BACKDROP DIELMAR
50 anos
Hélder Rafael, 80 anos,
é um dos fundadores
da Dielmar, onde ainda
trabalha diariamente e é
presidente do Conselho
de Administração. Os
filhos Ana Paula e Luís
Filipe, na foto, são
respetivamente CEO
e administrador da
empresa
do mais fino recorte português
A empresa que desenhou e fabricou os fatos da Seleção Nacional e do staff da Federação
Portuguesa de Futebol para as ocasiões especiais está de parabéns. A pretexto da
celebração dos 50 anos da Dielmar a 360 foi a Alcains, Castelo Branco, conhecer melhor
esta referência da moda portuguesa. Uma referência assente na tradição da alfaiataria
Ana Paula Rafael, 53 anos, detém-se a cada dez metros enquanto nos conduz numa primeira visita
à linha de produção da fábrica cujo anúncio de abertura ao público aos sábados de manhã dá as
boas-vindas, na primeira rotunda de Alcains, aos condutores chegados do lado da A23. A CEO da
Dielmar cumprimenta vários trabalhadores e trabalhadoras, a quem trata pelo nome próprio.
“Boa parte delas andou comigo na escola, outras andaram comigo ao colo. Para muitas serei
sempre a Paulinha.”
Escrevemos trabalhadores e trabalhadoras, mas Ana Paula Rafael fala quase sempre
no feminino. Há na fábrica uma prevalência de mulheres na ordem dos 9 em cada 10
funcionários. Ao todo, incluindo as nove lojas próprias da marca e as seis da Wesley –
cujo capital adquiriu há uns anos -, a Dielmar emprega quatro centenas de pessoas.
Há famílias inteiras do distrito de Castelo Branco que dependem desta empresa.
Mais à frente, neste dia de visita, a filha de um dos quatro alfaiates fundadores
da fábrica dir-nos-á que “a Dielmar mobiliza e movimenta a maior parte da
riqueza local”, acrescentando: “Não estamos a falar apenas de Alcains, mas
também das aldeias em redor. Diria que Alcains, sem a Dielmar, seria
despovoada como infelizmente já o são muitas vilas e aldeias deste País. ”
A 12 de maio de 1965, quatro homens deram corpo a um sonho e
fundaram a Dielmar, acrónimo que resulta da conjugação dos
seus nomes: Dias, Hélder, Mateus e Ramiro. Sete dias depois a
fábrica começou a laborar e não mais as máquinas pararam até
agora, altura em que comemora os 50 anos de existência e se
estabeleceu como marca de referência na alfaiataria e na
produção de fatos, calças, casacos, coletes, sobretudos,
parkas, saias, fraques ou fatos de cerimónia.
Hoje, 50 anos depois e prestes a completar 80 de vida,
Hélder Rafael ainda entra todos os dias às oito e meia
da manhã nos escritórios, de onde sai às seis da
tarde. Ao longo dos anos comprou as posições na
sociedade ao irmão Ramiro e ao sócio Mateus.
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A família do outro fundador, Dias, o único que já faleceu, detém perto
de 12 por cento do capital da empresa.
Os filhos do ainda presidente do Conselho de Administração, Ana
Paula e Luís Filipe, são os gestores executivos – Ana Paula, já se disse,
como CEO, o irmão como administrador.
Hélder Rafael tem mais dois filhos. Um deles está ligado à Wesley, o
outro desenvolve a sua atividade profissional noutro ramo que não o
da moda.
SEGREDOS DO BEM-ESTAR
Nos primeiros três anos de existência a Dielmar funcionou num
espaço que deixaria para se instalar nos atuais 15 mil metros
quadrados de fábrica. “Quando começou era fora da vila, agora está
no centro”, recorda a CEO.
Com exceção das equipas adstritas ao corte dos tecidos, que também
cumprem turnos à noite, todos os empregados fazem apenas
trabalho diurno. Das 230 pessoas da linha de produção (150 na
parte de casacos, 80 na secção de calças), 90 por cento trabalha de
pé. A decisão foi tomada em 1998 “em nome da saúde”, explica Ana
Paula Rafael: “O facto de se trabalhar de pé tem enormes benefícios
em termos, sobretudo, de prevenção de problemas de coluna. Por
outro lado permite outra flexibilidade e as pessoas acabam por se
movimentar bastante mais do que se trabalhassem sentadas. Em
termos posturais há duas posições ideais: de pé ou deitado sem
almofada. Como não conseguiríamos pôr as pessoas a trabalhar
deitadas…”
O que Ana Paula Rafael não explica é o segredo funcional que permitiu
implementar este sistema. Já teve visitas de marcas concorrentes que
quiseram perceber como se trabalha na Dielmar, mas nenhuma delas
conseguiu adaptar as suas linhas de produção de forma a permitir que
os empregados trabalhem de pé. E a CEO não vende a “patente” por
dinheiro algum do mundo, atira, meio a sério meio a brincar.
Já sobre a climatização é tudo claro: “Há 50 anos que a temperatura
no interior da fábrica é sempre constante. Antigamente, quando
as casas não estavam tão bem equipadas e não existiam ares
condicionados para particulares, havia funcionários que preferiam vir
trabalhar a estar em casa e sofrer com o calor extremo que faz nesta
região durante o verão. Ou o com o muito frio do inverno.”
DA FIAÇÃO À LOJA
Por dia, na Dielmar, são fabricados cerca de 500 casacos e 600
pares de calças. Destes, nos meses de maiores encomendas,
entre 70 a 75 são fatos feitos por medida. A arte da alfaiataria é
o que distingue a marca cinquentenária de boa parte dos seus
concorrentes e constitui o grande orgulho dos proprietários.
Não é por acaso que o slogan da Dielmar apregoa, justamente,
“alfaiataria por medida”. Mário Gaião, diretor de produção,
explica que precisaria de menos trabalhadores caso a empresa
optasse por fabricar apenas com base na produção em série e
sem a intervenção manual e decisiva dos gestos de alfaiataria.
“A qualidade é que nunca seria a mesma.”
Um investimento anual em tecidos na ordem dos 5 milhões
de euros, correspondentes a cerca de 280 mil metros, justifica
todo o cuidado com as matérias-primas. O controlo de
qualidade e das encomendas é, assim, o primeiro destino
das peças de tecido que chegam a Alcains. Cada rolo de
1,5 por 50/60 metros é passado a pente fino e os defeitos
rigorosamente assinalados. Ainda assim a fábrica não se livra
de um desperdício de tecido na ordem dos quatro por cento
ao ano.
Depois de inspecionados, os rolos ficam catalogados à
espera da hora de seguirem para o corte. Até lá há dois passos
decisivos no processo: a criação e teste dos moldes em cartão,
peça a peça, pelos alfaiates residentes (um casaco chega a ter
300 peças) e a introdução dos moldes no sistema informático,
com determinação do local exato de cada rolo de tecido que
dará origem a cada peça.
Uma vez cortadas, as peças são etiquetadas para ser possível
perceber, em todas as etapas da linha de produção, a que
casaco ou calça pertencem. Segue-se a termocolagem de boa
parte das encomendas, passo que apenas não é dado nos fatos
de topo, para os quais todo o processo é manual.
A partir daí dividem-se as águas e as peças entram em linha:
calças, coletes e saias para um lado, casacos, sobretudos,
fraques, parkas para o outro. Quando chegarem à fase
dos acabamentos os casacos terão sido objeto de cerca de
200 operações diferentes, as calças entre 80 e 100. Aqui
são colocados “au point” através de processos típicos de
alfaiataria tradicional e sujeitos a mais dois controlos de
qualidade antes da embalagem e do armazenamento.
Um fato encomendado por medida numa das lojas da Dielmar
tem um prazo de entrega de 11/12 dias. Uma coleção é enviada
aos clientes quatro a cinco semanas depois de registado o
pedido.
A produção, por estes dias, tem como destino o próximo
mercado de outono/inverno. No andar de cima do edifício,
a equipa de estilistas conclui as propostas de coleção para a
primavera/verão de 2016, cuja confeção não tardará.
O percurso de uma peça de roupa colocada no mercado
começa dois anos antes, na fiação. Ano e meio antes de cada
estação os tecidos estão prontos e a pouco menos de um ano
dos novos lançamentos tem início a confeção.
“É um constante desafio, este, de antecipar as tendências
para daqui a um certo tempo. O nosso tempo é gasto a ver
coisas pelo mundo fora e a pensar, a tentar ter ideias. Não
estamos aqui para pensar nos fatos cinzentos, pretos, azuis
ou castanhos, embora obviamente também os fabriquemos”,
declara António Simões, head designer da Dielmar que
conta na equipa com mais dois estilistas, dois gráficos e dois
vitrinistas.
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A DIMENSÃO INTERNACIONAL
Trinta a 35 por cento da produção da fábrica destina-se à
própria marca, 65 a 70 por cento tem como clientes outras
marcas para quem a Dielmar fabrica calças e casacos. Como
outras empresas confecionam as camisas, os cintos ou os
sapatos à venda nas lojas da Dielmar.
A maior parte (60 por cento) da produção tem como destino a
exportação, entrando 40 por cento no mercado nacional.
Quando António Simões afirmava que boa parte do seu tempo
é passado “a ver coisas pelo mundo fora” não exagerava.
As equipas criativa e administrativa da Dielmar marcam
presença em 12 a 14 feiras de moda internacionais por ano.
O desejo de internacionalização é muito forte, até
porque poderá muito bem significar, a prazo, a receita de
sobrevivência da marca. Interrogada sobre como imagina
a empresa dentro de 50 anos, quando atingir o centenário,
Ana Paula Rafael é assertiva: “Queremos ter o orgulho de
sentir que uma marca portuguesa, feita em Portugal e por
portugueses, é valorizada. Que os jovens que estão hoje em
Portugal sintam que é possível uma empresa tradicional, num
setor tradicional e localizada no interior do País abrir portas
lá fora e ser uma marca reconhecida pela qualidade, pela
inovação, pelo design e pelo que consegue ir construindo à
sua volta.”
Aos poucos os desígnios vão-se cumprindo. Ainda agora,
no final de abril, a Dielmar foi a marca convidada para o
encerramento da Semana de Moda na Sérvia. Nada mau para
uma “jovem” cinquentenária.
NÚMEROS E FACTOS
› A Dielmar foi fundada a 12 de maio de 1965
› Fábrica com 15 mil metros quadrados
› 9 lojas Dielmar e 6 lojas Wesley no País
› 400 empregados
› 90% dos empregados são mulheres
› 500 casacos fabricados num dia
› 600 pares de calças/dia
› 5 milhões de euros investidos por ano em tecidos
› Um casaco é composto por cerca de 300 peças diferentes
› Um casaco, até estar concluído, passa por 200 operações distintas
na linha de produção
› Um par de calças precisa de 80 a 100 operações
› 30 a 35% da produção da Dielmar destina-se à marca própria
› 60% da produção segue para o mercado internacional
› 90% dos tecidos para fabrico são importados de Itália
› Os fatos por medida representam cerca de 10% da produção
› Um fato por medida demora 11/12 dias a ser entregue ao cliente após
a encomenda
Ana Paula Rafael com 14 chefes de linha, no setor da produção.
A CEO da Dielmar conhece os funcionários e as funcionárias
pelo nome. “Algumas andaram comigo ao colo, outras na escola.”
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