ENTREVISTA DE ANA MARIA DE ARAÚJO FREIRE Jornal do Commercio, Recife, 16 de setembro de 2001. Os últimos dez anos de vida do educador Paulo Freire foram compartilhados com a também educadora Ana Maria de Araújo Freire, sua segundo esposa. Ela veio ao Recife para falar, durante o Ill Colóquio Internacional Paulo Freire, realizado até amanhã na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sobre um dos sonhos do educador: a busca de uma sociedade mais ética. Tema também do livro que lançará em novembro, Pedagogia dos Sonhos Possíveis. “Paulo foi um ser amoroso, iluminado. Quem o conheceu e conversou com ele vai lembrar do toque, porque ele punha a mão no ombro, vai se lembrar do olhar antes de se lembrar das palavras, por mais importantes que tenham sido essas palavras. Mas ele estaria profundamente triste, se estivesse vivo, com o mundo de hoje”, comentou Ana Maria. JORNAL DO COMMERCIO - O tema da sua palestra foi "A reinvenção de uma socieda de mais ética - o sonho possível de Paulo Freire". Que sonho é esse? ANA MARIA DE ARAÚJO FREIRE - O sonho de um mundo mais ético. E Paulo falou tanto disso nos últimos tempos, O sonho dentro da tolerância, do respeito, da amorosidade. Uma das grandes preocupações dele era com a falta de ética. Na terçafeira passada, quando estava revendo meu discurso que faria hoje (ontem), vi pela televisão o atentado em Nova Iorque. Foi uma coisa tão fantasmagórica, tão grandiosamente peversa. Se a gente agora não se prepara para ter valores consistentes e fortes pode desencadear uma série de atos cada vez maiores e mais antiéticos como esse. JC - A senhora acha que é mais fácil, atualmente, pôr em prática o método de alfabetização idealizado por Freire? ANA MARIA - Paulo tinha uma compreensão da educação, uma teoria do conhecimento. Dentro dessa teoria, há o método, que não ensinava somente a palavra, mas a leitura da palavra, ao mesmo tempo em que ensinava a leitura do mundo.Uma educação declaradamente política. Está havendo uma reestruturação do pensamento dele. Com esta situação mundial, ou as pessoas procuram pensadores que iluminem o mundo, para um mundo melhor, ou vamos nos destruir. JC - Na sua opinião, a obra dele, dentro do Brasil, é valorizada como deveria? ANA MARIA - Tem partes do mundo que acreditam mais no que Paulo fez. Aqui no Brasil nós temos um tipo de formação diferente, voltada para as coisas de fora. Eu acho que Paulo vem sendo valorizado em alguns segmentos, mas na sociedade como um todo não. Até porque a nossa sociedade é muito elitista e a elite não quer um pensamento que valorize as relações populares, que deseje melhorar as condições de abandono e de miséria em que vivem as camadas populares. JC - O PT assumiu algumas importantes prefeituras, como a do Recife e a de São Paulo. A senhora acha que será mais fácil, então, colocar a filosofia de Paulo Freire em prática, já que ela se parece com a ideologia do partido? ANA MARIA - Não tive contato nenhum com a prefeitura do Recife, não sei o que está se fazendo aqui. Já em São Paulo estou a par do que está acontecendo. Eu acho que os governos do PT têm as possibilidades e até o dever de continuarem o trabalho de Paulo. JC - Será asssinado um convênio entre universidades nordestinas para preservar e divulgar a obra freiriana. Isso vai ajudar os novos educadores a conhecerem a pedagogia de Paulo Freire? ANA MARIA - Preservar deixando morto, só nas prateleiras, não serve de nada, pois ela passa a não ter valor. Toda teoria só é válida quando posta em prática. Os governos populares, os centros de trabalho, como o que exist e na UFPE e leva o nome de Paulo Freire, além das universidades, são vitais para a continuação e revitalização da obra de Paulo. Por isso o convênio é importante.