IX Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados
“Refugiados e deslocados ambientais: o lado humano das alterações climáticas”
Sessão de encerramento
Maria Teresa Tito de Morais Mendes
(Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados)
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Engº António Guterres,
afirmou recentemente que “Embora exista uma cada vez maior consciência dos riscos
associados às alterações climáticas, as suas prováveis consequências nas deslocações
e na mobilidade humana não têm beneficiado da atenção de que carecem”.
Ouvimos aqui, hoje, falar sobre os cenários futuros das alterações climáticas em
Portugal e no mundo, que têm tanto de perturbador como de mobilizador. As emissões
de gases com efeito de estufa ascendem hoje a uns estonteantes 1000 kg/ per capita
por ano. A temperatura média global do planeta encontra-se em franco aumento desde
a década 80 do século passado, prevendo-se que possa aumentar entre 2 a 3 graus
centígrados até ao fim do século. O nível médio da água do mar poderá aumentar até
1.40m ao longo deste século e mais de mil milhões de pessoas são actualmente
vítimas da seca e da fome no mundo. Entre 2 a 3 mil milhões de seres humanos não
têm acesso a água potável e ainda mais a saneamento básico.
A relação entre degradação ambiental e o movimento das populações humanas não
constitui, contudo, um fenómeno recente, pois de há muito a esta parte que a pessoa
humana se vê forçada a abandonar o seu local de residência devido à ocorrência de
desastres naturais, exploração não sustentáveis dos recursos naturais ou conflitos
armados despoletados por questões como o acesso à agua ou aos recursos
energéticos.
A novidade deste fenómeno reside, assim, na sua extensão, intensidade e
complexidade. Tornou-se claro que as alterações climáticas constituem, também elas,
uma questão humanitária, juntando-se ao complexo de causas que actualmente
provocam as deslocações humanas.
De facto, segundo estatísticas avançadas pelo ACNUR e o Conselho Norueguês para os
Refugiados, nas últimas duas décadas o número de desastres naturais duplicou, de
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200 para 400 por ano, e nove em cada dez desastres naturais são actualmente
provocados pelo clima. Só em 2008, cerca de 20 milhões de pessoas poderão ter sido
forçadas a abandonar o seu local de residência em razão de desastres naturais súbitos
provocados pelo clima. Não obstante inexistirem estatísticas fiáveis e oficiais sobre esta
matéria, desde logo em razão da inexistência de uma definição internacional
consensual do que sejam refugiados ambientais, fontes credíveis avançam a
eventualidade de existirem entre 150 milhões a mil milhões de deslocados ambientais
em 2050.
Segundo o representante do Secretário-Geral para os Direitos Humanos das Pessoas
Deslocadas internamente, são cinco os cenários relacionados com as alterações
climáticas que poderão conduzir à deslocação de populações humanas, consistindo,
nomeadamente, nos desastres meteorológicos súbitos; a existência de zonas
identificadas pelos governos como demasiado perigosas para os humanos por razões
ambientais; a degradação ambiental progressiva; os pequenos Estados – ilha em
processo de afundamento e os conflitos armados provocados por uma diminuição dos
recursos fundamentais como a água e os alimentos.
Alguns destes movimentos humanos internacionais despoletados pelas alterações
climáticas poderão ser reconduzíveis ao quadro normativo tradicional dos refugiados.
Os exemplos mais óbvios já aqui foram mencionados hoje, consistindo, desde logo,
nas vítimas dos conflitos armados provocados por factores ambientais. Igualmente,
nas vítimas de catástrofes ambientais que abandonam o seu país em razão de o
respectivo Governo não ter querido ou podido protegê-las por um dos motivos
previstos na Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados.
Apesar da óbvia relação entre as deslocações humanas forçadas e as alterações
climáticas, a utilização cada vez mais frequente na opinião pública de termos como
“refugiados ambientais” ou “refugiados climáticos” não merecem o consenso da
comunidade internacional e não encontram acolhimento no direito internacional dos
refugiados.
Independentemente das várias definições possíveis para o conceito de “refugiado
ambiental”, subsiste a questão da falta do reconhecimento normativo de uma categoria
que ainda suscita dúvidas em sede do Direito Internacional dos Refugiados. Na
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verdade, não existe referência a esta categoria de refugiados nas Convenções de
Genebra, da Organização da Unidade Africana (OUA) ou na Declaração de Cartagena.
Tal circunstância pode ser explicada pelo facto de os problemas ambientais não terem
à época a que se reportam estes instrumentos a importância global que atingiram nos
nossos dias.
Incluir os refugiados ambientais na definição de refugiado prevista na Convenção de
Genebra de 1951 suscita problemas vários, tais como: a inexistência do elemento
“perseguição”; o retorno voluntário não poder ser considerada a solução duradoura
prioritária nestes casos; tratarem-se, tendencialmente, de fenómenos colectivos, que
obrigam a soluções estruturais não-individualizáveis; as causas de fuga serem
complexas, envolvendo aspectos económicos, sociais, culturais, demográficos e
políticos; ou ainda, o facto de os deslocados ambientais geralmente não atravessarem
uma fronteira internacionalmente reconhecida, devendo ser considerados como
Deslocados Internos o que remete a questão para o plano da protecção nacional;
Não obstante, a construção de uma definição de “refugiado ambiental” deverá trazer
para a ribalta a relevância e as consequências humanas das alterações climáticas,
reconhecendo que os direitos humanos dos refugiados/deslocados ambientais deverão
estar no centro do debate das alterações climáticas.
Os Estados têm a obrigação de assegurar o mais amplo gozo e respeito pelos direitos
económicos, sociais e culturais em quaisquer circunstâncias. Nesse sentido, deverão
promover
a
protecção
dos
grupos
sociais
particularmente
vulneráveis,
e
nomeadamente dos refugiados/deslocados ambientais.
É actualmente impossível prever com exactidão o verdadeiro impacto natural e
humano das alterações climáticas. Não obstante, já aqui destacámos algumas
estatísticas que apontam para uma dimensão humana do problema avassaladora,
consistindo na criação de milhões de deslocados ambientais.
Neste contexto, cumpre encorajar a comunidade internacional a adoptar uma
metodologia de intervenção centrada no respeito pelos direitos humanos, na
cooperação internacional e na partilha de responsabilidades.
III
Importa reforçar a ideia já mencionada de que as alterações climáticas não são apenas
um tema científico. É fundamental elaborar diferentes cenários que abarquem os
diferentes tipos de transformações que as alterações climáticas podem causar, bem
como identificar eventuais lacunas ao nível legal e operacional que possam existir.
Os Estados mais desenvolvidos, e nomeadamente os Estados membros da União
Europeia, deverão continuar a assumir, neste contexto, um papel de destaque, através
da ajuda ao desenvolvimento e da disponibilização de tecnologias inovadoras que
assumirão progressivamente um papel cada vez mais central na protecção ambiental.
No âmbito de uma partilha de responsabilidades ao nível internacional, é evidente que
as actividades de prevenção e adaptação terão que ser suportadas não só pelos
Estados afectados pelas alterações climáticas mas também pela comunidade
internacional.
A partilha de responsabilidades deverá ocorrer não apenas ao nível financeiro, mas
também através da investigação e da partilha de tecnologia. As Nações Unidas, e as
suas várias agências deverão colaborar e apoiar os Estados mais afectados, bem como
participar e dinamizar a participação da comunidade internacional neste processo.
A este propósito, cumpre enaltecer a adopção por Portugal de uma Estratégia de
Adaptação às Alterações climáticas na sequência do Acordo de Copenhaga, que inclui
um compromisso financeiro relevante de ajuda ao desenvolvimento neste domínio
centrado nos PALOP e em Timor Leste.
Realço, ainda, o compromisso assumido hoje por Sua Excelência o Ministro da
Administração Interna perante esta audiência de continuar a acompanhar a questão
dos refugiados ambientais, através de uma estreita colaboração do Estado Português
com o ACNUR e o CPR.
A existência de refugiados costuma ser encarada como o resultado da incapacidade e
da inabilidade do Homem em lidar com o Homem. Todavia, os refugiados ambientais
resultam sobretudo da incapacidade do Homem em lidar com a Natureza. O respeito
pelos direitos humanos no contexto da mitigação e adaptação às alterações climáticas
IV
consiste numa obrigação jurídica de todos os Estados que deverá ser prosseguida,
igualmente, na protecção dos refugiados ambientais.
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Embora exista uma cada vez maior consciência dos riscos