETE POVOS DAS MISSÕES NAS ESCOLAS DE SÃO LUIZ GONZAGA
3.1 A TEMÁTICA MISSIONEIRA
Quando mencionamos a questão do discurso em relação aos currículos
escolares, foi importante também a conceituação dessas terminologias com relação
as suas aplicações práticas no cotidiano das escolas em que este estudo foi
realizado.
Do ponto de vista linguístico, discurso é definido como um encadeamento de
palavras, organizado em uma sequência de frases, seguindo regras gramaticais, e
uma determinada ordem, para que possa comunicar a outro, ou a outros, alguma
informação.
Segundo a lógica de um discurso, no momento em que pretendemos
significar algo a outro é porque temos a intenção de lhe transmitir um conjunto de
informações que, quanto mais coerentes forem, melhor serão entendidas.
Assim, podemos dizer que os discursos podem desempenhar várias funções,
baseadas na arte da manipulação ou mesmo da sugestão, visando, através de
vários meios, à persuasão do outro.
Nesse sentido, o discurso missioneiro, segundo Marilda Oliveira de Oliveira,
nos mostra que: “[...] o objetivo do discurso colonial foi sempre apresentar o
colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial,
de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução
[...]”24, ou seja, as identidades são construídas também no discurso.
Ao definir o que é um discurso, Silva (2002) observa que antes dele existe
uma teoria que, ao descrever um objeto, inventa-o, ou seja, não se limita a
descrever, descobrir ou mesmo a explicar a realidade, mas sim implica na sua
produção. Portanto, faz mais sentido falar em discurso, ou texto, do que em teorias.
24
IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: CULTURA GUARANI. Disponível
<http://publice.rdc.pucrio.br/revistaalceu/media/Alceu_n14_Oliveira> Acesso em 30. jul. 2009
em:
59
E diz ainda:
[...] uma teoria supostamente descobre e descreve um objeto que
tem uma existência independente relativamente à teoria. Um discurso, em
troca, produz seu próprio objeto: a existência do objeto inseparável da trama
linguística que supostamente o descreve [...] um discurso sobre o currículo
– aquilo que, numa outra concepção, seria uma teoria – não se restringe a
representar uma coisa que seria o “currículo”, que existiria antes desse
discurso e que está ali, apenas à espera de ser descoberto e descrito. Um
discurso sobre o currículo, mesmo que se pretenda apenas descrevê-lo “tal
como ele realmente é”, o que efetivamente faz é produzir uma noção
particular de currículo. A suposta descrição é, efetivamente, uma criação.
(2002, p.12).
Dessa forma, supostas afirmações sobre a realidade do discurso missioneiro
nos currículos escolares acabam funcionando como se fossem afirmações sobre
como são ou deveriam ser essas realidades, o que implica verificar o que significa a
terminologia: currículos escolares, o que será abordado no capítulo seguinte.
Tratando-se do discurso missioneiro aplicado na sala de aula, o que
buscamos verificar foi sua discussão, ou seja, de que forma ele se integra no ensino
de História Regional, como uma possibilidade de conhecimento da história das
reduções jesuíticas guarani, mais especificamente do estudo sobre os Sete Povos
Missioneiros.
A pesquisa sobre a experiência jesuítica guarani contextualizada na história
Ibero Americana, e de maneira especial o estudo da formação do Rio Grande do Sul
e a importância que tiveram as Missões nesse tema, recorrente na relação não só
dos povos missioneiros com nosso Estado, mas também deste com o Brasil.
Ao analisarmos as raízes históricas da “ideologia missioneira”, e a sua
influência na educação e na formação da população regional, recorremos
novamente a Milton Santos: “O regionalismo pode ser encarado como um campo de
disputas, no qual grupos com diferentes posições e interesses se enfrentam” (1996,
p.200).
[...] quando se examinam ideologias é muito frequente apontar o
seu anacronismo, além do aspecto de falseamento da realidade. É como se
uma ideologia, além de conseguir inverter a realidade, ainda o fizesse com
idéias superadas pelo tempo. Mas, na medida em que uma ideologia se
60
mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutam no imaginário
social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar
noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na
mente do pesquisador e não nos agentes sociais. Uma ideologia é bem
sucedida à medida que consegue dar a impressão de unificar interesses de
diferentes grupos sociais. Para isso é necessário que um discurso ao
interpelar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois para que uma
ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é
preciso que as significações produzidas pelo seu discurso encontrem eco
no imaginário dos indivíduos aos quais se dirige, isto é, é preciso que se dê
uma certa adequação entre as significações desse discurso e as
representações dos sujeitos (SANTOS, 1996, p. 201-202).
Assim sendo, a história das missões jesuíticas guarani é estudada, nas
escolas de São Luiz Gonzaga, com um discurso que mostra a sua importância no
desenvolvimento do tema, como veremos nos capítulos seguintes, de forma útil para
a vida em sociedade, com uma abordagem importante na formação da cidadania do
aluno, pois estudar a utopia missioneira e a experiência do processo histórico que a
criou, é estudar toda a sua cultura.
3.2
OS
CURRÍCULOS
ESCOLARES
E
OS
PROJETOS
POLÍTICO-
PEDAGÓGICOS ESCOLARES
Entendendo que a escola é concebida como espaço de encontro das
diferentes formas de ser, de pensar e de sentir, de valorizar e de viver, construídas
em um marco de tempo e de espaço, observa-se que essas formas dão pertinência
e identidade aos indivíduos e aos grupos sociais.
A partir dessa premissa é importante que se possibilite o encontro dos
inúmeros discursos existentes, ressaltando-se no presente caso o do missioneiro,
cujo enfoque decorre da localização do estudo, por situar-se na região missioneira, e
através do qual identificamos as marcas resultantes da formação histórica e de
posições assumidas, perpassando as gerações, re-inventando as tradições, e
chegando indeléveis aos dias de hoje.
Na educação, todo o processo deve ser fundamentado em bases e
referenciais teóricos científicos que demarcam a metodologia a ser usada, para que
61
o ensino desperte no aluno o interesse, neste caso para a História Regional, cujos
critérios nada mais são do que propostas de levar esses alunos a olhar, conhecer e
sentir o passado da experiência histórica das reduções jesuítica guarani.
Ao analisar aspectos dos problemas da escolarização e os seus significados
sociais e econômicos, Michael W. Apple, em Ideologia e Currículo (com Nancy King),
assim se posiciona:
Deverei interpretar as escolas como instituições que incorporam
tradições coletivas, que cumprem determinadas finalidades humanas que,
por sua vez, são produtos de ideologias sociais e econômicas concretas.
Desta forma, o ponto de partida poderia ser melhor expresso através da
formulação da seguinte questão: “De quem são os significados recolhidos e
distribuídos através dos currículos manifestos e ocultos nas escolas? Ou
seja, como Marx costumava dizer, a realidade não se exibe como rótulo. O
currículo nas escolas responde e representa (a)os recursos ideológicos e
culturais provenientes de alguma parte. Nem todas as visões de grupos se
encontram representadas, nem se respondem a todos os significados dos
grupos. Então como é que atuam, na realidade, para distribuir esse capital
cultural? A quem pertence a realidade que “passeia” nos corredores e nas
salas de aula das escolas? (1999, p.87).
Como este trabalho não tem a finalidade maior da análise dos problemas
educacionais nas escolas, embora eles apareçam no dia a dia da pesquisa e
obviamente terminam por ser tratados, voltamos à questão dos Projetos PolíticoPedagógicos nos Currículos Escolares.
Ao longo do tempo de realização deste trabalho, procurei participar de todo e
qualquer evento que tratasse dos temas Missões Jesuíticas, currículos escolares,
Projetos Político-Pedagógicos, etc., como festivais musicais, semanas acadêmicas,
colóquios, inaugurações de monumentos, e o que mais acontecesse.
O que pude verificar e comprovar é que o ensino de História, não só nas
escolas de São Luiz Gonzaga, mas de uma maneira geral, vem sofrendo alterações
e mudanças ao longo dos anos, no que se refere aos seus aspectos teóricometodológicos, assim como nos currículos escolares, nas opções dos conteúdos,
inclusive no que diz respeito às reduções jesuíticas guarani.
Nos documentos a seguir verificamos como aparecem os conteúdos sobre as
62
missões nos PPPs da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria
Estadual de Educação:
Figura 17: Conteúdos sobre as missões nos PPPs I
Fonte: Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Estadual de Educação
63
Figura 18: Conteúdos sobre as missões nos PPPs II
Fonte: Secretaria Municipal de Educação e da Coordenadoria Estadual de Educação
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCNs –
no ensino de História, as Missões Jesuíticas Guarani e sua história estão incluídas
na parte referente à História (regional), tendo como objetivo conhecer características
fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais, como meio para
construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento
de pertencimento ao país.
Assim como, para o Ensino Fundamental no segundo ciclo, os PCNs colocam
que o aluno deverá reconhecer algumas relações sociais, econômicas, políticas e
64
culturais que a sua coletividade estabelece ou estabeleceu com outras localidades,
no presente e no passado. Novamente aqui se inclui a História das Missões.
Portanto, o verdadeiro desafio que foi pesquisar nos currículos escolares e
nas escolas, trouxe a certeza que o tema Missões faz parte de um currículo nem
sempre explícito, de forma oculta, ou se explícito, com pouca aparência, mas
sempre trabalhado quando algum evento surje no cotidiano da comunidade
missioneira são-luizense, no dia a dia da escola. Recorremos novamente a Tomáz
Tadeu da Silva, para quem, na escola “[...] o cultural torna-se pedagógico e o
pedagógico torna-se cultural [...]” (2002, p. 150), e ainda:
O currículo tem significados que vão além daqueles aos quais as
teorias tradicionais confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O
currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa
vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é
texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (Idem).
Por fim, o fato é que, mesmo aparecendo nos currículos escolares de maneira
sintética, como nos referimos acima, a história dos povos guarani, as reduções e os
Sete Povos Missioneiros, a experiência dessa comunidade, onde o passado e o
presente se cruzam, mostra que existiu uma sociedade de controvertida organização
social e política: a utopia missioneira.
3.3 O TEMA MISSIONEIRO NOS CURRÍCULOS ESCOLARES E SUA PRESENÇA
NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS
O ensino de História, tal como é abordado nas escolas de São Luiz Gonzaga,
trata do tema “Missões” por uma visão não convencional em relação às demais
escolas.
Uma constatação é que, embora às vezes despercebida, há nas escolas uma
reflexão sobre como foram construídos os conteúdos programáticos, partindo do
currículo oficial, passando pelo oculto, para posteriormente surgir na prática do
ensino, no cotidiano escolar, fato que se observa com muita clareza.
65
É possível observar também, na prática pedagógica, que há dois veículos
com uma grande importância na transmissão: os professores e os manuais, os quais
procuram manter certas formas de ser, estar, viver e ver os outros.
[...] Actividades como colorir, desenhar, pôr-se em fila, ouvir histórias,
assistir a filmes, fazer faxina e cantar eram consideradas como trabalho.
Dessa forma, trabalhar era fazer o que se mandava fazer,
independentemente da natureza da actividade em questão. (APPLE, 1999
p.100).
Quanto aos manuais e materiais usados nas escolas, pode-se observar que
são centrados em evidências da cultura jesuítica guarani, que despertam assim o
interesse do aluno, e facilitam a sua possibilidade de aprendizagem, o que podemos
verificar com o exemplo a seguir:
Figura 19: Exercício de sala de aula - Profª Isolde Dalenogare,
Fonte: Escola de Ensino Médio
66
Exercício aplicado em sala de aula, no componente curricular de Geografia,
que apresenta ao aluno o seguinte questionamento: qual fato importante para a atual
Região Sul aconteceu a partir de 1750? Qual acordo foi feito entre espanhóis e
portugueses, pelo Tratado de Madri? Entre outros questionamentos.
Contribuem para o processo educativo materiais didáticos produzidos
especificamente para isso, como obras do professor Julio Quevedo, como no Livro
intitulado Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas, quando ele mostra, de
forma simples, a história dos Sete Povos Missioneiros, como podemos ver pelas
figuras:
Figura 20: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas I
Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.]
67
Uma “linha de tempo” do período das reduções, que permite ao aluno situarse no tempo, com o resumo dos principais acontecimentos, e, além disso, propõe
exercícios que facilitam o ensino e a aprendizagem, para, logo em seguida, retomar
o tema contextualizando as características do período e da história missioneira.
Figura 21: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas II
Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.]
68
Figura 22: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas III
Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.]
69
Figura 23: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas V
Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.]
70
Figura 24: Detalhe do livro Eu Era Criança Durante as Reduções Jesuíticas VI
Fonte: QUEVEDO, [s/d], [s/p.]
71
Material produzido pela educadora Iria Müller Poças, que propõe uma
produção, com os alunos, de uma peça de teatro, de cujo texto mostramos uma
parte que conta a história de “um gauchinho nas missões”, e que servirá de base
para o estudo em sala de aula.
Figura 25: Capa do livro Um Gauchinho nas Missões
Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.]
72
Figura 26: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões I
Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.]
73
Figura 27: Parte do livro Um Gauchinho nas Missões II
Fonte: POÇAS, [s/d], [s/p.]
74
A foto da capa de outra obra encontrada nas escolas, que conta a história
jesuítica guarani, dos autores Julio Quevedo, Marlene Ordoñez e Geraldo Sales, em
forma de manual, para ensino de Estudos Sociais.
Figura 28: Capa do livro Rio Grande do Sul
Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.]
Encontram-se também muitos “fascículos” de diversos autores como o abaixo
mostrado, intitulado de “História Ilustrada do Rio Grande do Sul”.
75
Figura 29: Partes do livro Rio Grande do Sul I
Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.]
76
Figura 30: Partes do livro Rio Grande do Sul II
Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.]
77
Figura 31: Partes do livro Rio Grande do Sul III
Fonte: QUEVEDO, ORDOÑEZ, SALES, [s/d], [s/p.]
Uma obra de destaque encontrada foi a “Histórias Missioneiras para
Crianças”, cuja autora, Mara Regina Rösler conta a história missioneira de uma
forma agradável, tornando a aprendizagem interessante, tendo ainda uma ilustração
feita por Lisandro Carpes. A seguir uma pequena mostra da obra:
78
Figura 32: Capa do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças
Fonte: RÖSLER, 2003.
Figura 33: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças I
Fonte: RÖSLER, 2003, p. 17.
79
Figura 34: Partes do Livro Histórias Missioneiras Para Crianças II
Fonte: RÖSLER, 2003, p. 71.
Abaixo a capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação
definitiva da redução de São Miguel, em 1987, elaborado pela Secretaria Educação
do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Figura 35: Capa de uma edição comemorativa aos 300 anos da implantação definitiva da redução de
São Miguel, em 1987
Fonte: Secretaria Educação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
80
O Conselho Indigenista Missionário também produz materiais didáticos. Capa
da revista Mensageiro, que nasceu em 1979 por iniciativa de cinco tuxauas, que
conta a história de luta do povo indígena.
Figura 36: Capa da revista Mensageiro
Fonte: Conselho Indigenista Missionário.
Por fim, observou-se que o processo pelo qual são realizadas as práticas
pedagógicas no que se refere ao tema história missioneira, é fundamentado, e nele
o ensino e a aprendizagem consideram como fonte de pesquisa primária o objeto,
com elementos resultantes da cultura, no qual os alunos constroem suas identidades
a partir de uma herança real ou inventada, negociada, tomando como ponto central
81
as experiências históricas das reduções jesuítas guarani, portanto uma história
regional, na qual se reconhecem como sujeitos dessas ações que resultam de um
processo cultural.
82
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
O encanto e o desafio de pesquisar nas escolas de São Luiz Gonzaga, cidade
da memória da minha infância, construída ao longo dos anos vividos num espaço de
sabores e odores, alegrias e tristezas, trazem à tona lembranças e saudades, e
evocam sentimentos de pertencimento a essa terra missioneira, ao tratar de um
tema cujo pano de fundo é os Sete Povos Missioneiros.
Ao trabalhar com essa temática, a primeira parte do trabalho situou
historicamente o lugar e o tempo, como forma de contextualizar a relação de uma
comunidade com seu passado. A formação da identidade, a cultura, a memória, o
folclore e as tradições (re)inventadas, que resultam em uma identidade – missioneira
– são pontos que diferenciam culturalmente essa região do restante do Rio Grande
do Sul e dos demais gaúchos.
A seguir focalizei o discurso, os currículos escolares e a prática pedagógica
nas escolas. Encontrei então o sentido e a metodologia do discurso missioneiro nos
currículos escolares, fato que novamente encanta e desafia, tendo em vista que
essa metodologia apresentada consegue fazer com que os objetivos iniciais
propostos, que são específicos, sejam ultrapassados, superando possíveis falhas, e
ainda propondo soluções, mesmo que a título de sugestões.
Para conhecer e reconhecer a cultura e a diversidade de um determinado
povo, através de um processo histórico, parti da idéia de que não existe cultura mais
ou menos importante, mas sim que toda a comunidade tem suas particularidades
próprias, em épocas e lugares diferentes. Não há sociedade que não tenha crise de
identidade. E identidade é um problema de quem se imagina no mundo.
Ao verificar com professores, orientadores pedagógicos, e profissionais da
educação envolvidos com Projetos Político-Pedagógicos e currículos escolares, o
ensino das Missões nas escolas de São Luiz Gonzaga, observei que: os conteúdos
aparecem trabalhados principalmente nas disciplinas de História e Geografia, na 4ª
série do ensino fundamental, e em outras séries com menor intensidade, sendo
83
abordados em Educação Artística,
Língua Portuguesa e Literatura. A prática
docente utiliza-se de pesquisas bibliográficas; manuais e livros didáticos dos mais
variados, como vimos no último capítulo do trabalho; pesquisas de campo com
visitas regulares a sítios arqueológicos, com maior frequência à redução de São
Miguel; uso da internet e mapas diversos; enfim, diversas atividades que integram a
ação pedagógica.
Ressalta-se que a maioria das aulas são expositivas, com relatos de fatos
sem muita interpretação crítica dos mesmos, atitude que muda radicalmente no
momento em que a comunidade volta-se para algum evento, como os que serão
relacionados logo a seguir. Quando isso acontece, de imediato a escola, como um
todo, é mobilizada em torno dele. Não são fatos que nos ascendem e sim fatos que
nos invadem.
Ao dar ênfase a essas peculiaridades, a comunidade escolar está, nesse
momento, reafirmando o seu pertencimento à comunidade regional missioneira,
constituindo-se como suporte da construção da identidade missioneira, amparada
pela memória da experiência histórica das Missões, mesmo com pouca consistência
científica do que teriam sido as reduções jesuíticas guarani. Esse modo de agir vai
influenciando na educação e formação da população regional.
Este estudo pretende contribuir na tentativa de aprimorar o ensino da história
missioneira nas escolas, na perspectiva de reforçar uma idéia.
É necessário que se use uma metodologia mais dinâmica, no sentido de que
os professores envolvidos com esse conteúdo possam fazer um aprofundamento na
análise desse processo histórico, na compreensão de aspectos fundamentais, para
abranger um enorme e vasto campo de investigação; no presente caso, a
experiência das reduções jesuíticas guarani, de modo a tornar a sala de aula um
foco de investigação.
Portanto, a contribuição seria do sentido de formar professores que realmente
estejam preparados, que estudem e pesquisem o tema proposto, e que incluam, de
forma bastante clara e destacada, o ensino dos Sete Povos Missioneiros nos
84
currículos escolares. Essas tarefas são de especialista, e não podem ser delegadas,
do ponto de vista pedagógico.
Pesquisar e estudar as práticas pedagógicas dos jesuítas da Companhia de
Jesus, a partir da concepção indígena guarani, mostra-se como um grande desafio
para os historiadores.
Assim, a História contada nas escolas missioneiras de São Luiz Gonzaga,
poderia produzir ou reproduzir as mais variadas versões sobre o mesmo episódio,
como forma dos alunos discutirem e formarem sua própria opinião.
Ao concluir este trabalho é necessário relembrar, mais uma vez, a importância
do sonho de uma sociedade democrática – para alguns (exageradamente)
considerada uma experiência socialista, mas que ainda vive, utopicamente, na
memória do Sul do Brasil.
Decorridos mais de três séculos desde que aqui chegaram os padres jesuítas
da Companhia de Jesus, oriundos da Europa “civilizada”, quando saíram de sua
terra para mundos distantes a serviço da missão religiosa e do Rei, que lhes
delegava a autoridade, mas não o poder, com possibilidades de martírio, ainda
permanece viva a lembrança do pastor atencioso e cura das almas que passou a
administrador, do missionário jesuíta que foi o primeiro europeu a entrar no Sul do
Brasil, dos sonhos e pesadelos da utopia da República Guarani, repousando hoje
nas ruínas o que restou dos Sete Povos das Missões.
Patrimônio Histórico, protegido pelo IPHAN, o sítio arqueológico de São
Miguel das Missões foi declarado pela UNESCO, em 1983, como Patrimônio Cultural
da Humanidade. As ruínas das reduções jesuíticas guarani ainda estão ali, nas
terras do interior do Rio Grande do Sul, como a conduzir nossa imaginação e a
testemunhar o que restou do sonho de construir uma sociedade, através da
catequização do seu povo, e que teve a pretensão de dar ao índio guarani, no
mundo colonial ibero-americano, um lugar de liberdade, uma terra sem males.
Neste estudo, o sentimento que fica é o de que o cotidiano das Escolas de
85
São Luiz Gonzaga é permeado pela História da República Guarani – a Utopia
Missioneira, pois fazem parte de uma comunidade que vive constantemente em
torno de memórias de um tempo e lugar eterno, com suas diversas interpretações,
com seus costumes e simbolismos, seus mitos e heróis, conjugando lembranças e
imaginários, formando identidades e re-inventando tradições, sempre negociando
com o passado jesuítico-guarani dos pueblos missioneiros.
A metodologia do discurso missioneiro presente nos currículos e no cotidiano
da vida escolar colabora, muitas vezes sem perceber, para a formação dessa
identidade missioneira, consolidada por uma idéia de pertencimento, através de
contos, lendas, mitos, cantos, músicas, canções, versos, artesanato, enfim,
expressões de reconhecimento de um passado histórico.
Isso acontece com intensas e constantes atividades populares e culturais
como: Festa dos 100 Anos; Mostras de Artes Missioneira; Festivais Musicais como o
Canto aos Sete Povos; Estátua do Índio, mito e herói missioneiro Sepé Tiaraju;
Encontro Internacional de Chamameceros (já está na sexta edição, programada
para acontecer em janeiro do próximo ano); Monumento ao “pajador” missioneiro
Jayme Caetano Braun; além de outros eventos menores, mas nem por isso menos
importantes na formação da mentalidade da população local e regional.
Não restaram somente ruínas no chão encharcado pelo sangue dos índios
guarani, para contar a sua história nas escolas missioneiras. Ficou também o clamor
de um povo que sonhou com uma terra sem males, e o grito de Sepé, que ainda
hoje se escuta no imaginário missioneiro: “Co yvy oguereco yara”! ou
TERRA TEM DONO”!
“ESTA
86
REFERÊNCIAS
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88
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ANEXOS
Anexo 1: Missões Jesuíticas
Artigo publicado no Jornal Zero, de Porto Alegre, que tem uma das maiores
tiragens do Rio Grande do Sul, no dia 23 de setembro de 2009, do escritor Alcy
Cheuiche, que serve para observarmos as colocações feitas na mídia a respeito do
tema “missões jesuíticas” nos dias atuais:
Sepé Tiaraju, Herói da Pátria Brasileira
A primeira boa notícia nos veio no dia 15 de julho de 1608. O rei da
Espanha, Felipe III, enviava carta ao governador do Paraguai,
Hermandarias de Saavedra, exigindo que os 150 mil índios do Guairá (atual
território do nosso Estado do Paraná) só fossem submetidos “pelos
ensinamentos do Evangelho”. Um basta à carnificina que campeava, há
mais de um século, em toda a América espanhola. Em consequência disso,
foram enviados em missão de paz os padres jesuítas italianos Giusepe
Cataldino e Simon Maceta, os fundadores das primeiras reduções de índios
guaranis, chamada Loreto, em 1610.
Às vésperas de comemorarmos os 400 anos do inicio dessa
epopéia, embrião da República Guarani, à qual pertenceram os nossos Sete
Povos das Missões, chega de Brasília a segunda boa noticia. O vicepresidente, José Alencar, acaba de sancionar a lei do deputado gaúcho
Marco Maia que “inscreve o nome de Sepé Tiaraju no Livro dos Heróis da
Pátria”, que fica no Panteão da Liberdade e Democracia, na Praça dos Três
Poderes. E isto, três anos depois de nossa Assembléia Legislativa ter
aprovado, e o governador Germano Rigotto sancionado, a lei proposta pelo
deputado Sérgio Görgen que reconheceu Sepé Tiaraju como “heróiriograndense”, nos 250 anos de sua morte.
Sepé Tiaraju morreu de lança em punho, no entardecer do dia 7 de
fevereiro de 1756, lutando contra soldados espanhóis e portugueses que
haviam invadido o território da República Guarani. O local, hoje no
perímetro urbano da cidade de São Gabriel, à margem esquerda do Rio
Vacacaí, tornou-se lugar de visita obrigatória para todos aqueles que
reconheceram a legitimidade da luta dos nossos índios em defesa das suas
famílias, dos seus campos e gados, das lavouras de trigo e algodão, das
casas e igrejas, daquele sistema socialista cristão de vida em comum, que
Voltaire classificou como “um verdadeiro triunfo da humanidade”.
E, não por outra razão,a Unesco reconheceu, há cerca de 20 anos,
as ruínas de São Miguel Arcanjo como “Patrimônio da Humanidade”. Não
apenas um patrimônio de velhas pedras talhadas, mas sim, o patrimônio
das idéias de justiça social, de respeito às diferenças raciais, de louvor
àquele oásis de vida digna em meio ao genocídio de todo o povo précolombiano das três Américas.
Prefeito de São Miguel Arcanjo, eleito pelo voto de seus
concidadãos, Sepé Tiaraju enfrentou legitimamente os invasores
portugueses e espanhóis daquele rico território. Três dias depois da sua
morte, 1,5 mil índios armados de lanças e poucos arcabuzes, sob o
comando de Nicolau Nhenguiru, foram dizimados a tiros de canhão na
chamada “batalha” de Caiboaté.
Estava aberto o caminho para a destruição dos Sete Povos
das Missões, uma utopia de liberdade, igualdade e Fraternidade, que
nunca mais existiu entre nós”.
Anexo 2: Esclarecimentos sobre a obra SEPÉ TIARAJÚ SÃO-LUIZENSE E
MISSIONEIRO
O símbolo maior da resistência guarany, nasceu, segundo alguns
historiadores, em São Luiz Gonzaga, e era imprescindível utilizarmos essa
informação em nosso benefício. Foi esse o motivo que nos levou a
confeccionar a estátua. Seu tamanho e dimensões foram elaborados para
um pórtico, que na minha inocência achava que seria construído... Na falta
do dito, e pela urgência da situação, solicitei a inauguração da obra no dia
19 de abril de 2006, dia do índio. Digo urgência, porque constatei que até
aquela data, a figura de Sepé divulgada pela imprensa regional e estadual
era a da escultura existente na cidade de Santo Ângelo, chamada "Familia
Guarany", do escultor Olindo Donadel. Precisávamos mostrar ao mundo que
esse símbolo universal de resistência era são-luizense. Hoje, quando a
mídia cita esse vulto, obrigatoriamente tem que focalizar a nossa (de todos
nós são-luizenses) estátua. Um artista, como dizia meu saudoso amigo e
escultor Valentim Barcelos, é um criador de símbolos. A estátua de Sepé é
um símbolo de força e determinação, sendo mais uma das imagens que
representam nosso povo.
Explicações sobre a Cruz:
Esta estátua de Sepé Tiaraju que fiz, dei o nome de:"A cruz acima da
lança!" A cruz cristã representa o sacrifício voluntário em prol de algo
grandioso... Ela é um símbolo universal e também representa a paz, coisa
importante nos dias de hoje e importantíssima para o amanhã. Nessa
posição, Sepé está postado tal qual uma barreira de carne e osso, com a
Cruz acima da Lança, como a dizer que a paz era seu primeiro objetivo e a
lança estava em segundo plano, porém firme... Sepé foi um símbolo de
resistência, por isso a grande maioria admira-o, pois representa a força
daquele que aparentemente parece ser o mais fraco. Nas reduções, era
essa a cruz que usavam. Por estes motivos ela foi colocada na obra, para
exaltar o apelo da paz.
Explicações sobre a confecção da obra:
Para poder realizar essa obra, tive que cobrar apenas o preço de
custo dela; de outra forma ela não seria realizada, pois já naquela época eu
era sabedor de que Turismo e Arte, lamentavelmente, estão muito longe de
terem seu merecido reconhecimento na nossa cidade... Hoje, a situação
está melhor do que antes. Aos poucos vamos compreendendo que estamos
pisando sobre uma riqueza enorme chamada: história e cultura. E explorar
isso, de forma turisticamente correta, será uma de nossas maiores fontes de
renda.
Estátua de Sepé Tiaraju - esclarecimentos e informações:
- material: toda feita em concreto armado, sobre armação de tela de arame
e esqueleto de canos de ferro;
- medidas: 2 metros altura, até a cabeça e de 3 metros até a cruz, por 1,5
metro de largura;
- peso: aproximadamente 950 kg;
- confecção: o trabalho foi realizado manualmente, sem a utilização de
nenhum tipo de forma;
- período de confecção: foram necessários 3 meses:
- início: 15 de dezembro de 2005 e término: 13 de abril de 2006;
- desenho: criação própria de Vinícius Ribeiro, em abril de 2002; com
modificação na posição da lança em agosto de 2005;
- projetos apresentados: o projeto referente à estátua de Sepé Tiaraju foi
apresentado quatro vezes ao Poder Público Municipal nas seguintes datas:
1º) em abril de 2002;
2º) em abril de 2003;
3º) em abril de 2004 e
4º) em agosto de 2005;
- localização da estátua: A estátua foi elaborada desde o primeiro esboço
92
(abril de 2002) única e exclusivamente para ser erigida em pórtico no trevo
principal da cidade de São Luiz Gonzaga, de frente para a BR-285;
- estilo da obra: estilizado, esse estilo foi utilizado para dar maior ênfase ao
feito realizado por Sepé; sua estatura foi ampliada para exaltar a idéia de
monumento;
- significados da obra:
Cruz: “a cruz acima da lança”! A Cruz Cristã (levemente estilizada, para
compor melhor a obra), representada aqui como símbolo universal do
sacrifício consciente e voluntário em busca da paz e não um artefato de
alguma religião. Ela encontra-se em primeiro plano, demonstrando o que ele
representava e o que defendia. Pois Sepé era cristão, nascido nas Missões,
assim como seu pai e provavelmente seu avô. Esse era o ambiente, o Lar
ao qual ele protegia.
Lança: A lança encontra-se em segundo plano, apontada para baixo,
simbolizando que esta terra tinha dono e que ele não queria a guerra, mas
estavam prontos para morrerem lutando em defesa de seu Lar.
Vestimentas: As vestes selvagens e os adornos de seus antepassados, a
boleadeira, a lança, como que para buscar forças nas suas raízes mais
primitivas. A utilização dessas vestes tem por objetivo demonstrar a mescla
de emoções e sentimentos vivenciados por Sepé e seus irmãos naqueles
tempos: a raiva pelo incompreensível e desumano Tratado de Madri, a
impotência perante o poderio português, a forte dor da traição por parte do
Rei da Espanha, a qual eles aprenderam a amar desde pequenos, e ao qual
pagavam altos impostos anuais (durante quase 70 anos) pela posse da
terra. Finalmente a dor maior do abandono, por parte da maioria dos padres
jesuítas.
Adornos:
Tembetá: símbolo característico do Guarani, osso cravado no lábio inferior;
Tettymakuaá: atado existente nas pernas e braços dos guerreiros, feito de
cabelo trançado de jovem índia, após a sua primeira menstruação.
Frase: a frase “Sepé Tiaraju São-luizense e Missioneiro” foi elaborada em
abril de 2002. Possui uma linguagem limpa e de fácil captação, além de
explorar o forte apelo às Missões, comunica de forma objetiva, o que alguns
historiadores confirmam: de que Sepé Tiaraju nasceu em São Luiz
Gonzaga.
Alterações na Obra: de acordo com a Lei de Direitos Autorais, nº. 9610/98,
nenhuma alteração poderá ser feita na obra sem autorização por escrito de
seu autor.
Valores: Para que essa obra fosse realizada, o escultor cobrou apenas o
preço de custo da mesma.
São Luiz Gonzaga, 13 de março de 2006.
Vinícius Ribeiro (Escultor).
93
Anexo 3: Atividades do CIMI – Conselho Indigenista Missionário e Movimento
Social Via Campesina
São Gabriel – Rio Grande do Sul
06/02/2006 - 09:44 - Jovens discutem legado das missões.
Neste sábado, dia 4, os jovens acampados debateram o legado
das missões para a população brasileira, com assessoria do Irmão Antonio
Cechin e do deputado estadual Frei Sérgio Gorgen.
Gorgen destacou três pontos principais desta herança. O primeiro
foi a experiência de uma sociedade justa. "Nos legam a utopia de algo que
foi colocado em prática: os sonhos de uma sociedade justa não são só
desejos, mas podem ser concretizados", afirmou.
O segundo ponto importante é que os indígenas deram ao país a
possibilidade de ser formado por povos distintos, com visões de mundo
distintas, e de sermos um povo multiétnico e pluricultural. Para Frei Sergio,
esta visão se choca com todo o preconceito que fomos ensinados a ter
desde pequenos, quando aprendemos a esconder as raízes indígenas
presentes na grande maioria das famílias do Brasil. Desta percepção
decorre o terceiro legado das missões e dos indígenas apontado pelo
palestrante, que é a capacidade de luta e resistência: "Quando nós vemos
o que fizeram Sepé e os 1.500 Guaranis que foram mortos, sabemos que
somos descendentes de lutadores", afirmou.
No mesmo momento, na tenda ao lado, mais de mil indígenas do
povo Guarani apresentava-se e contavam, uns aos outros, em idioma
Guarani, os desafios que enfrentam a cada dia para terem terras para viver
a seu modo e para seguirem vivendo a seu modo.
Em momentos diferentes e de formas distintas, o Irmão Antonio
Cechin e o jesuíta Bartolomeu Meliá, que também participou das atividades
dos jovens, repetiram a idéia de que aquilo que um país faz com suas
minorias, ele acaba fazendo com toda a sua população, e que o respeito às
minorias é um ponto central para democracias verdadeiras. Antonio Cechin
disse, como exemplo, que se aos indígenas não é dado o direito ao acesso
à terra, isso também acaba acontecendo com os camponeses. "O
termômetro de uma democracia é o modo como ela trata as populações
indígenas", afirmou Meliá.
Raquel Casiraghi - Via Campesina e Priscila D. Carvalho - CIMI.
Algumas entidades que participaram das comemorações:
Conselho Indigenista Missionário - Cimi, Brasil
Equipo Nacional de Pastoral Indígena - Endepa, Argentina
Coordenación Nacional de Pastoral Indígena - Conapi, Paraguai
Comissão Pró-Índio - São Paulo, Brasil
Porantim - Em Defesa da Causa Indígena, Brasil
Irmãs Catequistas Franciscanas, Brasil
Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Marçal de Souza - MS,
Brasil
Consulta Popular - SP, Brasil
Departamento de Antropologia - PUC/SP, Brasil
Rede Educação Cidadã - MS, Brasil
Centro Acadêmico de Ciências Sociais - PUC/SP, Brasil
Vivat Internacional - Paraguai
Centro de Mídia Independente - CMI, Brasil
Rede Nacional de Advogados Populares - Renap, Brasil
Centro Missionário Internacional - CMCI, Holanda
Justicia y Paz e Integrídad de Ia Creacion, JUPICP - Paraguai
95
Articulação Ecumênica Latino-americana de Missiologia - AELAMI,
Brasil
Congregação Notre Dame, Brasil
E, ainda, atividades e depoimentos pela mesma ocasião:
07/02/2006 - 11:46 - "A dominação, agora, vem pelas
multinacionais", diz Stédile.
Em ato realizado na coxilha de Caiboaté, em São Gabriel,
indígenas rezam pelos Guaranis mortos e apontam a ganância econômica
como causa pela perda de suas terras. Dirigente camponês afirma que a
dominação apenas se modernizou.
A programação do acampamento em memória aos 250 anos de
morte de Sepé, que acontece em São Gabriel (RS), começou bem diferente
nesta segunda-feira (06/02). Às sete horas da manhã, as cerca de cinco mil
pessoas que participam do encontro visitaram a Coxilha de Caiboaté, local
em que 1.500 índios guarani foram mortos pelas tropas espanholas e
portuguesas em 10 de fevereiro de 1756 - batalha que deu fim às guerras
guaraníticas e aos Sete Povos das Missões.
No local, guaranis kaiowá, do Mato Grosso do Sul, rezaram pelas
almas dos índios mortos. Ao mesmo tempo, traziam faixas reivindicando a
demarcação das terras, sem a qual não haverá o fim da violência contra os
povos indígenas. Truká, Xukuru e Pankaru dançaram o "toré", celebração
típica das etnias.
Logo depois, lideranças indígenas, quilombolas e camponesas
manifestaram-se sobre a importância do resgate da história de resistência
das Missões e do povo guarani. "Cortaram nossos galhos e nossos troncos,
mas não conseguiram matar nossa luta", afirmou o kaiowá Anastácio
Peralta. Maurício Guarani, cacique da reserva indígena do Cantagalo, em
Porto Alegre (RS), falou em tupi-guarani e depois em português. Para ele, ir
até o local em que seus antepassados foram massacrados é um fato muito
importante e muito triste também. "Fico triste porque essa terra, um dia, foi
dos guarani. Mas por ganância econômica dos europeus, ela foi tirada de
nós", argumenta.
A crítica às ações de dominação dos países ricos também foi o tom
das declarações de João Pedro Stédile, integrante da direção do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "A dominação apenas se
modernizou. No passado, vinha com canhões e a cavalo. Hoje, ela chega
por meio da televisão e do dinheiro", ressalta.
Fonte: Raquel Casiraghi – Via Campesina.
Conselho Indigenista Missionário.
Consulta Internet: www.cimi.org.br - Acesso em nov./2009.
O jesuíta Bartolomeu Meliá, em entrevista nessa ocasião, faz importante
observação quando se refere à questão da “tradição” indígena:
05/02/2006 - 17:11 - Entrevista com Bartolomeu Melià na
Assembléia Continental Guarani:
O jesuíta Bartomeu Melià estuda o povo Guarani e convive com ele
há mais de 50 anos, tendo contato especialmente com os grupos que vivem
no Paraguai. Logo antes de conceder entrevista a este boletim, Melià havia
feito uma fala na plenária onde estavam reunidos os indígenas, na
Assembléia Continental Guarani. Comunicou-se com os indígenas em
idioma Guarani, que ele fala fluentemente. Na entrevista, perguntamos a ele
qual tinha sido sua mensagem aos participantes. "Eu disse que estava
96
muito feliz. Falei que provavelmente é a primeira vez na historia que há uma
reunião assim de todas as etnias Guaranis, e que não se precisa ter
vergonha de ser Guarani, de manter a tradição. O que não quer dizer que
tem que só manter como estão. Se querem escola, que seja uma escola,
que não seja um instrumento para ficar fora de si mesmo", relatou.
A divisão entre etnias que ele cita refere-se aos grupos que fazem
parte do complexo cultural Guarani, que se dividem, segundo os
antropólogos, em pelo menos três grupos: os Kaiowá, Nhandeva, M'Bya.
Fonte: Priscila D. Carvalho – CIMI
Conselho Indigenista Missionário
Consulta Internet: www.cimi.org.br - Acesso em nov./2009.
Anexo 4: Músicas
Do 1º CANTO DOS SETE POVOS, festival de música missioneira realizado
pela Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga, através da Secretaria de
Cultura, Desporto e Turismo, em 1985 (pesquisa realizada juntamente com
a missioneira Irene Gomes, esposa do historiador José Gomes):
Música: RENASCER
Letra: Dr.Valdir Amaral Pinto (da cidade de Santiago)
Música e Interpretação: Miguel Marques
Ritmo: Chamamé
Música classificada em 1º lugar. O LP foi gravado no salão de festas do
Clube Harmonia, produzido por Quero-quero Gravações e Produções Ltda
(Porto Alegre). Entre os jurados deste festival estava Jaime Medeiros Pinto,
destacado poeta/compositor da cidade de Santiago e dono da Relider (rede
de emissoras de rádio).
Esta música foi regravada por:
- Valdomiro Maicá (Três Passos), faz parte do CD Valdomiro Maicá nos
Festivais.
- Grupo Sete Povos (São Luiz Gonzaga), faz parte do CD "Minha Estampa",
gravado em 2001.
- Faz parte de uma coletânea lançada em 2006, pela Rádio Missioneira
(São Luiz Gonzaga), com o título "Revivendo o Canto dos Sete Povos", que
resgata algumas músicas da 1ª, 2ª e 3ª edição do Canto dos Sete Povos,
cuja renda do CD foi em beneficio da APAE.
- Miguel Marques (Santiago) em 2007, sendo a música título do CD.
Essa música é muito conhecida no meio nativista, e para muitos sãoluizenses é "quase" um hino.
Renascer
Os campos de um verde esquisito
E um céu tão azul
Como igual nunca vi...
As nuvens de poeira vermelha
Brincando com o vento
Me lembram de ti.
Rincões misteriosos da infância
Tesouros guardados
No fundo dos rios...
Serpente escondida na igreja
Na guarda indormida
Do templo vazio.
Lavouras de trigo aloirando
No alegre prenúncio
Do canto e do pão.
Mulheres tecendo com jeito
Um sonho perfeito
De branco algodão.
Missões de Pinheiro Machado
Destino marcado
De macho e de herói
Que bom que acordaste do sono
Do teu abandono
Que mata e que dói.
Missões pra ti é meu canto
Na hora do encanto
Do teu renascer...
Missões, tua história é tão grande
Que só no Rio Grande
Podia caber.
98
No 2º CANTO DOS SETE POVOS, também realizado em São Luiz
Gonzaga, destaca-se a canção a seguir, que apesar de ter ficado em 2º
lugar na classificação, enfoca a temática missioneira e é muito bonita:
Um Canto aos Sete Povos
Canto uma história antiga
Deste marco em anais
Versos contendo memórias
De índios e catedrais
Guarany valente raça
Jesuítas em missões
Semearam em campo aberto
Herva, gado, reduções
Sete povos lindo sonho
De um mundo mais seguro
Desarmado e sem ganâncias
Nos olhares do futuro
Sete Povos, bata o sino
desperta a humanidade
Que as pedras ainda insistem
Em clamar por liberdade.
Os tratados de além-mar
Ao chegar fazem razão
Tesouro, suor e sangue
Bandeados pra outro chão
E os desejos tão antigos
Não serviram para nada
O grito brotado da terra
Calou-se na amarga es
Muita paz cruz missioneira
Encontramos nos teus braços
Ao lembrar que tantas guerras
São motivos de fracassos
E as verdades não sabidas
Passo-a-passo vão adiante
E o destino de uma raça
Se transforma num instante.
Essa canção, cuja letra é de autoria do compositor Carlos Alberto Dahmer –
conhecido no meio artístico como Litti Dahmer – tem música e interpretação do
cantor Antônio Olesiak, e foi defendida pelo Grupo Fogo de Chão, de Ijuí/RS. Em
seus versos, nos dá uma idéia do sentimento missioneiro.
Anexo 5: Encontro Internacional de Chamameceros
Notícias
Escrito por José Luis Bonamigo
Variedades - Segunda-feira, 08 de Dezembro de 2008 - 14:02
Encontro Internacional de chamameceros
Começam os preparativos para a 5º edição do Encontro Internacional de
Chamameceros, programada para os dias 08, 09, 10 e 11 de janeiro, no município
de São Luiz Gonzaga, RS. O evento será realizado no Parque de Exposições do
Sindicato Rural do município.
A promoção é do Galpão Ameríndio Guarani
Missioneiro, do cantor e compositor Jorge Guedes, com a empresa cultural Vânia
Morais Guedes Ltda.
Conforme Vânia Guedes e Mário Meira, o Parque do Sindicato Rural foi
escolhido por oferecer uma maior estrutura e também maior acesso ao público, em
dias de chuva.
O projeto da 5ª edição está pronto e prevê uma área coberta desde a entrada
do parque até o pavilhão central. O palco será construído em frente ao Restaurante
Central. O público será acomodado em cadeiras na área central, usada para o
desfile dos animais campeões.
A comissão organizadora pretende usar dois pavilhões do parque, sendo um
pavilhão para acomodação de músicos e cantores e outro para o artesanato.
Ao redor de toda esta estrutura serão montados acampamentos. Também
serão contratados serviços de banheiros químicos, pois é esperado um grande
público para esta edição. Entre as atrações confirmadas estão: Gicela Mendes
Ribeiro, da Argentina, que este ano deverá trazer um casal de bailarinos, para uma
coreografia sobre a integração do Brasil com a Argentina. Também está confirmada
a vinda de Gilberto Monteiro, que participa pela primeira vez do Chamameceros.
Além destes também está confirmada a presença de Raulito Barbosa e artistas da
França.
Outros nomes estão sendo contatados e confirmados através da comissão,
que também tem a participação de Luiz Carlos Borges. O objetivo da comissão
central é montar cinco shows por noite, com artistas de renome internacional.
A grande novidade este ano será o Baile Chamamecero típico, no sábado,
junto ao restaurante do parque, com o concurso do Grito do Sapucay.
100
Os ingressos continuam no mesmo valor: R$ 10,00 no dia e permanentes a
R$ 30,00 para as quatro noites de shows.
(Consulta Internet: www.radioprogresso.com.br - Acesso em 15 de novembro de 2009).
Anexo 6: História de Jayme Caetano Braun
Para contar a história de Jayme Caetano Braun, recorremos novamente ao
seu escultor, Vinícius Ribeiro, o qual, além de sua obra, nos relata quem foi esse
mito pajador missioneiro:
[...]
Antes de começar uma obra, procuro sempre fazer o histórico do
homenageado; aqui no caso, fiz com muita alegria, pois além de ser grande
admirador de Jayme Caetano Braun, sou primo de 3º grau dele (quando o
vivente é bom, a gente puxa parentesco até o 5º grau). Não sou e nem
tenho pretensões de ser historiador. Um dos objetivos de estar divulgando
esse histórico é de corrigir vários erros existentes na internet, sobre a vida
do poeta. Um dos erros é de que sua mãe era uma "chirua bugra", na
verdade sua mãe, D. Euclides Ramos Caetano, era filha de produtores
rurais da Timbaúva (veja foto abaixo), outro é sobre o local de seu
nascimento. SOLICITO àqueles que queiram usar as informações deste
histórico, que não esqueçam de citarem os créditos; neste trabalho
entrevistei várias pessoas e tenho documentos e certidões de nascimento,
casamento e morte, para provar o que aqui está escrito. Neste trabalho de
pesquisa, tive o auxílio da D. Gelsa Ramos de Moraes, prima-irmã do
Jayme, poetisa e payadora do mais alto nível, pessoa que tinha estreita
relação com o poeta. E para finalizar com chave de ouro, a revisão final
deste simples histórico foi feita na data de 10 de fevereiro de 2009, pela D.
Aurora (Bréa) Ramos Braun, viúva do homenageado.
Poeta, tradicionalista, declamador e payador (do castelhano, lê-se
pajador: poeta que faz versos de improviso com temática muito próxima a
milonga). Símbolo maior da poesia gauchesca; especializou-se em décimas
(poemas com estrofes de 10 versos). Em seus versos retratou, com
conhecimento de causa, os hábitos costumes e vicissitudes do homem
campeiro do sul do Brasil. O peão de estância, o gaúcho andarilho, o índio
missioneiro e muita outras figuras regionais ganharam vida em seus
poemas. A formação dos Sete Povos das Missões, a epopéia farroupilha,
foram alguns dos seus muitos temas. Eterno filósofo galponeiro, em suas
reflexões, buscou as respostas da existência na visão do homem simples.
Sua temática ia da raiz às estrelas, sendo ao mesmo tempo regional e
universal; seus versos, mescla de história, costumes e atualidades,
exaltaram a vida do homem excluído, pobre e oprimido. Deixou sua obra
imortalizada em vários livros e discos. Sendo considerado pelo meio
tradicionalista como referência gauchesca da essência riograndense.
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Nome completo: Jayme Guilherme Caetano Braun
Nome mãe: Euclides Ramos Caetano Braun
Nome pai: João Aloysio Thiesen Braun
Avós maternos: Aníbal Antônio Souza Caetano e Florinda Ramos Caetano
Avós paternos: Jacob Braun e Guilhermina Thiesen Braun
Nascido em 30 de Janeiro de 1924, às 8:30, na fazenda Santa
Catarina, de seu avô materno (Aníbal Caetano), na localidade da Timbaúva
(na época 3° Distrito de São Luiz Gonzaga), hoje mu nicípio de Bossoroca).
Irmãos: Maria Florinda, Terezinha, Judite, Zélia e Pedro Canísio
(Jayme foi o 2° filho do casal Braun).
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Pais do Jayme: Sr. João Aloysio Braun e D. Euclides Ramos Caetano
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Após sua experiência como bolicheiro começou em 1945 a
participar de campanhas políticas (daqueles aos quais ele admirava) como
payador. Seu poema “O Petiço de São Borja”, referente a Getúlio Vargas,
foi publicado na época em revistas e jornais do país. Participou na
campanha de seu tio materno Ruy Ramos com o poema “O Mouro do
Alegrete”. Nos anos seguintes participou nas campanhas de Leonel Brizola,
João Goulart e Egídio Michaelsen. Na campanha de Ruy Ramos a deputado
federal, apresentava um programa radiofônico na radio São Luiz, contratado
pelo seu outro tio Danton Ramos, para divulgar a candidatura de Ruy.
Devido ao sucesso, obtido em grande parte pelos seus versos de improviso,
o programa teve continuidade. Em 1948 iniciou o programa, na mesma
radio, chamado “Galpão de Estância” (existente até os dias atuais),
juntamente com Dangremon Flores e Darci Fagundes. Desse nome veio a
surgir mais tarde o 1° CTG em São Luiz Gonzaga, cha mado CTG Galpão
de Estância. Incentivado e apoiado por Ruy Ramos, concorreu a deputado
estadual pelo PTB no ano de 1959, não alcançando votação suficiente. Esta
passagem pela política lhe trouxe mágoas que o acompanharam por muito
tempo. Em 1959, a convite de Ruy Ramos, passou a residir em Porto
Alegre, onde ingressou na biblioteca pública do estado, ocupando o cargo
de diretor até final de 1963. Depois foi para o IPASE (Instituto de Pensões e
aposentadoria dos Servidores do Estado), onde ficou até se aposentar. Em
1973 participa do programa semanal Brasil Grande do Sul, na Radio
Guaíba, durante 15 anos. Os direitos autorais de seus vários livros e discos
serviram como complemento de renda, pois o poeta, como muitos que
trabalham com a arte, enriqueceu mais a alma do que os bolsos.
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Faleceu no dia 8 de julho de 1999, às 5 horas e 30 minutos, aos 75
anos de idade, na clínica São José, em Porto Alegre, vítima de
complicações cardiovasculares. O corpo foi velado às 17 horas no Salão
Nobre Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, sede do governo estadual
gaúcho; foi enterrado no cemitério João XXIII em Porto Alegre.
Pesquisa
Vinícius Ribeiro - 2° Semestre 2005.
Colaboração:
Senhora Gelsa Ramos de Moraes.
Revisão final:
Aurora Ramos Braun (feita em 10 de fevereiro de 2009).
Fontes
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- Entrevistados: Sr. Ataliba dos Santos e Sr. Juca Ramos.
- Cartório de registro civil de São Luiz Gonzaga.
- Cartório de registro civil de Bossoroca.
- Jornal Zero Hora (Porto Alegre).
- Jornal A Notícia (São Luiz Gonzaga).
Nas fotos, quando do translado do monumento:
O monumento paisagístico em homenagem a Jayme Caetano Braun, como se
encontra nos dias de hoje, localizado no trevo de acesso Rodoviário, na BR-285, em
São Luiz Gonzaga, uma das cidades dos Sete Povos Missioneiros.
Anexo 7: Artistas Missioneiros
Em meados de 1966 eu, juntamente com Noel Guarani e Cenair Maíca, nos
reunimos para tocar e cantar, e decidimos que iríamos criar um novo modo de cantar
e tocar, pois a maneira que as coisas do Rio Grande eram colocadas não nos
satisfaziam, não era a maneira que queríamos como norte para nosso trabalho.
Digo nosso por que surgimos nesse contexto, na mesma época e com os
mesmos ideais. E juntamente com o grande payador Jaime Caetano Braun, que
serviu de fonte e vertente para o nosso trabalho. Fomos denominados pelo grande
payador como “os quatros troncos da cultura missioneira”, pois conseguimos, cada
qual com seu estilo, criar uma nova identidade na cultura musical gaúcha, a
identidade musical missioneira, que nos torna diferentes diante da música gaúcha, e
é reconhecida no Rio Grande do Sul e no Brasil pela maneira diferente de
cantarmos:
• denunciamos;
• protestamos;
• registramos, e levamos para o futuro, o passado de um povo esquecido,
explorado, mas cheio de encantos e essências: o povo guarani.
A música missioneira tem o cheiro da terra colorada. Hoje nossa música está
nas universidades, nos maiores centros culturais e escolas. Estão estudando nossas
letras e nossas músicas, que são fontes de pesquisas e teses. Somos hoje
considerados pela crítica “... quatro escolas da cultura musical missioneira”. Não foi
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fácil, mas conseguimos! Somos hoje ouvidos na Europa, nas universidades de
Portugal e França. Em São Paulo nosso trabalho: De Guerreiro a Payador (em
parceria com Vaine Darde) serviu para provar que o índio missioneiro não havia sido
extinto. Na Faculdade Metodista de Nutrição e Fonoaudiologia - Porto Alegre, foi
feita uma pesquisa qualitativa: como os compositores gaúchos retratam nossa
sociedade. Nossa música jamais deixará de existir, por que tem cheiro de terra e
como ela permanecerá.
Fonte: disponível no site da rede: artistasgauchos.com.br
(Consulta Internet: www.pedroortaca.com.br . Acesso em 25/11/2009.
Anexo 8: Mostra de Arte Missioneira: 1981-1987
Capa do Livro sobre a Mostra de Arte Missioneira 1981-1987, um trabalho
elaborado pelas professoras Anna Olívia do Nascimento e Vera Wolski de Oliveira,
editado em 1987, composto e impresso na Gráfica A Notícia Ltda/São Luiz
Gonzaga/RS, que conta se constituiu essa movimento que visava difundir preservar
a cultura missioneira.
Anexo 9: Certificado de colaboração para construção do monumento
paisagístico em homenagem ao pajador Jayme Caetano Braun.
Foto que mostra o Certificado recebido por cada um colaborador que
contribuísse com determinado valor para a viabilização da obra que hoje encontra-se
pronta as margens da rodovia BR-285, trevo de acesso à cidade de São Luiz
Gonzaga/RS. Mostra a mobilização da comunidade que une-se em torno das
homenagens de seus mitos/heróis missioneiros.
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Renato Ponte Botteselle - Biblioteca Digital da UNIJUÍ