O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO NORTE DO PARANÁ: CONTRADIÇÕES NA RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NO CONTEXTO DO PROGRAMA “VILAS RURAIS” Márcio Freitas Eduardo FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul [email protected] Resumo Objetiva-se, no presente artigo, analisar o processo de modernização da agricultura na região Norte do Paraná e as alterações na relação cidade-campo resultantes desse fenômeno para, posteriormente, situar o contexto pelo qual eclodiu na década de 1990 o programa do Governo do Paraná “Vilas Rurais”. Assim sendo, procuramos considerar as relações de mediação cidadecampo contraditórias sob a égide do programa “Vilas Rurais” utilizando, como exemplo, a trajetória do “vileiro” Sr. Adão, morador da Vila Rural “Antônio Pinguelli”, situada no município de Pitangueiras/PR. Palavras-chave: Modernização da agricultura. Questão agrária. Paraná. Vilas Rurais. Introdução: o processo histórico de modernização da agricultura no norte do Paraná. O fenômeno de modernização da agricultura no Norte paranaense está associado ao processo mais geral de reprodução do capital. Processou-se com veemência, com impactos profundos sobre o campo e também sobre as cidades regionais e supra regionais: “Poucas noticias existem de acontecimentos processados de forma tão rápida e de efeitos tão surpreendentes que lhes sejam similares”, assim ponderou Padis (1981), ao abordar aspectos do processo histórico de modernização da agricultura no Norte do Paraná. A modernização Norte paranaense da agricultura ocorreu em meados da década de 1960 e mais sistematicamente na década de 1970, consoante Moro (2000) e Padis (1981). Nesse contexto, conjugaram-se diversos elementos para que houvesse a objetivação de transformações estruturais na base técnica e organizacional da produção agropecuária regional. Desde elementos de ordem econômica até influências de cunho natural. Dentre eles podemos citar: 1) a qualidade das terras; 2) a situação da economia nacional no contexto internacional; 3) a evolução nesse período da cafeicultura paulista; 4) o surto 1 de industrialização de São Paulo; 5) a atuação de companhias imobiliárias; 6) a atuação do governo estadual; e 7) acontecimentos de ordem meteorológica. A ocupação da porção Norte paranaense, conforme salienta Padis (1981), tem uma história em grande parte comum a da evolução da cafeicultura. Para essa região fluíram diversos investimentos após a Primeira Guerra Mundial associado ao contexto de revalorização do café no mercado internacional. A proximidade com o Estado até então principal produtor da commoditie, São Paulo, atuou como atrativo a muitos produtores que viam na expansão da fronteira agrícola cafeeira para o Norte do Paraná uma possibilidade de valorização do capital. O que se convencionou chamar região Norte do Paraná chegou a ser confundida com o território do café no Estado. A existência de terras férteis de Latossolo Roxo vendidas em condições favoráveis por companhias imobiliárias inglesas e japonesas e também pelo governo do Estado igualmente favoreceram a territorialização da atividade cafeeira nessa região, com predominância de estratos de área de até 100 hectares. Uma leva de migrantes vindos do Sudeste, do Nordeste do Brasil e de outros países (como no caso da imigração japonesa) fluiu para a região, com a gana de tornarem-se proprietários fundiários ou em busca de empregos agrícolas que demandavam massivamente a atividade cafeeira. Com a ocupação, paulatinamente formou-se uma rede urbana integrada, idealizada de inicio pelas companhias de colonização, com Umuarama, Maringá e Londrina exercendo centralidades sobre cidades menores distribuídas em distâncias de aproximadamente quinze quilômetros umas das outras – produzindo uma organização espacial das cidades que se assemelha a um rosário. Nessas cidades polarizadas, atividades ligadas ao setor de serviços (assistência técnica, armazéns para estocagem do café etc.) e ao setor industrial e financeiro (indústria de torrefação do café e grupos bancários, por exemplo) corroboraram a conformação da rede urbana assim estabelecida hoje. Dessa forma, a expansão da fronteira agrícola para o Norte do Paraná conduzida pela valorização da atividade cafeeira influenciou de maneira importante na alteração regional da relação cidade-campo. Cidades “brotaram”, a diversidade paisagística cedeu espaço à monocultura do café, a atividade cafeeira fomentou o surgimento de indústrias, e estas as de serviços, de infraestruturas, e todos esses elementos congregados influenciaram na elevação considerável 2 da densidade demográfica regional. Para ilustrar esse fenômeno, Padis (1981, p. 93), salienta o caso de Londrina, Paraná; esta foi fundada em 1930 e levada à categoria de cidade em 1934, tornando-se um verdadeiro centro de irradiação, agregando, à sua volta, quinze anos depois, mais de duas dezenas de núcleos urbanos. Em 1945 estimava-se que existiam, na região pessoas de trinta nacionalidades diferentes destacando-se as etnias italiana,C alemã e japonesa, sem contar os migrantes brasileiros, majoritariamente paulistas e mineiros que somavam-se 42% da população de Londrina/PR. A expansão da cultura cafeeira atingiu seu ápice em finais da década de 1950 e início da década posterior. Moro (2000) ressalta que nessa oportunidade, a produção de café do Estado do Paraná, localizada predominantemente na região Norte, representava metade da brasileira e a terça parte da mundial (p. 28). Sem sombra de dúvidas o café inscreveu-se como o principal elemento estimulador de reordenamentos espaciais no Norte paranaense até inícios da década de 1960. Cidade e campo, em simetrias e contradições foram conduzidos a novos circuitos espaciais de produção, a especializações, a demandas, a novos padrões de divisão do trabalho e, conseqüentemente, de poderes. Contudo, a partir de 1960 o café entra em franco retrocesso devido ao aumento considerável da oferta nacional do produto e a baixa demanda internacional que gerou desvalorizações catastróficas da commoditie. O governo federal implementou, a partir de então, uma política de estimulo a produção de oleaginosas e de expansão das áreas de pastagens em detrimento da atividade cafeeira em declínio. No Paraná, a substituição ainda foi favorecida pelas seguidas geadas que assolaram o Norte e causaram prejuízos importantes à produção – como é sabido, o café é uma cultura permanente e a planta depois de atingida por uma forte geada pode levar mais de dois anos para voltar a produzir e com índices decrescentes de produtividade em relação à precedente. Aqui começa uma nova fase de interações e de conflitos entre cidade e campo com impactos consideráveis em “ambos os espaços” a partir do imperativo suscitado por novas tendências produtivas e organizacionais agropecuárias. Temos que ressaltar que a cultura cafeeira era demandadora de importantes volumes de força de trabalho, várias famílias viviam nas fazendas em regime de colonato (colonos, “porcenteiros”, meeiros, parceiros etc.), e que as cidades eram pontos de convergência onde fluíam os recursos 3 derivados da produção de café e estas, por seu turno, davam condições à reprodução ampliada do capital agrícola. Em meados da década de 1960, após a implementação do programa de “Racionalização da Cafeicultura”, a união coloca em vigor uma política de estímulo a cultura de soja, em rotação principalmente com o trigo, em detrimento ao café. O controle do mercado e do câmbio, com preços desestimulantes, somado ao confisco cambial foram estratégias fundamentais à contenção da cafeicultura, argumenta Moro (2000). O autor cita ainda a política de crédito rural subsidiado, direcionada à modernização da agricultura, como propulsora da produção de oleaginosas. Analisando os dados do IBGE, destaca que entre 1970 e 1985, as lavouras permanentes (sobretudo o café) foram reduzidas em cerca de 59%. As lavouras temporárias (principalmente representadas pela soja e pelo trigo) foram ampliadas na mesma proporção. E as áreas de pastagens ampliaram-se em média 32% (MORO, 2000, p. 35). O binômio soja-trigo pautou-se na utilização intensiva de capital e tecnologia (tratores, colheitadeiras, adubação química do solo, uso de agrotóxicos e demais insumos) abrindo mão de grande parte da população rural que até então ocupava-se com o cultivo do café. Em conseqüência, desencadeou-se um processo intenso de êxodo rural. As populações desempregadas com o processo de modernização da agricultura no Norte paranaense buscaram ocupações em pequenas cidades da rede urbana regional, em centros urbanos da região (como Maringá, Umuarama e Londrina), em cidades supra regionais (como no caso de Curitiba, Guarapuava e Cascavel), em outros estados (destacando-se os estados do Centro Oeste e do Norte do Brasil – no período, em fase de expansão da fronteira agrícola - e o estado de São Paulo) e até no Paraguai. Outra preocupação se coloca quando se aborda a questão da mobilidade populacional. Pois, a produção cafeeira ao atrair um efetivo populacional importante nas décadas de 30 a 70, criou condições para que inúmeros pequenos municípios surgissem e estruturassem-se com finalidade de atender a viabilização desta produção (escoamento da produção, suprimento de necessidades locais etc.). Municípios estes que, atualmente, manifestam debilidades econômicas (em termos de atração de investimentos e geração de empregos) e de infra-estrutura para a sustentação de sua população, ao passo que municípios com maior porte do estado (como Maringá, Londrina, Cascavel, Umuarama, e a Região Metropolitana de Curitiba) demonstram também situações de carência em 4 virtude do grande fluxo migratório que tem recebido desde a década de 1970: problemas relacionados à degradação ambiental nas cidades e à precariedade das condições de infra-estrutura, de moradia, de assistência médica e de trabalho são corolários da relação conflituosa estabelecida entre cidade e campo com o advento da modernização agrícola paranaense. No movimento de reformulação das estratégias de valorização do capital, o capital é recriado, bem como, o espaço e a relações sociais entre campo e cidade no cenário do Norte do Paraná. A paisagem cafeeira, ao ser gradualmente substituída por áreas de pastagens (e outras espécies de gramíneas, como mais recentemente é o caso da expansão da cana-de-açúcar no Paraná) e de produção de grãos (soja, milho e trigo), consoante iniciativas do poder público em favorecer a expansão do processo de modernização da agricultura, não foi o único elemento impactado. A organização espacial foi redefinida, foram recriados conflituosamente os elos entre campo e cidade, intensificaram-se processos de mudanças na estrutura fundiária do Norte do Estado do Paraná (de um espaço marcado pela existência de pequenas propriedades e de atividades agropecuárias diversificadas passa-se, concomitantemente, a um espaço mais homogêneo via incorporação de pequenas propriedades fundiárias pelas grandes i), a territorialização da pecuária e da produção de grãos contribuiu diretamente como fator de repulsão da população rural e na formação de um novo perfil de trabalhador rural (volante, bóia-fria, temporário, entre outros – flexibilizado as novas necessidades da acumulação) que, em conseqüência, impactaram também as cidades regionais e supra regionais. Com o desenvolvimento das forças produtivas no campo colocadas em curso via pacote da Revolução Verde a pequena produção é paulatinamente eliminada, transformada ou recriada através da subordinação da propriedade privada da terra submetida ao controle do capitalii . Em síntese, a partir da década de 1970 um conjunto de problemas sociais (e ambientais, embora não os trataremos aqui) se intensificou cumulativamente no Paraná como repercussão do processo de modernização da agricultura, especialmente na região Norte do estado. Dentre eles, podemos citar como os mais evidentes: 1) o aumento do desemprego e, conseqüentemente, do êxodo rural em decorrência da substituição da produção cafeeira e da policultura pelas monoculturas de soja, trigo, milho e cana-deaçúcar; 2) a concentração fundiária, intensificando a migração campo-cidade com a 5 desterritorialização do pequeno proprietário fundiário; 3) o aumento crescente de favelas e de pessoas morando precariamente não só em grandes cidades, mas também em pequenas e médias, pelos motivos já indicados anteriormente; 4) o crescente desemprego urbano, a carência dos serviços públicos e da oferta de infraestruturas e equipamentos urbanos devido ao incremento populacional; e 5) a precarização do trabalho rural em virtude das novas relações de trabalho (volantes) que passaram a ser demandadas nas produções (cortador de cana, trabalhador da colheita de mandioca, bóias-frias nas lavouras de café, diaristas etc.). Pela volta do homem ao campo e pelo enfrentamento da pobreza? insights sobre o programa “Vilas Rurais” do governo do estado do Paraná. Em meio a todos esses conflitos deflagrados pelo acirramento das contradições que sucintamente pusemos em relevo seus principais elementos, surge em 1995 o programa “Vilas Rurais”, idealizado pelo Governo do Estado do Paraná (gestão Jaime lerner), com o afã de amenizar problemas há décadas avolumados como o do êxodo-rural, do emprego rural, do inchaço populacional urbano, da reforma agrária e da pobreza. Tratase de um programa de intento redistributivo, com objetivos sólidos, permeados pela idéia de justiça social conforme retoricamente propalado. A seguir, expomos consoante Reis (1998), os elementos basilares do projeto “Vilas Rurais”, para posteriormente tecermos a crítica. O governo tem procurado trabalhar o desenvolvimento econômico descentralizado e vem buscando implantar projetos que dêem condições concretas de fixação do homem do campo em seu meio, como forma de evitar o rápido adensamento populacional nas grandes e médias cidades e os problemas decorrentes deste processo (REIS, 1998, p. 03). O Projeto Vilas Rurais surge do projeto político de descentralização do Estado, em busca de alternativas para a grave questão social de expulsão dos trabalhadores rurais das fazendas. Trabalhadores que passam a viver nas periferias das cidades, pagando aluguel, em habitações precárias, enquanto continuam a trabalhar como “bóias frias” nas zonas rurais, principalmente em época de colheita. Nas cidades, vivem de biscates ou empregam-se na indústria da construção civil (idem, p. 04). São poucos os programas destinados ao enfrentamento da pobreza no Brasil que contemplam os trabalhadores rurais, o que confere maior relevância ao Vilas Rurais, destinado a este público. O local selecionado para sua construção leva em conta a facilidade de acesso a bens e serviços públicos como escola, postos de saúde, rede elétrica, comércio etc., contribuindo para 6 a melhora da qualidade de vida desta população e racionalizando o custo em novos investimentos (idem, p. 08). Este é um programa para quem acredita que é possível resolver o problema da pobreza e que o Brasil só poderá ser considerado uma grande nação, investindo na melhora da qualidade de vida da população e em uma distribuição mais justa de recursos (idem p. 11). Nas citações, Reis (1998) apresenta-nos as determinações essenciais em torno do projeto “Vilas Rurais”. Preocupações que aludem ao combate à pobreza comparecem com veemência no escopo do projeto. Podemos pontuar como objetivos gerais do “Vilas Rurais”: 1) a necessidade de fixar o homem ao campo; 2) a preocupação em reduzir os índices de pobreza urbana devido ao adensamento populacional; e 3) O imperativo de mobilizar efetivos de força de trabalho e torná-los disponíveis as demandas do capital (sobretudo fundiário). Com o pretenso intuito de corrigir os desequilíbrios oriundos das migrações campocidade e melhorar a qualidade de vida da população paranaense, o governo paranaense estrutura o programa “Vilas Rurais”, objetivando criar empregos, desenvolver a agricultura e propiciar nova forma de assentamento do homem no campo. Para tanto um aparato operativo é idealizado e progressivamente implementado para que seja possível o arrefecimento de tais anomalias. Inicialmente, em quatro anos de governo, o programa “Vilas Rurais” previa a construção de 300 vilas rurais. Cada vila com no máximo 100 unidades e casas com 44,5 m2. Vilas com lotes de dimensões que variam entre 2.000 e 5.000 m2, visando contemplar, aproximadamente, 60.000 famílias. No total foram implantadas 412 vilas rurais em todo estado do Paraná, sendo atendidas aproximadamente 16 mil famílias, assentadas em lotes em média de 5.000 m2, equivalente a 0,5 hectare (LERNER, 2004). O Projeto Vilas Rurais é operacionalizado através de parceria entre o estado do Paraná e as prefeituras municipais em conjunto com a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, Secretaria Especial da Política Habitacional e a Secretaria de Estado da Criança e Assuntos da Família. As vilas são localizadas junto a distritos ou estradas vicinais, teoricamente facilitando o acesso à escola, a equipamentos de saúde, a bens de consumo e a serviços. A construção das vilas em locais próximos a equipamentos já existentes, segundo Reis (1998), evita novos investimentos. 7 A seleção das famílias é feita por técnicos das secretarias que coordenam o programa a partir de critérios preestabelecidos (ter idade entre 18 e 55 anos, morar há mais de dois anos no município, ter procedência rural, ter renda familiar diminuta, atender a critérios relacionados à quantidade de membros da família, ser locatário de domicílio, entre outras variáveis). As prestações são parceladas em 15 anos. Na vila rural Antônio Pinguelli, de Pitangueiras/PR, por exemplo, o valor da prestação estabelecido foi de R$20,00. Entre meados dos anos 1990 e 2000 as vilas rurais brotaram como cogumelos (para usar a expressão de Marx e Engels em “Ideologia Alemã”) nos municípios do Paraná. Tornaram-se elementos comuns na paisagem: casas a moda “conjuntos habitacionais” dispostas em algumas dezenas de metros umas das outras em um núcleo de adensamento humano projetado no espaço rural, mais ou menos próximas às cidades. As famílias abrigam-se em pequenas casas com lotes de 0,5 hectare, por vezes longe de sua área de trabalho, com sistemas de transporte deficitários (e/ou com preços que impactam o reduzido orçamento familiar), sem escolas, creches, hospitais e áreas de lazer apropriada. Encontramos no “Rurbano” a concepção de desenvolvimento rural que norteia o projeto, no qual a terra não é mais elemento central na produção, e sim a densidade tecnológica e a pluriatividade (múltiplas formas de ocupação dos trabalhadores rurais): pequena propriedade não é sinônimo de pequena produção e nem de usos meramente agrícolas. O rural não é dicotômico em relação ao urbano: por isso a alegação de usos comuns das infraestruturas e equipamentos urbanos entre citadinos e as populações rurais das vilas, fomentando, supostamente, sinergias no território entre campo e cidade com a atribuição de usos coletivos. Vejamos o exemplo empírico de um morador (Sr. Adão) da vila rural “Antônio Pinguelli”, em Pitangueiras/PRiii : A implementação da referida vila rural efetivou-se num contexto de carências municipais múltiplas. Ressalta Ripol (2005) que até 1993 a economia municipal dependia essencialmente da cafeicultura, da cotonicultura (atividades intensivas em mão-de-obra que somadas ocupavam 64% da área total do município, a saber, 12.373,6 hectares) e da pecuária extensiva. 8 A cafeicultura, a cotonicultura e a pecuária entraram em franco retrocesso na década de 1990. O algodão devido aos subsídios de importação do produto; o café pela inadequação tecnológica mesclada a ocorrência, em 1994, de forte geada que dizimou inúmeros cafezais e a pecuária pelo progressivo índice decrescente do valor agregado1 por hectare (RIPOL, 2005). As principais carências sentidas na época estavam relacionadas: [... ] a baixa renda dos trabalhadores rurais, atrelada à sazonalidade na demanda por mão-de-obra volante, a degradação dos recursos naturais, especialmente água e solos, a descapitalização dos pequenos produtores e mal uso dos fatores de produção terra-capital-mão de obra disponíveis. Como potencialidades, a presença de parceiros como cooperativas e integradoras, a infra-estrutura de produção e tecnologias disponíveis, o apoio institucional do Município e Governo Estadual e a credibilidade e interesse por parte dos agentes de desenvolvimento, os próprios produtores rurais em mudar o comportamento produtivo (RIPOL, 2005, p. 03). Nesse contexto, tendo em vista o significativo peso do “setor” primário na economia municipal e, conseqüentemente, a urgência em dinamizá-lo, evitando assim o aumento do desemprego e a queda na arrecadação do recém criado município, em 1994, é elaborado o PDA (Plano de Desenvolvimento Agrícola) de Pitangueiras/PR. Os programas que compuseram o PDA de Pitangueiras, segundo Peres et al (2009) foram: diversificação do estabelecimento agrícola, organização rural, recuperação e conservação dos recursos naturais e programa de recuperação da cotonicultura municipal. Nos anos posteriores a elaboração do PDA de Pitangueiras, o Governo do Estado do Paraná lança mão do programa “Vilas Rurais”, em 1995. A administração municipal da época, em consenso com o Conselho Municipal Desenvolvimento Rural (CMDR), decide pela construção de duas vilas rurais como adendo ao PDA original. O Sr. Adão e sua família instalaram-se na vila rural Antônio Pinguelli em 1996, junto a sua fundação, no município de Pitangueiras/PR. Sua família é composta por quatro pessoas (proprietário, cônjuge e casal de filhos). Em sua propriedade de 0,5 ha. as atividades econômicas que realiza, seguindo orientação de técnicos locais da EMATER, são: cultivo de café adensado e avicultura de integração (agroindústria “Big Frango”, Rolândia/PR). Além da renda oriunda da propriedade, existem mais duas fontes: a de 9 sua esposa (funcionária do frigorífico Big Frango de Rolândia/PR) e a de seu filho (funcionário da “VR Confecções”). Segundo o Sr. Adão, com a cafeicultura consegue obter uma renda anual de R$ 2.000,00 e com a avicultura, em média, R$ 1.500,00 bruto/lote. Se decompusermos esses rendimentos totais e colocássemos em variáveis de renda bruta mensais, teríamos o seguinte cálculo aproximado: R$ 170,00 com a cafeicultura e R$ 750,00iv com a avicultura. Somando um total de R$ 920,00 mensais de ganho bruto em ambas as atividades. Ao que parece, uma renda razoável. Vejamos: Devido a baixa capacidade aquisitiva do proprietário, este adquiriu um aviário usado, que lhe custou R$ 25.000,00 dos quais financiou R$ 18.000,00. Ou seja, acrescenta-se ao custo de produção as parcelas do financiamento do capital fixo implantado e o estágio avançado de depreciação dos equipamentos pelo fato de serem de segunda mão. O gasto mensal de energia elétrica é elevado – em relação aos outros moradores não avicultores da vila rural – devido a demanda dos equipamentos aviários (basicamente ventilação e iluminação), girando em torno de R$ 350,00 mensais. O produtor até o momento utiliza gratuitamente a mesma água disponibilizada a todos os moradores da vila para abastecer seu aviário, recurso que provém de um poço artesiano. Devido a grande quantidade de água demandada pelo aviário (em média 5.000 litros/diav) a integradora está fazendo pressão para que o produtor construa um poço artesiano em sua propriedade, o que aumentará ainda mais seus custos de produção com a mobilização de mais recursos em capital fixo. Determinados frigoríficos, como é o caso da “Big Frango”, vem adotando a estratégia concorrencial de integrar avicultores cujos aviários são mais intensivos em mão-de-obra do que em tecnologia e instalações. Pela exigência reduzida em termos de estrutura física e tecnologia (comparado, por exemplo, ao padrão “Sadia” de tecnologia, cuja implantação de um aviário de 100x12m custa hoje entre R$ 150.000,00 e R$ 200.000,00) as integradoras conseguem abranger um universo maior de integrados e obterem elevada rotatividade de avicultores, remunerando-os em índices mais baixos. A lógica de acumulação dessas agroindústrias centra-se na intensa exploração da força de trabalho. O Sr. Adão não possui bebedouros, ventiladores, aquecedores e tratadores automáticos. Os trabalhos são realizados manual e constantemente, repercutindo-se diretamente em déficits de incremento produtivovi (com gastos mais elevados devido a 10 desperdícios e qualidade inferior do produto final), ao passo que a integradora exerce pressão por incrementos de produtividade e melhoria da qualidade do produto final sob a possibilidade de penalizações (o não alojamento durante certo período, o decréscimo da remuneração, por exemplo) caso não cumprido em índices e prazos estipuladosvii. Em relação à atividade cafeeira, além da irracionalidade de se produzir uma cultura permanente de baixo valor agregado em uma propriedade tão pequena, o produtor há que ter a felicidade de não ser atingido por algum fenômeno de ordem meteorológica intensa que comprometa sua produção, como geadas ou precipitações de granizo. Como vimos, é frágil o projeto de “reforma agrária sem terra” do projeto “Vila Rurais” do Estado do Paraná. As alternativas de produções intensivas utilizadas pelo Sr. Adão não sinalizam viabilidade, mas sustentam um discurso. A família consegue teoricamente equilibrar o orçamento devido a baixa prestação do lote, a gratuidade da água utilizada, ao assalariamento da esposa e do filho em atividades urbanas e não somente pelos recursos provenientes da cafeicultura e da avicultura. Um elemento importante dessa vila é sua proximidade com a cidade, aproximadamente três quilômetros: fato que ameniza as carências dos moradores em termos de equipamentos, infra-estruturas e acessibilidade. A vila rural, nesse caso, eleva-se a uma espécie de “apêndice” da cidade e os moradores têm a possibilidade de assalariarem-se em atividades urbanasviii. A prestadora de serviços “VR Confecções”, fundada em 2003 em Pitangueiras é tida como materialidade e exemplo de pluriatividade da agricultura. Com recursos da prefeitura municipal (doação de barracão) e do programa “Paraná 12 Meses” (créditos para aquisição de equipamentos), membros de 31 famílias das vilas rurais de Pitangueiras iniciaram trabalho em confecção, prestando serviços a indústrias do ramo. Indústrias encaminham para a “VR Confecções” cortes de tecidos (principalmente jeans) para serem costurados e efetivados outros acabamentos no produto, pagando por unidade acabada uma quantia pré-determinada pelo contratante. Os trabalhadores não possuem registro em carteira profissional; em períodos de picos de encomendas chegam a trabalhar mais de 12 horas por dia e ganham em média um salário mínimo mensal. Mesmo caracterizando-se como forma de trabalho precarizado, mulheres e adolescentes ocupam-se no processo produtivo e a atividade consubstancia-se como importante complemento de renda aos “vileiros”. Entre o “milagre” conceitual da pluriatividade 11 agrícola e a realidade objetiva em que essas famílias estão subsumidas erige-se a conflitualidade entre classes sociais, a exploração em demasia da força de trabalho, a crise do trabalho e da identidade do trabalhador enquanto classe ix. Poderíamos citar ainda outros gargalos latentes do “Vilas Rurais: quanto à pretensa identidade de comunidade forjada num projeto de assentamento humano ruralx, à deficiência de assistência técnica e orientaçãoxi ao produtor, ao discurso de reforma agrária e de combate à pobreza, entre outros elementos. Em nossa concepção, as vilas rurais são formas de assentamento humano dispostas com o intuito de propiciar: 1) a materialidade do discurso político (e dos “experts”) que as forjaram (perfumada com essências de combate à pobreza, à favelização, ao desemprego e ao inchaço populacional urbano); 2) o rebaixamento dos custos de reprodução da força de trabalho; 3) a resolução, em teoria, de problemas estruturais inerentes ao modo capitalista de produção que há décadas afligem o campo e a cidade no Paraná. Foto 01: vista interna do aviário de propriedade do Sr. Adão. Fonte: Eduardo, 2010. 12 Foto 02: Propriedade do Sr. Adão. Imagem da lavoura de café adensado. Fonte: Eduardo, 2010. Foto 03: Slogan “VR Confecções”. Fonte: Eduardo, 2010. 13 Foto 04: vista interna parcial da “VR Confecções”. Fonte: Eduardo, 2010. Foto 05: ao fundo, domicílio no qual residem Sr. Adão e família. Fonte: Eduardo, 2010. 14 Notas i Conforme Moro (2000, p. 37-8), o fenômeno da concentração da posse da terra durante década de 1970 foi de tal amplitude que 100.385 estabelecimentos agropecuários deixaram de existir e o efetivo da população rural reduziu em 63,9% entre o período de 1970 e 1991. ii Ver estudos de Martins (1986) e Oliveira (1991). iii Desmembrado de Rolândia/PR e elevado a nível de município em 1990, cuja instalação ocorreu em 1993. Informação disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun=411965. Acesso dia 22 de junho de 2010. A população municipal é de 2.667 habitantes (IBGE, 2007). iv Segundo o produtor, em média cada lote de frangos (aprox. 18.000 aves) é entregue à agroindústria com 45 dias. O mesmo informou-nos que realiza em média 06 alojamentos anuais. Para chegar ao cálculo, somamos o número total de alojamentos, multiplicamos pela renda média adquirida por lote e dividimos pelos meses do ano. v Informação dada pelo produtor. vi O produtor informou-nos que os ventiladores são ligados manualmente quando as aves estão com o bico aberto, o que indica, segundo ele, que a temperatura interna é elevada no aviário, enquanto num padrão mais sofisticado de produção a ventilação e nebulização são realizadas automaticamente conforme índices de temperatura e umidade do ar. vii O Sr. Adão mencionou-nos que chegou a colocar uma capela dentro do aviário, reforçando seus votos de fé numa fase difícil de sua atividade. viii A prefeitura municipal de Pitangueiras/PR fornece transporte gratuito aos munícipes para trabalharem em determinadas firmas das intermediações, principalmente frigoríficos. ix Afinal, os “vileiros” são produtores rurais? Bóias-frias assentados? Ou trabalhadores urbanos dispersos no campo? Parece-nos que a proposta da política pública já indica uma provável resposta: nem rurais, nem citadinos; nem campo, nem cidade, mas a relação “harmônica” campo-cidade. A paz do mundo rural provida dos gozos do ambiente urbano: eis a via política de resolução da contradição cidade-campo no Paraná. x O projeto “Vilas Rurais” previa também em cada vila a construção de um estufa coletiva para produção de hortaliças, forçando laços de identidade entre os “vileiros”, leia-se bóias-frias (da cana, da mandioca, do café etc.). Muitas estufas foram divididas entre os moradores: cada qual com a parte que lhe coube (se interessado) produzindo individualmente. xi A discrepância com a realidade é tamanha que na vila rural “Gralha Azul”, em Francisco Beltrão/PR, doou-se uma vaca leiteira de raça Jersey para cada proprietário. Contraditoriamente, cada animal necessita de uma área de 0,5 ha. de pastagem para ser criado extensivamente. Obviamente que a atividade pecuária em áreas tão reduzidas só poderia ser realizada em formas intensivas de criação. Como se os moradores tivessem farta experiência produtiva, acesso a recursos financeiros, infra-estrutura para escoamento da produção e assistência técnica regular. Resultado, após assentados os “vileiros”, o churrasco comemorativo estava garantido! Mesmo porque a atividade leiteira exige mobilização diária de trabalho, pelo menos duas vezes ao dia. E como estamos tratando de pessoas que moram no espaço rural, mas que desenvolvem atividades fora de sua propriedade em constância, a manutenção da atividade leiteira tornaria impraticável. Nessa mesma vila rural um morador destruiu parte de uma curva de nível que passava por sua propriedade, plainando o terreno com inchada, por desconhecer a função dessa técnica de combate à erosão pluvial, sinalizando a deficiência na oferta de assistência técnica aos produtores. Referências LERNER, Jaime. 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