Roberto de Oliveira Cardoso
O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A MOTIVAÇÃO
DO INDIVÍDUO: O CASO DA FORMULAÇÃO DO
PROJETO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO
NA COSTA DOS COQUEIROS”
Roberto de Oliveira Cardoso
O DESENVOL LOCAL E A MOTIVAÇÃO DO INDIVÍDUO: O CASO
DA FORMULAÇÃO DO PROJETO “DESENVOLVIMENTO
SUSTENTADO NA COSTA DOS COQUEIROS”
Salvador – BA
2002
Roberto de Oliveira Cardoso
O DESENVOL LOCAL E A MOTIVAÇÃO DO INDIVÍDUO: O CASO
DA FORMULAÇÃO DO PROJETO “DESENVOLVIMENTO
SUSTENTADO NA COSTA DOS COQUEIROS”
Dissertação
apresentada
ao
Curso
de
Mestrado Profissional em Administração MPA
da
Escola
de
Administração
da
Universidade Federal - UFBA, como requisito
para
obtenção
do
grau
de
Mestre
em
Administração.
Orientador: Profa. Maria Suzana de Souza
Moura,
doutora
em
administração
Universidade Federal da Bahia
Salvador – BA
2002
pela
C268
O desenvolvimento local e a motivação do indivíduo: o caso da formulação do
projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros”/ Roberto de Oliveira
Cardoso. – Salvador: R.O.Cardoso, 2001
98 f: il
Orientadora: Maria Suzana de Souza Moura.
Dissertação apresentada à Universidade Federal da Bahia, Núcleo de PósGraduação em Administração para obtenção do grau de Mestre em Administração.
Mestrado Profissional.
1.Desenvolvimento sustentável - Estudo de Caso. Costa dos Coqueiros, BA. 3.
Motivação.
I.Moura, Maria Suzana de Souza. II Título
333.715
CDD 20 ed.
Roberto de Oliveira Cardoso
O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A MOTIVAÇÃO DO INDIVÍDUO: O CASO DA
FORMULAÇÃO DO PROJETO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO NA COSTA
DOS COQUEIROS”
Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Administração
Salvador, dezembro 2001.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Maria Suzana de Souza Moura
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. José Célio Silveira Andrade
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. Silvestre Teixeira
Universidade Federal da Bahia
DEDICATÓRIA:
•
Dedico essa Dissertação à memória de Meu Pai Pericles Esteves Cardoso (19231998), médico iluminado, que tinha o dom da cura, não só das doenças do corpo, mas
também das da alma. Por ter sido o meu guia e mestre, tal qual Virgílio auxiliou a
Dante, no incentivo à leitura na mais tenra infância, na aplicação nos estudos, na
apreciação de bons filmes e na audição da boa música. E, acima de tudo, pelas lições
de humanidade e caridade apreendidas. Que a sua frase mais apreciada Meu Pai: “As
maiores preocupações são causadas por tragédias que nunca chegam” seja o seu
eterno epitáfio.
AGRADECIMENTOS:
•
À minha mãe Teresinha, e ao meu irmão Sergio, pelo amor, incentivo, carinho e apoio
recebidos durante a realização do curso. Que a Luz Divina sempre ilumine e proteja os
seus caminhos;
•
A Dr. Luiz Antonio Vasconcellos Carreira, Secretário do Planejamento, Ciência e
Tecnologia da Bahia, pelo seu apoio decisivo através da concessão da bolsa financeira
integral, e, sobretudo pela sua amizade o que foi um incentivo fundamental para a
realização do Curso de Mestrado Profissional;
•
A Dr. José Francisco de Carvalho Neto, Chefe de Gabinete da Secretaria do
Planejamento da Bahia, meu orientador por amizade e afeição fruto de uma longa e
harmônica convivência, por me aconselhar, fornecer livros de sua biblioteca particular
e, por criticar com os olhos argutos de um cientista social, essa Dissertação;
•
Ao amigo Armando Avena, Superintendente de Planejamento Econômico da
Secretaria do Planejamento,
pelas sugestões oferecidas ao trabalho e, pela ajuda
durante a realização do curso;
•
Ao Instituto da Hospitalidade, em especial ao seu Presidente, Dr. Sergio Foguel, pelo
convite formulado para estudar o Projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos
Coqueiros”, ao Professor Silvestre Teixeira, pelas sugestões e críticas ao trabalho
realizado, e à equipe do projeto pela colaboração na disponibilização dos seus dados;
•
Aos meus colegas de trabalho e amigos sinceros, Antônio Alberto Valença e Durval
Olivieri, a quem sou imensamente grato pelas sugestões na escolha do tema a ser
estudado e, pelo apoio emocional nas horas mais difíceis, podendo afirmar com
segurança, que sem eles essa Dissertação não seria possível;
•
A minha Orientadora Maria Suzana Moura, pela paciência, compreensão, sugestões e
críticas fundamentais ao trabalho.
•
Aos meus professores e mestres Tânia Fischer, Amílcar Baiardi, Jose Antônio Gomes
de Pinho, Francisco Teixeira, Reginaldo Souza Santos, Tomas Rodriguez Villasante ,
e, André Ghirardi, por me possibilitarem o acesso a novos conhecimentos, teorias e
práticas, nas suas diversas áreas de competência, o que possibilitou o engrandecimento
da minha formação profissional e humanista;
•
Aos colaboradores da Secretaria do NPGA, especialmente, Magali Viana e Jade, pela
paciência, ajuda permanente e carinho;
•
Aos meus colegas da Turma II do Mestrado Profissional, especialmente Victor Patiri,
Monique Badaró, João Alfredo e, sua esposa, Marcela Figueiredo, que se tornaram
valiosos amigos pessoais e confidentes, talvez a melhor herança da realização desse
curso;
•
A Ana, pelo seu companheirismo, entusiasmo, palavras de incentivo, paciência, e, por
me fazer compreender que o amor e o estudo, complementam-se perfeitamente, e
ambos nutrem, sobretudo, a nossa alma;
•
Ao Meu Bom Deus, ao Amigo Cristo, à Mãe Divina, ao Senhor Buda, a Sri Sri Sai
Baba, a Pahamahansa Yogananda e aos Meus Guias Espirituais, que me inspiraram,
me acalmaram e me forneceram a Luz e a força interior, para que tudo isso fosse
possível.
•
“Os povos dentro de si nada mais são que indivíduos. Juntando-se a ação das forças
individuais à ação das forças sociais, consegue-se com freqüência fazer o que a
administração mais concentrada e mais enérgica não teria condições de executar”.
Alexis de Tocqueville em “A Democracia na América – Leis e Costumes”( 1835);
•
“Para se beneficiar da energia construtiva dos indivíduos, os líderes devem dar atenção
ao seu self, auto-respeito, auto-atualização, para motivá-los. Eles querem ser
reconhecidos por suas contribuições individuais; eles querem a oportunidade de
desenvolver e renovar, e aparecer com brilho. Esse fator de importância crescente
deve então ser algo central na renegociação de seus Contratos Pessoais”.
Pieter Winsemius
(1999).
em “The Emotional Revolution: A New challenge to leaders”
RESUMO
Trata-se o presente trabalho de um estudo de caso sobre a importância da componente
de motivação individual para programas de desenvolvimento local sustentável – DLS. O
objeto de análise foi a formulação do projeto “Desenvolvimento Sustentado da Costa dos
Coqueiros” pelo Instituto da Hospitalidade – IH, instituição que integra a Organização
Norberto Odebrecht.
Baseando-se na contribuição de autores que têm refletido sobre as mudanças que vêm
ocorrendo na gestão de programas de desenvolvimento local sustentado na América Latina,
Ásia e, em particular, no Brasil, foi identificado a tendência impulsionadora de inovação,
tomada aqui como categoria de análise, da inclusão da componente da motivação individual,
na formulação de projeto desta natureza.
A opção de adotar o termo “desenvolvimento sustentado” pelo IH, demonstrou o
caráter inusitado desta formulação, por tratar-se de prática distinta das demais formas de
desenvolvimento sustentável adotadas até então.
O “desenvolvimento sustentado” diferencia-se de “desenvolvimento sustentável” – já
que ambas as noções se apresentam como alternativas ao modelo de desenvolvimento
convencional, que presume o domínio da natureza com vistas ao progresso - não no que diz
respeito à forma, mas basicamente em relação à direção.
Enquanto o desenvolvimento sustentável tem como fim o progresso tecnológico e o
aumento de consumo, como forma de assegurar certo patamar de equidade social, cujas
prioridades são determinadas pelos ditames da nova ordem mundial globalizada, o
desenvolvimento sustentado possibilita implementar ações que estimulam o desenvolvimento
pleno e multidimensional de cada indivíduo e comunidade humana, a partir dos recursos
atuais e potenciais de cada um – os “saberes” e “fazeres” acumulados, os valores da cultura
popular – através do gradual empoderamento e educação dos indivíduos, para se tornarem
sujeitos conscientes e ativos deste autodesenvolvimento pessoal e coletivo.
É expectativa do autor que além de atender as formalidades acadêmicas, este estudo
contribua para maiores reflexões sobre as políticas de desenvolvimento local sustentável
promovidas por instituições de fomento ao desenvolvimento, quer sejam públicas ou privadas.
E que a nova metodologia proposta pelo autor, e as conclusões aqui apresentadas, possam
servir de parâmetro na implementação de futuros programas que tenham este escopo
metodológico.
PALAVRAS-CHAVE: Motivação Individual; Desenvolvimento Local Sustentável; Autosustentação; Costa dos Coqueiros.
ABSTRACT
This dissertation seeks to demonstrate that a self-motivation component
is a key
factor for foster, resilience and achieve success, in programs of local sustainable development,
either supported for official or private funds.
The methodology adopted to conduct the thesis was a qualitative case study of the
methodology applied in the project “Desenvolvimento Sutentado na Costa dos Coqueiros”.
The project is located in the touristy zone of Costa dos Coqueiros, in the Northeast Region of
Bahia State. After a thorough study of the methodology applied in the present study, the
conclusions achieved, is that without a strong project component of
individual self-
motivation, the major trend of local sustainable development projects is its phase-out due to
the lack of means for self-sustainability after the interruption of the financial support.
Relatively, the key point that makes a relevant distinction between both practices,
which appears as a new alternative for the traditional development models for sustainable
development projects, concentrates not in the aspects of project description, but, basically,
toward the new direction choice.
Meanwhile, the “sustainable development projects”, has its main objectives focused on
technological progress and the increase of the consumption patterns levels, whose the core
factors are conducted by the new economic global order, the “sustained development
projects” creates new paths for the implementation of innovative actions, which the main
purpose is stimulate the full development of the various aspects for the “self-motivation” of
the native population. The most relevant aspect of these actions is the rescue of the “primitive
and native” values of each human being, likewise in the human communities, as the
“traditional how-to-do and how-to make” original practices in the work activities, considering
the previous ancient “know-how”, the cultural values, the gradually empowerment and
education of each human being, leading to creates self-activity human beings, that are aware
and conscientious of the self-development for themselves and the entire community.
It is the author expectation, that beyond fulfill the academics requirements, this
dissertation, also, contributes to promote a future reflection in State and
private funding
institutions policies for local sustainable projects, likewise the conclusions and findings might
be used as a guideline for future projects implementation.
Keywords: Self-Motivation; Local Sustainable Development; Self-sustainability.
STA
DEDE
GRÁFICOS
LISTA
FIGURAS
p.
1. FIGURA 1 – Eficácia, Eficiência e Equidade
16
2. FIGURA 2 – Formatação do Programa
3. FIGURA 3 – Desenvolvimento Sustentável no Nível Local
4. FIGURA 4 – Requisitos Básicos para o Desenvolvimento Sustentável
22
37
42
5. FIGURA 5 – Construção do Entusiasmo
64
6. FIGURA 6 – Escada de Necessidades de Abraham Maslow
65
7. FIGURA 7– Pirâmide das Necessidades de Peter Winsemus
66
8. FIGURA 8– Construção do Entusiasmo de Winsemus
67
9. FIGURA 9 – Construção da Criatividade de Teresa Amabile
68
10. FIGURA 10 – Formatação do Programa da Costa dos Coqueiros
71
11. FIGURA 11 - Eixo das Ações do Programa Costa dos Coqueiros
73
12. FIGURA 12 – Ações de Mobilização e Articulação Social do Programa 76
13. FIGURA 13- Desdobramento dos Projetos do Programa
79
14. FIGURA 14– Integração das Ações Produtivas do Programa
80
15. FIGURA 15 – Ações de Educação e Cultura do Programa
82
16. FIGURA 16 – Interseção das Ações do Programa
85
LISTA
DE
GRÁFICOS
LISTA
DE
QUADROS
p.
1. QUADRO 1–Desenvolvimento Local Sustentável
49
2. QUADRO 2 – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
49
3. QUADRO 3 – Desenvolvimento Local Sustentado
50
SUMÁRIO
p.
RESUMO
6
ABSTRACT
7
LISTA DE FIGURAS
8
LISTA DE QUADROS
9
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
12
I.1.DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA
12
I.2.OBJETIVOS DA DISSERTAÇÃO
17
I.2.1.OBJETIVOS ESPECÍFICOS
17
I.3.OBJETO DA DISSERTAÇÃO
17
I.4.PREMISSAS
18
I.5. JUSTIFICATIVA – A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
18
I.6. PERFIL DA UNIDADE DE ESTUDO
19
I.7.PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
23
I.8.APRESENTAÇÃO DO ROTEIRO DA DISSERTAÇÃO
25
CAPÍTULO II – ABORDAGENS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: 28
ESCALAS E SENTIDOS
II.1. GLOBALIZAÇÃO E AS MUDANÇAS NAS ABORDAGENS
28
DE DESENVOLVIMENTO
II.2. LOCAL E TERRITORIALIDADE – NOVAS ESCALAS PARA OS
35
PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
II.3. SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO E OS NOVOS
38
SENTIDOS DO DESENVOLVIMENTO
II.4. O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTADO NA FORMULAÇÃO
DO PROJETO DA COSTA DOS COQUEIROS
45
CAPÍTULO III – O INDIVÍDUO E OS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
51
III.1. AS PRIMEIRAS ABORDAGENS DA NOÇÃO DE
51
INDIVÍDUO NA COMUNIDADE
III.2. A MOTIVAÇÃO DO INDIVÍDUO NO DESENVOLVIMENTO
59
LOCAL SUSTENTÁVEL: AS DIFERENTES VISÕES
III.3. A COMPONENTE DA MOTIVAÇÃO INDIVIDUAL
69
PROJETO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO NA COSTA
DOS COQUEIROS”
CAPÍTULO IV – CONCLUSÃO
85
IV.1 REFERÊNCIAS
88
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
I.1. DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA
Encontra-se em voga na atualidade falar e praticar muito de desenvolvimento local, e
as visões são variadas. Segundo Moura et al (1999) são distinguidas duas abordagens, uma
que é denominada social e outra competitiva, em função do foco dos discursos e práticas.
No primeiro caso, o combate à exclusão social aparece como eixo norteador e as ações
tendem a enfocar os pequenos empreendimentos e os segmentos que estão à margem do
grande mercado. Já no segundo, o foco é a inserção competitiva de uma cidade, ou de uma
região específica no mercado e as ações tendem a se dirigir, na sua maioria, para os grandes e
médios empreendimentos.
É importante ressaltar, contudo, que ambas as correntes citadas possuem algumas
características comuns. A que mais se aplica a este trabalho é a importância dada à
participação da sociedade civil, via as parcerias entre o público e o privado, quando possibilita
a mobilização e o engajamento dos seus agentes sociais, e os capacita para pensar o local de
forma integral, para que seus recursos produtivos sejam valorizados e transformados em
vantagens competitivas efetivas.
No Brasil, nos dias de hoje, vários programas e projetos de desenvolvimento local vêm
sendo implantados por agências governamentais e não-governamentais, as quais integram o
termo “sustentável” como um dos seus qualificativos(Moura et al 2001).
Como exemplo, destacam-se as entidades Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento PNUD, e a extinta Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE, que atuaram juntas em programas denominados DLS -
desenvolvimento local
sustentável; a GTZ, agência de cooperação do Governo da Alemanha que vêm atuando há
mais de dez anos no Estado do Rio Grande do Sul e , recentemente em municípios do
Nordeste do Brasil, através do Programa PRORENDA, que utiliza também a denominação de
16
DLS - desenvolvimento local sustentável; e o
Programa Comunidade Ativa, iniciativa do
Governo Federal que se denomina de DLIS – desenvolvimento local sustentável e integrado, e
é destinado a municípios brasileiros com baixo IDH1 .
Moura et al (2001) ainda destaca que essas metodologias de desenvolvimento local
sustentável utilizadas por estes organismos apresentam convergências e algumas distinções
que valem a pena ser observadas.
Nas concepções do PNUD/SUDENE e GTZ os modelos adotam alguns dos termos
que integram o conceito de desenvolvimento sustentável, na sua primeira versão – a
conservação do meio ambiente, a gestão responsável de recursos, o uso racional dos recursos,
como as bases fundamentais para o desenvolvimento local.
Por sua vez, na concepção do Comunidade Ativa, o termo “sustentável” aparece sem
conter os fundamentos da agenda ambiental, afirmando-se, apenas, as dimensões social,
política e institucional através da sustentabilidade das comunidades como uma meta,
indicando a capacidade de suprir as suas necessidades imediatas e de planejar seu próprio
desenvolvimento. Há, ainda, o acréscimo do termo “integrado”, que é a concepção de que as
ações dependem de parcerias êxitosas, dos agentes promotores do desenvolvimento, entre si, e
destes com as comunidades que são objeto das ações.
No final da década de 1990, começam a ser lançadas algumas teorias que introduzem
algo de novo na abordagem do desenvolvimento local sustentável. É quando começa ser dada
maior atenção à figura do indivíduo que habita locais aonde são implementados programas de
DLS. Ao mencionar este aspecto não se invalida em termos de discurso o que foi dito sobre
as metodologias citadas anteriormente.
Todavia, todas indicam que o sucesso dos programas de DLS seria alcançado através
de várias ações como gestão responsável e uso racional dos recursos, capacitação para
mobilização e participação da comunidade, construção e cooperação de parcerias e da
1
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Metodologia desenvolvida pela Organização das Nações Unidas,
ONU, para classificar países, levando em conta o Produto Interno Bruto-PIB real percapita, a expectativa de vida
e o nível educacional.
17
melhoria das condições de “comunidades” ou “populações”, considerando-se aspectos
econômicos, sociais, políticos, culturais e de sutentabilidade das comunidades.
Verifica-se, assim, que não integra a agenda dessas metodologias ações específicas
envolvendo a figura do indivíduo. Pois, as abordagens são de natureza coletivas e desprovidas
de qualquer menção de verificação sobre a satisfação ou motivação pessoal desses indivíduos,
quer seja durante a formulação dos projetos ou nos processos de monitoração/avaliação.
De acordo com Sen (1999, p.321), ao abordar a questão do desenvolvimento como
liberdade individual em programas de DLS, “uma divisão de responsabilidades que ponha o
fardo de cuidar do interesse de uma pessoa sobre os ombros de outra pode acarretar a perda de
vários aspectos importantes como motivação, envolvimento e auto-conhecimento que a
própria pessoa pode estar em posição única de possuir. Qualquer afirmação de
responsabilidade social que substitua a responsabilidade individual só pode ser, em graus
variados, contraproducente. Não existe substituto para a responsabilidade individual.”.
Em Seguida, afirma Sen(1999, p.322), “a alternativa ao apoio exclusivo na
responsabilidade individual não é, como as vezes se supõe, o chamado “Estado babá”. Há
uma significativa diferença entre “pajear”as escolhas de um indivíduo e criar mais
oportunidades de escolha e decisões substantivas para as pessoas, que, então, poderão agir de
modo responsável, sustentado-se nessa base”.
Além do aspecto de liberdade individual em programas de DLS, Sen(1999) ainda
menciona a importância da capacidade humana, para o êxito de programas de
desenvolvimento local sustentável. Para ele dada as características pessoais, origens sociais e
situação econômica uma pessoa tem o potencial para fazer (ou ser) determinadas coisas que
ela valoriza.
A razão para valorizar essas coisas pode ser direta – o programa em funcionamento
pode ajudar a enriquecer sua vida, tornando, por exemplo, uma pessoa mais bem nutrida ou
sadia, ou indireta - quando o programa pode contribuir para aumentar a produção de sua
comunidade e obter melhores preço no mercado, quando passam a se inserir nos fluxos de
troca.
18
O reconhecimento do papel das qualidades humanas na promoção e sustentação do
crescimento econômico, nada nos diz sobre a razão de se buscar o crescimento econômico
antes de tudo. Ao invés disso, se o enfoque for, sobre a expansão da liberdade humana para
levar o tipo de vida que as pessoas atribuem seu próprio conceito de valor, então, o papel do
desenvolvimento sustentável na expansão dessas oportunidades tem de ser integrado à
concepção da expansão da capacidade humana para levar uma vida mais livre e digna de ser
vivida.
Por sua vez, a vertente do indivíduo como foco central aparece, também, na
abordagem de desenvolvimento que Boff e Arruda (2000, p.52) concebem. Segundo eles “o
genuíno desenvolvimento não pode ser visto apenas pelo ângulo da economia e finanças; estes
deveriam ser tomados, apenas, como meios para o desenvolvimento pleno e multidimencional de cada pessoa ou comunidade humana, a partir dos recursos atuais e potenciais
de cada um”.
Para eles, ainda, existe a perspectiva de que o desenvolvimento local e global, implica
na construção das relações baseadas no cuidado com todos os seres e com a natureza, quando
mencionam que“um processo de construção de uma sociedade é caracterizado pelo amor
como modo de ser de todas as relações, sendo o progresso os avanços obtidos nos âmbitos
pessoal, familiar, comunitário, nacional, planetário e cósmico” .(Boff e Arruda 2000, p.53)
Uma cuidadosa análise das abordagens, anteriormente mencionadas, revela que
nenhuma delas,
trata especificamente da componente da motivação individual nas suas
metodologias.
Um ponto de partida para fornecer subsídios à análise da componente de motivação
individual em programas de desenvolvimento local sustentável, é a publicação “Eficácia,
eficiência e equidade: como atingi-las, desenvolvendo parcerias bem-sucedidas - Referências
para uma Gestão Ambiental Sistêmica”,1998, Centro de Recursos Ambientais –CRA,
Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia, do Professor e ex-Ministro do Meio
Ambiente da Holanda, Dr. Peter Winsemus.
Winsemus (1998), destaca, que o principal caminho para programas e projetos de
interesse econômico, social ou ambiental atingirem a sustentabilidade é através do
equilíbrio
19
dos requisitos interdependentes da equidade, eficiência e eficácia, chamados dos “Três Es” ,
conforme pode ser visto na FIGURA 1 abaixo. Quando for atingido este equilíbrio, os
programas e projetos estimulam os atores sociais a um grau de participação que gera
uma maximização de suas criatividades e motivações individuais.
A componente da motivação individual é tratada de maneira mais específica, ainda, no
livro “The Emotional Revolution: A New Challenge to Leaders”, Peter Winsemus, EEC –
European Ecomonic Comunity – EEC, 1999. Este livro, efetua uma análise de sistemas para o
desenvolvimento da motivação e capacitação humana para o desenvolvimento sustentável, ou
seja, tipos de desenvolvimento que empreguem, o melhor possível, das aptidões da sociedade
local, agregando estímulos e boas práticas, que funcionem melhor na própria região e em
outras áreas do globo, assimiláveis mediante sistemas de cooperação, formais e informais.
Winsemus(1999, p.59)
menciona que “para se beneficiar da energia construtiva dos
indivíduos, os líderes devem dar atenção ao self, auto-respeito, auto-atualização, para motiválos. Eles querem ser reconhecidos por suas contribuições individuais; eles querem a
oportunidade de desenvolver e renovar, e aparecer com brilho. Esse fator de importância
crescente deve, então, ser algo central na renegociação de seus Contratos Pessoais”. Esta
abordagem, então, abre possibilidades para o debate sobre a componente de motivação
20
individual em programas de desenvolvimento local sustentável, o que se pretende analisar
neste trabalho.
I.2. OBJETIVOS DA DISSERTAÇÃO
•
Essa dissertação tem como objetivo principal analisar como a componente de
motivação individual e resgate da auto-estima se fez presente na formulação de
projetos de desenvolvimento local sustentável.
I.2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
•
Identificar a metodologia e as ações, visando a motivação individual na formulação do
Projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros”;
•
Analisar, criticamente, a metodologia utilizada na formulação do referido projeto;
•
Evidenciar a importância da componente da motivação individual para programas
públicos e privados de fomento ao desenvolvimento local sustentável;
•
Contribuir para uma maior reflexão sobre a forma de atuação do Estado e instituições
privadas de financiamento, na sua práxis de políticas de programas desenvolvimento
local sustentável, e, que as conclusões aqui apresentadas, possam servir de parâmetro
na implementação de futuros programas contemplando essas novas possibilidades.
I.3. OBJETO DA DISSERTAÇÃO
•
Define-se como objeto de estudo a incorporação da componente da motivação do
indivíduo na formulação do Projeto “Desenvolvimento Sustentável na Costa dos
Coqueiros” (2001).
21
I.4. PREMISSAS
•
BÁSICA
Ø Quando utilizada em projetos de desenvolvimento local sustentável, a motivação
individual
é
um
fator
importante
para
possibilitar
aos
indivíduos
um
comprometimento maior no engajamento nas atividades dos projetos. A motivação
individual deve ser entendida e medida pelo grau de satisfação alcançado por um
indivíduo no seu “habitat” comunitário local e no seu “habitat” interior – self,
domicílio, família, etc. durante as fases de formulação, implementação e após a
conclusão das atividades do projeto.
•
SECUNDÁRIA
Ø O “Projeto de Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros”, ao
incorporar a componente de motivação individual na sua formulação, viabiliza
uma maior mobilização e adesão das populações que habitam as 31 comunidades
beneficiadas pelo projeto que deixam, assim, de ser apenas expectadoras das
transformações que se espera que ocorram, mas se incluem nelas, sendo
coadjuvantes no respeito as
suas tradições locais, na preservação dos seus
“saberes”e fazeres, permitindo uma melhoria da qualidade de suas vidas.
I.5. JUSTIFICATIVA – A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Segundo Buarque (1999) a idéia de sustentabilidade não é exatamente nova, mas só
nos últimos anos é que tem crescido, em alguns setores da sociedade, a consciência pública
brasileira para a necessidade de conservar os recursos naturais e buscar novas formas para as
práticas
do
desenvolvimento
local
sustentável,
pressupondo
uma
comunidade
mais
participativa e bem informada em termos ambientais, o que proporcionaria um processo
endógeno de mobilização das energias coletivas, em espaços de pequena escala – municípios,
microrregiões, comunidades locais – criando as condições para a implementação de mudanças
22
capazes de elevar as oportunidades sociais, as condições de vida e a situação econômica de
das populações desses espaços geográficos.
A partir do final da década de 1990, surgem algumas teorias que introduzem algo de
novo na abordagem do desenvolvimento local sustentável. É quando começa ser dada maior
atenção à figura do indivíduo, enquanto participante de programas de Desenvolvimento Local
Sustentável.
É importante ressaltar que, a maioria delas preconizavam que o sucesso dos programas
de DLS dependeria do êxito alcançado através de ações como gestão responsável e uso
racional dos recursos, capacitação para mobilização e participação da comunidade, construção
e cooperação de parcerias e da melhoria das condições de “comunidades” ou “populações”,
considerando-se aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e de sustentabilidade das
comunidades.
Uma análise mais cuidadosa, contudo, evidencia que não constavam da agenda dessas
metodologias ações que diretamente envolviam a motivação do indivíduo. As abordagens
dessas teorias tinham os seus focos em ações de natureza coletivas e, não contemplavam de
forma específica, métodos de verificação sobre a satisfação ou motivação pessoal dos
indivíduos habitantes dos espaços geográficos que eram objeto dos estudos.
I.6. PERFIL DA UNIDADE DE ANÁLISE
A iniciativa do Governo do Estado da Bahia, em 1992, de dar continuidade a
construção da BA –099, que se finalizava, então, na entrada da localidade de Praia da Forte,
até o Estado de Sergipe, possibilitou o acesso rodoviário a localidades com um grande
potencial turístico latente, mas que vinham explorando esta atividade de maneira artesanal e
amadora.
Batizada de “Linha Verde”, a BA-099, tinha de inovador no seu traçado a
característica da preservação dos ecossistemas ambientais pré-existentes, e a manutenção de
uma “linha imaginária” de 10 km, entre a faixa litorânea e o asfalto, evitando, assim, a
descaracterização, ou alteração, das localidades situadas a beira-mar. A preocupação com a
23
futura degradação ambiental
da região, decorrente da utilização da rodovia,
possibilitou a
criação da “Área de Proteção Ambiental – APA” do Litoral Norte.
Essa rodovia, também, representou a contrapartida estadual do Programa de
Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR, criado e implantado nos estados que compõem
a Região Nordeste do Brasil, com a utilização de recursos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID, repassados através do Banco do Nordeste –BNB.
Como resultado do novo zoneamento turístico estabelecido pelo PRODETUR, a
região, até então conhecida como “Litoral Norte”, foi renomeada de “Costa dos Coqueiros”.
A abertura desta nova fronteira turística, veio a possibilitar a atração de novos
investimentos para a região, a exemplo do Complexo Turístico Hoteleiro de Costa do Sauípe.
O complexo turístico se consiste de um empreendimento hoteleiro implantado pela
Construtora Norberto Odebrecht, com investimentos da ordem de US$ 200 milhões,
compreendendo uma área de 1.789,92 ha, numa faixa litorânea que se estende por 6 km na
Linha Verde (Rodovia Estadual Ba 099 que interliga os Estados da Bahia e Sergipe). Os
equipamentos turísticos se consistem de um total de 5 hotéis e um grupo de 6 pousadas
temáticas, num total 1.650 quartos, além de diversos equipamentos destinados ao lazer,
Centro de Conferências, Centro de Entretenimento Familiar, Centro de Animação, Campo de
Golfe e Templo Ecumênico.
A preocupação com o impacto da instalação desse empreendimento, sobre as
populações locais fez com que a Odebrecht, através do Instituto da Hospitalidade, implantasse
o “Projeto Desenvolvimento Sustentado da Costa dos Coqueiros”. O Projeto tem como
objetivo central promover ações com vistas ao desenvolvimento local sustentado da região do
entorno do Complexo Turístico, respeitando as cadeias de interesse das populações locais e
aquelas do empreendimento turístico.
Precedendo a implementação do projeto, entre o período de 1998 e 1999, o IH realizou
um
diagnóstico
sócio-econômico
da
região,
pesquisando
as
312
localidades
2
que
Tapera, Praia do Forte, Olhos Dágua, Retiro Tereré, Açu da Torre, Campinas, Malhada, Imbassaí, Barro Branco, Irinha, Areal, Castro,
Diogo, Curralinho, Curralinho de Cima, Curralinho de Baixo, São José do Curralinho, Buril, Maria Forra, Estiva, Santo
Antônio, Sauípe, Água Comprida, Canoas, Olaria, Porto Sauípe, Aldeia, Entradas, Matuim, e Massarandupió.
24
compreendiam a área de atuação do Projeto, formando um território de 400 Km2, delimitado
pelos Rios Pojuca e das Entradas, perfazendo um total aproximadamente de 40 Km de faixa
litorânea.. A micro-região apresenta uma população de aproximadamente 10.000 habitantes,
majoritariamente constituída de afro-descendentes e de descendentes de grupos indígenas. As
principais atividades econômicas verificadas na Costa dos Coqueiros estão relacionadas à
agricultura ( de subsistência ou visando a comercialização) pesca, artesanato, construção civil,
pequeno comércio, e em menor escala pecuária. Uma parcela considerável da população está
ocupada em atividades relacionadas ao turismo - pequenas pousadas e hotéis. Uma
característica digna de menção é que a maioria dos indivíduos desenvolve mais de uma
atividade produtiva, e a renda familiar é complementada por trabalho autônomo, de acordo
com o diagnóstico “Costa dos Coqueiros: Bases para um Programa de Desenvolvimento
Sustentado”.(Instituto da Hospitalidade, 2000)
A formatação do Projeto do projeto foi concebida tendo como base três princípios
fundamentas:
Valorização do capital cultural existente como base do processo endógeno de
transformação regional,
visando identificar os interesses, as expectativas e experiências no
tocante aos saberes e fazeres dos habitantes das comunidades , para promover ações de
melhoria de qualidade de vida, elevando a um novo patamar seus processos produtivos
tradicionais e/ou introduzindo novos que sejam concernentes ao modelo de desenvolvimento
regional;
Turismo/Hospitalidade com o objetivo de ponto de encontro/interseção das cadeias de
interesse das populações locais e dos empreendores/operadores e turistas, quer aperfeiçoando
o que fazem hoje, autonomamente, quer se habilitando para um novo trabalho/ocupação em
novo segmento produtivo ou em segmentos afins;
Educação/colaboração inspirando toda a interseção prevista no projeto.
25
Conforme podemos observar na FIGURA 2, acima, estes três princípios não
acontecem de maneira isolada, mas, concomitantemente, permitindo uma maior interatividade
e retroalimentação entre as suas ações.
A característica inovadora deste projeto no que se refere à motivação do indivíduo, o
que foi fundamental para a sua escolha como objeto do estudo de caso para essa dissertação, é
o seu objetivo de contribuir para o senso de poder dos indivíduos das comunidades locais, na
medida em que eles participem como atore sociais das ações do Projeto. A participação não
ocorreria, passivamente, como nos modelos tradicionais de desenvolvimento sustentável, mas
ativamente, como cidadãos e sujeitos criativos e criadores do seu próprio destino, na medida
em que lhes é possibilitada a oportunidade de se implantarem ações que esses sujeitos
definem como metas para modificação de sua situação de vida.
Esses indivíduos, ao terem acesso a estes processos, têm a sua auto-estima e autoconfiança resgatadas, o que possibilita incrementar a sua motivação e satisfação
interior, e,
conseqüentemente, contribuir de forma pró-ativa para as ações que serão transformadoras de
sua realidade.
26
I.6. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Existem vários conceitos sobre método. Assertivamente, Lakatos (1991) afirma que
“método é o conjunto das atividades sistêmicas e racionais que, com maior segurança e
economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros – traçando o
caminho a ser seguido, destacando erros e auxiliando as decisões do cientista”.
Método e métodos situam-se em níveis claramente distintos, no que se refere à sua
inspiração filosófica, ao seu grau de abstração, à sua finalidade mais ou menos explicativa, à
sua ação nas etapas mais ou menos concretas da investigação e ao momento em que se situam.
O método se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em nível de abstração mais elevado,
dos fenômenos da natureza e da sociedade. Assim tem-se, por exemplo, o método de
abordagem e o método de procedimentos.
Segundo Baiardi (1999) é possível indagar: “até que ponto a complementaridade entre
pesquisas qualitativas e quantitativas é solução alternativa ao dilema que se tem vivido para
interpretar o mundo em termos de pesquisas sociais?”. Portanto, isto demonstra que não se
deve ter a pretensão de encontrar a verdade em modelos prontos, mas, sim, buscá-la
incessantemente mesmo sabendo ser impossível descrevê-la em toda a sua integridade.
Um aspecto controvertido na discussão sobre metodologia nas ciências sociais é a das
análises quantitativa e qualitativa para a compreensão do objeto de estudo.De acordo com
Wilson (1986), a controvérsia sobre métodos quantitativos e qualitativos talvez seja a mais
permanente nas ciências sociais.
Segundo este autor, de acordo com um ponto de vista extremista sobre os benefícios
dos dados quantitativos, só se pode adquirir um conhecimento objetivo da vida social através
da utilização da pesquisa quantitativa. Situada no outro extremo, a posição qualitativa radical
sustenta, por sua vez, que embora úteis para organizar fatos superficiais necessários para
finalidades administrativas, as estatísticas não revelam nada de significativo sobre a natureza
fundamental da vida social de um determinado grupo pesquisado.
Adotando uma posição conciliatória, Wilson (1986) considera que tanto a abordagem
qualitativa quanto a quantitativa são métodos complementares e não exercem competição
entre si, pois cada qual fornece um tipo de informação que não apenas é diferente do outro,
27
como também é essencial para interpretar o outro. Desse modo, o uso de um desses métodos
em particular não pode ser justificado em termos apenas de preferência, e, sim, deve ser
definido tendo como base a natureza do problema da pesquisa em questão.
Demo (1985) salienta a importância de se estar atento para a existência de duas
realidades: a social e a natural. A social se defronta com fenômenos imponderáveis, cuja
complexidade nunca é de todo desvendável. Neste caso, o método analítico é substituído pela
vivência do fenômeno. Já em relação à realidade natural , o autor considera o método
analítico perfeitamente adequado, pois, para entender, é preciso decompor. Portanto, ele
estabelece uma definição distinta entre explicar e analisar – mais afetos à realidade natural – e
compreender - que pressupõe uma vivência histórica – estando mais compatível com a
realidade social .
Ao discutir esta questão Yin (1994) também considera que existem dois níveis de
realidade: o visível e o invisível. O nível visível admite a realidade concreta, que admite
expressão através de equações, médias e procedimentos estatísticos. O nível invisível se afasta
dessas representações numéricas e se alinha com o mundo de significados, motivos,
aspirações, atitudes, crenças e valores, mundo este que necessita de um instrumental de coleta
e interpretação de dados de outra natureza. Os dois níveis são considerados interdependentes,
pois não são antagônicos.
Para Roesch (1999), o estudo de caso não é um método, mas a escolha de um objeto a
ser estudado. Este tipo de metodologia como forma de pesquisa permite a análise de
fenômenos em profundidade dentro do seu contexto, sendo especialmente adequado ao estudo
de processos, pois explora fenômenos com base em vários ângulos. Busca-se, enfim,
argumentar algo sobre a circunstância particular visando o potencial do caso para a construção
de teorias.
Por outro lado, Stablein(1996), menciona que há estudos de casos cujo propósito é
relatar
práticas
de
organizações,
recomendar
alternativas
de
política,
ou
examinar
metodologias específicas, com vistas a refinar a teoria, sugerir complexidades para futuras
investigações, assim como ajudar a reflexão sobre práticas e políticas.
28
Lakatos (1991) afirma que a análise e a interpretação são atividades distintas, mas
intimamente relacionadas e, como processo, envolvem duas operações: análise e explicação.
As diversas abordagens citadas convergem para um ponto de similaridade entre elas: o
estudo de caso, como método de investigação de um fenômeno, tem a possibilidade de
oferecer subsídios à construção de políticas e teorias sobre temas variados. É com base neste
propósito é que foi estruturada a presente dissertação.
Como o tema da motivação individual é algo inteiramente novo nas práticas do
desenvolvimento local sustentável, buscou-se, efetuar um estudo de caso sobre uma
experiência inusitada. A escolha recaiu sobre o Projeto Desenvolvimento Sustentado na Costa
dos Coqueiros, em fase de implantação, nesta micro-região, pelo Instituto da Hospitalidade –
IH. Pode-se considerar este projeto um marco referencial, entre as experiências até então
praticadas de projetos de desenvolvimento local sustentável, pois tem na sua característica
inovadora, a inclusão da componente da motivação individual, como um fator-chave para o
seu êxito.
O procedimento metodológico adotado foi o de um estudo de caso empírico de
natureza qualitativa. Para tanto, efetuou-se uma análise da metodologia utilizada no projeto,
procurando identificar de que maneira a componente da motivação individual foi utilizada na
sua formulação, e nas subseqüentes formas de monitoração e avaliação dos resultados.
De fundamental importância, também, para obter mais subsídios sobre a construção da
metodologia do projeto, foi a análise do documento preliminar, diagnóstico sócio econômico
da “Costa dos Coqueiros: Bases para um Programa de Desenvolvimento Sustentável”,
elaborado pelo IH no ano 2000. Este documento foi o ponto de partida para subsidiar a
formatação do projeto, e o conjunto de sub-projetos, através dos quais, são executadas as suas
ações. Evidencia-se, dessa maneira, que a técnica utilizada para coletar as informações, que
foram objeto de análise do presente trabalho, restringiu-se, apenas, e, basicamente, a análise
de documentos pré-existentes, enquadrando-se, assim, na metodologia de análise de dados
qualitativos
secundários, o que possibilitou a construção de estudo empírico sobre a
metodologia utilizada, no projeto em tela
29
I.7. APRESENTAÇÃO DO ROTEIRO DA DISSERTAÇÃO
O autor optou por efetuar a análise do projeto, paralelamente ao desenvolvimento da
dissertação.
No Capítulo I, objetivou-se definir a problemática sobre a existência da componente
da motivação individual nas metodologias praticadas, hoje, no Brasil, pelas entidades
promotoras do desenvolvimento local sustentável, a exemplo do PNUD, em parceria com a
extinta SUDENE; a GTZ, através do PRORENDA, e o Programa Comunidade Ativa, do
Governo Federal. Foram abordadas, também, as teorias e sugestões de práticas de alguns
autores, que até então, ainda não estão sendo adotas pelos agentes promotores do
desenvolvimento no Brasil, como Leonardo Boff e Marcos Arruda, Amartya Sen e Peter
Wiesemus; procurou-se destacar a necessidade de um balizamento na reformulação do
modelo de desenvolvimento sustentável para o país; e nas parcerias que o Estado realiza, hoje
em dia, com a sociedade civil representada pelo Mercado e pelo Terceiro Setor.
Estabeleceram-se, ainda neste capítulo, os objetivos da dissertação, tanto o geral
quanto o específico, e o seu objeto de análise. Foram construídas as premissas que serviram
de ponto de partida para a análise da metodologia utilizada na formulação do Projeto
“Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros” e da componente de motivação
individual nas suas ações, a justificativa para a importância desse estudo, e, por fim, uma
apresentação do roteiro da dissertação.
Passou-se em seguida no Capítulo II, onde se faz uma abordagem do desenvolvimento
sustentável e suas diversas escalas e sentidos, procurando evidenciar, as diversas interfaces
entre os processos investigados e as suas correlações, ou conseqüências, com a formulação do
projeto. Abordou-se, também, a questão do desenvolvimento local; os fatores e eventos de
natureza global, que influenciaram, fortemente, a revisão de políticas de desenvolvimento até
então praticadas e; as novas iniciativas ambientais de caráter mundial sinalizando para novas
práticas, vetores de desenvolvimento para a garantia e conservação dos recursos ambientais
para a geração futuras. Por fim, a questão do desenvolvimento “sustentado” no Projeto Costa
dos Coqueiros, foi amplamente investigada.
30
No Capítulo III foi efetuada uma análise da literatura existente sobre o tema, para a
construção do embasamento teórico que subsidiou o presente trabalho. Observou-se que,
desde a antiguidade a era contemporânea, já se aborda a questão do homem, enquanto
indivíduo, e sua importância na construção das sociedades. A motivação individual, por sua
vez, é algo recente entre os estudiosos da atualidade, embora muitas teorias contemporâneas
foram alicerçadas em concepções de autores considerados clássicos. O estudo do caso foi
ainda desenvolvido no Capítulo III,
onde se procedeu uma análise completa do texto
do
Projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros”, e em que partes estão
presentes as ações de motivação individual na formulação do projeto.
Na Capítulo IV, são feitas as considerações finais, indica-se a importância da
componente
da
motivação
individual
como
fator
de
sucesso
dos
programas
de
desenvolvimento local sustentável. E sugere-se alguns caminhos, para que as entidades
promotoras do desenvolvimento, sensibilizem-se desta importância e, possibilitem sua
inclusão em futuros programas. Seguem-se as referências e a bibliografia utilizadas nesta
dissertação.
31
CAPÍTULO II – ABORDAGENS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
ESCALAS E SENTIDOS
II.1.
A
GLOBALIZAÇÃO
E
AS
MUDANÇAS
NAS
ABORDAGENS
DE
DESENVOLVIMENTO
Desde o pós-guerra até a década de 1970, o modelo de crescimento econômico – tanto
nos países industrializados quanto nas nações economicamente emergentes - estava lastreado
nas correntes de pensamento neoclássica, keynnesiana e liberal e apoiadas sobre o tripé:
abundância de recursos humanos, abundância de recursos naturais e abundância de recursos
energéticos e, a presença do Estado do Bem-estar Social ( ou do Estado Desenvolvimentista,
no caso do Brasil). Encontrava-se a economia mundial em franco processo de crescimento
extensivo e, estimulado pelos ganhos de escala e rentabilidade das empresas.
No início da década de 1970, como resultado dos efeitos combinados da primeira e a
segunda crise do petróleo, respectivamente em 1973 e 1975, a crise da super oferta de dólares
no mercado internacional, iniciada com a decisão dos Estados Unidos de por fim, em 1973, a
convertibilidade ouro-dólar pactuada no acordo de Breton Woods/EUA, e, a publicação do
Primeiro Relatório do Clube de Roma – intitulado “Os Limites do Crescimento”, com um
alerta de grande impacto político sobre as restrições ambientais ao processo de crescimento da
economias e populações, o modelo entra em crise. Surgem, então, diversas iniciativas que
buscavam alternativas para a nova realidade.
De acordo com Buarque (1999), um dos primeiros eventos de mobilização mundial,
após os impactos desses três eventos, foi a realização em 1972, em Estocolmo/Suécia, da
Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente. Pela primeira vez era introduzida na
agenda política internacional, a dimensão ambiental como condicionante e limitadora do
modelo tradicional de crescimento e de uso de recursos ambientais.
Desencadeia-se, então, um amplo movimento ambientalista nos países desenvolvidos,
dando espaço para um novo debate ideológico sobre os diversos sentidos de desenvolvimento.
32
Esse processo converge para a Conferência das Nações Unidas de Desenvolvimento e
Meio-ambiente – ECO-92, realizada na Cidade do Rio de Janeiro em 1992, evento que
mobilizou as Nações Unidas, grupos ambientalistas, comunidade científica e Organizações
Não Governamentais de todo o mundo. Resulta-se, deste evento, dois fatos de relevância
importante: o conceito de sustentabilidade passa a integrar a agenda de desenvolvimento do
Brasil; e, a aprovação do documento Agenda 21, com os postulados centrais de uma nova
forma de desenvolvimento sustentável.
A Agenda 21 contém o compromisso dos 179 países participantes para a mudança do
padrão do desenvolvimento no século XXI. Este documento significou o balizamento da
necessidade de reformulação de desenvolvimento, identificando problemas e buscando
soluções a partir do ponto de vista da sustentabilidade. Com a Agenda 21, criou-se um
instrumento aprovado internacionalmente que tornou possível repensar o planejamento de
forma participativa em nível global, nacional e local, de forma gradual e negociada, tendo
como meta um novo paradigma econômico e civilizatório.
Em 1983, sob os auspícios da ONU – e tendo como objetivo identificar e promover a
causa do desenvolvimento sustentável – era criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, presidida pela Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland,
que resultou no chamado Relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum” (1988).
O conceito de desenvolvimento sustentável iniciava sua consolidação com este
relatório, pois, pela primeira vez, a ONU declarava que há limites para o crescimento e para o
desenvolvimento sob pena de serem insustentáveis.
Inagcy Sachs (2000), ressalta que a conferência em Estocolmo da ONU, de 1972, foi
precedida pelo encontro de Founex , Suíça, de 1971, implementado pelos organizadores da
conferência para discutir, pela primeira vez, a dependência entre o desenvolvimento e o meio
ambiente, e a responsabilidade para com o futuro de todas as espécies vivas da terra. Em
outras palavras, deveria ser firmado pelas futuras gerações, um contrato social baseado na
governabilidade da nossa sociedade e com um componente de contrato natural.
De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais,
33
levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios
interesses, como estratégia de desenvolvimento. Quer seja denominado desenvolvimento
sustentável ou ecodesenvolvimento, a abordagem fundamentada na harmonização de objetivos
sociais, ambientais e econômicos deve ter como lastro um contrato ambiental
Jara (1998), afirma que existe uma diferença da valoração entre o que é sustentável
nos países desenvolvidos da pós-modernidade globalizada, e nos países considerados
dependentes. A sustentabilidade diz respeito a um significado dinâmico e flexível, centrado
no respeito à vida. A redução da pobreza, a satisfação das necessidades básicas, o resgate da
equidade e o estabelecimento de uma forma de governo que garanta a participação nas
decisões, são condições essenciais, para que o processo de desenvolvimento seja julgado
como sustentável.
Complementa, ainda, que a globalização aumenta a exigência de competitividade entre
países, empresas, regiões, acrescentando a vulnerabilidade das atividades produtivas
tradicionais. Atores globais governam uma economia planetária por cima de todos os países
subdesenvolvidos e governos. Resulta, daí, o fortalecimento do dualismo estrutural, ou seja,
uma sociedade e uma economia divididas entre pequenos setores integrados ou incluídos aos
fluxos comerciais globais e grandes setores marginalizados e excluídas.
De acordo com Furtado et Furtado (2000) as profundas transformações por que vem
passando a humanidade, principalmente a partir da década 1990-2000, denominadas como
processo de “Globalização” vêm trazendo desafios para se pensar nesta nova realidade,
principalmente para o espaço local.
Em decorrência, expressam-se distintas formas de relacionamento dos atores sociais
com o local, a partir de ações coletivas variadas, reativas ou de resistência a este cenário,
expressando formas de produção e relações sociais de trabalho dentro de uma nova
perspectiva.
Santos et al.,(1997) denomina que este novo nome dado à internacionalização da
economia - globalização, representa uma reorganização da nova ordem mundial e do capital,
e deixa de ser uma simples palavra para se tornar um paradigma do conhecimento sistemático
da economia, da política, da ciência da cultura, da informação e do locus ou território.
34
Para Giddens (1991), a globalização dos dias atuais é uma globalização em tempo real,
que intensifica as relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal
maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos, ocorrendo a milhares de
distância e vice-versa.
Este é um processo dialético, porque tais acontecimentos locais podem se deslocar
numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local
e tanto parte da globalização quanto à extensão lateral das conexões sociais através do tempo
e do espaço.
A contraface da globalização não parece ser a unificação e a padronização mundial dos
estilos de desenvolvimento, mas ao contrário, a valorização do local e da diversidade, como
diferencial de qualidade e competitividade.
Ao mesmo tempo em que integra os mercados e a economia mundial, a globalização
provoca uma fragmentação do espaço, gerando uma certa desterrritorilização das economias
(Buarque, 1999).
A fragmentação do espaço leva a uma redução do peso unificador dos
Estados-nação, aumentando a autonomia relativa e as possibilidades de os microespaços
interagirem e articularem com outras regiões e localidades, para além da sua vizinhança e
entorno institucional.
O local, assim, globaliza-se e pode estruturar alianças estratégica numa
grande e diversificada rede de cidades e centros econômicos, multiplicando as suas
possibilidades.
A
complexidade
que
encerra
o
desenvolvimento
sustentável,
num
contexto
globalizado, envolvendo uma série de agentes, atores e instituições, possibilita a sua utilização
como importante ferramenta de planejamento. Dessa forma, para assegurar a aplicação exitosa
do desenvolvimento local dentro da globalização, é necessário que os agentes promotores do
desenvolvimento e as sociedades locais estejam, adequadamente, estruturados e mobilizados
para definir e explorar suas prioridades e especificidades.
Segundo o diagnóstico “Costa dos Coqueiros: Bases para um Programa de
desenvolvimento
Sustentado”
elaborado
pelo
Instituto
da
Hospitalidade
(2000),
as
preocupações com a questão da sustentabilidade dos países periféricos, remontam à década de
35
1960, quando o problema da pobreza nesses países e suas implicações no mercado de trabalho
recebiam atenção especial.
Todos os esforços convergiam para o desenvolvimento do potencial humano em prol
do progresso das populações desses países, através do treinamento e qualificação dos
trabalhadores para se inserirem num mercado de trabalho relativamente estável, que oferecia
empregos com todos os direitos trabalhistas assegurados. Tais esforços inspiravam-se,
basicamente, na Teoria do Capital Humano, uma vez que se considerava a educação como um
“investimento”, e os avanços educacionais como ponto de partida para o desenvolvimento de
um país.
Essa forma de encontrar solução para o problema da pobreza encontrou terreno fértil
para se disseminar, especialmente por trazer embutida uma noção de desenvolvimento que
necessitava de conhecimentos específicos e por ressaltar o papel da tecnologia, aliada à
educação como sustentáculo da economia. Ocorre que essa noção de desenvolvimento, tal
como pensada e aplicada à época, provocava um problema ambiental de enormes proporções,
pois não havia preocupação de espécie alguma com a questão do meio-ambiente, de onde se
retiravam os insumos e a matéria prima para promover o desenvolvimento.
Com o surgimento do “Desenvolvimento Sustentável”, a partir do relatório da ONU,
“Nosso Futuro Comum”, de 1983, passou a existir uma maior consciência ambiental, o que
fez desencadear uma série de questionamentos em torno da sustentabilidade e da perpetuação
da vida no planeta.
Naquele momento, então, a tônica era a preocupação com os recursos ambientais, o
capital físico, ao tempo em que já se indicava a forma de usos desses recursos, ou seja, a partir
do nivelamento entre “países em desenvolvimento e países em estágios diferentes de
desenvolvimento”. A principal conseqüência desse processo é que o desenvolvimento ocorria
de fora para dentro, com os países do terceiro mundo, adotando de forma exógena, práticas e
soluções ambientais do primeiro mundo.
A questão que se levantava, então, é: ao adotar essas práticas, que garantias se teria de
que seriam oferecidas as comunidades locais as soluções ambientais em consonância com as
especificidades locais, sem lhes retirar a identidade, os valores , a cultura, etc?
36
A resposta a estas indagações, foi a de se trabalhar no Projeto, com o conceito de
“Desenvolvimento Sustentado” (ver item II.4.). Esse conceito, engloba as diversas
necessidades das comunidades locais, como crescimento econômico, preservação ambiental,
melhoria da qualidade de vida das populações locais, mas, principalmente, possibilita um elo
sócio-cultural que as mantenha unidas, durante a implementação das ações do Projeto.
Uma outra conseqüência do processo de globalização, são as mudanças ocorridas na
configuração do mercado de trabalho mundial, que contribuíram para a extinção do emprego ,
nos moldes estabelecidos na década de 1960. A então proteção existente – no âmbito dos
direitos trabalhistas reconhecidos e dos benefícios sociais advindos do emprego formal - se
extingue de maneira acelerada.
O surgimento de novos paradigmas de organização do trabalho, assim como a
automação e a introdução de novas tecnologias de ponta na produção, reduziram os postos de
trabalho na maior parte dos setores. No caso específico da micro região do Litoral Norte, em
que as oportunidades de emprego, nos moldes tradicionais 3 , já são escassas, essas
transformações tornam-se quase dramáticas.
Dentro da proposta do projeto, de trabalhar com a vertente do Desenvolvimento
Sustentado, torna-se importante reforçar a necessidade de se pensar em oportunidades de
trabalho e trabalho imaterial ao invés de emprego. Lazzarato et Negri, 2001, definem o
trabalho imaterial, quando o operário-massa, resultado dos métodos de produção baseado no
taylorismo, massificado pela serialização industrial e pelo nivelamento amorfo de suas
qualidades, vê-se substituído pelo operário-social, muito mais autônomo e valorizado em sua
subjetividade crítica . Assim, essa abordagem permite alcançar um novo patamar na reflexão
crítica sobre as transformações do trabalho e enfrentar, de maneira mais aberta e reflexiva, a
nova forma de fragmentação social que a nova realidade acarreta. Isso passa, pois, justamente
pela recuperação das dimensões construtivas, e, por isso revolucionárias do trabalho imaterial.
Portanto, novas oportunidades podem ser, então, geradas para permitir que os jovens e
adultos da Região reencontrem a própria dignidade de produzir e redescubram que suas
competências atuais, adquiridas por processos não formais de educação, que têm também
3
Emprego com carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados.
37
valor, e podem ser geradores da própria sobrevivência, mesmo no novo ambiente em
construção.
O diagnóstico elaborado identificou, que, com respeito a crescimento econômico, o
projeto pretende a transformação das comunidades do Litoral Norte, em independentes,
embora articuladas à economia central do Estado e suas variantes. Dessa maneira, a variável
trabalho imaterial, se converte em categoria de suma importância, especialmente aquele
desenvolvido coletivamente, de forma participativa, consciente e autônoma.
Constituindo o trabalho a categoria fundamental de qualquer sociedade, não se pode
retirar sua importância na construção do conhecimento necessário à produção e à reprodução
da vida material, com o objetivo de prover a sobrevivência dos homens.
Esse contexto direciona a discussão tanto para as práticas cotidianas de sobrevivência,
quanto a um contexto mais abrangente, trazendo a necessidade de se pensar a educação
básica como princípio norteador e a educação profissional como complemento a essa. Às
habilidades básicas desenvolvidas no âmbito da educação formal – como a leitura e o cálculo
– serão somadas as habilidades específicas do trabalho que se pretende desenvolver: o “saber
fazer”, amplificando os saberes e fazeres já existentes.
A educação, no contexto do projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos
Coqueiros”, passa a ser um componente intrínseco ao desenvolvimento de uma consciência
político-cultural, ao tempo em que se desenvolvem outras faculdades, que de resto, os
indivíduos, na maioria das vezes, já possuem ainda que de maneira latente. A qualificação
profissional, então, deve ser tratada como sistematização e aperfeiçoamento dos saberes, já
apreendidos através da prática laboral, e como construção coletiva de uma mentalidade que
amplie os limites da qualidade desses saberes em níveis cada vez maiores.
38
II.2. LOCAL E TERRITORIALIDADE – NOVAS ESCALAS PARA OS PROCESSOS
DE DESENVOLVIMENTO
O reconhecimento do espaço enquanto elemento de identificação e de formas de um
convívio sócio-econômico, de uma cultura e de meios para a reprodução da vida, confere-lhe
uma singularidade, que é a mesma dos processos característicos vivenciados por determinada
população. Sob certos aspectos o espaço é determinante de um contínuo em que componentes
físico-geográficos e formas sociais e culturais se interpenetram num processo de construção e
reconstrução de determinada comunidade (Silva e Silva, 1997).
Partindo dos limites socioambientais dos padrões atuais de produção e consumo, o
local atua como elemento de transformação sociopolítico-econômica, representando o locus
privilegiado para novas formas de solidariedade e parceria entre os atores, em que a
competição cede espaço à cooperação (Santos,1997).
O local representa, neste contexto, uma fronteira experimental para o exercício de
novas práticas e para o estabelecimento de redes sociais fundadas em territorialidades, frente
às exigências colocadas por problemas de âmbito global, cujo enfrentamento depende em
grande medida de intervenções que se realizam em nível local. De acordo com Franco (2000),
por conseguinte, o local constitui-se, assim, em espaço de articulação – ou de síntese – entre o
moderno e o tradicional, sinalizando a possibilidade de gestarem-se, a partir de sinergias
produzidas por essas interações, soluções inovadoras para muitos dos problemas da sociedade
contemporânea.
Portanto, quando se fala em desenvolvimento local, faz-se referência, habitualmente a
processos de desenvolvimento que ocorrem em espaços subnacionais, sendo que, no Brasil,
na maioria dos casos, tais espaços são municipais ou microrregionais. Uma outra
particularidade do conceito de local envolvido na expressão desenvolvimento local é a idéia
de comunidade (Haddad e Veloso, 1989).
O desenvolvimento local de certo modo, “troca a generalidade abstrata de uma
sociedade global configurada à semelhança, ou como suporte do Estado pelas particularidades
concretas das múltiplas minorias sociais que podem projetar endogenamente futuros
39
alternativos para a coletividade e, sobretudo, antecipar estes futuros em experiências
presentes.” Franco (1994, p.56). Objetivamente o desenvolvimento local stricto sensu,
“produz” comunidade ou cria um contexto onde se manifesta um ethos de comunidade.
De acordo com Termes (1989 apud Moura et al 1999), desde o pós-guerra até o início
da década de 70, as ações públicas em prol do desenvolvimento foram guiadas pela idéia de
que o desenvolvimento dar-se-ia pela correção ou atenuação dos desequilíbrios regionais. As
políticas públicas eram comumente elaboradas e executadas pelos governos centrais, que, em
tese, primariam pela coordenação de ações em todo o país, de modo a atingir o
desenvolvimento geral.A questão de desenvolvimento econômico local aparecia como parte
integrante de toda uma preocupação com o desenvolvimento regional e, conseqüentemente,
como mera extensão das teorias que explicavam o desenvolvimento nacional.
Moura et al (1999), adiciona ainda que aos governos locais caberia, então, seguir as
orientações dadas pelo governo central na elaboração e execução de suas políticas, no
máximo adequando uma diretriz geral a uma realidade local. Somente a partir dos anos 80,
intensificou-se o debate sobre as possibilidades de gestão local do desenvolvimento
sustentável, tanto na Europa quanto na América Latina. Neste contexto, os governos locais
tenderam a se posicionar como agentes de renovação das políticas públicas, e passaram a ter
novos posicionamentos no contexto do desenvolvimento local.
Barbieri (2000), ao efetuar a conexão do local com a dimensão da sustentabilidade,
ressalta que, de acordo com o International Council for Local Environmental Initiatives
(ICLEI, 1996), o desenvolvimento sustentável no nível local, exige como pré-condição, que o
desenvolvimento econômico local apóie a vida e o poder da comunidade, usando os talentos e
os recursos locais.Isso vai de encontro ao desafio de distribuir os benefícios eqüitativamente e
mantê-los, no longo prazo, para todos os grupos sociais. E isso só consegue ser alcançado
prevenindo os desperdícios ecológicos e a degradação dos ecossistemas pelas atividades
produtivas.
Em continuidade Barbieri (2000) menciona que para o ICLEI, em nível local existem
sempre três diferentes processos de desenvolvimento, a saber, desenvolvimento econômico,
comunitário e ecológico, cada qual com seus diferentes imperativos, conforme representados
na FIGURA 3. O processo para conduzir esses três níveis de desenvolvimento com
40
equilíbrio, é o desenvolvimento sustentável, que aparece na figura como o ponto de interseção
entre as três variáveis.
O projeto “Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros” estabelece que uma
comunidade capaz de se constituir enquanto agente coletivo, voltada para a ação, tem como
lastro o seu local ou território. O ponto de partida para identificação de demandas e o
exercício contínuo de reconhecimento, e encaminhamento e solução de problemas (quer
sejam individuais ou coletivos) reflete, sempre, a relação que as pessoas estabelecem entre si
e com o habitat com o qual se constituem num todo social.
A noção de territorialidade refere-se a uma construção político-ideológica que
transcende o mero entendimento do espaço geográfico ou a compreensão das demarcações
administrativas. Um projeto de intervenção toma como base o processo de redefinição do
meio físico, a partir da identidade dos sujeitos que o compõem, construindo e reconstruindo o
todo da relação social. A noção de território passa a inserir-se aí enquanto elemento que
diferencia uma determinada comunidade no plano político-cultural e econômico.(IH, 2000)
A possibilidade para este entendimento se evidencia na medida em que é sedimentada
em torno de um processo de investigação que identifica uma determinada população e suas
41
características específicas. Sob certos aspectos, o espaço é determinante de um contínuo em
que componentes físico-geográficos e formas sociais e culturais se interpenetram num
processo de construção e reconstrução de determinada comunidade.(IH,2000)
A comunidade, então, resulta e provoca estratégias econômicas e simbólicas de
sobrevivência que são levadas a cabo pelos atores sociais, tanto no sentido de circunscrevê-las
num espaço físico, quanto no sentido dinâmico, de abri-lo para outras dimensões. (IH,2000)
Segundo Diniz e Duarte( IH 2000), “a região como totalidade social é o produto de
uma sociedade que se foi estruturando ao longo do tempo, à medida que formava sua base
econômica, transformando a natureza, produzindo o espaço regional. Considera-se, assim, que
o espaço varia no tempo e que sua estrutura atual apresenta formas e conteúdo sociais do
passado”
É importante ressaltar que, embora o referencial que constrói a comunidade receba
invariavelmente a marca do território e das relações sociais que se estabelecem histórica e
internamente a este espaço entre os elementos tidos como tradicionais – “os de dentro”-,
existe uma gama considerável de relações que têm como atores, elementos externos – “Os de
fora” – e que podem se configurar como pontos de afirmação e estímulo ao processo
endógeno de transformação.(IH, 2000)
II.3.
SUSTENTÁVEL,
SUSTENTADO
E
OS
NOVOS
SENTIDOS
DO
DESENVOLVIMENTO
O conceito de desenvolvimento sustentável pode parecer, apenas, mais um modismo
criado e difundido pela tecnocracia internacional. No entanto, como toda formulação teórica,
o conceito tem uma base histórica e surgiu para fazer face aos novos desafios e mudanças da
realidade mundial denominada de “globalização”, possibilitando organizar a sociedade para
os desafios do presente e do futuro e consistente com o novo paradigma de desenvolvimento.
Segundo Buarque (1999) “Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado
em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo
econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular
42
transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da
mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades
específicas”.
Por outro lado, Jara (1998), observa que a idéia de sustentável, nos dicionários, indica
algo duradouro, apresentando uma imagem de continuidade. Trata-se da emergência de um
novo paradigma para orientação dos processos, de uma reavaliação de relacionamentos da
economia e da sociedade, com a natureza e do Estado com a sociedade civil. A palavra
sustentabilidade como idéia isolada não tem muito sentido. Trata-se, no entanto, de um
objetivo a perseguir constantemente.
Dando continuidade, Jará (1998), coloca que se tornou amplamente conhecido o
primeiro conceito de desenvolvimento sustentável, estabelecido em 1987, a partir do Relatório
da Comissão Brutland, como processo que “busca satisfazer as necessidades e aspirações do
presente, sem comprometer as possibilidades das gerações futuras para atender suas próprias
necessidades, e de mudança na qual a exploração dos recursos, a orientação dos
investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de
acordo com as necessidades atuais e futuras” (1988, p.42).
Esta definição, segundo Jara (1988), possibilita duas conclusões: a preocupação pelas
condições sociais das pessoas e comunidades De aspirar um mundo mais humano ao enfatizar
que a redução da pobreza é precondição para um desenvolvimento ambientalmente seguro; e,
a abordagem ecológica de alcançar um desenvolvimento contínuo sem exaurir os recursos
naturais, ou seja, o raciocínio sobre o uso racional do capital ecológico, evitando causar
prejuízos para a comunidade como um todo.
A abordagem ecológica, contudo, requer um desdobramento que possibilite desenhar
uma compatibilidade entre os sistemas de produção e os sistemas de conservação.
Considerando que os ecossistemas naturais têm capacidade limitada de sustentação que,
superada, influirá na deterioração do próprio ecossistema geral, qualquer ameaça contra o
equilíbrio ecológico impede o desenvolvimento sustentável, traduzindo-se, por sua vez, em
uma ameaça, não apenas à produção, mas `a subsistência humana.
43
A corrente dos ecologistas e dos economicistas propõe, então, uma equação
conciliatória para possibilitar que o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento sustentável
ocorram de forma simultânea e de maneira permanente. A solução estaria num diálogo de
harmonia e racionalidade entre o crescimento econômico, como processo quantitativo, e o
gerenciamento dos recursos naturais, como processo qualitativo.
Baseando-se nesta definição Jara (1998), conclui que o desenvolvimento sustentável
refere-se aos processos de mudança sociopolítica, socioeconômica e institucional que visam
assegurar a satisfação das necessidades básicas da população e da equidade social, tanto no
presente, quanto no futuro, promovendo oportunidades de bem-estar econômico que além do
mais, sejam compatíveis com as circunstâncias ecológicas de longo prazo. O desenvolvimento
é sustentável, quando atinge as seguintes esferas:
Ø Ecológica: pela conservação dos ecossistemas e pelo manejo racional do meio
ambiente e recursos naturais;
Ø Econômica: promovendo atividades produtivas razoavelmente rentáveis preocupadas
mais com a qualidade da vida que na quantidade da produção que tenham relativa
permanência no tempo;
Ø Social: as atividades e os conteúdos dos processos desenvolvimento são compatíveis
com os valores culturais e com as expectativas das sociedades. Existe uma base de
consenso entre os atores sociais participantes que permite controlar as decisões e as
ações que afetam seu destino.
Parece evidente que o desenvolvimento sustentável não é nenhuma teoria definitiva,
como assinala Folch (1988), muito menos uma verdade revelada e, sim, um conceito
ideológico, uma utopia desejável. Isso permite que cada setor social ou político o adapte a
seus interesses.
Na verdade, conforme assinala Buarque (1999) o desenvolvimento sustentável é uma
reinterpretação contemporânea da noção de progresso que animou a modernização no século
passado e integra as antigas aspirações dos países em desenvolvimento com vistas a uma
ordem econômica internacional mais justa, bem como incorpora as mais recentes
preocupações ambientais, sociais, culturais e econômicas. O desenvolvimento sustentável
44
pretende combater a miséria humana sem repudiar a natureza ou desconsiderar as
especificidades locais.
Barbieri (2000) ressalta que de acordo com a abordagem de Inagcy
Sachs (1986)
sobre o ecodesenvolvimento, são cinco as dimensões exigidas para se atingir a
sustentabilidade no desenvolvimento: a social; a econômica, a ecológica, a espacial; e a
cultural.
A social refere-se à equidade social, para possibilitar o pacto entre as atuais e as
futuras gerações; a econômica, que permite a manutenção de fluxos regulares de
investimentos, e, também, proporciona que os benefícios do crescimento advindo do
desenvolvimento econômico fiquem na região, ou local, para fortalecer as fontes endógenas
de poupança e investimento; a ecológica, como indica o próprio nome, proporciona as ações
para evitar os danos ambientais, causados pelos processos de desenvolvimento, tais como, a
substituição de combustíveis fósseis por outros tipos renováveis, reduzindo as emissões de
poluentes, preservando, assim, a biodiversidade; a sustentabilidade espacial concerne à busca
de uma configuração rural-urbana equilibrada, proporcionando uma melhor solução para os
assentamentos urbanos; e a cultural, que se refere ao respeito que deve ser dado às diferentes
culturas e às suas contribuições para a construção de modelos de desenvolvimento
apropriados às especificidades de cada ecossistema, cada cultura e cada local.
Acrescenta Barbieri (2000), que de acordo com o relatório Nossa Diversidade
Criadora, elaborado em 1997 pela Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, da
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a
concepção de desenvolvimento não pode estar divorciada de seu contexto humano e cultural,
pois, aí, se trata de um crescimento “sem alma”. Dessa forma, pode-se afirmar que o
desenvolvimento econômico, em sua plena realização, se constitui de parte da cultura de um
povo.
A FIGURA 4, abaixo, baseada no livro de Warren Flint, (2001), ilustra que os
requisitos básicos para o desenvolvimento sustentável estão sedimentados no tripé:
integridade ecológica, estabilidade econômica e equidade social. A integridade ecológica
pressupõe uma gestão participativa das comunidades, por proatividade, prevenção e
precaução conscientes; a estabilidade econômica é conseguida, por agregação de valor e
45
qualidade do trabalho, possibilitando um crescimento ordenado e mais justo; e a equidade
social, tem como pré-requisito, a capacitação da comunidade, por meio da capacitação para o
acesso universal à participação social e um emprego mais prudente de recursos.
No centro do diagrama temos o ponto de interseção, com a educação e a reavaliação.
A educação, aí vista com o seu sentido amplificado de um aprendizado ao longo da vida,
abrangendo um processo de integração de novas prioridades à educação básica das novas
gerações, como a educação ambiental, e a sensibilização dos atores sociais, com o fito de
provocar uma contínua reflexão, em ciclos com a “reflexão-com-ação”, visando novos
modelos mentais e posturas
para os aspectos sociais e ambientais. A reavaliação seria o
método permanente de convalidar os resultados obtidos com os previstos.
Dentro
de
uma
escala
mais
regional,
alguns
modelos
de
desenvolvimento
influenciaram, tiveram uma maior influência particularmente na Região Nordeste do Brasil.
Durante muito tempo, as resistências sócio culturais ao processo modernizador foram
entendidas, na visão de Rostow ( 1971), a partir do que ele chama de “darwinismo social”, ou
seja, impasses e entraves a serem erradicados para ceder lugar a gradativos estágios
46
civilizatórios, dentro de paradigmas industrialistas impulsionados por mecanismos racionais
de aceleração.
Organizações internacionais (BID, Banco MundiaL, ODCE, etc) e as Agências
Nacionais ( BNDES, SUDENE, BNB, etc.) especialmente depois que a ONU dedicou as
décadas de cinqüenta e sessenta ao desenvolvimento para os países do terceiro mundo, e na
esteira do processo vitorioso de reconstrução econômica da Europa no pós-guerra, ocorrido
nas décadas anteriores, se passou a disseminar a
idéia de que o desenvolvimento,
praticamente, se confundia com a industrialização.
De todos esses modelos o que mais fortemente influenciou o Brasil, e particularmente
a Região Nordeste e a Bahia, foi o de François Perroux (1995). No final da década de
cinqüenta iniciou-se, nos organismos oficiais de planejamento, uma espécie de corrida à idéia
de “Pólos de Desenvolvimento”, o que esteve presente em planos diretores de órgãos de
fomento ao desenvolvimento como a SUDENE, e por mais de dez anos são traçados planos
globais e setoriais de intervenção. São remanescentes destas políticas os distritos globais e os
pólos industriais. Embora tenham contribuído – no caso do Nordeste e da Bahia- para a
mudança da fisionomia regional/estadual, não lhe trouxeram o dinamismo esperado, e foram
vitimados pela descontinuidade administrativa governamental.
Por volta da década de setenta, o modelo de intervenção passou a ter outra orientação,
e sob a inspiração e assessoramento da Organização dos Estados Americanos – OEA , foi
introduzido o conceito de Desenvolvimento Regional Integrado, então chamado DRIN Brasil. Ao se regionalizar, este programa ganhou a nomenclatura de POLONORDESTE. A
partir dele foram criados os Programas de Desenvolvimento Rural Integrados - PDRIs, cujo
enfoque e características básicas foram a migração da ótica industrialista para uma vertente
que buscava a melhoria das condições de vida população nordestina de baixa renda.
Daí, então, os paradigmas da Integração e Regionalização passaram a ser dominantes
e muitas ações foram desenvolvidas neste sentido. A primeira reformulação feita deste
modelo aconteceu em 1982,e os projetos especiais do POLONORDESTE , no Estado da
Bahia, deram origem ao Programa de Apoio ao Pequeno Produtor – PAPP, no ano de 1983.
47
Na publicação, neste mesmo ano, do relatório “Nosso Futuro Comum”, pela ONU, é
introduzido um novo conceito nas preocupações desenvolvimentistas: o da sustentabilidade.
O novo paradigma possibilitou o surgimento de múltiplas formulações de políticas de
desenvolvimento local sustentável, contendo elementos capazes de fundamentar as bases
duradouras de novos ciclos de crescimento econômico, Sachs (1986). Sachs,
menciona,
ainda, que uma das formas de política de desenvolvimento surgidas é o turismo sustentável
cujo princípio de sustentabilidade transcende a dimensão ecológica e o de local supera a
ideologia do localismo. O conceito citado é compreendido de 5 dimensões da
sustentabilidade: ecológica; social, cultural, econômica e, espacial.
Loiola (mimeo, 2002) menciona, por sua vez, que o termo turismo sustentável foi
cunhado no bojo do debate sobre a sustentabilidade ambiental, e significa uma forma e nível
de turismo que mantém o estoque total dos recursos. Mas, trata-se de uma visão restrita acerca
da sustentabilidade do turismo, que se relaciona, apenas, com a vertente ecológica nas demais
abordagens de desenvolvimento sustentável. Pois, trata-se de modelos que se fundamentam
quase que exclusivamente na modalidade de turismo de massa, abrindo-se mão,
automaticamente, da exploração combinada das suas diversas formas de interação. Loiola,
(mimeo, 2002) indica que são “modelos impostos freqüentemente de cima para baixo e de fora
para dentro, e que levam ao paradoxismo da separação entre turista e território”.
Tais formulações incorporam ainda, a dimensão territorial, o espaço “onde a
convivência permite o conhecimento mútuo e possibilita a ação conjunta e os atores sociais
podem fazer algo ao seu alcance, passível de ser entendido e de produzir efeitos visíveis, na
transformação da sua realidade” (Acselrad ,1997).
Contemplando, ainda, o debate sobre a sustentabilidade do turismo, Loiola ( mimeo,
2002) acrescenta que com base nas relações entre turismo e território , é possível sugerir a
possibilidade de vir a existir um outro tipo de território turístico. “Aquele que é construído e
reconstruído pelo embate cotidiano dos diferentes atores do local, movidos pelos seus
interesses, e reprocessado pelas suas representações político-sociais, empresas, planejadores e
governos, tendo como referência o padrão de consumo dos turistas, as necessidades das
populações locais e os imperativos da conservação ambiental.” Loiola ( mimeo, 2002)
48
I.4. O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTADO NA FORMULAÇÃO DO
PROJETO COSTA DOS COQUEIROS
O Instituto da Hospitalidade, adotou a opção de trabalhar com o conceito de
“desenvolvimento sustentado” no projeto como um todo. Por trata-se de prática distinta das
demais formas de desenvolvimento sustentável adotadas até então, faz-se necessário explicitar
e definir o que é o desenvolvimento sustentado.
Para a construção do conceito de “desenvolvimento sustentado”, o IH baseou-se na
teoria de Sachs (1986) sobre o ecodesenvolvimento, concebida, a partir das questões e
preocupações com a sustentabilidade dos países ditos periféricos durante a década de 70. A
partir de eventos como o encontro de Founex, 1971, e a conferência das Nações Unidas sobre
meio ambiente em Estocolmo em 1972, surgiu a alternativa da manutenção do crescimento
econômico, mas este deveria ser “socialmente receptivo e implementado por métodos
favoráveis ao meio ambiente, em vez de favorecer a incorporação predatória do Capital da
natureza do PIB” Sachs (1986, p.52).
De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais,
levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios
interesses, como um componente de estratégia de desenvolvimento. Para tanto, seria
necessário a adoção de padrões negociados e contratuais de gestão da biodiversidade.
Sachs(1986) afirma, então, que deve ser adotado o paradigma do caminho do meio,
que trata de um outro desenvolvimento , endógeno – em oposição à transportação de
paradigmas externos, auto-suficiente, em vez de dependente, orientado para as necessidades
locais, em lugar de direcionado pelo mercado, em harmonia com a natureza e aberto às
mudanças institucionais.
A questão que se coloca, então, é: ao adotar essa perspectiva (ainda que seus
princípios sejam pertinentes), que garantias tem-se de estar em consonância com as
49
especificidades das comunidades, sem lhes retirar a identidade, os valores, a cultura, enfim?
(IH,2000).
A partir da criação da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, iniciativa da
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, é
introduzida uma nova maneira de repensar a questão do desenvolvimento.Com a produção do
relatório “Nossa Diversidade Criadora” (1997) é possível entender a cultura como um terreno
onde crescem e “desabrocham” todas as demais ações em busca do desenvolvimento, no
sentido, contudo, que este a preserve.
A partir do reconhecimento desses problemas, a proposição do Instituto da
Hospitalidade foi a de trabalhar no projeto com a noção de “desenvolvimento sustentado”,
uma vez que é fundamental não só o reconhecimento da necessidade de crescimento
econômico do turismo sustentável, de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de
vida dos indivíduos, mas, sobretudo, da manutenção de um elo sócio-cultural que una as
comunidades inseridas no projeto.
Entende-se o Desenvolvimento Sustentado como constituído de três pilares :
crescimento econômico, participação política e consciência ecológica. O pilar do crescimento
econômico baseia-se de que é necessário que haja uma homogeneidade na forma de alcançálo, proporcionando que todas as sociedades devem ascender, de forma a se alcançar maior
eficiência e se reduzirem os desníveis sociais (IH, 2000).
A participação política é fundamental na construção dos sujeitos sobre sua realidade
sócio-político-cultural, a fim de que exerçam sua cidadania. A partir daí, configura-se como
dever desses cidadãos a afirmação de seus direitos, tais como serviços públicos essenciais, e a
participação no processo de tomada de decisões, para o que há necessidade de
descentralização do sistema político institucional e democratização das relações políticas, em
um nível mais micro(IH 2000).
O terceiro pilar, sobre o qual está concebido o conceito de Desenvolvimento
Sustentado relaciona-se à questão da gestão ambiental como princípio que permitirá, em
última instância, a continuidade das condições de trabalho e de sobrevivência das populações.
“A questão da preservação ambiental é, em verdade, a referencial que mudou o eixo de visão
50
sobre o desenvolvimento, e sobre o qual se fundem todos os esforços de convivência no
planeta” (IH, 2000).
Portanto,
o
Desenvolvimento
Sustentado
diferencia-se
de
Desenvolvimento
Sustentável, não no que diz respeito à forma – já que ambas as noções se apresentam como
alternativas ao modelo de desenvolvimento convencional, que presumia a dominação na
natureza com vistas ao progresso -, mas basicamente em relação à direção. Enquanto o
desenvolvimento sustentável tem como fim o progresso tecnológico e o aumento de consumo,
como forma de se garantir certo patamar de equidade social, em que a definição de
prioridades é dada pelo mercado, o desenvolvimento sustentado se dirige ao mercado, a partir
da definição de metas dadas pelas próprias comunidades, através de procedimentos
democráticos de participação social que possibilitem uma maior participação da população
local na construção de um modelo de turismo sustentável, e a partir dos seus anseios
possibilitar ações que sejam muito mais de “de baixo para cima” e de “dentro para fora”. (IH,
2000).
É importante, também, observar que estas duas vertentes apresentam duas
características que influenciam a sua aplicabilidade. Enquanto o desenvolvimento sustentável
traduz a noção de ser algo estático, o desenvolvimento sustentado pode ser visto como de
caráter mais dinâmico, na medida em que suas ações emanam de necessidades reais das
comunidades, variando em conformidade, com as definições das prioridades locais.
Para se atingir a sustentabilidade, na perspectiva apresentada, é necessário se proceder
ao fortalecimento da comunidade, tornando os sujeitos que aí se localizam cidadãos capazes
de gerir seus destinos, na condição de | “comunidade sustentável”. Cabe então indagar: mas o
que é, então, comunidade? (Leroy, 1997).
Dentro dos limites do desenvolvimento sustentado, a comunidade é definida num
determinado ecossistema homogêneo (que inclui o território e seus reflexos no âmbito natural
e no humano), onde a participação ativa da sociedade no reconhecimento de problemas,
definição de metas e ação prática – tanto na esfera individual quanto na coletiva - verifica-se
de forma a garantir que essa viva e se reproduza. Esse conceito de comunidade reconhece os
indivíduos como atores do desenvolvimento e busca, através de sua prática social e política,
um projeto de viabilidade econômica para aquela população (Sachs, 1986).
51
Através da solidariedade e da participação democrática, os caminhos e os destinos de
qualquer população são definidos comunalmente, permitindo a efetivação de um processo de
tomada de decisões – posto que a ele está necessariamente atrelado o conhecimento e o
reconhecimento das posições que cada membro ocupa na comunidade – e, conseqüentemente,
da transformação efetiva daqueles indivíduos. (IH 2000).
Mantém-se, assim, a riqueza cultural de que são portadores os indivíduos,
contribuindo para desenvolver as suas potencialidades, na medida em que participem das
ações do projeto, não passivamente , como nos modelos tradicionais de desenvolvimento – ou
mesmo de acordo com as práticas do desenvolvimento sustentável - , mas ativamente como
cidadãos e sujeitos criativos e criadores do seu próprio conhecimento e destino. A primeira
resultante desta intervenção, é possibilitar a mobilização e articulação dos atores
representativos das comunidades ( os “de dentro|” e os “de fora”), na construção de uma nova
realidade, em que os indivíduos se sintam pró-ativos e fortalecidos(IH, 2000).
Para
uma
melhor
compreensão
da
conceituação
do
“desenvolvimento
local
sustentado”, e efetuar uma comparação com as demais práticas de desenvolvimento local
sustentável abordadas nos itens anteriores, foram feitos os seguintes quadros comparativos:
52
Quadro 1 – Desenvolvimento Local Sustentável
Desenvolvimento Local Sustentável (DLS)
Difusor
Definição
Bases Metodológicas
PNUD
e Processo
que
se
preocupa - Organização social (geração de
SUDENE
essencialmente com a melhoria da capital social)
qualidade de vida e bem estar da - Empreendedorismo (criatividade
população local, a conservação do e
competências
coletivas
e
meio ambiente e a participação ativa, individuais
vinculadas
às
organizada
e
democrática
da oportunidades e à vocação local)
população, de forma consciente, para - Gestão Social (sociedade deve
que possa por si própria garantir a sua gerir seus recursos de forma
sustentabilidade e continuidade do participativa
e
responsável,
processo (Couto, 2000)
identificar seus problemas e gerar
soluções)
- Parcerias e articulação das
instituições públicas
- Capacitação/educação
para
melhoria dos níveis educacionais e
da capacidade produtiva
- Comunicação
e
informação
permanentes
GTZ (Programa Processo de melhoria da qualidade de - Inclusão social
PRORENDA)
vida que depende de uma complexa, - Fortalecimento
da
economia
demorada e contínua interação entre local
fatores econômicos, políticos, sociais - Inovação na gestão pública
e culturais para acontecer e da lenta e - Gestão ambiental e uso racional
gradual formação do capital social dos recursos
(Brose, 2000)
- Mobilização
social
(ativa
participação cidadã)
Fonte: Moura, Maria Suzana et al, 2000.
Quadro 2 – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS)
Ifusor
Definição
Bases Metodológicas
Governo Federal Forma
de
promoção
de - Parcerias
entre
Estado
e
(Programa
desenvolvimento
focada
na Sociedade
Comunidade
sustentabilidade das comunidades, - Ações multissetoriais integradas
Ativa)
capazes de: suprir suas necessidades convergentes
imediatas; diagnosticar e incentivar - Capacitação para a gestão
suas vocações locais; fomentar o - Diagnóstico
e
planejamento
intercâmbio externo tendo em vista participativos
suas vocações (Comunidade Ativa, - Articulação da oferta pública de
1999)
programas com a demanda social
local
- Monitoramento e avaliação
- Fomento ao empreendedorismo
Fonte: Moura, Maria Suzana et al, 2000.
53
Quadro 3 – Desenvolvimento Local Sustentado
Desenvolvimento Local Sustentado
Difusor
Instituto da
Hospitalidade
em parceria
com entidades
da iniciativa
privada, setor
público e
fundações.
Definição
Forma
de
promoção
de
desenvolvimento cuja a definição de
prioridades é dada pelas comunidades
locais,
através
de
processos
democráticos de participação social
que
refletem
as
suas
reais
necessidades, possibilitando melhor
direcionamento para o mercado
Fonte: Moura, Maria Suzana et al, 2000.
Bases Metodológicas
- Preservação ambiental e da
riqueza cultural local
- Melhoria da qualidade de vida
dos indivíduos através da educação
para
desenvolver
suas
potencialidades como cidadãos e
sujeitos criativos e criadores do se
próprio destino
- Preservação de um elo sóciocultural que une as comunidades
inseridas no projeto
- Promoção do resgate da autoestima e da motivação individual de
forma que os indivíduos se sintam
pró-ativos e fortalecidos
- Fomento a parcerias locais e
regionais
- Desenvolvimento
econômico
das comunidades locais tornando os
sujeitos que aí se localizam
potenciais empreendedores
54
CAPÍTULO III - O INDIVÍDUO E OS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL -
III.1.
AS
PRIMEIRAS
ABORDAGENS
DA
NOÇÃO
DE
INDIVÍDUO
NA
COMUNIDADE
Pode-se considerar que o primeiro autor, na história, a mencionar a questão do
indivíduo é Platão em seu livro A República (362 a.C.), no qual é ressaltada a importância do
convívio comunitário harmônico entre os homens e, a forma de constituição de um estado
democrático.
Platão ressalta que: “um homem precisa de outro para uma necessidade, e outro ainda
para outra, e, como precisam de muita coisa, reúnem numa só habitação companheiros e
ajudantes. A essa associação pusemos o nome de pólis.4 E se esta for boa, a justiça estaria
nela presente. Entenderemos que o indivíduo que tiver na sua alma esta mesma espécie,
merece bem, devido a essa mesma qualidade, ser tratado pelos mesmos nomes que a pólis.
Por conseguinte, o indivíduo justo, no que respeita à noção de justiça, nada diferirá da polis
justa, mas será semelhante a ela.”.
A definição de estado democrático de Platão, parte do pressuposto de que a sociedade
se estratifica em três classes: a magistratura, os ricos, e o povo. Constitui-se a classe do povo,
dos trabalhadores e os que se abstêm dos negócios públicos, e que não tem, de modo nenhum,
grandes posses. E certamente essa é a maior e mais poderosa classe na democracia quando se
reúne.
Aristóteles(2001) é o primeiro filósofo a distinguir a ética da política, centrada a
primeira na ação voluntária e moral do indivíduo enquanto tal, e a segunda, nas vinculações
deste com a comunidade.
4
Polis - Cidade em grego
55
Aristóteles, em Ética a Nicômaco(2001) (325 a.C.) destaca que dotado de logos 5 , isto
é, de comunicação, o homem é um animal político, inclinado a fazer parte de uma polis,
enquanto sociedade política. Dos círculos em que o homem se move, a família, a tribo, a
polis, só esta última, constitui uma sociedade perfeita. Daí serem políticas, de certo modo,
todas as relações humanas. A polis é o fim e a causa final da associação humana. Uma forma
especial de amizade, a concórdia, constitui seu alicerce.
Aristóteles (2001) visa explicitar, nesta obra, de como pode ser restabelecida a unidade
do homem consigo mesmo e com o mundo. O ser existe diferentemente na inteligência e nas
coisas, mas o intelecto ativo, que é atributo da primeira, capta nas últimas o que elas têm de
inteligível, estabelecendo-se,dessa forma,um plano de unidade e individualidade.
Em “De Officis6 ”(2001) Marco Túlio Cícero reúne a reflexão filosófica à ação
política, principalmente em defesa dos princípios da república de Roma. Neste compêndio,
incluem-se, também, temas como a conservação da sociedade humana, os deveres do cidadão
e, da vida em sociedade.
Cícero observa que a natureza colocou em todo o ser vivo a aptidão inata de
conservação, para defender seu corpo e sua vida, para evitar o que danifica, para procurar
todo o necessário com que viver, o alimento, o abrigo e outras coisas dessa espécie. Ao
homem, e somente ao homem, lhe foi conferido o dom da razão.
A partir dele, então, a natureza aproxima o homem do homem, fazendo-os dialogar e
viver em comum, e a desejar reuniões e conservar sociedade entre si. A união e boa harmonia
entre os homens ocorrem, quando cada um se dedica particularmente a prestar serviços
àqueles a que estão mais diretamente unidos. Obrigando-se a estes deveres, é preciso apreciar
quais as necessidades mais prementes de cada um e cuidar de saber o que cada um pode, ou
não pode, conseguir sem o nós.
Evidencia-se, neste trecho, a concepção de Cícero para o estabelecimento de regras de
bom convívio de homens em sociedade, que deve seguir os princípios de união e harmonia
5
6
Logos – Palavra em grego
“De Officis” – “Dos Deveres”
56
entre eles. Verifica-se, também, que é abordado, embora de maneira ainda incipiente, a figura
do indivíduo, quando é dada importância as necessidades de cada, para o benefício do todo.
É importante assinalar que todos os três autores supra-citados, através de suas teorias
foram os precursores da noção do que pode se chamar de “Indivíduo Cooperativo”. Ou seja, o
indivíduo que reconhece que não só depende de outro indivíduo, mas também pode ajudar a
este outro, no processo da construção da comunidade e da sociedade civil como um todo
através da interação social.
A partir do século XVII começa a ganhar destaque no Continente Europeu, a corrente
de pensamento chamada de “humanismo renascentista”. Entre os seus principais expoentes,
destaca-se John Locke, com o seu livro “O Segundo Tratado do Governo Civil” (1978). Nele,
Locke, estabelece que os direitos naturais do homem são à vida, à liberdade e à prosperidade.
Locke formula, então, a teoria de um “Estado Natural” como condição de liberdade e da
igualdade entre os homens, e tendo como foco central a afirmação da pessoa humana como
sujeito de todo o direito e, portanto, fonte e norma de toda a lei..
Seguindo a linha reinante do humanismo Jean-Jaques Rosseau, publica em 1757, “O
Contrato Social”, quando lança a teoria de que “todos os homens nascem livres e a liberdade
lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade do homem”. O princípio da
liberdade, para Rosseau (2001), constitui-se como norma e não como fato, como imperativo e
não como comprovação. Não é apenas a negação de impedimentos, mas a afirmação de um
dever de realizações das aptidões chamadas espirituais. Na consciência da liberdade revela-se
a espiritualidade da alma humana, e por isso, é uma exigência ética fundamental. Renunciar a
ela é renunciar à própria qualidade de homem e aos direito da humanidade.
Ao fazer tal afirmação, Rosseau (2001) reinvidica a força expansiva do que ele chama
“do amor de si”, constituindo a interioridade do homem por excelência e, a força expansiva da
alma que identifica o indivíduo com os seus semelhantes, e é a ponte que liga o “eu
individual” ao “eu comum”, a vontade particular com a vontade geral. A realização concreta
do “eu comum” e da vontade geral implica, necessariamente, na construção de um contrato
social, ou seja, uma livre associação de seres humanos inteligentes, que deliberadamente
resolvem formar um certo tipo de sociedade, a qual possam a prestar obediência. O Contrato
57
Social seria, assim, a única base legítima para uma comunidade que deseja viver de acordo
com os pressupostos da liberdade humana.
Em 1759, é publicado por Adam Smith a “Teoria dos Sentimentos Morais” (1978).
Este livro destaca-se pela abordagem do desenvolvimento econômico de forma integrada e
social, e pela análise das novas possibilidades de produção, ressaltando o papel da educação,
do aprendizado prático e o da especialização para os indivíduos, como forma de habilitá-los a
uma melhor capacitação profissional, o que facilitaria o processo de conquista de seus
interesses individuais na sociedade.
Em outro livro, “A História da Riqueza das Nações” (1978), Smith, rebela-se contra a
prática mercantilista então em voga, e lança a teoria da “Mão Invisível”. Ou seja, ao invés do
Estado funcionar como mecanismo regulador do mercado, prevaleceria a livre ação dos
indivíduos e da sociedade organizada, nas trocas econômicas, o que beneficiaria a todos.
Além da relevância para a teoria econômica, existe, ainda um outro importante
aspecto, abordado por Smith (1978), neste livro. É o que se refere ao poder da educação e do
aprendizado para o desenvolvimento da capacidade humana. A fé de Smith no poder da
educação e do aprendizado era singularmente forte. No debate ainda hoje em voga, sobre a
aquisição de especialização, onde se aborda a importância dos papéis respectivos do “inato” e
do “adquirido”, ele se coloca dogmaticamente em favor do “adquirido”. Ou seja, ele associava
as habilidades produtivas e os estilos de vida à educação e à qualificação profissional, e
pressupõe a possibilidade de melhora de cada um desses elementos, como condicionante à
melhoria da qualidade de vida dos indivíduos.
“A Democracia na América”, publicada por Aléxis de Tocqueville, em 1835 destaca
-se a partir das teorias sobre o papel dos governos locais e da sociedade civil na construção da
democracia. Para que tais processos ocorram, na prática, é fundamental o papel
desempenhado pelos indivíduos, enquanto agente e sujeito do processo democrático.
Toqueville (1998) ressalta que “na comuna, como em todo o mais, o povo é a fonte
dos poderes sociais, mas em nenhuma outra parte ele exerce o seu poder de maneira mais
imediata. Nas nações em que reina o dogma da soberania do povo, cada indivíduo constitui
uma porção igual do governante e participa igualmente do governo do Estado. Portanto, cada
58
indivíduo é tido como tão esclarecido, tão virtuoso e tão forte quanto qualquer outro de seus
semelhantes”.
Reforçando, ainda, a idéia de que o indivíduo é o principal sujeito na construção do
processo democrático, observamos o seguinte trecho: “Os povos dentro de si nada mais são
do que indivíduos. Juntando-se a
ação das forças individuais à ação das forças sociais,
consegue-se com freqüência fazer o que a administração mais concentrada e mais enérgica
não teria condições de executar” (1998 p.108).
Em 1847, Karl Marx e Friederich Engels lançam o “Manifesto Comunista” marco
referencial na história do Socialismo. Inicialmente, um programa de partido para a Liga dos
Comunistas, o “Manifesto” estabelece as normas dirigidas ao proletariado, que teria como
missão histórica “libertar a humanidade de toda exploração e opressão, pois a emancipação
dos operários deve ser obra da classe operária” (1974 p.29)
Marx e Engels criticam, nas então vigentes formas de produção, a burguesia, a grande
indústria, o mercado mundial, e os governos, que representam meros comitês para gerir os
interesses e negócios da burguesia, e, sobretudo, os esfacelamentos dos tradicionais pequenos
modos de produção.
Vários aspectos sobre a noção de indivíduo são de importância relevante, no
“Manifesto Comunista”, destacamos os seguintes: os indivíduos somente podem existir,
apenas, em interação com outros indivíduos, surgindo, então, o conceito dos “sujeitos
coletivos”; não são indivíduos isolados que são ativos nos processos históricos e de lutas de
classe, mas os indivíduos em colaboração com outros; a construção de um ideário político ao
traçar uma visão de sociedade futura, a partir da noção de que a história é um moto contínuo,
que possibilita a ação das classes, continuamente, durante as eras; e a transformação da antiga
sociedade burguesa, a partir da concentração da produção nos indivíduos associados, em uma
“sociedade que possibilita uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a
condição do livre desenvolvimento de todos”
Em 1933, Antonio Gramsci publica “Os Intelectuais e a Produção da Cultural” que
vêm reforçar a tese dos marxistas de que as transformações não nascem de forma espontânea,
59
elas têm um centro de formação, de difusão e de convencimento, que são os “intelectuais
orgânicos”.
Segundo, Gramsci, os intelectuais em geral são aqueles com poder de globalização e
síntese, e são ligados aos interesses de determinado grupo, no caso o proletariado. O papel do
intelectual é o de tornar este grupo homogêneo e consciente da sua função, não somente no
campo econômico como também no campo político e social.
No seu trabalho de elaboração de um pensamento transformador, o intelectual
orgânico se mantem em contato com o grupo ao qual serve e trabalha pela formação de líderes
surgidos deste grupo. A ação transformadora do grupo se dá a partir de um bloco histórico
heterogêneo, cuja ação comum se faz pela negociação e pelo compromisso, na busca da
construção da vontade coletiva. O consentimento ativo, o engajamento ativo e responsável de
cada um, é a base da construção dos objetivos que definem a vontade coletiva.
As relações intelectuais orgânicos e grupos, contudo, defrontava-se com um problema.
A interação exigida num processo participativo, dialogal por excelência, necessita ser um
processo pedagógico. Uma forma de se atingir este objetivo é através da comunicação
adequada, pois um processo participativo é um processo comunicativo. Em casos específicos
de comunidades, o sucesso da comunicação entre animadores e habitantes, depende o sucesso
da participação.
As bases teóricas para o tipo de comunicação necessária ao sucesso participativo, são
lançadas por Jürgen Habermas”, no livro “Consciência Moral e Agir Comunicativo”( 1989),
quando aborda os conceitos sobre comunicação estratégica e intercompreensiva. A
comunicação estratégica visa ao sucesso, quer dizer, ao convencimento do outro, e para isso
tem-se o interlocutor como objeto, o que é uma característica de processos que são
fundamentados na manipulação.
Na comunicação intercompreensiva, tem-se o interlocutor
como sujeito e o que se busca é chegar, juntos, animador e sujeito, a conclusões comuns ao
trabalho conjunto. Num processo dialogal, a diferença valoriza o outro como interlocutor e
enriquece o diálogo, pois propicia a troca.
Arriscando
uma
síntese,
pode-se
concluir
que
a
interação
animadora
externo/participantes seria norteada pelos seguintes papéis: mobilizador, como catalisador dos
60
potenciais existentes; organizador, para suprir uma deficiência do aprendizado da ação
coletiva; mediador de conflitos, na ajuda a priorizar os interesses coletivos; e, intermediário
entre dois mundos, para favorecer apoio externo às iniciativas individuais.
Em 1952, é lançado um método de alfabetização, pelo educador brasileiro Paulo
Freire, que propunha uma pedagogia que partisse do cotidiano das pessoas simples,
valorizando o seu próprio “saber”, o que permitiria a cada pessoa o direito de descobrir que é
sujeito nos processos, possibilitando, assim, transformações da consciência, do indivíduo e da
sociedade. Esse método tornou-se conhecido como “A Pedagogia do Oprimido”.
Na pedagogia de Freire (1982), a relação do educador com o educando é sempre
estimulada e valorizada, pois objetiva a passagem de uma consciência “alienada”, muitas
vezes “ingênua”, para uma consciência “crítica”, com relações lógicas de causa e efeito, onde
a responsabilidade de cada um sobre os seus acontecimentos é destacada. Essa pedagogia,
embora eficiente e inovadora, é banida pelo regime militar que se instalou no Brasil, com a
revolução de 1964, que a classifica de “subversiva”.
O fim do século XX defronta-se com problemas de grandes proporções. As seqüelas
da globalização nas nações pobres, o acirramento de problemas como a persistência da
pobreza, necessidades essenciais não satisfeitas, fomes coletivas, violação de liberdades
políticas, resultam em ameaças graves ao meio ambiente e a sustentabilidade da vida
econômica e social. Superar esses problemas é uma parte central do processo de
desenvolvimento.
Intenso
debate
instala-se,
então,
entre
intelectuais,
entidades
promotoras
do
desenvolvimento, a exemplo do Banco Mundial e ONU, e governos democráticos. Dessas
discussões é que emerge a teoria de que a condição de agente dos indivíduos é central para
lidar com essas dificuldades, e que a expansão das liberdades individuais é um fator central
para solucionar estes problemas, e o principal meio para se atingir o desenvolvimento.
O Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen lança o livro “Desenvolvimento
como Liberdade” (1999 ), quando postula que o “desenvolvimento consiste na eliminação de
privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer,
61
ponderamente, sua condição de agente. A eliminação de privações de liberdades substanciais
é constitutiva do desenvolvimento”.
Para Sen (1999 p. 328) “a expansão da liberdade é vista como o principal fim e o
principal meio para o desenvolvimento, e o alcance da análise de políticas depende de
estabelecer os encadeamentos empíricos que tornam coerente e convincente o ponto de vista
da liberdade como a perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento”.
O processo de expansão das liberdades acontece através da liberdade política,
facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparências e segurança
protetora. Dessa maneira é possibilitada a garantia das liberdades substantivas dos indivíduos,
vistos como agentes ativos de mudança, e não como recebedores passivos de benefícios.
A liberdade não pode produzir uma visão de desenvolvimento que se traduza
prontamente em alguma fórmula “simples” de acumulação de capital, abertura de mercado e
planejamento econômico eficiente. O princípio organizador que monta todas as peças em um
todo integrado é a abrangente preocupação com o processo do aumento das liberdades
individuais e o comprometimento social de ajudar, para que isso se concretize. Essa unidade é
importante, mas ao mesmo tempo não podemos perder de vista o fato de que a liberdade é um
conceito inerentemente multiforme e que envolve considerações sobre processos e
oportunidades substantivas.
A principal síntese sobre essas abordagens, é a possibilidade de desenvolver um
construto para uma base de ações transformadoras no Desenvolvimento Local Sustentável –
DLS, que se processam em três dimensões: a da consciência do indivíduo, a da transformação
individual e a da transformação da sociedade. As principais manifestações, resultante destas
transformações, podem ser ilustradas, respectivamente, através dos seguintes exemplos:
•
Consciência do indivíduo – conseguida com o despertar de uma nova relação com o
mundo que o envolve, adquirindo maior responsabilidade e maior receptividade ao
diálogo com seus semelhantes;
•
Transformação individual – a partir de uma maior conscientização que conduz a um
comprometimento mais efetivo como ator social, propiciando mais responsabilidades
62
consigo próprio, com a comunidade a qual pertence, conduzindo a ações mais
reflexivas e dinâmicas;
•
Transformação da sociedade - é resultado de uma maior abertura, dando novas
oportunidades a seus integrantes, possibilitando uma participação mais plural, onde ao
invés de se adotar soluções importadas, estas emanem de projetos que visem os
interesses comuns.
É importante ressaltar que estas transformações não ocorrem do nada. Por serem de
natureza complexa, necessitam de mecanismos externos e instrumentos que as estimulem. A
principal alternativa para a sua promoção no contexto do DLS, é através de programas e ações
que tenham na componente da motivação individual sua principal base.
Indivíduos motivados, quer seja no seu “self” ou no seu habitat natural , estão mais
propensos a assumir mais responsabilidades, tornam-se mais participativos em processos
sociais e, sobretudo,
desempenham melhor o seu papel de cidadania, através de um
engajamento ativo e responsável, o que consiste na base da construção dos objetivos que
definem a vontade coletiva.
III.2. A MOTIVAÇÃO DO INDIVÍDUO NO DESENVOLVIMENTO LOCAL
SUSTENTÁVEL: AS DIFERENTES VISÕES
O sacerdote jesuíta, e humanista francês, Teillhard de Chadin, escreveu em 1946 o
livro “O Fenômeno Humano”, onde ele concebe a teoria da “Noogênese”, na qual propõe
como a alternativa mais viável para nortear o futuro do ser humano no planeta Terra,
enquanto espécie, uma “Saída Coletiva”.
Para Chardin, quando tentamos situar no mundo, o chamado “fenômeno humano”, faz
-se necessário a aproximação de duas equações: a) evolução = ascensão da consciência, b)
ascensão da consciência = efeito de união. O novo direcionamento para o mundo, a chamada
“Saída Coletiva”, somente acontecerá com uma espécie, figurativamente, de um “empurrão”
de todos os seres juntos, numa direção em que todos podem se reunir e se completar numa
63
renovação espiritual do Planeta Terra. A pré-condição, para que aconteça este “empurrão”,
seria ter seres suficientemente motivados para aderir ao processo. Cabe ressaltar, ainda, que
nesta abordagem Chardin estabelece uma diferenciação entre o individualismo e a
personalização. Ao adotar a primeira atitude o indivíduo não participa do processo de
comunhão entre seus pares, ao passo que na atitude personalista há uma integração com o
efeito de união.
Etimologicamente, a palavra “noogênese” é uma composição entre duas palavras de
origem grega: o sufixo nóos, e o prefixo “gênese”. O sufixo “nóos” tem diversos significados:
1) faculdade de pensar, inteligência; 2) sabedoria, reflexão; 3) projeto, modo de ver; 4) alma,
coração; 5) estado de alma, sentimento; 6) vontade, desejo. Já o sufixo “gênese” significa
nascimento, surgimento, origem. Chardin utiliza este termo carregado de conotações
específicas de um ser consciente-reflexivo, para falar de uma evolução da espécie humana na
Terra. A esfera de existência da espécie seria a “noosfera”, pertencente à esfera biológica da
biosfera, mas qualitativamente distinta, em termos de consciência de evolução.
A teoria de Teillhard de Chadin, possibilitou a Leonardo Boff e Marcos Arruda
(2000), conceberem uma nova
visão para o desenvolvimento da pessoa humana e de
comunidades, no contexto do atual processo de globalização. Para os autores, o genuíno
desenvolvimento não pode ser visto, apenas, pelo ângulo da economia e das finanças. Estes
deviam ser tomados como meios para o desenvolvimento pleno e multidimensional de cada
pessoa e comunidade humana, a partir dos recursos atuais e potenciais de cada uma, e
respeitando a diversidade de atributos materiais e imateriais que caracteriza a espécie humana
– por eles chamada de noodiversidade.
A nova alternativa seria a idéia do desenvolvimento próprio das comunidades e
sociedades humanas, e de cada um dos seus membros, através do gradual empoderamento7 e
educação deles, para se tornarem sujeitos conscientes e ativos deste autodesenvolvimento
pessoal e coletivo.
O sentido dado ao termo autodesenvolvimento pelos autores, decorre do pensamento
que cada pessoa pode ser concebida como centro gerador do desenvolvimento de si mesma e
7
Empoderamento – Adaptação do termo em inglês “Empowerment” para a língua portuguesa
64
das coletividades a que pertence, e pensar, nesta mesma perspectiva, também, cada
comunidade humana e nação. A noção de desenvolvimento teria sua base de expansão dentro
de uma outra lógica e noutro movimento: consistiria em promover os caminhos “de baixo
para cima” e “de dentro para fora”, que partem da diversidade das pessoas, comunidades,
povos, culturas, nações para construir um crescimento enraizado na diversidade e na
complementaridade dos seus componentes.
Na concepção dos autores, os desafios para o pleno alcance do autodesenvolvimento,
passam a ser trabalhados em dois níveis da realidade humana: a dimensão pessoal e a
dimensão da comunidade.
No âmbito da dimensão pessoal, trata-se de desenvolver os potenciais próprios de cada
um de nós, enquanto indivíduos. Cada pessoa, por meio da ação sobre o mundo e os outros,
através da educação, da pesquisa e da reflexão sobre si e suas relações, se construa sempre
mais como sujeito consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento. Educar-se passa a ser
assumir a responsabilidade de fazer progredir cada aspecto, qualidade, atributo, faculdade, do
próprio indivíduo, enquanto ser que só existe em relação com as várias dimensões de si , com
o outro – pessoas e coletividades – e com a natureza.
Quanto à dimensão da comunidade, refere-se às diversas comunidades a que pertence
o indivíduo. O indivíduo, portanto, é ao mesmo tempo um todo em si , e parte viva e ativa de
todos
mais
abrangentes.
A
visão
do
autodesenvolvimento
da
pessoa
aplica-se,
necessariamente, também à comunidade humana, seja ela a família, comunidades de trabalho,
de fé e outras.
Na busca de autodesenvolvimento da comunidade, portanto, há que estimular tanto o
desabrochar das capacidades individuais quanto aquelas que resultam da complementaridade
e da sinergia gerada pelo pensar e agir em comum dos participantes. O ponto de partida é a
diversidade
do
conjunto
de
talentos,
capacidades,
competências
que
constituem
a
singularidade e a criatividade de cada um.
A chave para conseguir erguer esta ponte entre o pessoal e o social, entre o diverso e
o uno é respeitar a subjetividade do outro como quero que a minha seja respeitada. Respeito e
aceitação
do
outro,
compreensão
da
alteridade
como
prolongamento
a
minha
65
complementaridade – self, seria a forma adequada de construir laços solidários de colaboração
no interior das comunidades.
Para Amartya Sen, (1999), a análise do desenvolvimento concebida a partir do livro
“Desenvolvimento como Liberdade”,
considera as liberdades dos indivíduos
como o
elemento constitutivo básico, para que este ocorra. Assim, deve-se atentar para a expansão das
“capacidades” das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam. Essas capacidades
podem ser aumentadas pelas políticas públicas de desenvolvimento, mas também, por outro
lado, a direção das políticas, pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades
participativas dos indivíduos.
Existem duas razões distintas para a importância da liberdade individual, no conceito
de desenvolvimento, relacionadas, respectivamente, à avaliação e a eficácia.
O êxito de uma sociedade deve ser avaliado, primordialmente, segundo as liberdades
substantivas que os seus membros desfrutam. Ter mais liberdade para fazer as coisas que são
justamente valorizadas, é importante por si mesmo para a liberdade global da pessoa e
importante, porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados valiosos na comunidade
que pertence. Ambas as coisas são relevantes para a avaliação da liberdade dos membros de
uma sociedade e, portanto, cruciais para a avaliação do grau de desenvolvimento desta
sociedade.
A segunda razão para considerar a liberdade importante é que a liberdade é não apenas
a base de avaliação e êxito e fracasso, mas também uma determinante principal da iniciativa
individual e da eficácia social. Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar
de si e para influenciar questões centrais para o desenvolvimento da sua comunidade. A
preocupação, aqui, se relaciona ao que se pode chamar de o “aspecto da condição de agente”
do indivíduo. O “agente” age e ocasiona mudanças e cujas realizações podem ser julgadas de
acordo com seus próprios valores e objetivos, independente de avaliarmos, ou não, os critérios
externos à comunidade.
Em, sendo assim, Sen (1999), afirma que com oportunidade sociais adequadas, os
indivíduos podem se sentir suficiente com vontade própria (motivados) para moldar seu
próprio destino e partir para ajudar aos outros, e tornarem-se um “agente” livre e sustentável.
66
Sobretudo, não precisam ser vistos como, apenas, beneficiários passivos de programas
de desenvolvimento, promovidos por instituições de fomento externas, mas ter um papel
positivo na construção dos destinos das suas comunidades.
Em
1999,
Pieter
Winsemus,
publicou
o
livro
“Revolução
Emocional
e
Desenvolvimento Sustentável”. Embora com o sub-título de “Desafios para Empresários do
Século XXI”, as teorias formuladas e os novos conceitos aqui apresentados, não se restringem
apenas ao âmbito empresarial. Em função das suas características de universalidade, podem
ter aplicabilidade em outras esferas, a exemplo de comunidades, e os seus líderes sociais
podem assumir papéis transformadores.
Winsemus (1999) inicia este livro efetuando duas indagações, que são desafiadoras, e
ao mesmo tempo, desnorteadoras: o que nos trará o próximo século? O que nós traremos para
o próximo século? Para ele, a sociedade está se individualizando. As pessoas, de forma
crescente, estão dando preferência à satisfação dos seus próprios interesses individuais, sem a
preocupação com o coletivo. Valores tais como comunidade, lealdade, e senso de pertencer a
uma comunidade, apresentam-se como se tivessem perdendo o significado; de uma forma que
nunca aconteceu antes, os indivíduos mudam de domicílio, empregos, e alianças.
Os laços tradicionais clássicos como o casamento, a igreja, o emprego e a equipe de
trabalho, estão sendo interpretados sob uma ótica totalmente diferente. Instituições como
partidos políticos, sindicatos trabalhistas que antes uniam os indivíduos em busca de objetivos
comuns, estão enfrentando uma perda de interesse e apatia, entre seus pares.
Estes novos atores sociais colocam um novo desafio para os lideres empresariais e
sociais da atualidade. É o desafio da Revolução Emocional. Sem dúvida, os atores sociais e
suas revoluções particulares já estão em evidência. Seja sob a forma de empregados,
consumidor, membros de associações comunitárias, os seres humanos de todos os tipos, estão
a pressionar nossas instituições a juntar-se à revolução, em busca de um salto quântico para
uma maior realização, tanto de suas necessidades pessoais quanto institucionais. E como
substrato para essas tendências está a palavra “indivíduo”, e no ponto central da Revolução
Emocional estão as pessoas realizando suas “próprias coisas”.
67
Para os líderes sociais a “oferta” que devem desenvolver em correspondência a estas
expectativas dos atores sociais, é a “co-liderança”.Os líderes empresariais e sociais devem
passar a oferecer aos atores sociais, algo que eles possam realmente identificar-se com, e
acreditar em, promovendo um maior gestão participativa, com a partilha equânime das
responsabilidades nos resultados.
Este é o complexo e complicado ambiente de liderança da Revolução Emocional. Os
protagonistas ora apresentam novas necessidades paralelamente às velhas demandas, ora os
líderes passam a ter que formular novas ofertas para satisfazer seus liderados. A alternativa
para esse novo cenário seria a renegociação dos Contratos Pessoais entre os líderes e os
protagonistas, o que possibilitaria uma nova estrutura organizadora da sociedade. Como,
então, deverá ser isto ser feito?
Tanto a teoria como a prática nos indica que os melhores resultados são obtidos
quando os indivíduos, quer sejam líderes ou protagonistas, cooperam para a formação do que
podemos chamar de “comunidades inspiradas”, que são comunidades que tem como
qualidades essenciais um forte senso de direção compartilhada e uma interação superior.
68
Conforme pode ser visto no diagrama da FIGURA 5, acima, a decisão e direção
propiciadas pelo líder deve suplantar um limite mínimo de necessidades fortemente sentidas
ou consideradas. A interatividade entre os participantes deve levar cada indivíduo, a
contribuir e corresponder a todos requisitos que lhe sejam colocados. Isto requer suplantar os
mínimos níveis de confiabilidade recíproca. A combinação da motivação/inspiração e da
confiança, forma a base para desenvolver o entusiasmo necessário para a criação de
“comunidades inspiradas”, quer seja a partir de grupos fragmentados ou de indivíduos
isolados.
A Revolução Emocional, contudo não pode ser considerada como fato estático. Ao
contrário, trata-se de um fenômeno “vivo” e requer um moto continuo , tanto dos líderes
quantos dos indivíduos, para a sua sustentabilidade. O primeiro fator para uma permanente
motivação de pessoas e instituições, é o estabelecimento de escalas para as necessidades
individuais de cada agente e as necessidades coletivas do grupo com um todo
Segundo Winsemus, através dos estudos de Abraham Maslow (1940 e 1965), sobre
motivação dos indivíduos, é possível estabelecer um quadro da hierarquia de necessidades,
através da chamada “Escada de Maslow, representada acima.
69
Apesar de representar graficamente, um nível “idealizado” de necessidades, a
abordagem de Maslow é muitas vezes criticada por ter um caráter determinista. Os críticos
consideram que ela não flexibiliza quanto à diferenciação entre pessoas, insistindo que todos
nós satisfazemos as nossas necessidades na mesma seqüência, e também, não possibilitam
direito individual de adotar certas escolhas pessoais, quanto ao que representa subir, ou
descer, um degrau.
Essa crítica se acirra mais,quando se leva em conta os níveis de desenvolvimento dos
países. Em situações , como nos países pobres do Terceiro Mundo, muitos indivíduos nunca
tiveram a chance de ultrapassar, sequer, o primeiro degrau da escada. Considerando essa
diversidade, a “escada”, como modelo, não nos possibilita, assim, refletir a real escala de
necessidades no processo da Revolução Emocional.
Winsemus propõe, então, um modelo piramidal escalonado (FIGURA 7 acima),
utilizando necessidades institucionais, ao invés de necessidades pessoais. O formato piramidal
possibilitaria, que ele pudesse ser galgado por lados diferentes e alternativos. A pirâmide de
necessidades institucionais, e individuais, ajudaria, assim, a medir
não só o progresso das
instituições, como também, dos indivíduos, em termos do que se denominaria Base de
Sustentação Tripla.
70
O que este novo modelo tem de inusitado é incorporar a variável da sustentabilidade,
que teria o significado de harmonização: todos os participantes da Revolução, atores sociais,
protagonistas, líderes sociais, internos e externos, atuais e futuros, derivam de suas
comunidades o que querem derivar delas, enquanto a instituição, como um todo, assume um
estado de harmonia com suas circunvizinhanças, e seu ambiente.
Um outro aspecto abordado por Winsemius, como elemento de sustentação do
processo da Revolução Emocional, é o da construção da “Confiança Interativa”, que
influencia diretamente os processos de renegociação dos “contratos pessoais”. Essa
ferramenta possibilita que os processos negociais adquiram um caráter dinâmico, o que,
idealmente, resulta em um avanço
nos sistemas de valores individuais e coletivos, de uma
entidade.
Começando pelo topo das organizações, ou seja, os líderes, o processo envolve
tipicamente seis passos que devem ser repetidos em ondas de interação(FIGURA 8). Três são
os fatores que determinam a probabilidade de sucesso de um determinado processo: força de
vontade; a capacidade, ou habilidades; e o entusiasmo/motivação, tantos dos líderes como de
todos os protagonistas envolvidos com a “ação”. Lideranças inspiradas é a principal pré
-
71
condição para o deslanchar da primeira “onda”, enquanto que, as comunidades inspiradas
possibilitam o desencadeamento das ondas subseqüentes, envolvendo os protagonistas e
colaboradores.
É evidente, nesta ferramenta, que o passo final, a etapa de se concretizar a assinatura
da renovação dos contratos pessoais, com todas as suas incertezas inerentes, é uma fase crítica
do processo É nesta fase que o fator vibração/entusiasmo, ou seja o produto da inspiração e da
confiança, que faculta, tanto a colaboradores quanto a líderes, a convicção e o otimismo para
darem continuidade ao processo.
O processo de renegociação de contratos pessoais, no caso do resultado ser positivo,
pode, verdadeiramente, dar nova vida às entidades e comunidades. Os novos contratos
pessoais deverão incorporar processos de renegociação contínua e de interatividade quanto
aos rumos que tomará a instituição, o que resultará numa entidade ou comunidade em que
líderes e protagonistas formarão algo semelhante a um “amálgama”, em busca de uma
comunidade inspirada.
Assim, pode-se concluir que uma comunidade que é continuamente refinada às
necessidades de seus protagonistas, é um produto concreto da Revolução Emocional.Cabe
ressaltar, ainda, o especial cuidado que os líderes devem ter para estimular a criatividade das
72
pessoas. Em muitos casos, ao buscarem maior produtividade, eficiência e o controle da
situação, imperativos valiosos dos negócios, ou desempenho de comunidades, eles, sem o
intuito de prejudicar, terminam por influenciar ou inibir, o processo de construção da
criatividade em alguns indivíduos.
Na opinião de Teresa Amabile (1999), os imperativos da liderança devem e podem
coexistir confortavelmente com a criatividade dos indívíduos. Para tanto, os líderes terão de
rever sua forma e sua base e forma de raciocínio. Especificamente falando, os líderes terão
que compreender que a criatividade dos indivíduos é composta de três fatores principais:
habilidades, técnicas de raciocínio criativo e motivação individual. Os dois primeiros itens
podem ser influenciados diretamente pelos líderes. Contudo, a terceira, vai depender
estritamente
da
co-liderança, ou seja, a maneira como os líderes delegam suas
responsabilidades, e encorajam os indivíduos. A interatividade das três variáveis, gera um
ponto de interseção no qual o processo de criatividade é alcançado, conforme pode ser visto
na FIGURA 8(Página 72).
Finalmente, é possível constatar, a partir da revisão da literatura efetuada, que a
temática da motivação individual passou a estar presentes em textos acadêmicos específicos,
somente, a partir do final da década de noventa. No entanto, pode-se afirmar, que esta
componente é o resultado de um mosaico de reflexões de diversos autores, e de um construto
teórico de várias abordagens, que vão desde textos clássicos da antiguidade até textos da era
contemporânea. É entendimento do autor que pelo caráter inusitado do tema, a revisão da
literatura se procedida de forma isolada, poderia incorrer na omissão de teorias anteriores,
interligados à questão, que alicerçaram a sua atual concepção.
Explica-se a razão, pelo três seguintes fatos: alguns autores da antiguidade, foram os
precursores em abordar a questão do indivíduo e de comunidades; o segundo motivo foi o de
possibilitar uma maior compreensão da temática, considerando o caso, que porventura venha
a ocorrer, da utilização desta dissertação, na construção de futuros programas de
desenvolvimento local sustentável; e, por fim, permitir ao leitor um melhor entendimento do
presente trabalho, caso seja utilizado com fins acadêmicos.
73
III.3.
A
COMPONENTE
DA
MOTIVAÇÃO
INDIVIDUAL
NO
PROJETO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO NA COSTA DOS COQUEIROS
A proposta deste item é efetuar uma análise, visando identificar na formulação do
Projeto Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros, as ações que incluam a
componente da motivação individual.
Embora feita de maneira isolada nos dois primeiros itens deste capítulo, a revisão da
literatura será utilizada para lastrear a presente análise, possibilitando, dessa maneira,
verificar e demonstrar a aplicabilidade das teorias examinadas dentro de um contexto prático,
representado pelas ações do Projeto da Costa dos Coqueiros, notadamente aquelas que
especificamente se referem à componente da motivação individual.
É relevante ressaltar, também, que para a construção desse Projeto pelo Instituto da
Hospitalidade, foi realizado no ano de 2000, o diagnóstico sócio-econômico “Costa dos
Coqueiros: Bases para um Programa de Desenvolvimento Sustentado”. A investigação
compreendida foi conduzida dentro dos princípios da pesquisa participante, que supõe uma
“intervenção” concomitante com a investigação.
Utilizar a pesquisa participante como opção metodológica, implicou em fazer uma
abordagem que guarda uma estreita relação com os objetivos gerais do Projeto da Costa dos
Coqueiros, ou seja, contribuir para desenvolver o senso de poder dos indivíduos, na medida
em que os mesmos participam da construção dos programas e ações do projeto, não
passivamente,
como
nos
modelos
tradicionais
de
desenvolvimento
sustentável,
mas
ativamente como cidadãos/sujeitos criativos e criadores do seu próprio destino e
conhecimento.
Esse tipo de procedimento de pesquisa, permitiu ainda, ressaltar a riqueza cultural de
que são possuidores os indivíduos que habitam a região, utilizando-a inclusive – e
principalmente - , como fonte para a organização e a visualização de um saber que, embora
disperso e tomado pelos próprios sujeitos como num patamar de importância abaixo e aquém,
do dito “saber institucionalizado”, os unifica e os distingue de maneira singular. É Exatamente
esse saber que, recuperado e colocado no seu lugar de destaque, pode devolver às
74
comunidades locais a auto-estima e a auto-confiança necessárias para se sentirem
culturalmente fortes e motivadas.
Dessa maneira, o Instituto da Hospitalidade, definiu no Projeto Desenvolvimento
Sustentado da Costa dos Coqueiros, que todo e qualquer ação teria como embasamento
fundamental os três seguintes princípios: valorização do capital cultural existente como base
do processo endógeno de transformação regional;
ter o turismo, e as atividades de
hospitalidade, como ponto de interseção das cadeias de interesse das populações locais com
os empreendedores e operadores da atividade turística, sendo o turista o ator fundamental
deste encontro e, a educação e colaboração, como principal inspirador de toda a interação
prevista no programa.
A FIGURA 10, a seguir, ilustra de que forma os três princípios interagem entre si,
numa ação contínua, permitindo uma dinâmica sempre constante de conectividade e de retroalimentação dos princípios per si.
75
1.AÇÕES DE INTERVENÇÃO
Intervir em uma comunidade exige a convicção de que a mudança é possível, que as
transformações são fincadas na realidade, no seu sentido mais amplo, e que elas terão como
sujeitos as pessoas mais diretamente interessadas no processo transformador”(IH, 2000, p.32).
Estas foram as premissas adotadas pelo Instituto da Hospitalidade, para conceber e
desenvolver, as ações de
intervenção para a construção de um programa desenvolvimento
sustentado, para a Costa dos Coqueiros.
Um cuidadoso processo de intervenção foi elaborado no Projeto, onde foram definidas
as estratégias de aproximação da população local.
A utilização dos princípios da pesquisa
participante durante a realização do diagnóstico, através da “intervenção” concomitante com
a investigação,
teve como resultados relevantes os seguintes pontos:
a possibilidade de se
implementarem ações que esses sujeitos definem como objetivos comuns para modificar sua
situação atual de vida; e a definição de forma concreta, através de uma direção e senso
comum compartilhados, para uma organização das mudanças estruturais mais profundas de
médio e longo prazo.
Citando Freire (1982), que é mencionado no item III.1. dessa dissertação, “as ações
que partem do cotidiano de pessoas simples, valorizando os seus próprios “saberes” e
“fazeres”, permite a estas o direito de descobrir que são sujeitos ativos nos processos de
construção dos seus próprios destinos, possibilitando a transformações de suas consciências,
pois objetiva a passagem
de uma consciência “alienada”, muitas vezes “ingênua” para uma
consciência “crítica” “.
Esta afirmativa é reconhecida no projeto, quando define que a primeira forma de
intervenção a ser posta em prática é a educativa, que deve assumir que os interesses dos
tradicionais moradores da região, ou seja, os de “dentro” e dos novos moradores, “os de fora”,
que são os turistas e investidores, seja construída, a partir de uma interação harmônica. Para
tanto, esta interação terá um caráter eminentemente pedagógico, para que os que chegam,
como os que os recebem, se aproximem e se integrem, possibilitando uma troca dos
conhecimentos que ambos são portadores.
76
A partir dessa interação entre “os de dentro” e os de “fora”, foram construídos eixos
para as transformações desejadas que atendam as dimensões de sustentabilidade e de
motivação individual para a população local, sub-divididos em ações que contemplem :
cidadania; economia micro-regional; infra-estrutura; cultura e; educação formal.
O processo
de implantação das ações se dará de maneira progressiva, conduzido por um planejamento
previamente negociado, contemplando atividades de curto, médio e longo prazos.
Na
FIGURA 11 abaixo, estão retratadas estas ações, e os princípios referenciais do programa:
Os eixos de estruturação das comunidades e, conseqüentemente, das ações
transformadoras, e que atendem à dimensão do desenvolvimento sustentado, são os seguintes:
Cidadania – é o âmbito dos moradores locais, quer sejam eles considerados individualmente
ou em grupos organizados, incluindo tanto os “de dentro”quanto os “de fora”. As ações
abrangem suas estratégias de interação; suas redes sociais; suas cadeias de interesse; suas
relações de vizinhança com a comunidade e outras circunvizinhas; suas formas de expressão
via formação social; e suas participações políticas em entidades locais. São definidas como as
expressões
fundamentais
para
as
intervenções
deste
eixo:
educação
básica
e
profissionalizante; organização política das comunidades; e implementação de serviços
sociais básicos;
77
Economia micro-regional - constitui-se no campo que envolve as atividades produtivas, as
relações do homem com o meio-ambiente e com o mercado. É integrado pelos novos
empreendimentos dinâmicos e transformadores da realidade econômica regional e pelos
segmentos tradicionais das atividades produtivas. Definem-se as expressões básicas para a
intervenção deste eixo: apoio aos negócios locais existentes e aos novos empreendimentos
locais; agregação de valor as linhas tradicionais de produção, via melhoria de processos e de
produtos, através de novas tecnologias; e qualificação profissionalizante da população local;
Infra-estrutura - é descrito como o espaço das intervenções físicas feitas no espaço urbano
local e regional, como forma de garantir a sustentabilidade ao processo de desenvolvimento
micro-regional. Ordenamento urbano e melhoria das habitações locais; implantação de
sistema viário urbano e regional; implantação de sistemas de comunicação e transporte local e
regional, redes de eletrificação rural, de esgotamento sanitário, e coleta e tratamento de lixo,
são definidas como as expressões deste eixo;
Cultura – simbolicamente para o desenvolvimento sustentado, a cultura representa “a alma
da comunidade”. São as manifestações dos “saberes e fazeres” tradicionais locais, expressos
em modos de produzir e de reproduzir a própria a existência, interagindo com o meioambiente e os demais membros da sociedade. Os traços culturais pré-existentes, dão
identidade à região e ao serem valorizados, preservados e consolidados no processo de
intervenção, elevam a auto-estima dos seus habitantes, criando condições para o
desenvolvimento endógeno.
Educação – Conforme descrito no documento do Projeto da Costa dos Coqueiros (p. 11) as
ações educativas se darão na “ construção de uma nova síntese social, que a todos inclua, em
que os indivíduos se sintam fortalecidos e pró-ativos; as organizações integradas e
politicamente
articuladas;
a
economia
revitalizada,
e
minimamente
competitiva
e
ambientalmente equilibrada, a cultura local e a auto-estima dos “de dentro”recuperadas e
resgatadas, e articuladas com as novas formas de produção apontadas de “fora “
Nos dois últimos eixos descritos, observamos, de maneira evidente, que a componente
da motivação individual, constitui-se no seu principal alicerce. Quando é mencionada a
importância de valoração dos traços culturais pré-existentes, que dão identidade à região, e a
78
sua manutenção e preservação no processo de intervenção, tem-se como conseqüência
imediata uma elevação da auto-estima dos seus indivíduos diretamente no seu habitat.
Este tipo de ação permite verificar, na prática, a aplicabilidade da teoria concebida por
Boff e Arruda (2.000) sobre
autodesenvolvimento. Na medida em que os habitantes das
comunidades locais vêem acontecer e participar, a partir dos recursos e potenciais de cada um,
das ações de valorização da cultura, tida como um dos seus “bens” mais preciosos, inicia-se
um gradual processo de empoderamento individual, do seu self, possibilitando que cada
pessoa seja o centro gerador do desenvolvimento de si mesma das coletividades a que
pertence.
As ações de educação, por sua vez, possibilitam, também, a estes indivíduos, iniciar
um processo de resgate e recuperação de sua auto-estima, dando início a um processo de um
maior auto conhecimento como sujeitos conscientes e ativos do seu próprio desenvolvimento
pessoal.(Boff e Arruda, 2000). Os progressivos resultados positivos, permitem a estes
indivíduos um despertar para a “assumir a responsabilidade de fazer progredir cada aspecto,
qualidade, atributo, faculdade, de que são possuidores, enquanto ser que só existe em relação
com as várias dimensões de si , e com os outros – pessoas e coletividade- e com a natureza”
(Boff e Arruda, 2000).
2) AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO SOCIAL
Estão definidas no documento do projeto as seguintes premissas para a condução do
processo de mobilização social:
-
Convocar as vontades individuais para atuar na busca de um propósito comum, sob uma
interpretação e um sentido também compartilhados (Toro, 1997).
-
Redefinir o que é prosperidade, enfatizando e preservando, para isso, os “saberes e
fazeres” das comunidades, a qualidade de vida, do meio-ambiente, na direção do segmento
turístico, possibilitando a sua gradual interação com os “de fora”.
-
Buscar o resgate da auto-estima da população local, valorizando as proposições de
natureza endógena e o processo democrático de tomada de decisão.
Todo o processo de intervenção nas comunidades locais se desdobra em etapas a que
correspondem ações que deverão ser :
-
De curto prazo e pontuais – destinadas a responder às demandas imediatas e mais urgentes
das comunidades.
79
-
Médio e logo prazos - ações estratégicas, mais abrangentes e de natureza estruturantes.
-
Sustentação – visando a garantia de continuidade e sustentabilidade do processo.
As etapas do processo de intervenção estão divididas em quatro fases, conforme
descritas a seguir na FIGURA 12 :
Primeira Etapa: Intenção Estratégica (Aproximação da Região e conhecer a
comunidade):
Momento de abordar, conhecer, mapear e analisar os limites (pontos francos) e
possibilidades (pontos fortes) existentes para o desenvolvimento do processo, quando são:
-
pesquisados e analisados os principais indicadores sócio-econômicos, políticos, culturais,
das localidades a serem trabalhadas;
-
pesquisadas e analisadas as demandas e expectativas da comunidade local;
-
identificados os principais recursos (financeiros, culturais, técnicos e materiais) existentes
e potenciais, que possam contribuir para a viabilização do processo;
80
-
identificados e caracterizados os principais atores sociais da localidade (tanto os já
existentes quanto os potenciais) que deverão ser sensibilizados, mobilizados, articulados e
capacitados para garantir a continuidade e sustentação do processo;
-
identificados e caracterizados as principais organizações e projetos (públicos e privados)
que já oferecem serviços à comunidade local;
Todo esse processo de intervenção e conhecimento do local requer especial atenção.
Habermas (1989) ressalta que a relação de interação animateur externo/participantes deve ser
baseada nos seguintes papéis: mobilizador, como aglutinador dos potenciais existentes,
organizador, através da comunicação intercompreensiva para suprir uma deficiência de
aprendizado, considerando as lacunas dos desníveis culturais, e motivador, para auxiliar na
priorização das vontades coletivas. Daí a importância da técnica da “interação participativa”,
prevista no Projeto, a ser adotada durante as fases de aproximação e mobilização das
comunidades locais.
Segundo Furtado e Furtado (2000), consiste esta metodologia em ter os animateurs 8 dos
processos, adequadamente familiarizados com a problemática das comunidades locais,
possibilitando que a intervenção atenda aos anseios e expectativas do “de dentro” motivandoos a aderir aos processos com mais rapidez. Vale mencionar, também, que a utilização do
método de “pesquisa participativa”, na fase de elaboração do diagnóstico, é um
exemplo
deste tipo de aplicação desta técnica.
Segunda Etapa: Construção do objetivo comum (Visão de futuro)
Promover a articulação dos recursos e atores identificados na fase anterior, para
construir uma visão mobilizadora e motivadora comum, capaz de impulsionar o processo de
conduzir as atividades do projeto, e de construir as diretrizes estratégicas para criar a ponte
entre o presente (potenciais e limites existentes) e futuro. Paralelalamente, inicia-se o
processo de fortalecimento de lideranças locais, que, progressivamente, devem assumir a
condução das ações.
8
Termo em Francês que significa animadores, contudo amplamente utilizado como termo técnico.
81
Identifica-se, nesta etapa, um fundamental componente da motivação individual: a
“construção do entusiasmo”. Winsemus (1999), propõe que o primeiro passo para o processo,
é a delegação pelos líderes comunitários aos moradores locais da “co-liderança”. Ou seja,
seriam oferecidas aos atores sociais, propostas factíveis e compatíveis com a realidade local,
permitindo que estes possam dar credibilidade as ofertas e, assim, identificarem-se com elas.
Assim, ocorreria uma maior gestão participativa nos processos, e os atores partilhariam com
mais entusiasmo e responsabilidade dos resultados.
Proposta por Rosseau”(2001) em 1757, a teoria do “Contrato Social, adquire
aplicabilidade no contexto do Projeto. Winsemus (1999), coloca, também, como outro prérequisito para a construção do entusiasmo, uma revisão do “contrato social” da comunidade,
mediante a renegociação dos “contratos pessoais”, simbolismo utilizado para definir o papel
de cada ator social na comunidade local, entre os líderes comunitários e os atores sociais, para
permitir uma nova estrutura organizadora da comunidade local.
Dessa forma, é possível
construir “a ponte entre o passado e o futuro”, e fomentar a construção de uma nova realidade
social, em que os indivíduos teriam atendido suas expectativas e demandas individuais, na
busca de um direcionamento comum.
TerceiraEtapa: Planejamento das ações visando criar a ponte entre o presente e o futuro
(Definição de prioridades).
Transformação das diretrizes em Plano de Trabalho tático e operacional com
atividades, prioridades e metas. O Plano deve conter tanto as ações estratégicas mais amplas,
como ações focais mais pontuais, de modo a propiciar o envolvimento e a motivação do maior
número possível de habitantes, a partir de seus interesses, “saberes e fazeres”, e
disponibilidades.
Essa proposta encontra sustentação na teoria de Amartya Sen(1999), sobre o
desenvolvimento. Ao considerar as liberdades individuais como o elemento construtivo
básico, para que o processo do desenvolvimento aconteça, deve-se levar em conta a
“capacidade” das pessoas de ter um tipo de vida que elas valorizam. Essas “capacidades”
podem ser aumentadas pelas políticas e ações estratégicas de desenvolvimento, mas, também
a direção das políticas pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas
82
dos indivíduos. Ter mais liberdade influencia diretamente o potencial das pessoas para
valorizar a si e influenciar questões centrais no desenvolvimento de suas comunidades.
Ao levar em conta as “capacidades” dos atores sociais, “a partir dos seus interesses, e
“saberes e fazeres”, para traçar o futuro das comunidades, surge a possibilidade, através do
projeto, de se dar oportunidades sociais a todos os indivíduos. Dentro deste cenário, conforme
Sen(1999), os indivíduos podem se sentir suficientemente motivados, e com vontade própria,
para moldar seus próprios destinos, e partir para ajudar os demais membros da comunidade, a
alcançarem níveis satisfatórios de motivação individual.
Quarta Etapa – Construindo o Futuro (Ação compartilhada)
Consolidar a capacitação das lideranças, preparando os atores locais para assumir o
compartilhamento das ações de condução das atividades do projeto. Espera-se a realização de
“forúns de debate”, para uma participação aberta e democrática dos atores, possibilitando
buscar construir soluções, para os problemas das comunidades a que pertencem, e a
construção do envolvimento e pró-atividade dos demais habitantes.
Para fundamentar o trabalho de intervenção proposto, a condução das quatro etapas
estratégicas, terá três
diretrizes prioritárias: desenvolvimento sócio econômico regional;
identidade cultural com os “saberes e fazeres” locais procurando resgatar a auto-estima dos
habitantes, e gestão participativa do processo de intervenção. A FIGURA 13 a seguir é
ilustrativa de como os projetos serão desdobrados:
83
Para fundamentar o trabalho de intervenção proposto, a condução das quatro etapas
estratégicas, terá três
diretrizes prioritárias: desenvolvimento sócio econômico regional;
identidade cultural com os “saberes e fazeres” locais procurando resgatar a auto-estima dos
habitantes, e
gestão participativa do processo de intervenção.
A
FIGURA 13 acima é
ilustrativa de como os projetos serão desdobrados:
Citando Gramsci (1985|), as transformações, quer sejam em grupos ou no caso
específico de comunidades, não nascem de forma espontânea, e necessitam de um centro de
formação, de difusão e de convencimento que são os “intelectuais orgânicos”. O papel destes
indivíduos, nos processos de elaboração de pensamento transformador, é enriquecido na
medida em que eles mantêm estreito contato com os grupos que serão trabalhados, buscando
ser o agente catalizador na formação de liderança que surgem.
Quando o projeto prevê a formação de “foruns de debates” nas comunidades locais,
evidencia a afirmativa de Gramsci (1985), de que a ação transformadora de uma
determinadora comunidade se dá a partir de um grupo homogêneo – os foruns - , cuja ação
comum é feita pela negociação e pelo compromisso, que objetiva a formação da vontade
coletiva.
Esta vontade coletiva permite traçar um paralelismo com a concepção de Chardin
(1981) sobre “a saída coletiva”, que é alcançada quando todos os seres juntos,
suficientemente motivados para aderir ao processo,
caminham numa direção em que todos
possam se reunir e se completar.
3) AÇÕES DE INTEGRAÇÃO PRODUTIVA
Prevê-se a sustentabilidade do Projeto Desenvolvimento Sustentado da Costa dos
Coqueiros, na sua dimensão econômico produtiva, a partir de dois segmentos:
O primeiro é representado por empreendimentos turísticos. Não somente os de natureza
externa,
84
-
O segundo é representado por atividades econômicas correntes e tradicionais de boa parte
das populações dos 31 povoados da micro-região. Está prevista a segmentação dessas
atividades com base:
na agricultura orgânica, em pesquisas para projetos de aqüicultura e
pesca e utilização da flora regional para beneficiamento de fármacos, através de plantas
medicinais, e produção de essências
aromáticos,
no empreendendorismo cultural, utilizando
potencialidades do artesanato regional. A FIGURA 14, abaixo, ilustra visualmente esta
segmentação:
4) AÇÕES DE EDUCAÇÃO E CULTURA
O programa educacional busca atender às expectativas da comunidade local e dos dois
segmentos da dimensão econômica: empreendimentos turísticos e atividades correntes e
tradicionais.
85
A capacitação para o turismo visa a melhoria da escolaridade de jovens e adultos, para
fornecer mão de obra para o pessoal de base para os novos meios de hospitalidade, a exemplo
do Complexo Costa de Sauípe, e a criação de pequenos meios de hospedagem por
empreendedores locais nas próprias comunidades.
As atividades tradicionais terão atenção especial. Através da consolidação da
democracia como valor social e da cidadania como seu exercício, espera-se resgatar a auto
estima e motivar os artesãos locais, concientizando-os do valor produtivo e da importância da
sua atividade. A introdução de técnicas de melhoria dos processos e produtos, busca a
melhoria de qualidade dos produtos e a diversificação na linha de produção.
A integração
produtiva da população local com o segmento dinâmico da economia regional, viabiliza o
despertar para o seu papel como “sujeitos criativos e criadores dos seus próprios
destinos”(Boff e Arruda , 2000). As ações educativas, visam, então que se ampliem as
estruturas de pensamento da população local, retomando a valorização dos “saberes e
fazeres”, dando aos indivíduos condições de apropriação dos meios, das linguagens, da
realidade, podendo transforma-la, a partir do seu auto-desenvolvimento (Boff e Arruda,
2000), num movimento de construção de sua autonomia e motivação individual, enquanto
sujeitos conscientes do desenvolvimento de suas potencialidades. A FIGURA 15, acima
detalha a operacionalização das ações desta fase.
O poder da educação e do aprendizado é
86
ressaltado, também, por Smith (1978), quando defende que a especialização profissional, é
influenciada pelo “saber adquirido”.Ou seja,
mediante a associação das habilidades
produtivas aos processos educacionais e de qualificação profissional, ocorre a incorporação
dos “saberes e fazeres” dos indivíduos.
Os processos de educação previstos no Projeto podem, assim, ter seus resultados
ampliados, pois têm a educação e a qualificação dos indivíduos, como condicionantes da
melhoria de suas qualidades de vidas. Resulta-se como conseqüência desta ação, indivíduos
mais motivados e mais aptos a aderir aos processos educacionais e as transformações
produtivas.
A noção de desenvolvimento das comunidades, proposta pelo Projeto, teria a sua base
de expansão dentro de uma outra lógica e noutro movimento, distinto, por sua vez, dos demais
programas de Desenvolvimento Local Sustentável- DLS.
A promoção dos novo caminhos,
para o desenvolvimento deve observar um direcionamento “de baixo para cima” e , ao mesmo
tempo, “de dentro para fora”, que tem os seus pontos de partida na diversidade cultural dos
indivíduos e comunidades, para a construção de um tipo de crescimento fundamentado na
diversidade e complementariedade dos seus habitantes. ( Boff e Arruda, 2000).
A
proposição
dos
quatro
eixos
estruturantes,
para
o
desenvolvimento
das
comunidades, durante a fase de “Ações de Intervenção”, é um coadjuvante essencial para o
pleno alcance do autodesenvolvimento das comunidades. Boff e Arruda (2000), propões que
dois níveis da realidade das comunidades devem ser trabalhados neste sentido: a dimensão
comunitária e a dimensão pessoal.
A dimensão pessoal contemplaria, o potencial o potencial próprio de cada habitante
local, enquanto indivíduos. Cada pessoa, através da motivação, da reflexão, e da educação,
passa a ter a consciência que pode e deve assumir responsabilidades de fazer o progresso de
cada aspecto, qualidade, atributo, “saberes e fazeres”, enquanto ser que só existe em relação
com as suas várias dimensões, com os demais membros das comunidades, e com o meio
ambiente.
Na dimensão da comunidade, o indivíduo é um todo em si, e parte ativa dos mais
abrangentes, ou seja, as comunidades. Assim, é possível, através da educação, estimular tanto
87
o
desabrochar
das
capacidades
individuais,
quanto
aquelas
que
resultam
da
complemantariedade e sinergia gerada pelo “pensar e agir em comum com os demais
participantes”.(Boff e Arruda, 2000)
Cícero (2001) já mencionava em 47 a.c, que a partir do “dom da razão”, o homem
aproxima-se do outro homem, buscando viver em comum e desejar conservar sociedade entre
si. A boa harmonia e união entre os homens é expressa da melhor forma, quando cada
indivíduo se dedica a colaborar com aqueles a que estão mais diretamente unidos. Adotando
esses princípios, os indivíduos podem perceber quais as necessidades mais prementes dos
membros das comunidades a quem pertencem, e que estão mais unidos, e então refletir sobre
o que cada um pode, ou não consegue, executar sem o nós.
Os processos educacionais definidos no Projeto, tem como pressuposto, estimular os
aspectos criativos dos indivíduos das comunidades locais.Winsemus (1999), chama atenção
para o cuidado especial que os condutores do processo devem ter, durante esta etapa do
Projeto. A criatividade do indivíduo é sub-dividida em três fatores principais: habilidades,
técnicas de raciocínio criativo e motivação individual (Winsemus, 1999). Os dois primeiros
fatores podem sofrer a influencia direta dos líderes comunitários e condutores do processo.
No entanto, o terceiro , vai depender estritamente da “co-liderança”, ou seja, a maneira como
são delegadas as responsabilidades para cada indivíduo, mediante suas potencialidades
individuais, e conduzem as ações que os torne mais motivados e sujeitos ativos e cada vez
mais autônomos e conscientes do seu próprio destino, e das comunidades.
88
Dessa maneira, é importante atentar, para que os processos de estímulo à criatividade,
devem e podem coexistir com os dons natos dos indivíduos. Especificamente falando, os
processos de intervenção, quando conduzidos de “cima para baixo”, que muitas vezes dão
ênfase prioritária à busca de maior eficiência e produtividade de forma atropelada, e podem
embotar a fertilidade criativa das pessoas, colhem mais resultados, quando são feitos de
“baixo para cima”, quando temos com resultante principal indivíduos cada vez mais
motivados no seu “self” e habitat comunitário, progressivamente mais conscientes das
necessidades de preservação do meio ambiente, e da dimensão do desenvolvimento
sustentado, de suas localidades, e da Região que integram. A FIGURA 16, abaixo, representa
na interseção entre os eixos da ação, o resultado das ações propostas, que tem na motivação
individual, elemento de construção de uma nova realidade para os indivíduos e para a Região.
89
CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro e mais fundamental dos ganhos de um projeto social na Costa dos
Coqueiros, provavelmente, será o de valorizar sua população nativa, fazendo-a deixar de ser
apenas expectadora das transformações que lá ocorrem, , passando a ter voz participativa nos
processos de construção e mantendo e respeitando suas tradições, nos seus “saberes”e
“fazeres”. A auto-estima das populações locais será forte e positivamente impactada pelo
alargamento de seus espaços de liberdade como atores econômicos também dentro do modelo
de desenvolvimento sustentável que se implanta no Litoral Norte baiano.
As ações educativas e de mobilização das comunidades permitem que se ampliem suas
estruturas de pensamento, a reelaboração dos conceitos de vida em comunidade, dando
condições aos indivíduos de apropriação dos meios, das linguagens, da realidade, podendo
transforma-la, na medida em que se transformam num movimento de construção da sua
própria autonomia.
Retoma-se, então, uma das questões iniciais do Projeto, quando estabelece uma
correlação entre as dimensões da educação e do trabalho na Costa dos Coqueiros. Enquanto a
primeira vislumbra o futuro das comunidades, mais a médio e longo prazos, e tem no sistema
de educação formal o seu vetor substantivo, a segunda contempla as ações de curto prazo.
Para que os jovens e adultos da Região reencontrem a própria dignidade de produzir e
redescubram e se conscientizem de que suas competências adquiridas, por processos não
formais de educação, ou seja, via o aprendizado prático, têm o valor reconhecido e podem,
também, ser geradoras da própria sobrevivência, possibilitando a convivência de forma
harmoniosa com o novo ambiente em construção. Estes indivíduos, podem, então perceber o
valor da subjetividade crítica do “trabalho imaterial” (Lazzarato e Negri, 2001), quando
despertam para a importância que o trabalho autônomo têm, e não se sentem inferiorizados
frente aos demais indivíduos, que participaram dos processos formais de educação.
A análise conduzida nesta dissertação, evidencia que em muitos aspectos do “Projeto
Desenvolvimento Sustentado na Costa dos Coqueiros” a componente de motivação
90
individual, e o resgate da auto-estima dos indivíduos, se fez presente na totalidade da
metodologia e ações propostas.
No capítulo III.3, podemos observar que o recurso de utilizar a pesquisa participante
como opção de metodologia de abordagem e conhecimento das comunidades, permitiu, como
resultado, preservar uma estreita relação dos objetivos do Projeto com a presente realidade
das comunidades da Região.
As ações de intervenção, mobilização e articulação social, integração produtiva, e
educação e cultura, do Projeto, e suas respectivas etapas,
foram traçadas de forma
a
contribuir para o despertar nos indivíduos, de um senso de poder, quando lhes é dada a
oportunidade de participação ativa e conjunta na construção dos objetivos e interesses
comuns, que atendam os principais anseios individuais e os da comunidade.
Participar ativamente como sujeitos/cidadãos criadores e criativos dos seus próprios
destinos e conhecimento, resulta em um progressivo empoderamente destes indivíduos,
quando tomam consciência da devida importância do que atualmente fazem em suas
ocupações, e da riqueza cultural de que são possuidores. A visão de que o saber disperso que
são detentores, era considerado, até então, num patamar de importância abaixo e aquém dos
“de fora”, contribuindo para um senso de inferioridade, e para a crença de que este tipo de
realidade era imutável, adquire com as ações propostas, outros contornos com a perspectiva
de reversão do “status quo”atual.
A partir das ações do projeto, definidas conjuntamente, a auto-estima destes
indivíduos passa a ser gradualmente recuperada, lhes permitindo retomar
a auto-confiança,
elemento importante, para que eles se sintam culturalmente fortes e motivados, e diretamente
interessadas no processo transformador que, então, acontece.
A identificação de lideranças locais, a partir dos fóruns de debate, que após sua
capacitação atuariam na “co-liderança” dos processos e ações, é de fundamental importância,
para que os habitantes se dêem conta que também podem ser guiados por um “de dentro”,
num processo democrático que valoriza a importância de cada um, e o papel que
desempenham nas comunidades. Assim, esses indivíduos se sentem mais comprometidos para
assumir responsabilidades, e capazes de se constituir em coadjuvantes na construção de uma
91
visão motivadora comum, capaz de impulsionar as atividades do projeto. E construir as
diretrizes estratégicas, comum a todos, que possa criar uma “ponte” entre o presente e o
futuro.
Quanto aos aspectos educacionais previstos no Projeto, a proposta essencial é
estimular os aspectos criativos dos indivíduos das comunidades locais, e as ações de natureza
específicas visam promover a educação e qualificação dos indivíduos , como condicionantes
da melhoria de suas qualidades de vida. Foi observado na metodologia adotada que esses
processos podem conduzir ao surgimento de indivíduos mais motivados e mais aptos a aderir
aos processos educacionais e as transformações produtivas.
A análise empreendida nessa dissertação, e as considerações que foram aqui tecidas,
podem ser consideradas um consistente elemento, para que a motivação individual venha a ser
melhor apreciada e considerada, e incluída, quando da elaboração de programas, públicos ou
privados, de fomento ao desenvolvimento local sustentado.
É expectativa do autor que, se dada à devida atenção aos benefícios e ganhos que
podem advir de se adotar a motivação individual, como uma componente permanente de
programas de desenvolvimento local sustentável, será possível iniciar uma maior reflexão,
por parte das entidades promotoras do desenvolvimento no desenho e implementação de
novos programas de desenvolvimento local sustentável.
Por fim, é possível
identificar no Projeto, que as aplicabilidades da componente da
motivação individual podem ser múltiplas, pois múltiplas são as aptidões e potencialidades
dos indivíduos que habitam as comunidades da Costa dos Coqueiros. No entanto, o principal
benefício que pode ser conseqüência desta componente é o da construção de sujeitos
autônomos, que podem deflagrar e participar de processos de reflexão e construção dos seus
próprios caminhos, em busca de recriar a sua realidade mais imediata: os seus saberes e
fazeres.
92
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Roberto de Oliveira Cardoso - UFBA