SEM OS ERROS DO PRESENTE
Flávio Villaça
Nunca um plano diretor foi tão debatido, em todo o Brasil, como o plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo. Entretanto esse fato indiscutível está
escondendo um outro, tão ou mais importante: a maioria da população não se interessou
pelo plano diretor e não participou dos seus debates. Não porquê a população que
debateu tenha sido pequena, como de fato foi. Não se pretende aqui desqualificar
debates, com o argumento de que uma pequena minoria deles participou. O que se
pretende destacar é que foi mínima participação das camadas populares quando
comparada com a participação das camadas mais ricas da cidade. O que os debates e
audiências públicas sobre o Plano Diretor Estratégico deixaram claro foi que a maioria
não se interessou por ele. Evidentemente a minoria, a classe “competente,” vai alegar
que a maioria não entende de plano diretor, é politicamente atrasada, é ignorante e não
sabe lutar pelos seus interesses! Chega de discurso competente! A maioria ignorou o
Plano Diretor Estratégico porque este nada teve a dizer-lhe
Evidência disso foi a enorme diferença entre os debates e audiências públicas havidos
nos bairros do Quadrante Sudoeste, onde se concentra a minoria mais rica, e os havidos
no restante da cidade, especialmente a Zona Leste. Diferença de duração, audiência, de
participação de técnicos municipais, de vereadores e de oradores. A própria
programação das audiências públicas mostra essa diferença. No Quadrante Sudoeste foi
programada em média, uma audiência pública para cada 300.000 habitantes. Na Zona
Leste – a maior concentração de camadas populares da cidade – foi programada uma
única audiência pública para 3,3 milhões de habitantes! Essa audiência teve uma
presença média de 25 pessoas e a ela não compareceu nenhum vereador ( a não ser o
presidente da mesa). Aos debates sobre o Plano Regional da sub-prefeitura de Cidade
Tiradentes, estavam presentes ( na hora pico) não mais que 55 pessoas. Havia um único
técnico municipal à mesa e nenhum vereador presente. Como em várias outras regiões
populares, esta terminou antes da hora marcada, por absoluta falta de assunto. Em
contraposição, no debate do Plano Regional da sub-prefeitura de Pinheiros, aquela que
provavelmente concentra a maior população de alta renda dentre todas as subprefeituras, havia mais de 250 pessoas ( na hora pico) cinco vereadores presentes e sete
técnicos municipais à mesa. A reunião extrapolou a hora prevista para seu término.
Nos debates e audiências públicas dos bairros mais ricos, o zoneamento – que nunca
teve nada a dizer à maioria – polarizou totalmente as intervenções. Por sua vez, as
intervenções referentes às Z-1 (zonas exclusivamente residenciais do zoneamento
antigo) polarizaram os debates sobre o zoneamento. Nas regiões mais pobres, como o
zoneamento não desperta interesse, praticamente não houve debates: predominaram as
reivindicações de sempre e referentes a córregos sujos, inundações, pavimentação ou
clandestinidade dos terrenos etc. Essas reivindicações são as mesmas há décadas, e a
população deixou claro que não reconhece no plano diretor um instrumento confiável
para a solução desses problemas antiquíssimos. Fora o zoneamento, as 338 Ações
Estratégicas contidas no Plano Diretor Estratégico, foram quase totalmente ignoradas
nos debates, quer os das zonas ricas quer os das pobres.
Esse panorama não é diferente nas cidades brasileiras médias e grandes. Enquanto o
plano diretor não atrair o interesse da maioria, ele não terá legitimidade. Inútil marcar
prazos para sua aprovação. Inútil até mesmo sua aprovação por lei.
Flávio Villaça, 75, é professor titular de planejamento urbano (aposentado) da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. É autor do livro
Espaço intra-urbano no Brasil.
Sugiro este trecho para o destaque:
Enquanto o plano diretor não atrair o interesse da maioria, ele não terá qualquer
legitimidade. Inútil marcar prazos. Inútil até mesmo sua aprovação por lei.
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