À FLOR
DA PELE
CARTAGENA DAS ÍNDIAS
Volta ao Mundo novembro 2012
Mestiça e açucarada, boémia e sensual,
decadente e senhorial, devota e pagã.
Cartagena das Índias, o maior cartão-postal da Colômbia, é tudo isso e mais.
E está de volta; não como um destino
de voos charter, mas como hotspot
do Caribe, catapultado por um período
de prosperidade e paz como há muito
não se vivia no país.
TEXTO DE JOÃO MIGUEL SIMÕES
FOTOGRAFIAS DE ADELINO MEIRELES/GLOBAL IMAGENS
Volta ao Mundo novembro 2012
BIJOU COLONIAL
A torre da catedral é um
ponto de referência no centro
histórico, de ruas retas mas
apertadas. Existem outras,
como os incontornáveis
chapéus panamá (na página
ao lado, à esquerda) ou
o rico folclore local, bem
representado no restaurante
típico Candé (na página
ao lado, ao centro).
90
Volta ao Mundo fevereiro 2013
p
INICIAÇÃO
Abrimos esta reportagem,
na dupla página anterior,
com duas imagens muito
marcantes de Cartagena
que perduram na memória
mesmo após a partida: a
Plaza de los Coches, com a
icónica Torre del Reloj, e o
colorido de uma palanquera
(vendedora de fruta)
no centro histórico.
Volta ao Mundo fevereiro 2013
oucos se lembram em Cartagena, mas houve um período,
na década de 1990, em que esta era destino certo de voos
charters semanais lotados de portugueses, que ali chegavam
atraídos pela possibilidade de uma incursão caribenha a
bom preço. Entravam e saíam sem nada mais ver ou saber
da Colômbia.
Ao contrário de Cuba, da Riviera Maya ou até da
República Dominicana, que permanecem até hoje uma
preferência nacional, Cartagena praticamente desapareceu
das nossas brochuras turísticas. E, sem voos diretos (charters
ou não), não só ficou longe, como mais cara.
Mas Cartagena deu a volta por cima — beneficiando da
prosperidade económica (a Colômbia já é a terceira maior
economia da América do Sul) e de um período de paz (os
cartéis de droga mais importantes foram desmantelados e
o governo tem vindo a negociar com a Farc, a guerrilha
colombiana) sem precedentes no país. Ganhou um estatuto
“hip” e tornou-se quente. Quase a escaldar.
Espécie de retábulo vivo colonial, contra um fundo azulcaribe, Cartagena sempre atraiu figuras como Bill Gates,
os Clinton ou os reis de Espanha. E mesmo perdendo para
a vizinha Barranquilla o direito de chamar de suas a atriz
Sofia Vergara ou a cantora Shakira, foi ali, e não noutro
ponto da costa colombiana, que a segunda, bem como o
Prémio Nobel da Literatura Gabriel Garcia Márquez ou o
cantor Julio Iglesias, compraram casas de veraneio.
Ainda assim, o ponto de viragem foi outro. Cartagena
caiu no goto porque, de repente, meio mundo deu-se conta
que é ali que famílias milionárias como os Santo Domingo
(colombianos, mas jetsetters com ligações, através de uma
das suas herdeiras, à família real monegasca) entretêm
convidados internacionais ou que Cloclo Echavarria, que
representa no país marcas de luxo como Armani e Vilebrequin, organiza a melhor festa de réveillon da cidade. E
como uma coisa puxa outra, veio o designer Marc Jacobs
passar uma temporada e disse que gostou. E vieram atores
de Hollywood, como Mel Gibson, e disseram que gostaram.
E se eles gostam é porque deve ser bom — pensaram os
olheiros do costume.
E Cartagena, que esteve para ser um destino de massas,
tornou-se um destino exclusivo com direito a um código
de cores (café, azul, verde, fúcsia, violeta, laranja, branco,
amarelo e encarnado), atribuído pelo turismo, para designar
os seus diferentes atrativos. Porque ela, feliz da vida com
tanto elogio, ficou de todas as cores.
Coisa de filme
Fundada em 1533 pelo conquistador espanhol Pedro de
Heredia, Cartagena das Índias, tinha um problema de
salubridade, mas o facto de ser plana, arenosa e de estar
rodeada de uma baía, de ilhas e de lagoas fez que o seu valor
estratégico fosse rapidamente reconhecido.
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APESAR DA HUMIDADE DE QUASE NOVENTA POR CENTO,
a ausência de calamidades naturais permitiu que grande parte do espólio histórico do centro chegasse
praticamente intacto aos dias de hoje, fazendo de Cartagena um bijou colonial.
Hoje, passados quase quinhentos anos, é a humidade
de quase noventa por cento que nos deita abaixo, mas há
males que vêm por bem. A antiga praça-forte, tão importante para a manutenção do império espanhol no Novo
Mundo – e de cujo porto, o mais importante de então,
partiam os galeões carregados de tesouros rumo a Espanha –,
permanece abrigada de ventos e de outras calamidades
naturais, pelo que grande parte das suas construções históricas chegou aos nossos dias e valeu-lhe, em 1984, que
a UNESCO reconhecesse como Património Mundial o
centro amuralhado (são quatro quilómetros de espessas
muralhas) e as fortalezas.
As almas mais apaixonadas, privadas de total imparcialidade, descrever-nos-ão o centro histórico de Cartagena
como algo praticamente intocado. Não é bem assim.
O viço colonial é forte, não foram cometidos grandes
tropelias e mantém-se um traçado de ruas quase retas e
com uma estreiteza que nos lembra o intricado medieval,
mas há também um certo charme decadente ali e acolá.
Não vem mal ao mundo por isso. Faz parte. Uma cidade é
como um organismo que não passa incólume às vicissitudes
92
de uma vida. O que dirá de muitas, como é o caso. Antes,
fora das muralhas, ficavam os pobres. Agora, muitos dos
ricos moram e veraneiam fora desse perímetro, mas é intramuros, dê-se as voltas que se der, que Cartagena tem mais
encanto. Praças e pracetas, igrejas e claustros, a catedral,
palácios e casarões, conventos e parques; são praticamente
incontáveis todos os monumentos e pontos de interesse
que se abrigam no perímetro de ouro.
Não há uma maneira certa de calcorrear o coração
cartagineiro. Podemos seguir à risca a lista de monumentos ou podemos andar mais interessados em sentir o seu
pulso, prestando atenção às suas portas, fachadas, janelas,
varandas e proteções de ferro de todas as cores. E gostar da
arquitetura, porque vai do senhorial ao religioso e militar.
E mesmo retilínea, a Cartagena Velha é arteira. Troca-nos os passos e faz-nos errar na sua geografia. Felizmente
há sempre um pináculo para nos servir de referência. Isso
e o Parque de Bolívar (o venezuelano Simón Bolívar é
adorado na Colômbia, embora as relações atuais entre
os dois países não sejam as melhores), onde, reza a lenda,
um jovem Gabriel García Márquez terá tentado dormir ao
ANTIGO MERCADO DE ESCRAVOS, a atual Plaza de los Coches, aberta para
a baía outrora muito concorrida por galeões, é um cartão-postal, mas também um ponto de encontro
e um palco constante para grupos de danças folclóricas locais.
relento quando chegou à cidade sem vintém no bolso (e só
não o fez porque foi detido pela polícia, que lhe deu guarida).
Ironias que dão sabor, e colorido (uma escolha sempre
mais apropriada, tratando-se de Cartagena), ao folclore
local. Figura consagrada da literatura mundial, Gabo, como
é tratado carinhosamente, possui casa na cidade assinada
por um arquiteto ilustre, no lado certo das muralhas (ou
seja, dentro), e deu origem a um audiotour de duas horas
e meia que passa em revista 35 pontos locais associados
à sua vida e à sua obra. É nessas horas que Cartagena se
confunde com Macondo (a cidade ficcional dos romances
de Gabo) e Macondo se confunde com Cartagena.
Paredes que falam
O antes e o depois do apelo turístico de Cartagena pode ser
medido, entre outras coisas, pela sua hotelaria. Quando a
cidade ganhou projeção nos anos 1990, além dos terminais
de cruzeiros que lhe garantem visitantes de passagem até
hoje, entrou também no campeonato dos operadores turísticos, com a consequente chegada dos complexos hoteleiros
de Bocagrande e das grandes cadeias como o Sofitel Santa
Volta ao Mundo fevereiro 2013
Clara. Nesta nova fase, em que Cartagena se assume como
um destino mais personalizado e menos massificado, com
direito a figurar na lista de destinos quentes de quem faz a
opinião e lança modas, ganham destaque os pequenos hotéis
de charme – com mais ou menos design, com mais ou menos
modos de boutique, eles dão uma segunda vida a velhos casarões do centro. Claro que, já antes, outros hotéis se instalaram
em conventos e demais construções com pergaminhos, mas
estou a falar, à semelhança do que aconteceu em cidades
como Marraquexe, de uma nova geração de hoteleiros, na
sua maioria estrangeiros, que mudaram de vida e tiveram
olhos para comprar e recuperar antigos edifícios quando estes
ainda não custavam uma fortuna (agora o preço é outro).
Foi assim que surgiram preciosidades como o Quadrifolio, o meu quartel-general em Cartagena, mas também
o La Passion, a cargo do francês Thierry Forte, que possui
uma piscina branca empoleirada sobre os telhados vizinhos.
O último a chegar, porém, é o que tem gerado maior expetativa. O Casa San Agustín instalou-se de armas e bagagens
em três edifícios do século xvii, perto das muralhas, no centro,
e mistura peças de arte e fotografia, design de Ralph Lauren
93
EXISTEM, ENTRE AS VÁRIAS ATRAÇÕES, pelo menos duas que,
pela altitude a que se encontram. garantem uma visão de falcão sobre Cartagena. Uma delas é Castillo
San Felipe, o maior forte defensivo ainda de pé no Novo Mundo...
e de Bill Sofield, além de serviço de mordomo, lancha
privada ou uma cozinha de fusão a cargo do chef peruano
Juan Pablo Henao.
Em cada um dos casos citados, é provável que as paredes
falem. Mas para que nos contem tudo é preciso sair para a
rua. Sobretudo ao final da tarde ou ao princípio da noite,
quando os lampiões se acendem, os gatos se tornam pardos
e a cidade sacode a letargia e brinca ao claro-escuro.
E redobra a magia.
Seja porque não resistimos ao chavão de entrar numa
carruagem; seja porque descobrimos um hotel três estrelas
sem grande apelo, que por acaso, só por acaso, acaba por
ter um dos melhores terraços altaneiros sobre a Plaza de los
Coches (que já foi entreposto de escravos e hoje se chama
Plaza del Ecuador, embora poucos o saibam) e sobre a Torre
del Reloj, a principal entrada na cidade amuralhada, que se
abre para a baía e serve de palco a dançarinos; seja porque
nos deixamos ficar a olhar para o sol a esvair-se no mar a
partir da esplanada do Café del Mar, ancorado num dos
trechos mais promissores da gigante muralha.
Cada pedra conta uma história. Cabe-nos a nós escutá-las ou não.
Do alto
À falta de um melhor sentido de orientação, tenho para
comigo o princípio inabalável de que é a pé e do alto que
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se ganha uma perceção mais nítida de uma cidade. Ou,
pelo menos, é deste modo que a sua geografia passa a fazer
mais sentido para mim.
Em Cartagena, há dois pontos altaneiros imperdíveis.
E nem o facto de serem previsíveis – porque estão em
qualquer guia da cidade – os torna menos dignos de uma
visita. O primeiro moldou-se à colina de San Lázaro e
responde pelo nome de Castillo San Felipe. Imponente e
maciço, é o maior forte militar do continente americano
– pelo menos é o maior complexo defensivo levantado
pela engenharia militar espanhola no Novo Mundo – e
foi erguido entre 1536 e 1657 para velar sobre a cidadela.
Resistiu a inúmeros ataques, sendo que o seu maior feito foi
ter resistido aos avanços das tropas inglesas, em 1741, sob
o comando do almirante Vernon. Mas caiu uma vez, uma
única vez, em 1697, às mãos dos franceses. A muralha é de
tal forma alta e inclinada que escalá-la tornou-se impossível;
por dentro, o forte apresentava um intricado conjunto de
túneis, galerias, desníveis e rampas. Uma dor de cabeça
para os inimigos, mas uma bênção para os invasores de
hoje que, às tantas, só querem um pouco de sombra fresca.
O segundo ponto de observação encontra-se no topo do
monte La Popa, a 145 metros de altitude, o que nos garante
uma visão de falcão sobre a cidade e a baía de Cartagena.
Dali, do Convento de la Candelaria o de la Polpa, percebo o que me quis dizer uma guia no Castillo San Felipe:
... E A OUTRA, REPRODUZIDA NESTAS PÁGINAS, é o Convento
de la Candelaria o de la Popa, que, do alto dos seus 145 metros, permite comparar os contrastes
entre a Cartagena de ontem e a Cartagena de hoje.
Cartagena cresceu em terra firme, esparramada por uma
península, com várias ilhas na sua ilharga. Antigo refúgio
de negros, o monte foi tomado pelos frades agostinhos que,
no século xvii, ali ergueram um convento em homenagem
à Virgem padroeira da cidade, mas não tiveram vida fácil.
Não até os militares descobrirem que daquele mesmo
lugar poderiam também defender Cartagena. O divino
acabou por falar mais alto e em 1961, depois de anos de
abandono, passou de novo para as mãos dos agostinhos
que o restauraram tal como o vemos hoje.
Conquistar pelo estômago
Sem ameaças à sua integridade física, Cartagena pôde
dar largas a um dos maiores prazeres, o da boa mesa.
Crioula que é, claro que a gastronomia de Cartagena
(ou melhor, bolivarense) teria de fazer jus a essa mesma
mestiçagem e também a vários outras condicionantes da
sua geografia. Abunda o pescado e o marisco, os frutos
tropicais, além dos fritos e da omnipresente mistura do
doce (por vezes excessivamente doce) com o salgado.
O que pode não ser para todos os estômagos.
Pela manhã, a confiança na cozinha do hotel Quadrifolio fez que depressa passasse a integrar no meu pequeno-almoço uma potente arepa (massa de milho) com ovo,
dispensando apenas a carne como é hábito local. Do
mesmo modo não me fiz rogado a provar, na primeira
Volta ao Mundo fevereiro 2013
noite em Cartagena, a incontornável posta cartagenera.
Fi-lo embalado pelos ritmos e danças caribenhos que,
voltam e meia, entretêm os comensais do Candé, um
restaurante no centro histórico que consegue ser turístico
sem cair no cliché, e não morri de amores – vale pelo
seu interesse «antropológico», já que é feita a partir de
um corte de carne que se chama punta de anca e leva na
sua preparação um refrigerante adocicado de nome Kola
Román e costuma vir acompanhada de arroz de coco.
Devo dizer que fui bem mais feliz em El Santísimo,
onde Federico Vega (conhecido pelo toque francês) me
deu a provar a sua versão da bandeja cartagenera, servida
em folha de bananeira, com lagostins, caranguejo, banana, arroz de coco e abacate – sendo que não resisti a abrir
a refeição com várias croquetas e empanaditas de carne. Ou
ainda no absolutamente incontornável La Vitrola. Tive
ali o meu último almoço, horas antes de embarcar para
Bogotá, e não poderia ter ficado com melhor recordação
de Cartagena. Escolhido pela intelligentsia cartagineira,
é, pela sua decoração colonial, uma espécie de enclave
habanero na cidade, porque lembra em muitos aspetos
a Velha Havana. Serviram-me o prato do dia, filete de
corvina em tinta de choco, camarões e arroz de coco.
Uma maravilha.
Foi, contudo, Francisco Montoya, do elegante restau­
rante FM, o melhor anfitrião, pois além de me recomendar
95
ACHADO
Os hotéis-boutique
instalados em antigos
casarões ganham merecido
protagonismo em Cartagena,
mas há achados como o da
fotografia: um três estrelas
de cuja piscina se vê a Plaza
de los Coches e a baía.
96
CARTAGENA ESTEVE PARA SER UM DESTINO DE MASSAS,
mas quis o destino, e uma reviravolta há muito esperada na Colômbia, que ganhasse um novo estatuto
hip graças a famílias locais como os Santo Domingo e a figuras como os Clinton.
a cazuela de marisco (cozinhada com leite de coco), ainda
teve tempo para se sentar à mesa e falar um pouco sobre
as particularidades da cozinha cartagineira.
Fora dos restaurantes, e dependendo da curiosidade e
do estômago de cada um, é provável que se deixe tentar
pelo colorido das vendedoras de fruta. As palanqueras,
como também são conhecidas, estão para Cartagena
como as baianas estão para Salvador. Devidamente
paramentadas, elas colocam-se nas esquinas do centro e
não deixam que as fotografem sem a devida contribuição.
Uma troca justa, ao fim das contas.
Os sumos de tamarindo, de ananás ou de goiaba,
entre muitos outros, são uma perdição à parte. Assim
como os gelados da San Lorenzo, onde Bill Clinton se
deixou fotografar a comer um – a mulher, Hillary, numa
outra visita, não repetiu a proeza, mas fez as delícias dos
paparazzi ao ser apanhada em flagrante a dançar, depois
da meia-noite, ritmos cubanos no Cafe Havana. Ninguém
pode acusá-la de não saberem divertir-se.
Ao largo
Como todas as cidades antigas, também Cartagena se viu
perante a necessidade de crescer para lá da sua zona de
conforto. E fê-lo, sobretudo a partir das décadas de 1980
e 1990, de olhos postos noutros exemplos.
Não muito longe do núcleo histórico amuralhado,
o setor turístico de Bocagrande é o caso mais flagrante.
No extremo norte da península que se aventura Caribe
Volta ao Mundo fevereiro 2013
adentro, Bocagrande, com o seu conjunto de arranha-céus, foi construída à imagem e semelhança de Miami e
quem a avista do ar ou do mar quase acredita estar diante
de uma ilusão ótica perfeita. Já de mais perto, com as suas
quadras, condomínios de luxo (as famílias tradicionais
concentram-se numa língua de terra, a sudeste, batizada
de Castillo Grande, onde não se consegue uma casa por
menos de dois mil dólares ao mês), restaurantes, comércio
e discotecas lembra, em certos trechos, a Zona Sul do Rio
de Janeiro. Mas é uma comparação que depressa cai por
terra, pois embora o mar e as praias estejam, para muitos,
à distância de atravessar a rua, não há calçadão, nem
morros, nem corpos esbeltos, nem, tão-pouco, areia branca
e águas cristalinas.
E esta constatação pode ser uma dura desilusão para
quem chega a Cartagena desavisado. Não me entendam
mal: é inegável o seu charme colonial, mas, embora banhada pelo mar das Caraíbas (que se apresenta manso de março
a novembro e revolto nos restantes três meses do ano), não
possui nenhuma praia no seu perímetro urbano digna da
viagem – só mesmo os turistas nacionais pensam assim,
sendo eles os principais fregueses da «Miami colombiana».
Quer isto então dizer que Cartagena, ao contrário do
que é apregoado, não faz jus à sua condição de destino caribenho? Faz, claro que faz. Desde que isso não seja entendido
– ou melhor, confundido – como sinónimo de praias de
cartão-postal. Cartagena vale por muitas coisas, mas não
pelas praias, o que não quer dizer que estas não existam.
DENTRO E FORA
As praias urbanas de
Cartagena não convencem
quem sonha com o Caribe;
para isso há que rumar a
ilhas como as del Rosario
(em cima). Na cidade há
mais o que fazer e ver, como
o hotel de charme La Passion
(à esquerda, em cima) ou
o pôr do Sol no Café del Mar
(à esquerda, em baixo).
99
100
CHARME
Fazendo jus ao carisma
colonial do centro histórico,
existem atualmente vários
endereços de charme nesse
perímetro como o hotel
Quadrifolio (na página ao
lado, em cima, à direita) ou o
restaurante FM (na página ao
lado, em baixo, à esquerda).
Existem, mas para lá chegar é preciso fazer-nos ao mar.
Explico. As melhores praias de Cartagena ficam todas em
ilhas situadas ao largo da cidade, variando a distância e o
tempo que se leva para lá chegar. Mais perto, temos as ilhas
de San Bernardo, um arquipélago de dez ilhas situado a sul,
no golfo de Morrosquillo, que em parte são parque natural
e que possuem como único contra o facto de, consoante a
época do ano, poderem apresentar fortes correntes marítimas; e ainda, a preferida de muitos, ilha de Barú, a que
pode aceder-se de carro (ferry) através do canal del Dique
ou por via aquática atravessando a baía de Cartagena. As
suas praias são de areia fina e clara, possui barreiras de coral,
manguezais e um punhado jeitoso de hotéis.
Mais longe, a cerca de noventa minutos de barco (45
se for de lancha, o que a torna um destino muito procurado para excursões de um dia), o arquipélago das Islas del
Rosario que engloba cerca de 27 ilhas e ilhotas e, pelo seu
extraordinário ecossistema, integra um parque marinho
com uma extensão de 120 mil hectares. Na verdade, os
que ali se deslocam apenas por uma jornada ficam-se
quase sempre pela ilha principal, a Isla Grande, onde está
a infraestrutura turística (numa outra, a San Martín de
Pajares, fica um aquário com espetáculos de golfinhos).
Não é o ideal, mas a Isla Grande reúne os três principais
ecossistemas do arquipélago, a saber: lagos costeiros e interiores, manguezais e bosque tropical seco. Rodeada por
uma banco de corais, a ilha presta-se a banhos e à prática
de mergulho e de snorkeling.
Arrisco acrescentar que, ainda assim, esse nunca será
o forte de Cartagena. Não, pelo menos, quando comparada com outros destinos caribenhos que vivem de e para
a praia. Cartagena é mais do que um destino de praia.
É um destino cultural, histórico e de boa vida. E desta
forma deve ser entendido.
Quase na hora da despedida, com um sol inclemente a
pino (razão pela qual a maioria dos passeios e excursões se
deve realizar pela fresca, de manhã bem cedo ou quando
a tarde já vai alta), vou de lancha até à ilha vizinha de
Tierrabomba, perto da povoação pesqueira de Bocachica,
para visitar um dos seus fortes mais bem preservados, o
de San Fernando e a Bateria del Angel San Rafael. Com
uma localização praticamente inexpugnável, este forte, em
conjunto com o de San Jose, funcionou como prisão e como
um baluarte de defesa. Não havia barco que escapasse ao
seu apertado controlo. Hoje, sem piratas, os turistas são o
alvo preferido. O assédio de antigos pescadores, na tentativa de vender alguma coisa, é forte, quase constrangedor.
Mas Cartagena é assim mesmo.
Intensa. Imperfeita. Exagerada. Temperamental.
Para amá-la é preciso saber, de antemão, que não
poderemos mudá-la. Até porque ela não saberia ser de
outro jeito. n
Volta ao Mundo fevereiro 2013
É AO LARGO DA CIDADE, a uma
distância que varia mas nunca é excessiva,
que encontramos arquipélagos como os de San
Bernardo, Barú ou del Rosario. E ali sim, há praias
dignas da imagem que se faz do Caribe.
101
MUITO COBIÇADA PELA SUA POSIÇÃO ESTRATÉGICA,
Cartagena das Índias foi defendida com unhas e dentes pela Coroa espanhola, o que explica a cidade
muralhada e fortes militares, mesmo ao largo, como o de San Fernando.
102
Volta ao Mundo fevereiro 2013
COMO IR
À falta de ligações aéreas,
até ver, entre Portugal
e a Colômbia, a solução
mais prática será voar até
Bogotá, via Madrid, com a
Iberia (iberia.pt) e a partir
da capital colombiana
apanhar um voo de 1h25
da Avianca para Cartagena
das Índias (avianca.com).
Devido às muitas horas
de voo e à conciliação de
horários, recomenda-se
que preveja, pelo menos,
uma pernoita na capital
Bogotá.
ONDE FICAR
A oferta é variada, mas as
nossas sugestões recaem
em três hotéis-boutique,
instalados em casarões
e edifícios históricos
do centro: Quadrifolio
(hotelquadrifolio.com), La
Passion (lapassionhotel.
com) e Casa San Agustín
(hotelcasasanagustin.com).
Lorenzo Gelateria
e no Portal de los Dulces
(Plaza de los Coches), onde
vendedoras expõem, entre
arcos, bancas com cocadas,
suspiros e guloseimas à
base de doce de leite como
muñecos de leche.
ONDE COMPRAR
Não deixe de conferir
as lojas das ruas Santo
Domingo e San Juan de
Dios, no centro, ou ainda
o artesanato à venda em
Las Bóvedas, entre os
fortes de Santa Clara e
de Santa Catalina. A título
de exemplo saiba que um
chapéu panamá, muito
apreciado por ali, custa
em média dez euros.
DOCUMENTOS NECESSÁRIOS
Passaporte válido.
FUSO HORÁRIO
GMT -5 horas.
MOEDA
ONDE COMER
A par de uma cozinha
mais internacional, há
que provar pelo menos
parte da gastronomia
local. Com mais ou
menos fusão de sabores,
recomendamos o típico
Candé (restaurantecande.
com), o tradicional
La Cocina de Socorro
(lacocinadesocorro), o
afinado El Santísimo
(elsantisimo.com), o
refinado FM (Calle Segunda
de Badillo, n.º 36-151) ou
ainda o incontornável La
Vitrola (Calle del Baloco,
33-01, Centro). Para matar
o desejo de doces, não
deixe de passar na San
Volta ao Mundo fevereiro 2013
A título de referência,
cinco mil pesos
colombianos equivalem
a cerca de dois euros.
NA INTERNET
cartagenadeindias.travel
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