VALIDADE DE PORTARIA DA S.D.E. DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Roberto Dornas Tem sido comum a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça editar portarias a título de aditar o elenco de cláusulas abusivas do art. 51 da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pretendendo conferir-lhes validade legal. Lamentavelmente, membros do Ministério Público, fiscal e incumbido de aplicação da lei, e alguns advogados concordam em dar curso legal às citadas portarias e, com base nelas, obrigar a alguém praticar ou deixar de praticar o que elas contêm. A Constituição Federal, no seu art. 5º, inc. II, dispõe: “II – ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em vontade de lei”. Evidente que a lei mencionada na Carta Magna não há de ser uma portaria,mas aquela que obedece ao processo previsto nos seus art. 59 a 69. Apenas ao Legislativo cabe legislar, seguindo o procedimento estabelecido na Constituição, no que se inclui a Medida Provisória que, mesmo se originando no Poder Executivo, deve ser submetida ao Congresso Nacional. Não existe a instituição de delegar competência para legislar. Ministério da Justiça é órgão do Executivo e não Congresso Nacional ou Poder Legislativo, nem seu delegado. Decreto e portaria são normas administrativas, baixadas pelo Executivo, que não podem contraditar,restringir ou ampliar o determinado em lei. O art. 51 da Lei nº 8078/90 arrola dezesseis condições que, legalmente, são consideradas nulas. No § 1º, indica três vantagens tidas como exageradas. A listagem que contém o dispositivo é exemplificativa e não exaustiva, vez que prescreve: “Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que; Evidente que, mesmo sem a expressão “entre outras”, constante do caput, não poderia ter o dispositivo legal a natureza exaustiva. O que explicita são as condições que, previamente, em razão de previsão legal expressa, são nulas. Outras nulidades, por ferirem o princípio estatuído no Código de Defesa do Consumidor, que veda o abuso pelo fornecedor ou por colocar o consumidor em nítida e excessiva desvantagem, poderão ser consideradas nulas. Nesta hipótese, porém, há de ser examinada a condição ou cláusula, o caso e a situação individualmente, concreta, dependendo de um julgamento, só possível ao Judiciário, que é o poder competente. Fora disso, não há como, em tese, de modo absoluto e previamente, alguém considerar ilegal, nula ou abusiva qualquer condição ou cláusula não arrolada no art. 51 do C.D.C. O que a S.D.E. considerar abusivo resulta apenas de um entendimento dela, que não tem competência para aditar, restringir ou ampliar lei. Sem entendimento não é lei. Se a S.D.E. e o Ministério da Justiça não são Congresso Nacional ou Legislativo para contrariar, restringir ou ampliar texto de lei, muito menos são Poder Judiciário para julgar ou declarar esta ou aquela cláusula inaplicável, ilegal, nula ou abusiva. O fato de o rol do art. 51 não ser exaustivo não lhe dá competência ou prerrogativa para legislar ou aditar lei, sob pena de abuso de poder e usurpação de competência, nem para exercer função judicante. Então, abusivas são suas portarias. 2 Ao editá-las, a S.D.E. faz consignar que usa a prerrogativa que lhe é dada pelo art. 56 do Decreto nº 2181/97. Ei-lo: “Art. 56 – Na forma do art. 51 da Lei nº 8078, de 1990, e com o objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a Secretaria de Direito Econômico divulgará, anualmente, elenco complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, notadamente para o fim de aplicação do disposto no inciso IV do art. 22 deste Decreto”. Para esclarecer, vamos ao art. 22. “Art. 22 – Será aplicada multa ao fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indiretamente, inserir, fazer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva, qualquer que seja a modalidade do contrato de consumo inclusive nas operações securitárias, bancarias, de crédito direto ao consumidor, depósito, poupança, mútuo ou financiamento, e especialmente quando: ......................................................... ...................................... IV – estabelecer obrigações consideradas iníquas ou abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”. Relembremos, mais uma vez: trata-se de decreto que, como portaria, não é lei, não passando ambas de normas administrativas, a cujo âmbito se limitam. E mais: não tem o condão, como não tem a lei, de reunir, num órgão do Executivo, os três poderes da República: legislar (aditar ou elastecer lei), julgar (considerar abusiva cláusula ou condição) e executar (aplicar e cobrar multa). Mas o decreto não se atreveu a tanto: o art. 56 explicita que “com o objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a Secretaria de Direito Econômico...” Do exposto, resulta que objetivo e validade das mencionadas portarias são meramente administrativos, para orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O seu entendimento e sua interpretação, como o de todos os órgãos de defesa do consumidor, são meramente o entendimento e a interpretação que têm, nem melhores, nem piores que o de qualquer outro ou parte, não obrigando a estes. Verdade que têm a prerrogativa de multar. E evidente que multarão segundo seu entendimento ou interpretação. Nem assim o multado estará obrigado a aceitar o entendimento, a interpretação, a multa, podendo discuti-los em ação judicial. Se a S.D.E. ou outro órgão de defesa do consumidor quiser impor suas portarias, seu entendimento, sua interpretação, terão que acionar o Judiciário, para o que já dispõem de várias vantagens e condições especiais, e dele obter decisão que corrobore sua pretensão.