The Hacker Ethic and the Spirit of the Information Age*
Pekka Himanen, Linus Torvalds (“Prólogo”) & Manuel Castells (“Epílogo”), Nova York, Random
House, 2001, 232 p.
por Osvaldo López Ruiz
O título deste livro e a diferentes trajetórias dos autores certamente chamam a atenção mas
também podem desconcertar. O autor é o finlandês Pekka Himanen, doutorado em filosofia pela
Universidade de Helsinki aos 20 anos. Ainda com menos de 30, trabalha na Universidade de
Berkeley com Manuel Castells, de origem catalã e hoje um dos sociólogos mais renomados do
mundo, autor da trilogia A era da Informação (1996-2000). Com mais de 20 títulos publicados,
Castells é o responsável, neste caso, pelo “Epílogo”. O “Prólogo” está nas mãos de Linus Torvalds,
uma lenda viva dentro do mundo da informática, com pouco mais de 30 anos e também originário
da Finlândia. Torvalds iniciou em 1991 o sistema operativo Linux quando estudava em Helsinki.
Hoje o Linux é um projeto que envolve milhares de programadores e milhões de usuários no mundo
todo e continua a ser desenvolvido por eles mesmos em forma aberta e cooperativa. Atualmente,
esse sistema operativo é visto como a maior ameaça para a hegemonia da Microsoft, embora sua
mais importante inovação seja mais social do que técnica: uma forma de trabalho coletivo onde as
informações estão disponíveis livremente para todos, principio básico da ética do hacker.
O livro trata do surgimento de uma nova ética do trabalho, diferente da ética protestante tão
bem descrita por Weber há quase cem anos, onde a noção de trabalho aparece como dever, como
chamada. A nova ética do trabalho é a caracterizada, no entanto, pelos hackers. Mas, quem são
esses hackers? A partir da própria orelha do livro, Himanen avisa: não se trata dos criminosos da
computação –sentido recente e desafortunado que está tomando este termo–, mas sim dos hackers
no sentido original da palavra, os entusiastas programadores de computação.
Entretanto, a bibliografia usada novamente desconcerta. De Platão a Richard Stallman –um
dos maiores precursores do "hackerismo"– à regras beneditinas e "statements" de SUN
Microsystems, passando por Castells, Baudrillard, Dante e Agostinho (entre outros!). Surge então a
inevitável pergunta: será que o autor conseguiu unir tantas e tão heterodoxas pontas e apresentar
para o leitor um argumento convincente sobre uma nova ética do trabalho? Mesmo deixando temas
em "aberto", com muito de exploratório e sem a densidade rigorosa que se espera de qualquer
*
Esta resenha foi originalmente publicada na revista eletrônica Com Ciência, N° 20, SBPC/Labjor [Disponível em:
<http://www.comciencia.br>. Acesso em: 10 abr. 2001] e posteriormente na revista MargeM, n. 14, p. 179-182, dez.
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"Ética", o autor consegue definir um texto coerente e dinâmico. Com originalidade, coloca em
diálogo algumas das grandes preocupações do homem de hoje e as questões do homem de sempre,
mas, neste caso, apontadas para o atual contexto da Era da Informação.
A nova ética do trabalho, principalmente encarnada na atualidade pelos hackers, tem como
precursora a academia. Os acadêmicos foram sempre um exemplo de relação mais flexível e livre
com o seu trabalho. Por conseguinte, o autor apresenta no percurso do livro uma definição mais
abrangente de hacker. Hacker é aquele entusiasta em qualquer tipo de trabalho, aquele que realiza
seu trabalho com paixão, habilidade e cuidado artesanal. Aqui Himanen toma carona de um
postulado dado por Torvalds no seu curto prólogo. Para o criador do Linux, existem três categorias
básicas de motivações: a sobrevivência, a vida social e o entretenimento. Essa última, que vem
depois de superadas as duas primeiras, deve ser entendida com E maiúscula, pois tratar-se do tipo
de estímulo que nos tira do tédio e do aborrecimento dando sentido às nossas vidas. Esclarece
Torvalds que não está falando do entretenimento no sentido de jogar Nintendo mas sim do xadrez,
da pintura e "da ginástica mental que envolve tratar de explicar o universo". Por isso o
Entretenimento pode ser qualquer coisa intrinsecamente interessante e desafiante, mas no entanto
fundamental na vida de cada pessoa.
Himanen, contudo, traduz "Entretenimento" por paixão: a dedicação a uma atividade que
seja intrinsecamente interessante, inspiradora e que cause regozijo. Trata-se, diz, do tipo de relação
apaixonada com o trabalho que historicamente caracterizou ao mundo intelectual. Critica, portanto,
a relação do trabalho com o tempo estabelecida pela ética protestante. Ela baseia-se no postulado:
"tempo é dinheiro" e coloca o tempo regular do trabalho como o centro da vida das pessoas. Hoje,
se pretende não só a otimização do (tempo do) trabalho mas também a "otimização da vida". O
que acaba acontecendo é que o tempo de lazer e, até, o cuidado dos filhos assumem o padrão do
tempo de trabalho. Fala-se muito, por exemplo, de "tempo flexível" mas, segundo o autor, essa nova
flexibilidade, embora que contribuía para uma organização mais holística do tempo, está reforçando
a centralidade do trabalho –e as novas tecnologias estão ajudando particularmente para isto
acontecer, afirma Himanen. Os hackers, porém, não subscrevem ao adagio "o tempo é dinheiro" e
sim "o tempo é minha vida".
Neste sentido, a ética protestante sempre foi uma ética do dinheiro. Segundo Weber, o valor
mais alto era "ganhar mais e mais dinheiro". Entretanto, na prática, tanto o trabalho como o dinheiro
constituíram-se em fins em si mesmos. Ainda mais; no antigo capitalismo, argumenta Himanen, o
trabalho, como valor, posicionava-se mais alto que o dinheiro e por isso foi entendida como ética do
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trabalho protestante. Na nova economia, no entanto, mesmo que ainda um valor autônomo
importante, o trabalho foi subordinado ao dinheiro. É por isso que a nova economia informacional é
também uma prolongação da antiga ética protestante. O que é enfatizado como valor supremo é
justamente o dinheiro. Para os hackers, pelo contrário, o fator organizador básico da vida não é nem
o trabalho nem o dinheiro, é a paixão. Sua ética de trabalho enfatiza a atividade apaixonada e o
ritmo livre do uso do tempo.
Entretanto, se no paradigma industrial uma pessoa era treinada para trabalhar de nove a
cinco durante toda sua vida produtiva, esse não é mais o caso na economia informacional. O novo
profissional informacional é "auto-programável ", tem a habilidade de se re-treinar a si mesmo e se
adaptar a novas tarefas e processos. Ele deve aprender a ser seu próprio gerente e se programar para
trabalhar mais eficientemente. Não é por acaso, então, que muitos deles procurem a literatura de
auto-ajuda, a literatura de "desenvolvimento pessoal". Himanen analisa um a um seus postulados e
constata uma coisa interessante. Ela ensina as mesmas virtudes que a velha ética protestante ensinou
através de Franklin. Mais ainda, essas virtudes têm seu precedente nas regras monásticas
Beneditinas no medievo. São valores no sentido filosófico tradicional, ou seja, os objetivos finais
que guiam a ação. Coloca o autor que, tanto no mosteiro como na literatura de desenvolvimento
pessoal, o que se oferece é a promessa de uma experiência de claridade e certeza para a vida. A vida
torna-se mais manejável se reduzida a um objetivo para cada momento no tempo. Cada pessoa só
precisa se concentrar em um ponto fixo e excluir todo o resto. Particularmente, numa era como a
nossa, complexa e acelerada, essa literatura promete um novo tipo de "salvação". Não é por acaso
que ela, como também diferentes fundamentalismos, tornaram-se mais atrativos na sociedade rede.
O autor conclui que tanto nessa literatura de desenvolvimento pessoal quanto como no
espírito da sociedade rede em geral, a lógica das redes de computador é aplicada aos seres humanos
e a suas relações: "Os seres humanos são tratados como computadores, com rotinas mentais que
sempre podem ser re-programadas de forma melhor...a gente deve se conectar com pessoas que são
úteis para o objetivo da gente e se desconectar de aqueles que não o são ou que inclusive sejam
prejudiciais ao objetivo..." A lógica da rede e do computador alienam-nos da preocupação direta
pelos outros, preocupação que é o começo de toda conduta ética. Na "sociedade-rede"1 a ética teria
sido substituída por uma filosofia de sobrevivência, e isto se explica a partir da atual relação com o
tempo. A eticidade precisa do pensamento sem pressa e da perspectiva temporal de longo prazo.
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"Network society", conceito desenvolvido por Castells na Era da Informação (1996) para caraterizar a morfologia
social da sociedade atual.
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Com a aceleração atual das praticas sociais surge, segundo Himanen, uma "barreira ética", uma
velocidade a partir da qual a ética não pode mais existir.
Himanen vê nos valores que guiam a conduta dos hackers a saída, poderíamos dizer, desta
versão exacerbada –e até distorcida– da ética protestante. Na ética do hacker o principal valor é a
paixão, entendida como uma busca intrinsecamente interessante que regozija com sua realização.
Os outros valores são a liberdade, no sentido de que o trabalho seja criativo e tenha espaço para o
jogo e a experimentação, a abertura e o sentido social –a Internet e o computador pessoal, lembra
Himanen, não existiriam sem os hackers que deram sua criação para outros– e, finalmente, o que ele
chama de atividade e preocupação. A atividade é definida como a liberdade de expressão em ação.
Ela inclui: privacidade para proteger a criação do estilo de vida individual próprio e rejeição da
receptividade passiva, em benefício de uma busca ativa da própria paixão. A preocupação, no
entanto, é o interesse pelos outros colocado como um fim em si mesmo e o desejo de se libertar, na
sociedade-rede, da mentalidade de sobrevivência que tão facilmente surge como resultado de sua
própria lógica. É por tudo isso que o autor acredita que a ética do hacker pode representar um
espírito genuinamente novo. Nele o sentido não pode já ser encontrado no trabalho nem mesmo no
puro lazer. Ele tem que surgir da natureza própria da atividade, da paixão, do valor social e da
criatividade.
O “Epílogo” de Manuel Castells –a verdade seja dita– não tem muito a ver diretamente com
a ética do hacker. Dá, isso sim, o contexto do mundo em que vivemos e assinala as profundas
transformações que nos levaram do paradigma industrial ao informacional e, também, da mudança
qualitativa que representa para a experiência humana viver em um novo tipo de sociedade: a
"sociedade-rede". Trata-se, na realidade, de um bom resumo da Era da informação –mas
insuficiente quiçá para quem ainda não leu a trilogia2– com algumas poucas ênfases novos a
respeito da primeira edição de 1996 (a importância da revolução da engenharia genética, as
características de "autômato" que tem tomado a estrutura social de rede, etc.). Reserva, no entanto,
só o parágrafo do final para salientar a importância inovadora da teoria de Himanen sobre "a cultura
dos hackers como o espirito do informacionalismo" –note-se que Himanen não fala exatamente
disso, mas da ética dos hackers como alternativa possível ao espírito que está prevalecendo no
informacionalismo. Mesmo assim a leitura do “Epílogo” de Castells vale a pena como outra nova e
sintética reformulação de sua instigante teoria sobre a desconcertante realidade em que vivemos.
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Para uma versão também resumida, porém, teoricamente mais densa, veja-se, do mesmo autor, "Materials for the
exploratory theory of the network society", The British Journal of Sociology, V.51, N°1, janeiro-março 2000, ps. 5-24
ou a excelente conclusão geral da trilogia no final do terceiro volume.
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No final, Himanen oferece em um apêndice uma "Curta história do hackerismo
computacional" para quem não esteja muito familiarizado com a cultura dos hacker
–informaticamente falando, claro.
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