História, imagem e narrativas
No 12, abril/2011 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
O código secreto nos mitos ancestrais
Lúcia D. Torres
Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa
Unipaz-Sul
[email protected] Resumo: a descoberta do fenômeno astronômico conhecido como a precessão dos equinócios está associada a
Hiparco no ano 149 d.c. Entretanto, pesquisas mitológicas indicam que este conhecimento é bem mais remoto e
antigo do que a ciência oficial reconhece. A reinterpretação destes mitos pode nos levar a mudanças no ponto de
vista do “conhecimento” oficial da História.
Palavras – chave: mitologia, precessão dos equinócios, mitos diluvianos
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Decifra-me ou te devoro
Tal qual Édipo diante da Esfinge, o homem moderno vê-se diante de uma série de
enigmas míticos e simbólicos de intricada solução. Encontramos monumentos em forma de
pirâmide (tanto na superfície de nosso planeta quanto nas profundezas submersas dos oceanos
da Terra, ou ainda na superfície de Marte), que desafiam nossa lógica e nossos conhecimentos
arquitetônicos. Temos registro de mapas antigos que já assinalavam continentes que só foram
descobertos séculos mais tarde; contatamos com povos ágrafos que têm um sistema complexo
de conhecimento estelar (como os Dogons na África e os Guaranis, no Brasil), sem falar nos
mitemas presentes nas narrativas de civilizações que se encontram muito distantes tanto no
tempo quanto no espaço (como nos mitos do Dilúvio, por exemplo).
Aparentemente caóticos ou absurdos, estes dilemas nos inquietam, causando
desassossego a muitas gerações de pesquisadores. Parecem ser vestígios de um legado
universal, cujos “ elos perdidos” desafiam tanto a nossa curiosidade quanto a nossa ignorância
e vigiam-nos, pacientemente, à espera que nossa inquietação nos leve a inusitadas
descobertas. Nas palavras de Carl Sagan:
“Que alegria deve ser abrir este canal de comunicação de mão única com outras
civilizações, permitindo que uma cultura, muda por milênios, possa falar de sua história,
magia, medicina, política e filosofia.
Hoje estamos novamente procurando mensagens de uma civilização antiga e exótica,
dessa vez oculta para nós não apenas no tempo, mas também no espaço. Se fôssemos receber
uma mensagem de rádio de uma civilização extraterrestre, qual a possibilidade de ela ser
compreendida? A inteligência extraterrestre será sofisticada, complexa, internamente
consistente e totalmente estranha. Extraterrestres desejariam, é claro, enviar-nos uma
mensagem tão compreensível quanto possível. Mas como ? Existirá, de qualquer modo, uma
Pedra de Roseta interestelar ?
Acreditamos que sim. Acreditamos haver uma linguagem comum a qualquer
civilização técnica, não importa quão diferente possa ser. Essa linguagem comum é a ciência
e a matemática. Os padrões da natureza são os mesmos em todos os lugares.” (SAGAN,
1992, p. 321)
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Contudo, esta aludida “linguagem comum” vai além da ciência e da matemática, pois
bem antes dos números e das letras emergiram os símbolos, as pinturas rupestres, as
esculturas... ou seja, a arte como a verdadeira linguagem que atravessou os milênios e se
manteve intacta na herança iconográfica de nossos ancestrais.
Este legado parece oferecer muitas pistas acerca de nossa condição humana e de nossa
trajetória planetária. Estudiosos e pesquisadores têm-se debruçado nestas questões, já há
alguns séculos, procurando a “pedra roseta” que possa decifrar, de forma definitiva, algumas
lacunas que insistem em permanecer irresolutas. No meu ponto de vista, a gênese da
impotência parece estar no jeito de formular as perguntas, ou seja, nos paradigmas que
orientam estas pesquisas. Afinal de contas, como é sobejamente sabido, o modo de olhar
estrutura o que é visto.
Lembremos que o símbolo, per si, é plural, impossível de ser reduzido a uma única
interpretação. A arte, os mitos e qualquer forma de expressão simbólica impõem uma
multiplicidade de vozes porque esta é sua condição essencial. E talvez, justamente por isto,
consigam manter aspectos ocultos naquilo que parece óbvio. E, talvez, justamente por isto,
atravessem os milênios imperturbavelmente, à espreita da sincronicidade que poderá revelar o
que sempre esteve contido.
“À espreita do pêndulo cósmico” – o fenômeno 2012
Uma constante na história do cinema é a produção de filmes apocalípticos ao estilo de
Roland Emmerich (Independence Day e 2012). Entretanto, não é um fenômeno isolado este
tipo de expressão simbólica, pois encontramos narrativas escatológicas em diversos povos e
civilizações ao redor do mundo.
O interesse e a mobilização que causam estes temas, tão atuantes no nosso imaginário,
já vêm sendo mapeados por diversas análises antropo-sócio-psicológicas.
Em alguns dos mitos mais impressionantes e duradouros que herdamos dos tempos
antigos, parece que a nossa espécie reteve uma recordação confusa, mas persistente,
de uma pavorosa catástrofe global. De onde vêm estes mitos ? Por que, embora
procedam de culturas sem relação entre si, seus temas são tão parecidos ? Por que
estão embuídos de um simbolismo comum ? E por que falam, com tanta freqüência,
dos mesmos personagens e enredos padronizados ? Se são realmente memórias, por
que não existem registros históricos das catástrofes planetárias a que parecem aludir ?
Poderia acontecer que os próprios mitos sejam registros históricos ? Poderia acontecer
que essas histórias interessantes e imortais, compostas por gênios anônimos tenham
sido o meio usado para conservar informações desse tipo e transmiti-las ao longo do
tempo antes que começasse a história documentada? (HANCOCK, 2010, p. 205)
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Parece que não há um mito mais globalizado do que o do Dilúvio – encontramos estas
narrativas na Suméria (Epopéia de Gilgamesh), no México, no Popol Vuh (livro sagrado dos
Maias), entre os Chibcas (Colômbia), os Canarianos (Equador), os Tupinambás (Brasil), os
Araucnaianos (Chile pré-colombiano), os Yamanas e Pehenches (Terra do Fogo), os Inuítes
(Alasca), Dakotas (América do Norte).
Além de alguns elementos comuns (destruição do mundo pela água, barcos que são
construídos, um casal que se salva protegendo sementes e animais), os múltiplos do número
12 (como 36, 72, 108, 432 ...) também são recorrentes nestas narrativas. E aqui parece que
Carl Sagan anteviu a estratégia destes povos antigos, pois no momento em que a raça humana
conhecesse os números PI e PHI , conseguiria discerni-los entre as metáforas e alegorias
presentes nos mitos de diversas culturas ao redor do mundo. Eis um código que poderia ser,
(quase) sempre, decifrado.
Em todo o mundo são conhecidas mais de quinhentas lendas que falam do dilúvio e, em
um levantamento de oitenta e seis delas (vinte na Ásia, três na Europa, sete na África,
quarenta e seis nas Américas e dez na Austrália e no Pacífico), um pesquisador
especializado, Dr. Richard Andree, concluiu que sessenta e duas eram inteiramente
independentes das versões mesopotâmias e hebraicas. (HANCOCK, 2010, p.211-212)
Nas palavras de Eliade:
Provavelmente estamos diante de uma fonte comum e bastante arcaica. (...) Mas seria
imprudente explicar um mito tão difundido por meio de fenômenos cujos traços
geológicos não foram encontrados. A maioria dos mitos diluvianos parece de alguma
forma fazer parte do ritmo cósmico: o “velho mundo” povoado por uma humanidade
decaída é submerso nas águas e, algum tempo depois, um “mundo novo” emerge do
caos aquático. (ELIADE, 2010, p. 71).
Na mesma direção, ultimamente temos presenciado a
repercussão
das ditas
“Profecias Mayas” que ganharam um acentuado destaque na mídia pois assinalam o final de
um grande ciclo em 2012. Sendo uma efeméride tão próxima, isto já é motivo suficiente para
especulações de todos os níveis.
Mas o que todas estas narrativas míticas e profecias poderiam ter em comum, afinal
de contas ?
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Mais do que um código secreto, um alerta
Como profetizado em The Poetic Edda:
Quinhentas e quarenta portas existem,
Eu suponho, nos muros de Valhala;
Oitocentos lutadores através de cada porta passam
Quando partem para guerrear com o Lobo.
540 x 800 = 432.000, o que nos Puranas hindus, ou “Crônicas da Antiga
Tradição”, é o número estimado de anos de duração da Kali Yuga, o presente ciclo de
tempo, considerando o último e mais breve dos quatro ciclos que juntos formam um
“Grande Ciclo” , ou Mahayuga, de 4.320.000 anos, que deverá terminar em um
dilúvio universal. Os Puranas datam de c. 400 a 1000 a.D.; os versos édicos de c. 900
a 1100 a.D. A pergunta óbvia a ser feita, portanto, é: que coincidência pode ter
levado esse número a aparecer tanto na índia quanto na Islândia, em associação com
uma mitologia de ciclos recorrentes de tempo ? (CAMPBELL, 2002, p. 127 )
Segundo Campbell, estes números já teriam chamado a atenção de alguns
pesquisadores como Hilpretcht (1906): “todas as tábuas de multiplicação e divisão das
bibliotecas templárias de Nippur e Sippar e da biblioteca de Assurbanipal são baseadas em
12.960.000. E 12.960 x 2 = 25.920.” ; e Alfred Jeremias (1909), que, segundo ele, foram os
primeiros a reconhecer estas conexões:
Se esta interpretação é correta e o número realmente se refere à precessão (...) então isso prova
que, antes de Hiparco, havia-se chegado a um cálculo preciso da precessão que mais tarde foi
esquecido. É de fato incrível que os babilônios, experientes como eram na observação dos
céus, não tenham deduzido a partir da diferença entre observações anteriores e posteriores uma
mudança no ponto equinocial... Tão logo a posição do sol durante o equinócio de primavera
tornou-se um ponto de observação, a precessão, durante séculos deve ter sido percebida... Na
verdade, no decorrer de um ano, ela chega a 50 segundos, e, durante períodos mais longos não
é possível que tenha sido ignorada”. (CAMPBELL, 2002, p. 143)
“É possível estarmos todos errados?
É possível (...) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível
que se tenha tido milênios para olhar, refletir e anotar e que se tenha deixado passar os milênios
como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã? Sim,
é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da
filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa
superfície - que, apesar de tudo, seria qualquer coisa - com um pano incrivelmente aborrecido,
de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão? Sim, é possível.
É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado
seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre
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uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam,
porque se tratava de um desconhecido que morreu? Sim, é possível.”
(Rainer Maria Rilke)
Um breve olhar na precessão dos equinócios
Oficialmente, diz-se que este movimento que a Terra executa, a partir de seu próprio
eixo, foi percebido pelo astrônomo grego asiático Hiparco de Bitínia, no ano 129 a. C. (em
um tratado cujo nome é “ Sobre o deslocamento dos sinais solsticiais e equinociais”). E que
tal “descoberta” foi decorrência de suas observações celestes a partir de medições feitas
anteriormente por Timocharis de Alexandria (320 – 260 a.C).
O diâmetro equatorial da Terra é cerca de 40 km maior do que seu diâmetro polar.
Nosso planeta é achatado nos pólos, não sendo completamente esférico. Além disso, o plano
do equador terrestre está inclinado 23° 26' 21,418" em relação ao plano da eclíptica, que por
sua vez está inclinado 5° 8' em relação ao plano da órbita da Lua.
Em 273 a.C, Spica ( alfa de Virginis) estava a 172º do ponto vernal, mas Hiparco
media 174º. Logo, ele concluiu que o ponto vernal havia se movido dois graus em 144 anos.
Note-se que o conceito do deslocamento do eixo da Terra à razão de um grau a cada 72 anos
ao longo das constelações foi anunciado posteriormente, em 1526 dC.
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A interface dos mitos com a precessão dos equinócios
Eis que adentramos num terreno escorregadio ou ainda, num campo minado. A
maioria dos pesquisadores que se debruçam nos assuntos relacionados às culturas antigas
desconhece astronomia e mecânica celeste e, obviamente, nem concebe incluir o
conhecimento astrológico como um saber respeitável como outro qualquer. Em sua grande
maioria, pensam que são áreas do conhecimento distintas e independentes, quase excludentes
entre si. Eis um dos motivos para a inviabilidade de se encontrar a tal “pedra roseta” que
possibilitaria a tecitura de todas estas interligações que o Cosmos oferece.
A postura de Joseph Campbell ainda é um eco no deserto:
“ (...) o padre caldeu Beroso, um século e meio antes do tempo de Hiparco, já havia
considerado a sério o número 432.000 como também o haviam feito, nessa época, os
compiladores do Gênese 5-7, cujo ciclo antediluviano de exatamente 1.656 anos compartilhava
um fator com o de Beroso, o crítico termo precessional 72. A possibilidade ainda mais antiga
sugerida por Hilprecht e Jeremias, de uma antecipação suméria a tudo isso, no terceiro
ou quarto milênio antes de Cristo, não foi, que eu saiba, examinada mais a fundo ou
mesmo seriamente discutida”1 (CAMPBELL, 2002, p. 143)
Como este livro de Campbell reúne ensaios escritos entre 1959 e 1987, parece que ele
não considerou o trabalho de Santillana e Von Deched2. E, em se tratando de um tema como
este, esta obra não pode ser ignorada.
Os pequisadores Giorgio de Santillana (italiano - filósofo e historiador da Ciência) e
Hertha Von Dechend (alemã - etnológa, filósofa, historiadora e arqueóloga), ambos PhD,
conheceram-se em 1958, em Frankfurt, durante um simpósio organizado por Willy Hartner
no Institut für Geschichte der Naturwissenschaften. Embora existam diferentes versões sobre
este inusitado encontro, parece que ambos vinham pesquisando o tema dos mitos ancestrais
por diferentes metodologias e chegaram, de maneira independente, à mesma conclusão de que
estes mitos, em todo o mundo, no final da pré-história, utilizavam metáforas para descrever
fenômenos celestiais, em especial a precessão dos equinócios. A primeira edição desta obra,
1
Grifo nosso.
2
The Hamlet’s Mill , 1969 7 História, imagem e narrativas
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norte- americana, é de 1969. As edições posteriores, alemã (1993) e italiana (1999), são bem
mais documentadas que a edição original.
Seja como for, o livro expressa uma maneira de observar o processo histórico um tanto
arrojada e conflitante com o paradigma acadêmico ainda hoje vigente, sugerindo que nossos
antepassados eram dotados de mentes tão racionais quanto às nossas, que eles eram
particularmente fascinados por observações astronômicas e que fizeram muitas descobertas.
Também afirmam que a precessão dos equinócios é muito mais antiga do que supomos, já que
nossa referência é a data grega, e foi descoberta por uma civilização ancestral extremamente
sofisticada (talvez muito anterior a 4.000 aC). No ponto de vista destes autores, esta
civilização acreditava que o mundo passou por várias fases cíclicas e estágios zodiacais
baseados na precessão dos equinócios e que os mitos que codificam este conhecimento
astronômico simbolicamente transmitem esta crença geralmente através de uma história
relativa a uma pedra de moinho e a uma jovem protagonista.
Sugerindo uma visão transcultural, o livro recebeu sérias críticas como sendo “um
conhecimento
especulativo
que
nenhuma
Universidade
publicaria”,
(http://members.westnet.com.au/Gary-David-Thompson/page ) ou ainda que não tem bases
sólidas na sua argumentação, não sendo considerado um trabalho acadêmico “sério”.
A arqueo-astronôma Jane B. Seller foi uma das poucas estudiosas a submeter a teste a
teoria proposta por Santillana e Von Dechend no Hamlet’s Mill.
Em sua obra “Morte dos
Deuses no Egito Antigo”, ela abre seu livro com uma citação desta controvertida obra: "Não
são crenças e religiões que circulam ao redor e lutam uma com a outra sem descanso, o que
muda é a situação celeste.”3
E no seu prefácio, escreve que seu livro se propõe a ser:
(...) uma investigação sobre a primeva capacidade humana de observar, medir e prever as
mudanças celestes que resultam de um fenômeno chamado precessão dos equinócios. É
também uma investigação sobre os escritos religiosos de épocas históricas e uma pesquisa das
indicações de uma consciência da alteração contínua dos céus. Os estudiosos da pré-história
sugerem que o homem primitivo não observava regularmente os movimentos celestes, menos
ainda, recordava ou transmitia este tipo de informação.
Tem sido afirmado que, mesmo no início dos tempos antigos, observadores celestes não
teriam notado as mudanças trazidas pela precessão.
3
Idem nota número 2.
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Uma apreciação das simples observações necessárias para a realização deste movimento irá
desenvolver uma compreensão do tempo de chegada alterado de grupos de estrelas-chave, uma
chegada tardia que resulta deste fenômeno.
A consideração de que a religião egípcia tinha, em suas raízes, a consciência de tais mudanças
torna difícil ignorar que esse conhecimento é seguro.
(SELLERS, 2003)4
Entretanto, Jane Sellers vivencia a frustração de ter dedicado-se a uma pesquisa ao
longo de quatorze anos e publicado sua obra sem ter recebido o reconhecimento acadêmico
que esperava.
E, como se não bastasse, ironia do destino, seu livro ganhou fama por ter sido uma
referência utilizada por Hancock5 e Bauval6 nas obras deles. O que levou a autora a se
posicionar de forma veemente contra “o mal uso” de suas pesquisas por parte destes autores.
Fiel ao paradigma mecanista-cartesiano, ela reafirma que tem muito interesse em astronomia e
nenhum interesse em astrologia:
“I have always been apologetic and embarrassed by the astrological overtones
suggested by the necessary discussion of star groupings (the zodiac) in the ecliptical
belt (the path of the sun), for I have no personal interest in astrology. I do have a
strong interest in astronomy.” (SELLERS, 2003)7.
Assim, ela prefere manter-se leal ao paradigma vigente e seu comentário acerca do
Hamlet’s Mill é que ele apresenta uma “complexa, mas frustrante análise dos grandes mitos
universais. (os autores) colocam força na conclusão de que todos eles têm uma origem
comum e que o fenômeno conhecido como precessão dos equinócios é a base para muitas
estórias ancestrais que lidam com a morte dos deuses e suas ressurreições subseqüentes.”
Para sustentar sua ótica, Jane busca apoio em James Frazer : “jamais podemos nos
colocar totalmente na psique do homem antigo, nós nunca sentiremos a maravilha e o terror
de eventos inexplicáveis que aceleraram seu coração e percorreram sua mente”. Não obstante,
4
Tradução livre. Material disponível em: http://www.thesellersplace.com/egyptian-eclipses/. Acesso em:
10/04/2011.
5
Em “As digitais dos deuses”. Rio de Janeiro: Record, 2010; e “O código da esfinge”. New York: Three Rivers
Press, 1996. 6
Em parceria com Adrian Gilbert, em “The Orion Mistery”. New York: Three Rivers Press, 1996.
7
Material disponível em: http://www.thesellersplace.com/egyptian-eclipses/. Acesso em: 10/04/2011.
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reconhece quase forçosamente que, ‘ apesar da publicação deste livro ter acontecido logo após
a morte de Santillana, o interesse por sua teoria não morreu.” 8
Talvez o que incomode, mesmo, no livro de Santillana e Von Deuchend seja sua
ousadia. Lá pelas tantas, encontramos, em “Um guia para a perplexidade”, o seguinte:
Este livro é altamente inconvencional... (...) Para começar, não existe um sistema que
possa ser apresentado em termos analíticos modernos (...) pode ser considerado uma
pura estrutura de números. (...) O assunto tem a natureza de um holograma, algo que
está presente como um todo na mente (...) O pensamento arcaico é a primeira e última
cosmografia, ele toca a mais grave implicação do cosmos de maneira que reverbera na
filosofia clássica posterior. A implicação principal é uma profunda consciência que a
fabrica do cosmos não é somente determinada mas predeterminada de uma maneira
que não permite uma simples localização de qualquer um de seus agentes sejam eles
magia simples ou astrologia, forças, deuses, números, forças planetárias, Formas
Platônicas, Essencias Aristotélicas ou Substâncias Estóicas. A realidade física, aqui,
não pode ser analisada no sentido cartesiano, não pode ser reduzida a concretude,
mesmo que equivocada. Ser é mudança, movimento e ritmo, o irresistível ciclo do
tempo, a incidência do “momento certo’ como determinado pelos céus.“ (Disponível
em:
www.bibliotecapleyades.net/hamlets_mill/hamletmill.htm.
Acesso
em:
10/04/2011)
Se ainda hoje, em pleno século XXI, a visão transdisciplinar ainda encontra
resistências e críticas, imagine-se em 1969 defender que “o assunto tem a natureza de um
holograma”!
Seja como for, parece que, de uma maneira ou outra, já é um consenso que muitos
mitos apocalípticos têm cifrado em sua simbologia os números que indicam a mudança da
precessão dos equinócios. E que estes são grandes ciclos de aproximadamente 26.000 anos,
onde o indicador de mudanças gira tanto em torno da metade do ciclo, treze mil anos, quanto
na sua completude. De acordo com algumas mitologias, como a dos Mayas, estaríamos nos
encaminhando para a finalização de um destes grandes ciclos de aproximados 26 mil anos.
Parece que o alvorecer deste novo século nos recebe com inquietantes questões a
serem respondidas no que diz respeito a este código numérico secreto que se encontra em
muitos dos mitos ao redor do mundo.
8
Idem nota número 7.
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E que, não obstante a nossa (in) consciência, as leis cósmicas continuarão operando
independentemente do nosso sistema de crenças e ou zeigeist legitimado pelo status quo do
momento.
Talvez seja a hora de se retomar estas pesquisas, buscando reunir vários saberes que
ressignifiquem o material já documentado exaustivamente por todos estes estudiosos,
consolidando uma visão que integre diferentes áreas do conhecimento.
Talvez tenhamos logrado uma postura de abertura e tolerância, sem nos esquecermos
do rigor, como nos lembra Basarab Nicolescu, no Manifesto da Transdisciplinaridade.
Talvez estejamos num ponto de mutação enquanto espécie, enquanto coletivo, e
possamos realmente integrar os conhecimentos de uma sabedoria milenar com os de uma
ciência secular.
Ou talvez o pêndulo cósmico anuncie, simples e inexoravelmente, que grande parte da
humanidade estará, mais uma vez, atravessando a fenda galáctica de uma maneira totalmente
inconsciente e desavisada, que o Universo seguirá seu ritmo de criação e dissolução, e que,
realmente, não há nada de novo sob os céus, conforme profetizou o Eclesiastes.
Referências Bibliográficas
CAMPBELL, Joseph. Mitologia na vida moderna:ensaios selecionados. Rio de Janeiro:
Record:Rosa dos Tempos, 2002.
SELLERS, Jane B. Morte dos deuses no Antigo Egito – um ensaio sobre a religião egícia e a
armação do tempo. 3ª. edição, 2003
ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas – I – da idade da pedra aos
mistérios de Elêusis. RJ, Zahar, 2010.
HANCOCK, Graham. As digitais dos deuses. 3ª.edição. Rio de Janeiro, Record, 2010.
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SANTILLANA,
G.
e
DEUCHEN,
Hertha
Von.
Hamilet’s
Mill
(www.bibliotecapleyades.net/hamlets_mill/hamletmill.htm -)
SAGAN, Carl. Cosmos. Belo Horizonte:Villa Rica; Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
REFERÊNCIAS NA INTERNET
Site oficial de Jane Sellers - www.thesellersplace.com
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