O PROTAGONISMO DAS MULHERES POR EDUCAÇÃO: UMA
LEITURA PRELIMINAR
ZIEBELL, Clair Ribeiro
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
RESUMO
A presente proposta de pesquisa tem por objeto o PROTAGONISMO DO
MOVIMENTO DE MULHERES POR EDUCAÇÃO (EM SÃO LEOPOLDO)
ENFOCANDO A COSTITUIÇÃO DE SUJEITOS COLETIVOS NA COSTRUÇÃO
DA CIDADANIA. Este objeto foi construído a partir da assessoria a grupos de
mulheres da periferia de São Leopoldo, no caso, uma das vilas onde a problemática
centrava-se em situações socio-educacionais de crianças e adolescentes envolvendo o
grupo de mulheres, a escola, comunidade e assessoria ( Igrejas e Universidade). O
contexto da pesquisa revela um processo educacional em nosso entendimento marcado
pela exclusão , embora não seja esta a leitura da escola, nem do movimento de
mulheres, que num primeiro momento interpretam esta realidade a partir da noção de
fracasso escolar. Objetivamos com a pesquisa entender como e porque as mulheres
atuam com relação à educação de seus filhos e filhas, entendendo-se ou não como
sujeitos coletivos na construção da cidadania. Como metodologia utilizaremos o estudo
de caso, utilizando instrumentos como diário de campo, entrevistas, reuniões, grupos de
auto-reflexão, buscando captar às concepções de mundo das mulheres partindo de suas
representações sobre escola, educação, cidadania e auto representações sobre este
movimento, centrando nossa análise com relação aos movimentos sociais, enfocando as
relações de gênero. A pesquisa está na etapa de coleta de dados e o relatório final
previsto para junho de 1998.
O presente texto é parte do meu projeto de pesquisa de mestrado que tem como
objeto o protagonismo de um movimento de mulheres por educação enfocando a
constituição de sujeito coletivo em prol da cidadania, tendo como universo grupos de
mulheres da periferia de São Leopoldo. No caso, são mulheres envolvidas com a
problemática do fracasso escolar na Vila Antônio Leite, um loteamento popular aí
localizado desde 1980 e ainda não totalmente regularizado. São pessoas procedentes do
interior do Rio Grande do Sul e algumas até de outros estados, que migram em busca de
melhores condições de vida, (continuidade êxodo rural), sendo o Vale do Rio dos Sinos
naquela época de grande atrativos em função da indústria de calçados.
Na Vila Antônio Leite, como em geral na periferia de São Leopoldo, as formas
de organização que mais se destacam são os chamados grupos de mulheres. Estes grupos
têm em média seis a dez pessoas e giram em torno de necessidades básicas como
alimentação (fornos comunitários, sopão), educação (creches, escolas e trabalhos com
adolescentes...) e geração de renda (confecção de acolchoados, tapetes, roupas...) que
constituem em algumas das alternativas encontradas pelas mulheres no enfrentamento
dos problemas com a sobrevivência e com as dificuldades com a educação já referidas.
O perfil das mulheres participantes nos grupos dá conta de que em sua maioria
são donas de casa ou do lar, como geralmente são denominadas as mulheres que não
exercem sistematicamente outras atividades ou que não estejam inseridas no mercado
formal de trabalho.
Durante o tempo que tenho acompanhado esses grupos, um dos problemas
trazidos para a discussão foi o desinteresse dos(as) filhos(as) pela escola e as
"dificuldades" de aprendizagem.
Nos depoimentos e questionamentos das mulheres, percebia em geral um
sentimento de culpa por parte de algumas ao referirem-se ao fato de que não sabiam
ensinar, uma vez que sua formação era precária; outros diziam não saber dar "limites" às
crianças, quando estas apresentavam problemas de agressividade, desobediência,
desinteresse pela escola, entre outros.
Também referiam-se às dificuldades da família em relação à situação
econômica ou a problemas com alcoolismo, em geral do pai, o que poderia repercutir no
comportamento das crianças. Outras lembravam situações ligadas à gestação ou parto em
como a alguma doença física ou a perturbações psicológicas das crianças, o que as
estariam limitando.
Um aspecto que chamou a atenção quando iniciei a assessoria às entidades que
apoiavam o movimento (Igrejas, Pastoral Social) e ainda na assessoria prestada as
escolas, em especial à escola da Vila Antônio Leite é que ambos intervinham nas
situações trazidas pelas mulheres e pelas crianças partindo da compreensão de que o(a)
aluno(a) era o problema e a causa principal do "aluno problema" era a família. Isto não
significava que não percebessem alguma inadequação na escola. Pelo contrário,
manifestavam preocupação pelas dificuldades de relação entre escola e comunidade,
havendo certa reflexão em torno da realidade sócio-econômica do município, das
políticas sociais e em especial da política educacional. Eram, contudo, considerações
dispersas, posições de um ou outro(a) educador(a) que, em geral, não correspondiam às
indagações do conjunto da escola ou do próprio movimento de mulheres.
Em certos momentos, houve tentativas de um trabalho articulados entre escola e
comunidade, o que não se solidificava, em meu entender por conflitos e resistências da
escola com relação a interferências externas, mas também por limites do movimento
comunitário como um todo, marcado por lideranças autoritárias, manipulação política e
relação truncada com o poder público.
Nesse sentido, a intervenção direta destes(as) educadores(as) era uma tentativa
de modificar comportamentos familiares, sem situá-los no contexto mais amplo em que
estavam inseridos. Percebia-se que não havia uma compreensão da relação que existia
entre as condições sócio-econômicas, políticas e culturais destas famílias e a sociedade
brasileira, marcada pela desigualdade e exclusão social, nem das relações entre educação
e cidadania, no caso brasileiro, a negação da cidadania, ou cidadania tutelada(158).
Na verdade, mesmo que o discurso destes agentes contivesse uma perspectiva
crítica ao operacionalizar o trabalho com os grupos reproduziam com estas famílias
relações de dominação e sentimentos de descrença, portanto, ainda não rompendo com a
concepção de que há um fracasso escolar dos(as) alunos(as) das classes pobres, por
incapacidade(159). Alteravam-se apenas os instrumentos, ou seja, as técnicas
empregadas no trabalho com os grupos, sendo que o discurso crítico e progressista de
alguns agentes não se traduzia numa proposta crítica de intervenção.
Por outro lado, a escola oscilava entre o discurso da incapacidade das crianças
(por serem desinteressadas, agressivas, sujas, com dificuldades afetivas e sexuais,
famílias desestruturadas...) e o discurso da possibilidade de vencer as dificuldades, pela
construção de uma proposta pedagógica baseada no construtivismo.
A problemática vivida pelas crianças e adolescentes na Vila Antônio Leite,
denuncia a realidade educacional, de exclusão das crianças e adolescentes das classes
subalternas da escola e contra a qual tanto as mulheres como os(as) educadores(as)
vinculados(as) aos movimentos sociais por educação lutavam e lutam. É portanto uma
realidade local, mas que somente pode ser compreendida numa perspectiva de totalidade.
A situação de exclusão da escola em São Leopoldo é um dos reflexos da exclusão social
mais ampla, provocada pelo modelo de sociedade capitalista criador de desigualdades
sociais profundas e que, na educação, manifesta-se nas formas de "evasão" e repetência.
Neste contexto, são muitas as razões que me levam a buscar entender como as
mulheres agem em relação à escola e à educação, a partir da problemática empírica
descrita anteriormente, que constitui uma primeira aproximação ou abordagem do
objeto, a ser aprofundada no decorrer da pesquisa e da dissertação. O que leva a
descobrir, a desvelar o como, mas também porque ou os porquês das disposições da
mulheres para esta ou aquela forma de agir (atuar ou não atuar) com relação ao processo
educacional e a problemática decorrentes da vivência desse processo. Respaldo-me para
isso em Melucci,
"As teorias dos anos setenta também deixam dois problemas insolúveis. As
teorias estruturais, baseadas na análise de sistemas, explicam porque, mas não como um
movimento se estabelece e mantém sua estrutura, ou seja, elas apenas hipotetizam sobre
o conflito potencial sem considerar a ação coletiva concreta e os atores. Aqueles
pesquisadores, por outro lado, que trabalham com um modelo de mobilização de
recursos, vêem esta ação como meros dados e não conseguem examinar seu significado e
orientação. Nesse caso, como, mas não por quê. Os dois pontos de vista não são
irreconciliáveis. Cada um deles é legítimo em seus limites, mas ambos, infelizmente,
com freqüência e talvez implicitamente, são tomados como uma explicitação global"
(MELUCCI, 1989: 52).
Nesta abordagem viso uma análise que, segundo Melucci, pode concentrar-se
no como sem negligenciar o porquê.
Esta reflexão remete à primeira aproximação do objeto, onde percebo que as
mulheres qualificam a vida escolar de seus filhos e filhas, ou seja, atribuem valor
positivo ao fato de estes(as) freqüentarem a escola e aprenderem, e, isto não acorrendo,
procuram ajuda junto a agentes externos, em especial o "reforço"psicopedagógico. Fica
claro que as mulheres agem movidas por uma crença na escola como necessária para a
educação e que fazem um esforço para que suas crianças permaneçam, o que num
primeiro momento aponta para uma percepção de que educação se restringe à escola.
Por outro lado, em que pese a problemática descrita anteriormente, não há uma
significativa mobilização das mulheres em torno das reivindicações por melhorias na
escola, seja enquanto proposta pedagógica, seja no sentido de ampliação do espaço físico
e de recursos. Em geral transferem para terceiros (no caso instituições como a Igreja e
Universidades) a responsabilidade do tomar decisões, de articular mobilizações ou a de
complementação e "reforço" na aprendizagem. Uma das razões para esta forma de atuar
(não atuando...) pode estar na aparente explicação assumida tanto pela escola como pelas
mulheres de que o insucesso das crianças na escola seja visto isoladamente e centrado na
idéia do fracasso individual, familiar, ou pela situação de pobreza. Porém, ao delegar a
terceiros decisões e apoio para vencer as dificuldades e insatisfações com relação à
escola, esta posição torna-se ambivalente, ou seja, denota que não é assim tão tácita a
crença na incapacidade de suas crianças em aprender. Uma das hipóteses que pode
orientar nossa pesquisa é de que a histórica submissão das mulheres, forjada em especial
nas relações de gênero que relegaram as mulheres ao espaço privado, dificulta uma
mobilização mais autônoma e com caráter decisório; ao transferir a responsabilidade a
terceiros, elas estão reproduzindo as mesmas relações do cotidiano doméstico, onde via
de regra não se contrapõem ao poder masculino ou o fazem timidamente, não rompendo
com a relação de dominação(160). Esta postura é reforçada pela posição autoritária da
escola que, ao colocar-se como única detentora do saber, desqualifica o saber das
crianças e de suas famílias, mais ainda, ignoram o saber das mulheres.
Relacionada a esta hipótese, percebe-se uma quase total omissão dos homens
(pais) em relação aos problemas educacionais dos filhos e filhas. Estes atribuem às
mulheres a responsabilidade de educar a prole. Se tudo correr bem, os méritos do
sucesso são repartidos, caso haja problemas, a "culpa" recai nas mulheres. Estas, por sua
vez, reclamam a participação do homem na educação dos(as) filhos(as), enfatizando que
os problemas com a educação e a socialização das crianças são muitos, afirmando que
em seu tempo era diferente. A maior queixa, já relatada no início do texto é em torno da
dificuldade de trabalhar com os limites, ou seja, referem dificuldades de exercer sua
autoridade enquanto mães educadoras, quando dizer não, até onde dialogar. Sentem-se
incapazes de exercer este papel, o que em geral percebem como papel do homem, da
escola ou da Igreja.
Por fim, a escola reclama da fraca participação dos "pais " (e mães?) na vida
escolar de seus filhos e filhas, mas, quando consultadas as mulheres sobre a participação
na escola, afirmam que participam. O que não fica claro é de que participação falam pais
e mães e de que participação fala a escola. Ainda em relação a este assunto, percebo em
alguns depoimentos de mulheres com certo grau de participação comunitária (grupo de
mulheres, CEBs, reuniões na escola...) que, apesar do contexto das relações com a escola
ser marcado pela insatisfação e desinteresse, como já relatei, atribuem às próprias
mulheres as dificuldades encontradas, tendendo a absolver a escola de qualquer
responsabilidade com relação à problemática relatada.
A partir destas primeiras aproximações retomo o objeto de pesquisa,
questionando: Qual o Protagonismo deste movimento de mulheres por educação (?),
enfocando a constituição de sujeitos coletivos na construção da cidadania. A abordagem
que pretendo do objeto parte das representações das mulheres, buscando compreender
como as mulheres se percebem enquanto pessoas em relação (entre si, com os e as
agentes sociais, com a escola e demais organizações comunitárias afins) e os porquês de
determinadas disposições das ações anteriormente problematizadas.
O objetivo é, a partir da compreensão das mulheres, compreender como elas
interpretam o próprio protagonismo em relação à educação, que entendimento têm sobre
aprendizagem, educação, escola, ensino e os porquês das condutas referidas, e desta
forma de atuação?. Isto, levando em conta que: "( ...) a leitura do movimento de extensão
dos direitos da cidadania tem sido realizada de maneira unilateral. Credita-se apenas à
ação do Estado, à política das elites, às suas leis, o motor desse movimento de ampliação
do sistema escolar. Procura-se privilegiar a idéia de que a história se faz por um
movimento dos "de cima", por aqueles que detêm o poder, enquanto os subalternos
assistem passivamente à evolução dos fatos históricos, se limitam a ser espectadores de
um peça representada por outros atores sociais" (HADDAD, Sérgio. 1992: 75).
O mesmo autor salienta ainda que nas lutas por escola e ensino foram as
mulheres as principais protagonistas, embora isto não fique explicitado na maioria dos
estudos e pesquisas. Meu estudo propõe ampliar a visibilidade das mulheres neste
campo, percorrendo com elas mesmas a trajetória já realizada, numa tentativa de
releitura deste movimento, buscando melhor caracterizar as ações coletivas das
mulheres, seus limites e suas perspectivas.
Também porque os estudos sobre a mulher no que se refere à participação nos
movimentos sociais urbanos, "(...) ainda não foram devidamente incorporados à
produção científica "oficial" sobre os coletivos urbanos. Estes, que vem analisando
novos autores políticos, o fazem numa certa panorâmica, agregados em classes, classes
assexuadas, sem idade e sem cor" (MOTTA, 1991:55).
Nos movimentos sociais por educação, segundo Carvalho e Vianna (1995), as
análises não são muito diferentes, constatando-se a "invisibilidade" dos gêneros nas
pesquisas, com exceção de algumas autoras entre as quais destacam-se Marília Pontes
Spósito (1988), Maria Malta Campos ( 1982), Lenira Haddad (1987 e 1991) e Sérgio
Haddad (1992).
Sendo esta uma primeira abordagem do objeto de investigação e por ser este
texto parte da dissertação de Mestrado em andamento, será problematizado durante as
demais fases da investigação e as questões levantadas aqui serão aprofundadas e
referendadas, ou não, a partir de um estudo de caso, metodologia definida para a
pesquisa. Com relação ao referencial teórico-metodológico, embora neste texto já tenha
referido alguns autores e categorias, entendo que este artigo ainda não contém todo o
balizamento teórico necessário. Isto está sendo construído a partir da revisão de literatura
já processada até o momento e de minha leitura deste movimento de mulheres para a
qual julgo necessária uma reflexão e análise que articulem categorias como movimento
sociais populares, classe e gênero.
Por ocasião do seminário, certamente já em fase de conclusão da dissertação
será possível a socialização do processo de pesquisa e a contribuição dos(as)
pesquisadores(as) presentes, propiciará com certeza outros elementos a nossa reflexão.
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