UMA POSSÍVEL REFLEXÃO PEDAGÓGICA A PARTIR DE
POPPER
Almir Paulo dos Santos1
Fabrício José Brustolin2
Resumo: O presente artigo trás a tona uma reflexão sobre a epísteme
assumida por Popper em torno das ciências humanas. Seu método
falsificacionista impulsiona para uma discussão filosófica em torno dos
conflitos de idéias e teorias. E estes conflitos, por sua vez, se dão através da
linguagem que é pressuposto, ou ainda, condição de possibilidade para se
pensar problemas de cunho pedagógico.
Palavras-chave: Fundamentos da
Pedagogia, Epistemologia, Popper.
Educação,
Ciências
Humanas,
Abstract: the present article has like objective to reflect about the
epistemic position talked by Pooper between the human sciences. His
fallibility method drives a philosophical discussion about de conflict
between ideas and theories. And these conflicts, in its time, give
themselves through of the language, that is foundation or still condition
sine qua non to think pedagogical problems.
Key-Words: Beddings of the Education, Human Sciences, Education,
Epistemology, Popper.
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Licenciado em Filosofia Mestrando em Educação pela Universidade de Passo Fundo UPF Bolsista CAPES.
Licenciado em Filosofia Mestrando em Educação pela Universidade de Passo Fundo UPF Bolsista CAPES.
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INTRODUÇÃO
Popper elaborou uma epistemologia marcante no que diz respeito às ciências. Seu
método de verificação e falsificação causou um forte embate frente ao método tradicional
(empirismo) de conceber a veracidade dos dados científicos. Sua defesa consiste em um
método enquanto possibilidade da solução dos problemas, quer dizer, a ciência não possui
uma verdade absoluta, somente provisória.
Sua tese do primado do problema remete, definitivamente, à questão das ciências
sociais ou humanas, no qual faz uma crítica ao cientificismo metodológico que é imposto à
ela da mesma forma que é concebido nas ciências da natureza.
Esta postura evidencia o objetivo central deste trabalho que é demonstrar a
episteme, propriamente dita de Popper em torno das ciências humanas num processo de
reflexão e tentativa de consonância com elementos pedagógico-educativos. Com isso,
evidentemente que emergem alguns problemas que são fundamentais para se desenvolver
tal reflexão. Dentre eles destacam-se:
1) Do ponto de vista epistemológico que postura Popper assume, ou seja, como ele
trabalha a questão do método?
2) Como Popper analisa a questão das ciências humanas ou sócias?
3) Quais as implicações de Popper para o campo pedagógico educativo?
Ao discutir estas questões acredita-se que, de certa forma, contempla-se a problemática
central proposta na ementa da disciplina no que diz respeito, especificamente, a Popper. E
para ilustrar este trabalho tem-se como base a obra Lógica da pesquisa cientifica seguida
de alguns comentadores citados nas referências.
Além disso, tem-se em mente a impossibilidade de se resolver por completo estes
problemas. E é por isso que este artigo vem refletir numa perspectiva de abertura para
possíveis críticas ou até complementos, pois, para ser relativamente coerente ao se falar de
Popper, deve-se partir da proposta de que toda teoria é possível de ser refutada.
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O MÉTODO DE POPPER
Popper ao elaborar sua epistemologia, por um lado, criticava o empirismo lógico,
mas por outro estava, de certa forma, envolvido. No início, Popper era um dos integrantes
e defensores das idéias positivistas, posteriormente, posicionou-se contrario a tal escola
defendendo fortemente seus ideais no que diz respeito ao critério de verificação.
O empirismo teve início no Círculo de Viena com o intuito de tentar unificar o saber
científico a um método que fosse comum a todas as ciências e que pudesse eliminar a
perspectiva de erro. Problema este que impossibilitavam certas discussões epistemológicas.
A preocupação fundamental do empirismo era de reduzir todo o conteúdo do conhecimento
a determinações observáveis. Isso significa também que a postura empirista nega qualquer
intuição intelectual puramente abstrata. Popper acrescenta: “que o método empírico seja
caracterizado como um método que exclui exatamente aquelas maneiras de evitar a
falseabilidade que, tal como insiste corretamente meu imaginário crítico, são logicamente
possíveis” (1972, p.44).
O papel da ciência, propriamente dita, pode ser entendida, segundo o positivismo,
como simples constatações sensíveis. No entanto, com a possibilidade de intervenção da
lógica, apesar dela não fornecer nenhum conteúdo real, contribui para organizar o conteúdo
de uma ciência. Trata-se, pois, da discussão de Popper ser tratado enquanto um
neopositivista. Através da epistemologia conceitualista, há um retorno aos dados empíricos
com a pretensão de obter conteúdos do conhecimento, pois o dado perceptivo já envolve
um certo conteúdo de significado. É captado no sensível por meio de uma operação
intelectual.
No fundo, o que Popper quer chamar atenção é justamente ao problema clássico da
indução, ou seja, como estabelecer a verdade de uma teoria científica tendo por base a
simples observação empírica?
“Muitas pessoas acreditam, com efeito, que a verdade dos enunciados universais é conhecida
através da experiência; contudo, está claro que a descrição de uma experiência – de uma
observação ou do resultado de um experimento – só pode ser um enunciado singular e não
um enunciado universal. Nesses termos, as pessoas que dizem que é com base na experiência
que conhecemos a verdade de um enunciado universal querem normalmente dizer que a
verdade desse enunciado universal pode, de certa forma ou de outra, reduzir-se à verdade de
enunciados singulares e que, por experiência, sabe-se serem estes verdadeiros. Equivale isso
a dizer que o enunciado universal baseia-se em inferência indutiva” (Popper, 1972, p.28).
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Trata-se do caráter epistemológico de sua discussão no que se pode chamar de valor
das teorias científicas, ou ainda, de verificacionismo epistemológico das teorias científicas
que bate, justamente, de frente com a postura das ciências empíricas que se utiliza do
método indutivo.
O problema da indução esta em saber em que se basear, para a partir de casos
particulares observáveis, tirar conclusões relativas também dos casos não observáveis.
Frente a isto, pode-se dizer que por maior que seja o número de enunciados observados e
verificados não se pode concluir como uma teoria verdadeira e universal devido ao seu
caráter de infinitude. Para ilustrar essa idéia e esclarecer os conceitos de verificável e
falsificável pode-se citar o seguinte exemplo: a proposição universal “todos os cisnes são
brancos” não é verificável, mas falsificável. Já a proposição particular de que “há corvos
brancos” não é falsificável, mas verificável.
Para Popper dizer que uma teoria é bem estabelecida quanto possível, é reconhecer
que ela resiste a todos os testes. Toda teoria é possível de ser abalada ou refutada. E é,
justamente isto, que caracteriza o método cientifico concebido por Popper. Não há uma
preocupação de defender ou preservar as teorias sistematicamente, mas de expô-las ao
crivo da refutação.
“Tenho em mente, de maneira especial, a interpretação indutivista, segundo o qual, no campo
das ciências naturais, procedemos sistematicamente da observação para a teoria através de
recurso a algum método de generalização, e comprovamos e até mesmo, talvez,
demonstramos as teorias utilizando alguns métodos de indução. Tenho aqui definido uma
concepção muito diferente, que interpreta o método científico como dedutivo, seletivo por
meio do falseamento” (Popper, 1980 p.107).
Ao se conceber que o conhecimento científico não se caracteriza pela observação
nem pela coleta de dados empíricos, mas por hipótese ou problemas, Popper quer dizer que
o método das ciências deve consistir em tentativas ou possíveis soluções para seus
problemas. Neste caso, as possíveis soluções não são propostas, mas necessariamente
criticadas ou falseadas.
A epistemologia de Popper caracteriza-se como uma crítica constante ás posturas
científicas já existentes. A grande pretensão de Popper é de estar sempre instaurando novas
hipóteses ou conjecturas a fim de atingir uma explicação científica, não definida, mas
sempre aproximada, pois para Popper a ciência jamais deve buscar um resultado definitivo,
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uma verdade única. O que deve fazer parte da ciência, ou ainda, caracterizá-la é a
falsificabilidade. Nesse sentido, as teorias ciêntíficas devem ser formuladas de modo mais
aberto a fim de estarem sempre sujeitas às refutações.
“A ciência tenta resolver, por ensaios e erros, os enigmas do mundo e é algo imperfeita,
ainda que continuamente aperfeiçoável. É um agregado de conjecturas, de preconceitos, de
antecipações prematuras e de hipóteses arriscadas, que por sorte são constantemente são
submetidas ao controle da comunidade científica” (Bodei, 2000 p. 137).
Na concepção de Popper sua epistemologia mantém a postura de ser crítica e
polêmica sempre na tentativa de reformular os conceitos já existentes a respeito da ciência.
O conhecimento científico, segundo ele, não atinge uma verdade absoluta e única, somente
pode fornecer um conhecimento provisório e possível de ser modificado. Ciência e verdade
não são tomadas enquanto sinônimos, pois nenhuma teoria científica pode ser concebida
como verdade final ou definitiva. Nesse sentido, a objetividade da ciência está presente
somente no trabalho de crítica recíproca dos pesquisadores que pode ser tomada enquanto
resultado de uma construção gradativa através da refutação. Por isso, que a teoria
científica, para Popper esta permanentemente em estado de risco.
O que Popper contesta em termos de epistemologia é a posição defendida pelos
positivistas a qual separam a comprovação empírica da elaboração teórico-reflexiva. Dessa
forma, Popper mantém sua postura de que nenhum enunciado teórico deve ser tido como
definitivamente verdadeiro. O caminho apontado é que permanece constante a
possibilidade teórica de questionamento das observações atuais apresentadas e de refutar as
teorias que as tornam validas até então.
POPPER E AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Há uma certa preocupação de Popper ao se tratar das ciências socias ou humanas no
que diz respeito ao método de estudo. Frente a esta afirmação, surge a seguinte questão:
qual é o objeto de estudo das ciências sociais ou humanas? Realmente, esta ciência não
possui um objeto específico de estudo. Por exemplo, a biologia possui seu objeto que é o
estudo dos seres vivos e suas diversas relações. Fundamenta-se no senso-comum, seu
conceito não está fundado em sua essência, pois utiliza-se do método descritivo
experimental. Lida com a observação, com a particularidade. Por outro lado, as ciências
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humanas, cito aqui, como exemplo a filosofia, lida com o universal, o indeterminado, com
a especulação. Seu método é reflexivo. Sendo assim, pode-se dizer que ela faz uso de préconceitos, pré-científicos, acientíficos. É importante ressaltar, que sua que sua crítica é na
perspectiva de síntese. Sendo assim, a filosofia não é negada, mas ressaltada, pois, segundo
Popper ela (1972, p.23) “coloca problemas genuínos a cerca das coisas”.
É a partir dessas posturas que Popper estabelece sua crítica às ciências humanas ou
sociais, no sentido de que elas não possuem um objeto específico de estudo. Para Popper
elas comportam em si um caráter teleológico de projeção do futuro, ou seja, uma certa
certeza sobre algo que esta por vir.
É neste ponto que Popper é tido como um neopositivista, pois ele propõe uma
objetivação das ciências humanas no sentido de resgatar, a partir de seu método, uma nova
perspectiva em torno das ciências humanas. Perspectiva esta, que retoma a objetividade
positiva em consonância com o aspecto reflexivo. Diz Popper:
“Uma última palavra a propósito do termo “positivismo”. Eu não nego, decerto, a
possibilidade de estender o termo “positivista” até que ele abranja todos os que tenham
algum interesse pelas ciências naturais, de forma que venha a ser aplicado até aos adversários
do positivismo, como eu próprio. Sustento apenas que tal procedimento não é nem honesto
nem apto a esclarecer o assunto. O fato de que o rótulo “positivismo” me tenha sido aposto a
priori por um erro grosseiro pode ser verificado por qualquer um que esteja em condições de
ler a minha Lógica da Pesquisa Científica” (POPPER, 1978, p.47).
Vale ressaltar que a contribuição de Popper para as ciências socias, em tese, é a
proposta de objetivação juntamente com o elemento da reflexão possibilitando que as
ciências socias passe a problematizar suas posições e posturas. Segundo Popper, para a
ciência social desempenhar um papel importante no desenvolvimento do conhecimento, ela
deve confrontar a teoria com a observação frente a um processo de tentativa e erro.
“Na medida em que o cientista aprecie criticamente, altere ou rejeite sua própria inspiração,
poderemos, se o desejarmos, encarar a análise metodológica levada a efeito como um tipo de
‘reconstrução racional’ dos correspondentes processos mentais” (Popper, 1972, p. 32.).
A questão de fundo que emerge, nesta reflexão, é o elemento do método
falsificacionista enquanto aquele que possibilita o questionamento e a problematização das
teorias que são concebidas enquanto verdades únicas ou, até mesmo, ideologias. E a
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concepção epistemológica de Popper caminha, justamente, neste sentido de que toda teoria
pode ser refutada e é possível de ser testada.
Toda essa preocupação de Popper em tono das ciências socias tem como pano de
fundo uma questão antropológica, ou seja, pensar uma ciência orientada para a
compreensão objetiva (lógica situacional) com o intuito de analisar a situação do homem
ativo. O fato dos homens agirem racionalmente significa que a ação está de acordo com a
situação que se apresenta. Leva-se em consideração as informações de que dispõem no
momento, suas crenças, e outros fatores que ajudam a compor a situação, bem como os
objetivos pessoais. Ou ainda, o homem ativo pode se ter como aquele que está disposto a
considerar a progressividade e a continuidade infinita da teoria científica.
No entanto, uma teoria científica não tem sentido sem uma pré-discussão ou uma préanálise. Para isso, a necessidade de dois ou mais sujeitos ativos e dispostos a discutir, a
partir de tentativas e erros, a aplicabilidade e a validade de uma teoria. Sempre cientes da
possibilidade da mesma ser refutada inúmeras vezes.
Suscita neste momento, a necessidade de se ressaltar a importância da linguagem
neste processo interativo de sujeitos. Pois, a partir das concepções de Popper, pode-se
arriscar em dizer que a idéia de linguagem esta bem presente enquanto debate em torno de
teorias. É por meio dela que surgem as mais diversas problemáticas. É também um
instrumento importante em se tratar da discussão em torno do método falsificacionista e
um importante elemento para dar inicio a uma possível aproximação sobre algumas
questões pedagógicas.
A POSSIBILIDADE DE APROXIMAÇÃO
A grande questão que perpassa esta aproximação é a perspectiva da linguagem
enquanto interação. É ela que possibilita a mediação entre o homem e o mundo, a
subjetividade e a objetividade. É a através da linguagem e interação com o outro que se dá
à aprendizagem e esta, por sua vez, contribui para o desenvolvimento humano e social.
Em termos de teoria da ciência, ela é instrumento necessário para o diálogo entre o
empirismo e o racionalismo. Esta síntese, através do diálogo é o combustível eficaz para o
desenvolvimento e o processo contínuo da aprendizagem.
O papel de Popper, em se tratar do resgate de alguns elementos positivistas em
consonância com a reflexão, possibilita uma nova perspectiva em torno das ciências
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humanas. Resgate este, que assume uma certa postura dialética de alguns ideais
positivistas, porém numa perspectiva que possa emergir o elemento da reflexão e não
puramente a discussão de fatos dados empiricamente. Dialético no sentido progressivo e
continuo de construção e conflito de idéias e teorias.
Neste sentido, acredita-se que alguns elementos, e até métodos, pedagógicos
deveriam ser repensados nesta perspectiva de resgate de sentido. Pode-se tomar como
exemplo disto alguns conceitos como: o de ordem, respeito e disciplina.
É de grande importância destacar que o diálogo pressupõe os conceitos de ordem,
respeito, disciplina. Se pensarmos nesses conceitos, não no sentido clássico de autoridade,
mas enquanto princípios organizadores do diálogo, já se pode dizer que se esta
estabelecendo, de imediato, um primeiro passo de um longo trajeto de ação concreta e
efetiva. Outro elemento importante que acompanha esta idéia é o elemento da escuta que,
no fundo, pressupõe a disciplina, o respeito e a ordem quando se trata de acolher o outro
como a si mesmo.
Além do mais, pode-se, quem sabe, dar outro passo no que diz respeito ao diálogo.
Trata-se da relação professor e aluno enquanto processo de descontrução e reecontrução do
conhecimento científico. Esta postura nos remete definitivamente a questões pedagógicas
que implicam definitivamente em seus grandes desafios, ou seja, como contribuir para o
conhecimento do outro? De que forma considerar o outro? Veja bem, não basta só pensar a
relação com o outro, sem pensar em como realizar esta relação?
Estas e outras questões, provavelmente, emergirão, ainda, em vários debates em torno
da Educação. Nestes termos, aqui, apresentados elas tem a pretensão de instigar, ainda que
de forma tímida, para se pensar numa perspectiva exegética o método de Popper e suas
possíveis implicações na pedagogia. Mesmo que poucos escritos ou estudos estão voltados
para esta perspectiva, espera-se que este contribua para uma reflexão futura.
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