Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 GARANTIA DE BOM DESEMPENHO EM OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA – PAPEL DOS PROFISSIONAIS E DOS GESTORES Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 TEXTO DE APOIO Realizado por: Cláudia Conceição Médica, Assistente da Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, e Investigadora da Associação para o Desenvolvimento e Cooperação Garcia de Orta Paulo Ferrinho Médico, Professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, e Investigador da Associação para o Desenvolvimento e Cooperação Garcia de Orta Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 1 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 Avaliação de competência – mede o que os médicos podem fazer em representações controladas da sua prática médica => exame Avaliação de desempenho – mede o que os médicos fazem na sua actividade real Fonte: Medical Education 2002; 36: 901-909 INTRODUÇÃO As intervenções para garantir a qualidade mínima do desempenho dos sistemas, organizações e pessoas que trabalham no Sector da Saúde são uma exigência social. Devem assegurar aos cidadãos acesso a práticas profissionais seguras. Não é uma tarefa fácil. O desempenho é um conceito multidimensional e as formas de garantir a sua qualidade não estão suficientemente experimentadas, estudadas nem aceites e envolvem aspectos qualitativos e quantitativos. Este texto pretende estruturar os conhecimentos básicos que permitam uma discussão profícua do tema. DESEMPENHO O desempenho é uma noção multidimensional e compreende, entre outros: conhecimento (o saber) competência (o saber como fazer e o mostrar como fazer) aptidões (estado de saúde e motivações individuais) comunicação (com colegas e doentes) colaboração (trabalho de equipa) e outros factores condicionados pela organização e sistema de saúde Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 2 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 Quadro I – Dimensões do desempenho (Adaptado de Norcini, Rethans e Hays) Factores individuais “Sabe como fazer”: formulação de juízo critico a partir de várias fontes de informação e conhecimento (exame físico, historia, exames complementares de diagnóstico, etc) “sabe”: conhecimento em ciências básicas, clínica, etc de comunicação com colegas e doentes or colaboração (trabalho de equipa) Competência técnica (technical or cognitive skills) “mostra como fazer”: diagnostica, gere cuidados, executa técnicas, etc. Competência relacionamento (non-cognitive relationship skills Estado de saúde Motivações individuais Factores da organização e Constituição das equipas de trabalho do sistema de saúde Apoio administrativo Sistemas de informação informatizados Sistemas de incentivos Existência de guidelines A “competência do médico” tem a ver com aquilo que ele mostra saber fazer, em provas de avaliação. O “desempenho do médico” tem a ver com aquilo que ele faz (resultados práticos, provas dadas, avaliação pelos colegas e público). É aquilo que faz na prática do seu dia a dia e a forma como faz. O que o médico faz (desempenho) não depende só do que sabe, da forma como organiza várias fontes de conhecimento, do que demonstrou saber fazer. Também depende da sua saúde, da sua capacidade de relação e comunicação com outros profissionais e com os doentes/utentes, da sua motivação (características individuais) assim como das características da organização onde realiza o seu trabalho. Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 3 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 GESTÃO DO DESEMPENHO O conceito de “gestão do desempenho” tem-se destacado, principalmente, a partir do início dos anos 90 e surge, em parte, como reacção aos aspectos negativos das classificações de mérito e da gestão por objectivos (ênfase nos resultados mensuráveis sem integrar a forma como esses resultados são obtidos). A “gestão do desempenho” pressupõe um processo que leve à construção de uma visão dos objectivos da organização partilhada pelos intervenientes nos processos organizacionais, ajudando cada um a reconhecer e compreender o seu contributo para esses mesmos objectivos e, desta forma, contribuindo para a melhoria do desempenho dos indivíduos e da organização. Este processo implica: 1. a existência de comunicação (construção e partilha de uma visão); 2. a definição de metas de desempenho individual e de serviço/unidade funcional relacionadas com os objectivos mais amplos de toda a organização, 3. a revisão dos processos para identificar necessidades de formação, as áreas de desenvolvimento e o grau de recompensa pelos resultados obtidos. A noção de “gestão do desempenho” é entendida como um processo de comunicação, de partilha de expectativas, entre “administração” e “operacionais” para estabelecer uma cultura em que indivíduos e grupos se responsabilizam pela melhoria contínua da organização de saúde, dos seus resultados e das suas próprias competências e contributos. O interesse pela gestão do desempenho dos profissionais de saúde está estreitamente associado a diferentes movimentos de controlo e garantia de qualidade dos serviços de saúde. A aplicação do conceito de gestão de desempenho à saúde e o aparecimento da “clinical governance” resultam da necessidade de coordenar objectivos institucionais em situações em que as organizações são complexas e em que os profissionais têm, tradicionalmente, grande autonomia. Clinical governance O conceito de “clinical governance”, tal como definido por Roland e Baker (1999), tem em comum com o conceito de gestão do desempenho do mundo empresarial o facto de abrangerem processos através dos quais as organizações se responsabilizam pela melhoria contínua da qualidade dos seus serviços e pela salvaguarda de padrões elevados de qualidade. Envolvem todos os membros da organização, quer na identificação de aspectos a necessitar de melhoria, quer na procura de soluções, e as avaliações são realizadas com mais ênfase na identificação de necessidades de formação que na atribuição de prémios remuneratórios. A “clinical governance” que é um conceito que surge para as organizações de saúde, numa cultura em que são consideradas serviço público, implica responsabilização pelos serviços prestados, passando pela disponibilização de informação aos utentes. Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 4 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO Os processos e métodos de avaliação de desempenho, muito menos desenvolvidos que os de avaliação de competência, baseiam-se no pressuposto, ainda não suficientemente documentado mas bastante sugestivo a partir das observações de várias origens, que as avaliações da prática habitual são um melhor reflexo do que se faz no quotidiano que as avaliações feitas em ambiente preparado para esse efeito (“ambientes controlados”, de teste). Norcini propõe que a base dessa avaliação envolva 1. resultados, 2. processos e 3. volume dos cuidados prestados. Em Portugal, as universidades garantem a formação pré-graduada dos médicos utilizando, na sua maioria, métodos de avaliação que permitem avaliar o “saber” e o “saber como fazer”. Em menor grau, também avaliam o “mostrar que sabe fazer”. Estes aspectos, como foi acima referido, constituem a competência e são os aspectos avaliados nos vários exames intercalares e finais dos internatos, já no Serviço Nacional de Saúde, que conferem a capacidade do exercício não tutelado da medicina (Internato geral) e a obtenção do título de especialista (Internato complementar). Estas são avaliações formais e que decorrem como previsto por diplomas legais. Paralelamente, os serviços da “acção médica”, proporcionam actividades de desenvolvimento dos seus internos (acompanhamento por parte de tutores, a “visita” às enfermarias, a apresentação e discussão de temas ou de casos clínicos, estabelecimento de metas mínimas de actividades, entre outros) e algum tipo de incentivos a desempenhos considerados satisfatórios (oportunidades de participação em estágios e actividades formativas formais, de participação na organização de actividades de formação, e de participação na vida organizativa do serviço). Este é um sector informal de aprendizagem e gestão que está pouco descrito ou avaliado. Entretanto, após a obtenção do título de especialista, para quem seja integrado no sistema de carreiras do sector público há poucos momentos formais de avaliação de competência (não se conhecendo se algum existe no sector privado). O poder da interferência de colegas (o controlo interpares) é, também, mais reduzido. A administração é, para eles, geralmente, um mundo estranho e a sua presença não se sente nas decisões clínicas a não ser na limitação de recursos, na quantidade de formulários que se preenchem e no estabelecimento de algumas metas mínimas (p.ex., número de altas por semana). Isto não é bem recebido, pelos clínicos, provavelmente por diferentes razões. Perguntam-se como foram estabelecidas as metas e se não há interesse em perceber como são cumpridas, isto é, com que qualidade são cumpridas. A percepção da contenção de custos como motivador de limitação ao trabalho médico é habitualmente mal recebido. Já a preocupação com a qualidade, segurança do doente e desenvolvimento de boas práticas de referência tem uma aceitabilidade superior. Apesar de não existir consenso sobre métodos de avaliação do trabalho médico no sentido tradicional, isto é, nos moldes em que estamos habituados a pensar na avaliação da competência, isto não nos impede de avançar, com critérios. É no entanto importante reconhecer que algumas das dificuldades da avaliação do desempenho prendem-se com o facto de: Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 5 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 1. O desempenho SER multidimensional e haver várias formas de avaliar cada dimensão 2. O desempenho EXPRESSAR o que se faz com os recursos que se tem, isto é, com a competência, com as características individuais e com as condições de contexto da organização, região, país onde se trabalha. Isto dificulta e limita a aprendizagem de outras experiências e a comparabilidade entre sistemas de avaliação e até mesmo entre avaliados. 3. CONSTITUIR fim último do trabalho do médico melhorar a saúde ou a qualidade de vida de um doente ou contribuir para a realização do potencial de saúde de cada indivíduo e das comunidades humanas. Para lá das dificuldades em medir os resultados em “ganhos de saúde” estes são resultado de intervenções múltiplas de vários profissionais. È difícil isolar resultados que sejam resultado de intervenções individuais. 4. SER o trabalho individual, numa organização, muito difícil de descontextualizar do serviço e hospital onde decorre. A sua avaliação também é mais difícil de desenvolver se não houver também desenvolvimento de instrumentos de gestão (avaliação, estabelecimento de metas, contratualização, etc) nos hospitais e serviços. 5. EXISTIR dificuldade em obter uma amostra representativa do trabalho individual de cada médico (para submeter a avaliação) sabendo que os encontros médico/paciente são particulares (as pessoas apresentam problemas diferentes). No entanto, as razões para se insistir na avaliação de desempenho persistem e há caminhos que podem ser desenvolvidos. Nomeadamente, poder-se-á ir avançando sobre: 1. Definir os objectivos últimos da avaliação. Por exemplo: garantia de qualidade, melhoria contínua da qualidade, carreiras, etc. 2. Definir a base para a avaliação dos médicos, isto é, definir o que vai ser avaliado (definir alguns parâmetros de referência baseados no melhor conhecimento disponível ou em consensos) (Quadro II) Quadro II – Tipos de indicadores que podem ser usados na avaliação do desempenho MEDIDAS (Norcini 2005) DE RESULTADOS (patient outcome) DE PROCESSOS Exemplos Mortalidade intrahospitalar (todos os caos deveriam dar origem a auditoria) Infecção hospitalar (todos os casos deveriam dar origem a auditoria) Definir outras situações que deveriam levar a auditorias (ex near miss) Inquéritos de satisfação dos utentes e familiares Queixas de utentes e familiares Proporção de pessoas com critérios para fazer rastreio de cancro do colo do útero num ficheiro de um médico e que o fizeram Proporção de parturientes que tiveram alta após o parto com consulta de revisão de puerperio marcada Proporção de cirurgias X/ano (a referência é o minimo necessário para garantia de qualidade) Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 6 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 3. Enunciar e escolher as fontes de informação que podem suportar a avaliação (o que existe, o que se justifica criar) (Quadro III e IV) Quadro III – Tipos de fontes de informação sobre o desempenho médico Fontes de informação Processos clínicos Diários de procedimentos Processos administrativos GDH’s, SONHO Vantagens O processo de auditoria contribui para a melhor utilização dos processos e melhora a qualidade do registo. O desenvolvimento dos processos clínicos electrónicos vai permitir a auto e hetero avaliação fácil e quase tira os inconvenientes desta fonte de informação Muito usados pelos internos, podem servir para registar actos técnicos mas também a ocorrência de complicações Facilmente acessíveis Pouca informação mas com muito potencial (volume de actos, mortalidade, diagnósticos) Pode ser usada para selecção de casos a serem melhor estudados Informação sobre prescrição Informação sobre exames complementares de diagnóstico Informação sobre transferências Observação directa (ex: avaliação por pares, doentes simulados) Mecanismos de denuncia anonimos Desvantagens As auditorias consomem muitos recursos (pessoal preparado e tempo). A apreciação crítica é feita somente sobre aquilo que foi registado Informação com pouco detalhe Qual o numero de observações que é representativa da prática do médico? Podem detectar más práticas precocemente A criar Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 7 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 Quadro IV - Critérios para a escolha de indicadores para avaliação individual de desempenho (Adaptado de Southgate, 2001) Indicadores que • Contribuam para um esquema de avaliação que contemple representação de todas as áreas de actividade médica em causa • Contribuam para um esquema de avaliação que envolva todos as dimensões do desempenho • Considerem ser os indicadores de resultados como os mais importantes, pelo que devem estes basear-se no melhor conhecimento disponível e/ou em consensos • Reflictam a contribuição individual para os resultados • Digam respeito a situações com impacto crítico nos resultados (i.e, cuja avaliação possa ser determinante critico para a melhoria de cuidados de saúde) • Reflictam a proporção de volume de trabalho do avaliado na organização • Estejam ligados a objectivos de serviço e da organização 4. Reflectir nas limitações dos instrumentos ou indicadores escolhidos: 4.1 validade (o instrumento/indicador mede o que é suposto ser medido?); 4.2 aceitabilidade 4.3 dificuldade de realização. Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 8 Reunião para um Consenso Covilhã, 18-20 de Novembro de 2005 Avaliação do desempenho no sector público Os instrumentos de gestão de pessoas por parte da direcção de serviço ou da direcção hospitalar, no sector público, são muito reduzidos formal e informalmente. A lei que consagra um “Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública” (SIADAP, Lei nº10/2004 de 22 de Março, Decreto regulamentar nº19 – A/2004 de 14 de Maio), em vigor actualmente, obedece a uma série de procedimentos que serão considerados para efeitos de i) promoção e progressão nas carreiras e categorias; ii) conversão da nomeação provisória em definitiva; iii) renovação de contratos. As componentes alvo da avaliação são: 1) Factores relativos a competências: variam em número e caracterização em função dos grupos profissionais e constam das respectivas fichas aplicáveis; 2) atitude pessoal: vontade pessoal para atingir objectivos e desempenhos superiores, identificação com valores institucionais e motivação demonstrada; 3) cumprimento de Metas/Objectivos com correspondência no Plano de Actividades: 3.1) de responsabilidade individual, 3.2) de responsabilidade partilhada, 3.3) objecto de acordo GARANTIA DO BOM DESEMPENHO Seria importante conseguir integrar os procedimentos existentes pela autoregulação profissional (processos de certificação e da Ordem dos Médicos e processos de progressão na carreira médica pública e agora do SIADAP) com processos de melhoria contínua da qualidade do serviço (clinical governance) com processos de desenvolvimento profissional contínuo e de aprendizagem ao longo da vida. A discussão da avaliação do desempenho, dentro dos colégios de especialidade da Ordem dos Médicos não pode ser afastada da questão da recertificação ao longo da vida profissional. Cláudia Conceição, Paulo Ferrinho 9