O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES REPELE A INCLUSÃO DOS MAGISTRADOS NO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DE QUE TRATA O ART. 40, § § 14 A 16, DA CF, POR INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. AUTOR: Cláudio Luís Martinewski INSTITUIÇÃO: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. - AJURIS Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul - Centro de Pesquisa Judiciário, Justiça e Sociedade. Resumo: A iniciativa do processo legislativo para propor projeto de lei sobre a aposentadoria dos magistrados e pensão de seus dependentes é privativa do Poder Judiciário que, no âmbito nacional, compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 93, VI), e, por simetria, no âmbito estadual, aos Tribunais de Justiça. Conflita com tal prerrogativa política a remessa de projeto de lei por iniciativa do Presidente da República ou dos Governadores dos Estados a remessa de projeto de lei sobre regime de previdência complementar (CF, art. 40, § § 14 a 16) que inclua entre seus destinatários os magistrados e seus dependentes. Fundamentação: A relação jurídica da qual decorrem a aposentadoria para os servidores públicos e a pensão para seus dependentes insere-se no conceito de relação previdenciária(CF, art. 40 e 149, § 1º; Lei nº 9.717/98, art. 5º, c/c Lei nº. 8.213/91, art. 18, I e II). A competência para legislar sobre as relações jurídico-previdenciarias é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal(CF, art. 24, caput), limitando-se, quanto à União, em relação aos demais entes da federação autônomos, dotados de auto-organização, a estabelecer as normas gerais (CF, art. 24, § 1º; Lei nº 9.717/98) que, não obstante, são cogentes nos limites da competência constitucionalmente conferida. A iniciativa legislativa para propor projeto de lei em relação a aposentadoria dos servidores públicos e pensão de seus dependentes é privativa do Presidente da República (CF, art. 61, § 1º, II, “c”) e, pelo princípio da simetria, dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Prefeitos Municipais. A União o fez por intermédio da Lei nº 8.112/90, em relação aos servidores civis, e, mediante recepção, pela Lei nº 6.880/80, para os militares. Não obstante, em relação a aposentadoria dos magistrados e pensão de seus dependentes, a prerrogativa política de iniciativa do processo legislativo é reservada exclusivamente ao Poder Judiciário que, no âmbito nacional, compete privativamente ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 93, VI), e, no âmbito estadual, pelo princípio da simetria, aos Tribunais de Justiça. Com efeito, tendo o Poder Judiciário caráter nacional(CF, artigos 92 e incisos, e 93, V; STF, Pleno, ADI-MC nº 3.854-1/DF) e sendo regido por um único estatuto (CF, art. 93, caput; Lei Complementar nº 35, de 14.03.79; ADI nº 3.367), o regime jurídico que rege a magistratura é nacional e unitário, inclusive em relação a questão específica da aposentadoria dos magistrados e pensão de seus dependentes(CF, art. 93, VI) não podendo, portanto, a magistratura, seja federal ou estadual, ou entre os diversos Estados, estar sujeita a disciplinas diversas no que diz quanto a tais aspectos. A aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes estão inseridos em diploma legal cuja prerrogativa política de iniciativa do processo legislativo é privativa do Supremo Tribunal Federal e, por simetria, dos Tribunais de Justiça, o que evidencia que se tais institutos integram o sistema de garantias institucionais e funcionais, respectivamente, do Poder Judiciário, e da magistratura, cujo resguardo é absoluto quanto a interferência do Poder Executivo (CF, art. 68, § 1º, I, e ADI 1.578/AL, voto do Min. Lewandowski). A simetria, outrossim, decorre do fato de que, não obstante ser o Estatuto da Magistratura o regime jurídico único e obrigatório a todo o Poder Judiciário, o vinculo jurídico-previdencário dos magistrados se dá com os diversos entes da federação, ou seja, União e cada um dos Estados-membros, os quais deverão, dado o caráter nacional da norma, observar as regras gerais estabelecidas pelo referido estatuto. Desse modo, o caráter autônomo dos Estados-membros em se autoorganizar e auto-administrar no que concerne às relações previdenciárias de seus servidores, não se faz sem a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal (CF, art. 25), dentre os quais está a estrita observância da prerrogativa política de propor projeto de lei que verse sobre as garantias dos magistrados, em especial sobre a aposentadoria dos magistrados e pensão de seus dependentes, que, no âmbito dos Estados-membros, cabe privativamente aos Tribunais de Justiça. A prerrogativa política de início do processo legislativo integra o sistema de garantias da magistratura sendo corolário do princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), cujo valor constitucional é absoluto, decorrente da cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, III), e das garantias institucionais (CF, art. 99) e funcionais (CF, art. 95 e parágrafo único) do Poder Judiciário. Não há espaço, outrossim, com base na remissão constante na parte final do enunciado do inciso VI do art. 93, ao art. 40, ambos da CF, para pretender-se que a previsão da possibilidade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem regime de previdência complementar, prevista no art. 40, § § 14 a 16 da CF, desconstitua o sistema de garantias e de competências próprias da autonomia e gestão dos tribunais, entre os quais o de dispor sobre a administração, gerenciamento, concessão, pagamento e a manutenção das aposentadorias dos magistrados, que seriam relegadas a entidades com personalidades jurídica de direito privado, remuneradas mediante taxas de comissões. É próprio da constituição do Estado Democrático de Direito um Poder Judiciário, institucionalmente, e seus magistrados, individualmente, independentes. Sem a existência das garantias constitucionais de independência não há Poder Judiciário e sem Poder Judiciário não há garantia da efetividade dos direitos e das liberdades públicas e preservação das garantias fundamentais. A importância de tal valor constitutivo do próprio Estado de Direito foi construído em cima de penosas experiências para a humanidade, sendo, portanto, histórico nas democracias ocidentais. Afirmam-na, à unanimidade, a doutrina não só nacional como estrangeira, como exemplificativamente se transcreve: “Na verdade, o fator que compatibiliza o Poder Judiciário com o espírito da democracia (no sentido que Montesquieu conferiu ao vocábulo) é um atributo eminente, o único capaz de suprir a ausência do sufrágio eleitoral: é aquele prestígio público, fundado no amplo respeito moral, que na civilização romana denominava-se auctoritas. Ora, esta, numa democracia, funda-se essencialmente na independência e na responsabilidade com que o órgão estatal em seu conjunto, e os agentes públicos individualmente considerados, exercem as funções políticas que a Constituição, enquanto manifestação original de vontade do povo soberano, lhes atribui. Se quisermos, portanto, verificar quão democrático é o Poder Judiciário no Brasil, devemos analisar a sua organização e o seu funcionamento segundo os requisitos fundamentais da independência e da responsabilidade. (....) Diz-se que o Poder Judiciário em seu conjunto é independente quando não está submetido aos demais Poderes do Estado”.1 “A independência da magistratura está na própria essência do Poder Judiciário. E tão marcante é êsse princípio que Story dizia que a magistratura deve ser organizada como se fosse uma instituição fora do próprio Estado (“as it were something exterior to the state”) (apud Pedro Lessa, “Do Poder Judiciário, 1915, pág. 4), o que sob outra forma, repete Radbruch, ao mostrar que a independência do juiz é a consagração do império do Direito em face do próprio Estado”(Filosofia do Direito”, tradução portuguesa, 1034, pág. 255) 2. A vitaliciedade, outrossim, que integra o regime constitucional brasileiro de separação e independência dos Poderes(STF, ADI nº 98-5/MT), reafirma a mesma convicção na medida em que não cessa pela aposentadoria, nem se confunde com à salvaguarda dos requisitos para a perda do cargo. O cargo é vitalício porque assim o afirma a Constituição. A aposentadoria, embora faça cessar o feixe de obrigações pessoais do magistrado em relação ao exercício do cargo, não torna o cargo assumido e exercido em não vitalício. Conclusão: Propõe seja incluído na LOMAN norma que compete ao Poder Judiciário dispor, privativamente, mediante lei complementar de iniciativa do STF, sobre o regime previdenciário próprio, público e integralmente estatal dos magistrados, cujo plano de benefícios deverá conter a aposentadoria e a pensão de seus integrantes e dependentes, atribuindo-se aos Tribunais de Justiça a iniciativa legislativa sobre a matéria, observadas os § § 1º a 4º, do art. 24-CF, sendo inconstitucional, por vício de origem, a instituição, por forma diversa, de legislação previdenciária própria aos membros do Poder Judiciário, e seus dependentes. 1 Comparato, Fábio Konder, O Poder Judiciário no Regime Democrático, Revista Cidadania e Justiça, ano nº 7, vol. 13, 1º sem. 2004, páginas 7-8. 2 Santamaría, Hermano Roberto; O Poder Judiciário Como Um Dos Poderes de Estado – Sua Independência E Suas Garantias, in Revista Justitia, Ano XXXI, 3º Trimestre de 1969, vol. 66, p.ç 135.