: LERCOMOSCINCOSENTIDOS Mafalda Milhões mafalda.milhõ[email protected] Um cesto cheio de Histórias “Era uma vez uma menina que tinha três anos. Os olhos eram azuis e o sorriso era gigantesco e terno ao mesmo tempo. Na cabeça crescia um cabelo novo, uma espécie de penugem que veio substituir o cabelo velho.” “Era uma vez um menino muito chateado com o mundo, que gostava de ouvir e contar histórias.” “Era uma vez muitos pais que se esquecem de pôr os cintos aos filhos sempre que andam de carro...” Quando chego ao hospital as enfermeiras costumam gritar: “Chegou a Mafalda, vamos ouvir uma história!” Sinto-me sempre uma rainha quando sou anunciada aos berros pelos corredores do hospital. A caminho da sala vou perdendo a altura, a pose, os anéis, o vestido bordado a ouro e a coroa. Quando chego à sala ou aos quartos, de mim resta apenas a Mafalda que leva na mão uma cesta cheia de livros, um sorriso no rosto e o coração apertadinho. Já perdi a conta às vezes que entrei nos hospitais, mas nunca perdi o medo de ouvir o que não quero. Com vontade de estar com todos a contar e a ouvir, sei que o objectivo destas visitas é levar a rua, os barulhos, as histórias e os contos a quem vive isolado de tudo e todos. Umas vezes trocamos segredos, outras contamos anedotas, outras não dizemos nada e outras contamos histórias do princípio ao fim. Vou sempre com tempo para não entrar ou sair a correr, afinal quando visitamos os amigos não há pressa para vir embora. No cesto levo livros para bebés, contos tradicionais, histórias do dia-a-dia, um jornal cheio de notícias, objectos que contam histórias, fotografias, jogos e um ou outro brinquedo. Quando tenho tempo levo bolos e bolachas que eu mesma faço. Não existem segredos para fazer este trabalho, também não existem as histórias mais indicadas ou os livros certos para levar para o hospital. Tudo depende do dia, da hora e da disponibilidade do público que está ou não à minha espera. É importante estar seguro e preparar a visita, mas temos de ter consciência de que o objectivo final não é fazer um brilharete mas sim estarmos disponíveis, para brincar e estar um bocado com os pais, os filhos e a equipa hospitalar que tão bem nos recebe. Gosto de contar histórias de animais, de princesas e meninas que não gostam de comer a sopa. Gosto de contar contos que me contaram e continhos de ratinhos. Gosto de provocar sorrisos e ouvir confidências. Agora que sou mãe, gosto de pensar que faço companhia aos filhos dos outros e penso muitas vezes que se fosse eu a estar do outro lado ficaria contente se alguém fizesse o mesmo por mim e pelos meus. Agora, mais que nunca, sinto que todo este trabalho faz todo o sentido. Para terminar queria dedicar este artigo ao Mauro, um menino como tantos outros que nos ensinou a todos o valor da vida. 59 Cadernos de Educação de Infância nº78 . Ago/06