Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85288-0061-6
O papel do ensino de história na formação da identidade nacional argentina
segundo o pensamento de Ricardo Rojas
Fabio Muruci dos Santos1
As décadas que precedem as comemorações do centenário da independência na
Argentina, realizadas em 1910, foram marcadas por uma série de debates sobre a
consolidação da identidade nacional Transformações sociais e econômicas radicais ocorridas
desde as décadas finais do século XIX causavam apreensão em setores sociais tradicionais e
em intelectuais incomodados com o perfil urbano e cosmopolita da nova nação. A numerosa
presença de imigrantes europeus, amplamente concentrada em Buenos Aires, despertava o
temor de que o país pudesse passar por uma desnacionalização antes mesmo que os
fundamentos da nacionalidade estivessem plenamente assentados. Deformação da língua
castelhana, falta de lealdade cívica, interesse por ideologias políticas radicais ‘importadas’ e
hábitos moralmente questionáveis estavam entre os diagnósticos negativos apresentados por
críticos da presença excessiva de imigrantes no país (BERTONI, 2001). Simultaneamente, se
destacava a falta de interesse cultural e dedicação cívica das próprias elites oligárquicas
argentinas, demasiadamente preocupadas com o crescimento econômico e a exibição
ostensiva de riqueza. Para muitos, o centenário da independência poderia ser a oportunidade
ideal para uma ampla reflexão pública sobre esses problemas e o ponto de partida para
programas de reforma que enfrentassem o problema da nacionalização profunda dos
estrangeiros e da reforma moral das elites dirigentes.
É nesse quadro que podemos situar o pensamento do historiador Ricardo Rojas.
Freqüentemente citado como um dos iniciadores do pensamento nacionalista argentino, Rojas
alcançou destaque, inicialmente, com a publicação de alguns artigos no jornal La Nación, em
1906, nos quais defendeu a necessidade de fortalecimento da consciência coletiva do povo
argentino. Após uma viagem a Europa para estudar os sistemas educacionais locais, publicou
o livro La restauración nacionalista (1909), objeto de discussão deste trabalho. Rojas
compartilhava boa parte do diagnóstico dos problemas nacionais apresentado acima. Em seu
livro, relata diversas situações que comprovariam seus temores. Constata, por exemplo, que
boa parte das crianças em idade escolar na Argentina era formada de filhos de imigrantes que
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Professor do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas (PPGHIS) da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Doutor em História pela UFRJ. Este texto é parte de nosso projeto de
pesquisa “História, biografia e nação: Argentina e Uruguai, 1900-1945” em andamento na UFES.
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falavam mal o castelhano, seguiam hábitos de vários países simultaneamente e tinham pouco
conhecimento dos símbolos nacionais argentinos. Em certa passagem, demonstra
consternação com o seguinte episódio: “(…) un niño de sexto grado preguntaba a su maestro:
“Señor: ¿Si el Brasil le declara la guerra a Buenos Aires, las Provincias la van a ayudar?...” Lo
sé por el mismo maestro a quien se le preguntaba…” (ROJAS, 1922: 256). A confusão do
menino sobre o caráter de seu próprio país não seria surpreendente para Rojas já que a
Argentina teria se tornado uma babel de nacionalidades, diante da qual alguns poucos
esforços escolares, como cantar o hino nacional, seriam de pouca ajuda:
¿De que servirá, por ejemplo, que al escolar le enseñemos las leyendas del lábaro
patrio, y el saludo litúrgico a su bandera, arrebatada, según ha de decirle el maestro, al
blanco y al azul de su cielo, si al salir de su casa el 25 de mayo, año tras año, ha de
encontrar la calle indiferente y desierta? Otros días, en cambio, camino de la escuela,
ve la ciudad profusamente engalanada de banderas exóticas, con coronas imperiales,
cruces heráldicas, águilas bicéfalas. Averigüe el motivo, y será el casamiento de una
princesa en Europa o el onomástico de un rey extranjero (ROJAS, 1922: 314).
Visando superar essas soluções simplistas, o livro apresenta todo um conjunto de
reflexões e propostas que Rojas sugere como propícios para alcançar o objetivo fundamental
de estimular o sentido de nacionalidade nos jovens. Nesse projeto, o ensino da História
nacional ocupa lugar de grande destaque. O autor tinha noção, porém, de que o sucesso dessas
propostas só seria alcançado se outras mudanças nos campos intelectual e educacional fossem
efetivadas. Os críticos da desnacionalização do país, incluindo o próprio Rojas, sustentavam
que o quadro cultural deprimente que viam na Argentina às vésperas do Centenário – um país
rico, mas carente de cultura e dedicação cívica – era resultado da mentalidade política e
filosófica que havia governado a Argentina por várias décadas. Esta situação teria origem nos
projetos de modernização iniciados por pensadores ilustrados e cosmopolitas do século XIX,
como Domingo Sarmiento e Juan Bautista Alberdi. Seus dogmáticos discípulos teriam
imposto uma modernização forçada ao país, importando idéias e populações e ignorando as
tradições e a história local: “Fueron las Bases de Alberdi el evangelio de tan peligrosa
doctrina. El resobado tema gobernar es poblar, cien veces mentado por quienes no sabrían
indicar la página donde lo aprendieron, se tornó absoluto al destacarse del texto originario y
del sistema de ideas que lo limitaba” (ROJAS, 1922: 122-3). Para esta mentalidade
modernizadora, a história local seria inútil porque era identificada somente com o
obscurantista passado espanhol e com a barbárie de índios e gaúchos, sendo estes últimos
obstáculos a serem assimilados ou destruídos. Sua crença ortodoxa na doutrina do progresso
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teria cortado o laço dos argentinos com seu passado, lançando-os em um esforço de
praticamente começar a história de novo. O resultado teria sido um país perigosamente sem
raízes, obcecado pelas novidades importadas da Europa e dominado pelo espírito arrivista de
uma plutocracia materialista e sem cultura.
O fortalecimento dessa mentalidade modernizadora nas últimas décadas do século
XIX teve forte impacto no campo educacional, com o predomínio das idéias positivistas na
formulação dos programas de ensino por toda a América Hispânica, incluindo a Argentina.
Motivados pela necessidade de formar uma geração de técnicos e homens com espírito
pragmático, reformadores educacionais implantaram mudanças curriculares que priorizavam
as ciências exatas e aplicadas. Mais que isso, áreas como Literatura e Artes não só eram
consideradas menos essenciais para o esforço de desenvolvimento, como tidas como
essencialmente perigosas. Na lógica positivista que orientava muitos desses reformistas, a
imaginação era vista como um perigoso estímulo à desordem e à anarquia, tendências que já
predominariam espontaneamente no ambiente social e politicamente inorgânico da América e
estimulavam a ‘barbárie’. A educação e a ciência deveriam, ao contrário, contribuir para o
esforço ordenador que os Estados em processo de centralização estavam efetivando.
Literatura e História, no campo educacional, eram desnecessários ou considerados ramos
secundários da Retórica e do Direito (RAMOS, 1989).
Assim, a defesa de programas educativos direcionados para a nacionalização teve
que enfrentar também um quadro hostil às humanidades e, dentre elas, a História. A
efetivação do projeto de criar espaço para o ensino autônomo de disciplinas como História e
Literatura nacionais, naquele momento, exigia previamente a legitimação do ensino dessas
disciplinas em si mesmas, contra os ataques positivistas. Os autores nacionalistas trabalharam
pela redefinição do próprio campo intelectual e suas instituições, argumentando em favor da
legitimidade das humanidades no sistema educacional (ALTAMIRANO e SARLO, 1997).
Um dos alvos de Ricardo Rojas, nesse sentido, foi a considerável influência de Herbert
Spencer entre os intelectuais hispano-americanos. Segundo o entendimento de Rojas, os
seguidores locais do mestre inglês negariam o valor do ensino da História por ser esta uma
disciplina não-científica, carente de leis estáveis e fatos sistematizáveis. Esta limitação
praticamente eliminaria seu valor utilitário, o qual seria o principal quesito de legitimação
para a existência de um campo de ensino. Rojas discordava:
(…) lo fundamental de sus críticas consiste en que los hechos históricos no pueden
organizarse en sistema: unorganisable facts. Esto importa simplemente negarle
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carácter científico a la Historia; y tal opinión, además de ser exacta, es hoy la más
difundida. Pero eso no nos autoriza a condenarla, ni como especulación intelectual ni
como asignatura pedagógica. Tal cosa nos llevaría a reducir los programas a las
ciencias de ampliación utilitaria, y a excluir de nuestros estudios, con la misma razón
villana, la Filosofía, la Literatura, el Arte, cuyos hechos no organizables también unorganisable facts – fueron, sin embargo, el esfuerzo doloroso del hombre por
realizar, en el mundo, el reino de la Belleza y la Justicia (ROJAS, 1922: 44).
O autor argentino não discordava propriamente sobre o caráter não-científico da
História. Nem sua concepção de ciência parece destoar da concepção dos spencerianos. Para
ele, a ciência também exigiria a comprovação objetiva dos fatos e sua organização em um
sistema de leis gerais. Rojas considera tais procedimentos inviáveis no campo da História
porque está seria feita pela reconstrução imaginativa do passado a partir de uma ‘sombra
mental’: “Casi todas las fantásticas leyes de la llamada filosofía de la Historia, se hallan hoy
en descrédito” (ROJAS, 1922: 42). Além disso, as paixões de raça, época e escola sempre
imporiam um inevitável elemento de subjetividade na produção do conhecimento histórico.
Rojas também discute outro aspecto apresentado pelos spencerianos, os quais
negariam o valor educativo da História porque, devido ao próprio caráter contextual que a
distingue, ela não seria capaz de fornecer valores atemporais. O autor argentino não discorda
desse aspecto:
(…) la historia no es instructiva a la manera de las ciencias naturales o de las
matemáticas; pero es esencialmente educativa: educativa del carácter y de la
inteligencia. Decir que no puede extraerse de ella principios permanentes de conducta,
es sólo decir que la historia no es la moral. Es en cambio la que da su material y su
experiencia a la moral, correspondiéndole a esta última, en su doble aspecto filosófico
y religioso, formular esos principios permanentes de conducta que Spencer
consideraba como la mejor lección de los hechos (ROJAS, 1922: 45).
Seria fundamental distinguir a ‘História’ da ‘Moral’, esta última sim devotada à
construção de princípios de validade geral. Rojas é enfático ao afirmar que não cabe ao
historiador, e muito menos ao professor de História, usar seu ofício para dogmatizar ou
defender ideologias ou bandeiras específicas, a não ser no caso muito particular da defesa da
Nação, que estaria acima das divergências ideológicas entre seus membros. Sustentando uma
firme perspectiva historicista, defende que a função educativa da narrativa histórica está
ligada ao momento e ao lugar em que ela é produzida, daí refutando o valor da noção de
Historia Magistra Vitae:
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No, no es magistra vitae, puesto que nada cierto nos enseña para la vida real. La
experiencia de otras generaciones sirve de poco, dadas las circunstancias diversas en
que viven las generaciones ulteriores. Yo ha dicho en este mismo parágrafo que su
discernimiento sólo nos sirve en cuanto adiestra nuestro juicio para las propias
resoluciones (ROJAS, 1922: 47-8).
Esta afirmação do caráter historicista do próprio valor educativo da História abre
caminho para as propostas do autor sobre o que deveria ser valorizado pelos educadores e
porque essa disciplina seria essencial para um programa de nacionalização. Os argumentos
spencerianos não seriam relevantes para sua exclusão do sistema de ensino. Ao contrário, é na
especificidade da narrativa histórica que deveria ser buscada sua maior contribuição
educativa. Em primeiro lugar, Rojas demonstra um interesse limitado pela historiografia dita
‘científica’ do século XIX, buscando raízes originais mais relevantes: “La Historia ha tenido
los mismos orígenes de la Epopeya” (ROJAS, 1922: 28). Apresenta, então, um relato da
evolução do gênero, centrado no declínio de sua função narrativa e moralizadora, o qual teria
culminado no seu desaparecimento no século XVIII. Após um debate entre românticos e
positivistas, a abordagem científica teria predominado. As origens épicas e suas funções
teriam sido quase esquecidas pela tendência dominante do saber histórico oitocentista,
embebido na noção de objetividade científica, mas não por todos os historiadores. Nomes
como Carlyle, Renan e Macaulay são citados como exemplos de narradores que ainda teriam
guardado o poder de inspiração e drama que a História pode oferecer, onde o historiador pode
agir “ora apacible como un magistrado moderno, ora rugiente como un justiciero de la Biblia”
(ROJAS, 1922: 47). Não é na regularidade das leis científicas, nem em padrões morais
eternos que os estudantes encontrariam material de inspiração, mas na narrativa dos feitos de
grandeza e gênio dos ‘heróis’:
La historia es (…) educativa del carácter porque fue desde la antigüedad la
glorificadora del heroísmo. Cualquiera que sea la sequedad a que la hayan llevado, en
sus últimas transformaciones, estudios de minuciosa especialización, la historia
sintética y alta no se ha apartado, ni podría apartarse, de ese discernimiento moral
(ROJAS, 1922: 46).
Não sendo em si mesma uma disciplina moralizadora, a História forneceria um
acervo de ‘sugestões morais’. Sua ação educadora seria feita pelo ‘exemplo’ e não pelo
‘dogma’. Para operacionalizar esse método de ensino através da inspiração moral oferecida
por personagens exemplares, Rojas se apóia no programa de ensino proposto na França por
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Ernest Lavisse. Não se trataria de ensinar lições e sim de desenvolver uma espécie de
narrativa seletiva, concentrada nos aspectos mais edificantes e moralmente instrutivos da vida
de cada personagem. O ritmo e dedicação a cada período histórico seriam definidos pelo autor
segundo esse critério:
Evitará el dogmatizar, el declamar, el predicar, pero se detendrá ante las gentes
honestas cuando las encuentre a su paso. Se extenderá sobre la caridad de un San
Vicente de Paúl y economizará en los detalles de las campañas de Luis XIV el tiempo
que necesite para hacer amar las personas de Corneille, de Molière, de Turenne, de
Vauban. Deberá elogiar las acciones virtuosas y los hombres de bien (ROJAS, 1922:
48-9).
Rojas aponta que esses princípios colocam questões complexas. A escolha das
figuras exemplares a serem destacadas não seria, em si mesma, uma questão ideológica? As
figuras cruéis e destrutivas também não encontrariam seus panegiristas desde que fossem
vencedores? Em sua discussão do tema, sua resposta não chega a ser conclusiva. Parece
sugerir que a escolha do personagem não é o fundamental e sim os aspectos morais que serão
destacados nele – justiça; valentia; patriotismo; generosidade. Fugindo, de certa forma, de sua
perspectiva historicista, afirma que os mesmos valores seriam ressaltados em qualquer figura
histórica, mesmo naquelas que, em outros aspectos, seriam alvo de objeção aguda. Cita o
exemplo de Juan Manuel de Rosas. Mesmo sendo um ditador sanguinário, como Rojas afirma
reconhecer, o historiador irá elogiar nele o valor da cidadania e o empenho na defesa da pátria
contra agressores estrangeiros, mas nunca o criador de um aparato policial cruel. Não é
necessário criar uma imagem estereotipada ou idealizada para cumprir o objetivo educativo e
sim dar ênfase aos aspectos que se quer destacar.
Tendo a questão educacional como preocupação principal, Rojas está mais
interessado nos efeitos desse tipo de narrativa sobre os jovens do que na cientificidade e
erudição da pesquisa, a qual seria um assunto mais relevante para o nível universitário. Para o
ensino fundamental, o excesso de informação e preocupação com dados verídicos seria até
contraproducente e tedioso. Assim, a escolha dos gêneros narrativos na preparação de
materiais didáticos deveria ser uma das prioridades do debate educacional. Para transmitir de
forma interessante para os jovens o valor das vidas exemplares, as biografias se destacam
como a melhor opção:
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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(…) ese aspecto moral de la historia, siendo inherente a las biografías, interesa más
bien en la enseñanza primaria, donde el sentido crítico no existe, donde se habla más
bien a la imaginación, donde los héroes tienen un valor simbólico, sin que haya mucha
diferencia para la mente de un niño entre los héroes reales y los imaginarios (ROJAS,
1922: 51-2).
O poder de inspiração dos heróis e grandes homens, porém, não é igual em todos os
tempos e lugares. Por isso, a educação histórica deve se concentrar na história nacional,
embora Rojas não defenda uma visão xenófoba. Ao contrário, seu livro tem a clara intenção
de estimular a aproximação da história argentina com as origens espanholas, para que as
inimizades geradas na época da independência fossem superadas. A recuperação das raízes
hispânicas ajudaria a conter a influência das massas de imigrantes de outras regiões da
Europa, especialmente da Itália e Alemanha.
Ao ressaltar o caráter nacionalizador do projeto de Rojas, é importante lembrar que
seus fundamentos políticos podem ser descritos como os de um liberalismo reformista
moderado, com a expectativa de ampliação da noção de cidadania através da moralização da
política e da inclusão de novos setores, mas restritiva quanto aos movimentos de massa, então
amplamente formados por imigrantes. Em termos internacionais, pensava em um quadro de
solidariedade entre as nações sul-americanas, mas com respeito pelas singularidades
nacionais. Deve ser distinguido dos setores intelectuais do nacionalismo de direita argentino
que emergem a partir dos anos 1920 e que defendiam agressivamente a necessidade de uma
ditadura nacionalista. Rojas rejeitou publicamente o regime militar instaurado com o golpe de
1930, defendendo o regime constitucional, a liberdade de imprensa e os direitos individuais
(GLAUERT, 1963).
Também refutava a idéia de que a recuperação do passado implicasse em uma
postura inimiga da modernidade e tradicionalista, que buscasse restaurar ou preservar modos
de vida passados. Ao contrário, apesar de seus princípios historicistas, adota certo
determinismo histórico ao considerar que o desaparecimento das culturas tradicionais era um
processo inevitável:
Cuidemos, sin embargo, de que nuestro afán moralizante no se convierta en fanatismo
dogmático y nuestro nacionalismo en regresión a la bota de potro, hostilidad a lo
extranjero o simple patriotería litúrgica. No preconiza el autor de este libro una
restauración de las costumbres gauchas que el progreso suprime por necesidades
políticas y económicas, sino la restauración del espíritu indígena que la civilización
debe salvar en todos los países por razones estéticas y religiosas. No puede proclamar
tampoco, en regresión absurda, la hostilidad a lo extranjero, quien tiene por la cultura
de Europa una vehemente admiración (ROJAS, 1922: 199).
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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Apesar das manifestações de repúdio do nacionalismo militarista e xenófobo, Rojas
não deixa de acentuar que o uso da memória histórica deve ser seletivo e organizado a partir
de critérios nacionalizadores. Nesse sentido, os planos de estudo apresentados em seu livro
colocam grande destaque no período da independência, quando o país teria gerado figuras de
grande poder de inspiração cívica, como Mariano Moreno e José de San Martín. Contra a
tendência dominante da historiografia argentina do século XIX, que considerava os caudilhos
como causadores da barbárie dominante na política argentina, Rojas defendia que eles
também deveriam ser contemplados por terem lutado pela causa da libertação nacional
(SVAMPA, 2006). Nesse sentido, o ensino de História nos níveis elementares é uma atividade
com fins reconhecidamente políticos e, por isso, deveria ser assumido como um dever do
Estado laico e democrático, especialmente em países de formação populacional recente:
En pueblos nuevos y de inmigración, como el nuestro, la educación neohumanista
deberá tener por base la lengua del país, la geografía, la moral y la historia moderna.
(…) En las sociedades modernas, dividida la humanidad en naciones y caída la
autoridad pontificia, la escuela es, no sólo función, sino prerrogativa del Estado, y a
éste le corresponde, dado el fin democrático de su escuela, hacer de ella una
institución nacionalista. Para eso el camino está en la Historia y las humanidades
modernas. Son ellas que preparan al hombre para vivir en una época y un país
determinados (ROJAS, 1922: 89, grifo do autor).
Além da escola, a História também deveria ser mobilizada em outros espaços, como
os museus e estátuas em espaços públicos, sempre segundo o critério do interesse da memória
nacional. Rojas critica duramente a implantação de estátuas de líderes italianos como Mazzini
e Garibaldi nas praças de Buenos Aires, personagens que não teriam qualquer relevância para
a história argentina. Não nega a possibilidade de que estátuas de estrangeiros possam ser
erguidas, desde que seus feitos estejam incorporados na história nacional ou que se trate de
gênios artísticos ou intelectuais de valor universal. As estátuas seriam um recurso de
pedagogia histórica por uma via estética cuja eficiência não poderia ser desmerecida.
Outro aspecto de descuido com os valores nacionais que lhe causou revolta foi a
constante substituição dos nomes indígenas de localidades do interior do país por nomes
estrangeiros, o que atestaria que os argentinos ainda viveriam no deslumbramento pelas coisas
vindas da Europa, como no século XIX. Cita comentários desdenhosos de observadores
estrangeiros que se surpreendem com a troca de nomes de localidades que tinham grandiosos
nomes indígenas por nomes estrangeiros de baixa expressão social, ou mesmo apelidos,
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apenas porque eram ingleses ou franceses. Os argentinos ainda estariam fascinados pelo
exotismo.
Parte importante de seu plano curricular é dedicada ao estudo do folclore, o qual
considerava como um dos repositórios da identidade coletiva, descrevendo-o como parte dos
elementos ‘intra-históricos’ da nação, uma forte marca das raízes românticas de seu
pensamento
(DELANEY,
2002). Embora
concordasse com a inevitabilidade
do
desaparecimento dos povos indígenas diante do progresso, criticava o desprezo com que os
historiadores do século XIX haviam tratado essas populações. Considerava que suas
contribuições históricas e culturais para a identidade nacional não poderiam ser ignorada. Em
seu plano para a criação de uma ‘Escola de História’, dedicada aos estudos argentinos, incluiu
o estudo das línguas guarani e quéchua como disciplinas obrigatórias para que os futuros
historiadores profissionais estivessem preparados para pesquisar adequadamente o período
colonial. Mas as contribuições das populações não-brancas estariam incorporadas na
identidade nacional coletiva, onde predomina o papel dirigente das elites hispânicas.
Sua concepção da importância da memória histórica estava mais relacionada com a
criação de uma consciência política e vital coletiva do que com a afirmação de alguma pureza
nacional ou racial, a qual rejeitava. Dentro da lógica renaniana, considerava que um país sem
memória, como acreditava serem os Estados Unidos, tenderia a se limitar à busca da
sobrevivência e dos interesses imediatos. Estes objetivos levariam ao progresso material, mas
não a verdadeira civilização. A importância do passado está menos relacionada com a
preservação de formas culturais tradicionais e mais com a função que a memória histórica tem
para a consolidação de um certo modelo unificado de identidade nacional, outra possível
influência renaniana. O viver não-histórico seria característico de povos primitivos ou de
civilização incompleta, carentes dos altos exemplos de moral que só o passado acumulado
poderia oferecer.
Ao estabelecer esses critérios, Rojas criava seus próprios mecanismos de
classificação e exclusão através da memória seletiva. Os papéis de destaque como figuras
exemplares na narrativa épica da evolução nacional são claramente reservados aos heróis da
elite criolla hispânica que comandaram o processo de independência e consolidação do
Estado. Os outros setores sociais e étnicos recebem atenção enquanto contribuintes coletivos
através de hábitos, técnicas e manifestações culturais incorporadas na identidade nacional
após seu necessário desaparecimento físico. O movimento de reconhecimento de suas
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contribuições para o ser atemporal da Nação é, simultaneamente, um ato de exclusão de sua
existência como entidades autônomas.
BIBLIOGRAFIA
ALTAMIRANO, Carlos, e SARLO, Beatriz. “La Argentina del Centenario: campo
intelectual, vida literaria y temas ideológicos”. In: Ensayos argentinos. De Sarmiento
a la vanguardia. Buenos Aires: Ariel, 1997.
BERTONI, Lilia. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la
nacionalidad a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001.
DELANEY, Jean H. “Imagining El Ser Argentino: cultural nationalism and romantic
concepts of nationhood in early twentieth-century Argentina”. In: Journal of Latin
American Studies, n. 34 (2002): pp. 625-658.
GLAUERT, Earl T. “Ricardo Rojas and the emergence of Argentine cultural nationalism”. In:
The Hispanic American Historical Review n. 43 (1963): pp. 1-13.
ROJAS, Ricardo. Obras de Ricardo Rojas. Tomo IV: La restauración nacionalista. Buenos
Aires: Librería ‘La Facultad’ Juan Roldán y C., 1922.
RAMOS, Julio. Desencuentros de la modernidad en América Latina. Literatura y política en
el siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 1989.
SVAMPA, Maristella. El dilema argentino. Civilización o barbarie. Buenos Aires: Taurus,
2006.
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