COMPETÊNCIAS
PARA A VIDA
O currículo começa na escola
COMPETÊNCIAS
PARA A VIDA
O currículo começa na escola
Apoio
Índice
1. A função dos heróis na educação ..................................................................7
2. Competências para a vida: o currículo começa na escola .............................12
3. Conhecer o mundo das profissões ..............................................................14
3.1. “Os caminhos do conhecimento” ........................................................14
3.2. Medo de fracassar por não ser “original” e o mito do “homem que se
faz sozinho” ................................................................................................15
3.3. Como lidar com as expectativas da família ...........................................17
3.4. Integrar o prazer com a realização profissional e financeira ....................17
3.5. O perigo de ficarmos presos a preconceitos que limitam nossos
horizontes de opções .................................................................................18
3.6. Códigos da Modernidade .....................................................................19
4. Comunicação ...............................................................................................22
4.1. Odisséia- Reflexões Cantos I e II ...........................................................22
4.2. A Lenda das Areias ...............................................................................25
4.3. Reflexões: Lenda das Areias .................................................................27
5. Trabalho em Equipe - Cooperação ..............................................................28
5.1. O Túnel – Reflexões ..............................................................................28
5.2. O Afogado mais bonito do mundo- Reflexões ......................................33
6. Empreendedorismo .................................................................................37
6.1. A Cidade dos Cinco Ciprestes ...............................................................38
6.2. Reflexões: A cidade dos cinco ciprestes ...............................................40
6.3. Reflexões “O conto da ilha desconhecida” ...........................................40
6.4. Relação entre os dois contos ................................................................42
7. Liderança .....................................................................................................43
7.1. Autoconhecimento e espírito coletivo .................................................43
7.2. Capacidade de Análise, Decisão e Execução ........................................44
7.3. Autoconfiança e Paixão pelo que faz ....................................................45
7.4. Cercar-se dos melhores .......................................................................45
7.5. Conhecimento .....................................................................................45
7.6. Exercendo a liderança ..........................................................................46
7.7. Filme Doze Homens e uma Sentença ...................................................47
Operário em Construção .................................................................................51
1. A função dos heróis na educação
O 1º Seminário Internacional de Mobilização Social pela Educação,
que ocorreu em Fortaleza nos dias 12, 13 e 14 de outubro de 2011, despertou em nós, do Círculos de Leitura, uma intensa vontade de continuar
unindo esforços para compartilhar nossas experiências.
Nesse encontro, colocamos em prática o provérbio africano que diz:
“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. O Seminário
transformou-se nessa aldeia, onde todos nós estávamos unidos pelo
mesmo objetivo. Partindo da ideia de que, em uma aldeia, cada um possui uma função, gostaríamos de trazer nossa contribuição relacionando
três autores trabalhados nos Círculos de Leitura - Homero, Nietzsche e
Hannah Arendt - para refletir sobre a importância das histórias e dos
heróis na constituição da identidade da criança.
Os gregos valorizavam as histórias como uma forma de preservar e
transmitir o conhecimento pelo encantamento e fascínio que exerciam,
e por seu poder de comunicação. Antes da educação formal, os jovens
gregos precisavam saber de cor a Odisséia. Os aedos tinham a função de
ir de casa em casa contando as façanhas dos heróis; sabiam a importância de manter viva a memória dos seus ancestrais e o quanto eles são
fundamentais para a formação de nossa identidade. Ao compartilhar
essa herança comum, cria-se o sentimento de pertencer a algo maior
que transcende a individualidade. Conhecer as histórias dos nossos antepassados é conhecer a própria essência humana.
Para a filósofa Hannah Arendt, existem dois nascimentos: o nascimento biológico e o nascimento para o mundo, ou seja, para o conjunto
de realizações humanas. Esse segundo nascimento ocorre quando somos apresentados a essas realizações e nos sentimos herdeiros delas.
Nesse sentido, a essência da educação “é a natalidade, o fato de que
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os seres nascem para o mundo. (...) Na medida em que a criança não
tem familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la aos poucos a ele;
na medida em que ela é nova, deve-se cuidar para que essa coisa nova
chegue à fruição em relação ao mundo como ele é.” O mundo é histórico: na memória do passado reside a profundidade da nossa existência
e é para este legado histórico que as crianças precisam ser iniciadas. O
movimento que representa o segundo nascimento acontece quando a
criança conhece as histórias, assim, ela sai do ciclo da natureza que se
repete eternamente e pode criar algo novo.
Na obra “Assim falou Zaratustra”, Nietzsche descreve o processo de
transformação do espírito, dividido em três etapas. O primeiro estágio
é representado pelo camelo, o espírito da suportação, que escolhe seu
herói e se ajoelha diante dele, pedindo para carregar o que há de mais
pesado. Nessa primeira etapa, o camelo fica maravilhado com a carga
que recebe e se identifica profundamente com seu herói.
“O que há de pesado?”, pergunta o espírito de suportação; ajoelha
como um camelo e quer ficar bem carregado.
“O que há de mais pesado, ó heróis”, pergunta o espírito de suportação, “para que eu o tome sobre mim e minha força se alegre?
Todo esse pesadíssimo fardo toma sobre si o espírito de suportação;
e, tal como o camelo, que marcha carregado para o deserto, ele marcha
para o seu próprio deserto.”
O espírito de suportação, tal como um camelo, rumina essa carga e a
digere; e, no espaço íntimo de seu ser, ocorre a segunda transformação:
“Mas, no mais ermo dos desertos, dá-se a segunda metamorfose: ali
o espírito do camelo se transforma em leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser senhor em seu próprio deserto.
Qual é o grande dragão, ao qual o espírito não quer mais chamar
senhor nem deus? ‘Tu deves’, chama-se o grande dragão. Mas o espírito
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do leão diz: ‘Eu quero’.
‘Tu deves’ barra-lhe o caminho, lançando faíscas de ouro; animal de
escamas, em cada escama resplende, em letras de ouro: “Tu deves!”’
O leão representa a força que é necessária para que o espírito seja
capaz de se opor àquilo que outrora amou e o ajudou a crescer, para
“conquistar o direito de criar novos valores. Criar novos valores – isso
também o leão ainda não pode fazer, mas criar para si a liberdade de
novas criações – isso o poder do leão pode fazer.”
“Conseguir essa liberdade e opor um sagrado “não” também ao dever: para isso, meus irmãos, precisa-se do leão. (...)”
O encantamento inicial vivido no encontro anterior do camelo com o
herói se transforma em confronto entre a força do leão (“eu quero”) e a
autoridade do dragão (“tu deves”). nesse jogo de forças opostas não é
possível um acordo e faz-se necessária a separação. Nesse momento, a
separação é vivida como uma ruptura com o já conhecido e se não ocorrer cria-se espaço para o ressentimento. Separar-se é difícil e para isso
é preciso a força do leão. Nietzsche diz que “retribui-se mal ao mestre
quando se permanece sempre e somente discípulo.” A separação, nesse
caso, é uma abertura para o novo e o discípulo pode colocar em prática
o que aprendeu com seu mestre e conquista a liberdade de criar.
A terceira etapa é a transformação do leão em criança: “Mas dizei,
meus irmãos, que poderá ainda fazer uma criança, que nem sequer pôde
o leão? Por que o rapace leão precisa ainda tornar-se criança?
Inocência é a criança, e esquecimento: um novo começo, um jogo,
uma brincadeira, uma roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer ‘sim’.
Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado
‘sim’: o espírito, agora, quer a sua vontade.
Nomeei-vos três metamorfoses do espírito: como o espírito tornou-se
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camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.”
Finalmente a criança pode dizer o “sagrado sim” ao mundo e, nesse
movimento de entrega, sua potência se afirma e se amplia. Após ter vivenciado todos esses estágios, a pessoa sente-se pertencente ao mundo
e pode agir e criar coletivamente. Se no primeiro momento as identidades estavam definidas (camelo, leão, dragão), agora o que existe é a
consciência do todo, que abre espaço para a criação. Para Nietzsche, a
grande conquista do espírito humano é chegar ao estágio da “criança”,
da “inocência”.
Esse estágio da “criança” de Nietzsche estaria representado na figura
do “herói” de que nos fala Hannah Arendt em “A Condição Humana”:
“O herói revelado pela história não precisa ter qualidades heróicas; originalmente, isto é, em Homero, a palavra herói era apenas um modo de
designar qualquer homem livre que houvesse participado da aventura
troiana. Em Homero, a palavra heros sem dúvida implicava distinção,
mas uma distinção que estava ao alcance de qualquer homem livre. Em
nenhum momento tem o significado ulterior de “semideus”, resultante
talvez da deificação dos antigos heróis épicos e do qual se podia contar
uma história. A conotação de coragem, que hoje reputamos a qualidade
indispensável a um herói, já está, de fato, presente na mera disposição
de agir e falar, de inserir-se no mundo e começar uma história própria. E
esta coragem não está necessariamente nem principalmente associada
à disposição de arcar com as conseqüências; o próprio ato do homem
que abandona seu esconderijo para mostrar quem é, para revelar e exibir sua individualidade, já denota coragem e até mesmo ousadia.1”
Esses três autores nos mostram de diferentes formas, a função dos
heróis na constituição da identidade da criança. Na Grécia, essa tarefa
¹ Arendt, Hannah. A condição humana. p. 99
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era realizada pelos aedos por meio da tradição oral. Nietzsche, através
de uma alegoria, mostra a importância dos heróis no processo de formação e de auto-transformação. Arendt, por sua vez, convoca todos nós,
a “aldeia inteira”, a apresentar seus heróis às crianças. Para ela, essa
tarefa é desempenhada pela tradição: é conhecendo o passado que algo
novo pode ser criado. A consciência da totalidade do passado, quando
internalizado, possibilita que a criança se entregue confiante ao mundo,
leve, “dançante”.
Nas palavras de Hannah Arendt¹: “O papel do adulto consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste (...). Face
à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes
adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: - Isso é o nosso mundo. (...) O que nos diz respeito, é que não podemos portanto delegar à
ciência específica da pedagogia, é a relação entre adultos e crianças em
geral ou, para colocá-lo em termos ainda mais gerais e exatos, nossa
atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante
o nascimento. A educação é o ponto em que decidimos se amamos o
mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e com
tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável, não fosse a renovação
trazida pelos jovens. A educação é também onde decidimos se amamos
nossas crianças o bastante para não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos e, tampouco, arrancar de suas mãos
a oportunidade de empreender alguma coisa nova imprevista para nós.
Educação é prepará-las com antecedência para a tarefa de renovar o
mundo comum a todos.
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2. Competências para a vida: o currículo
começa na escola
As empresas valorizam as pessoas que chegam preparadas para o
trabalho.
A escola tem uma missão específica: preparar os jovens para a vida
em sociedade. O aprendizado nos torna livres para fazer as nossas escolhas, e uma das etapas mais importantes de nossas vidas é a escolha
profissional. Todas as profissões exigem competências básicas – como
comunicação, trabalho em equipe, liderança e empreendedoriasmo –
e é importante ter consciência que essas habilidades não vem naturalmente. Precisamos aprender a desenvolvê-las desde muito cedo.
Convivendo com os jovens nos Círculos de Leitura, do Instituto Fernand Braudel, percebemos neles um desejo profundo de conhecer o
que está acontecendo na atualidade. Por isso, queremos apresentar a
eles, de forma clara, o mundo do trabalho e das profissões.
Decidimos entrevistar profissionais de diversas áreas para que contassem o seu percurso, como chegaram a ser o que são, a sua relação
com o trabalho e o que os despertou para sua vocação.
O que fazem as pessoas? Como ganham suas vidas?
São depoimentos riquíssimos que despertam nos jovens a vontade
de se empenhar nos estudos. Num primeiro momento da vida, alguns
pensam que o conhecimento é algo que vem naturalmente. Entretanto,
por meio das entrevistas percebem que é preciso uma dedicação e um
grande esforço.
Para muitos dos entrevistados, não foi fácil descobrir o que queriam
fazer: foi o empenho nos estudos que revelou seu talento e, consequentemente, seu lugar no mundo. Agora, sua profissão é uma bênção, uma
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alegria. O trabalho lhes deu a oportunidade de encontrar e desenvolver
o seu papel no mundo, de contribuir com a sociedade e de continuar
aprendendo e ensinando, tornando-se exemplos.
Apresentar as entrevistas aos jovens é de suma importância, pois por
meio delas eles constatam que os profissionais que aparecem nos livros
e filmes existem de fato na vida real. Desse modo aproximamos o ideal
do real, conforme a concepção expressa por Nikos Kazantzakis:
“O segredo consiste em encontrar um ideal que se torne o objetivo
único de sua existência. Assim, a ação adquire nobreza e a vida adquire
sentido.”
No trabalho com os jovens dos Círculos de Leitura, essas entrevistas
com os profissionais surgem como elemento facilitador que desvenda
esse segredo, ou seja, mostra-lhes como encontrar um objetivo, um ideal que se torne real.
A mensagem da Odisséia de Homero permanece tão atual quanto
no momento em que foi concebida. Enriqueceu a vida dos jovens de
Atenas e continua enriquecendo a nossa Odisséia de todos os dias: “Eis
a história de um homem que viajou pelos confins do mundo, aprendeu a
conhecer o espírito do homem e jamais se deixou vencer.”
O mundo está em permanente transformação, mas algo nele é imutável: a necessidade imperativa de cada ser humano descobrir a sua vocação. A sociedade sempre precisará de professores, médicos, advogados,
juízes, engenheiros, atores, cozinheiros, construtores, arquitetos, filósofos, psicólogos, administradores, economistas, jornalistas... Como nos
ensinam os poetas: “aquilo que amas muito permanece”. E permanece
porque o amas muito.
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“Aquilo que amas muito permanece,
O resto não é mais que cinza
Aquilo que amas muito não te será arrancado
Aquilo que amas muito é tua única herança
Mundo de quem, meu, deles ou de ninguém?
No início tu viste, depois tu tocaste
O Paraíso, mesmo nos corredores do Inferno,
Aquilo que tu amas muito é tua única herança,
Aquilo que amas muito não te será arrancado.”
“Cantos”, de Ezra Pound2
3. Conhecer o mundo das profissões
Na medida em que conhecemos o que as pessoas fazem, podemos
nos identificar e nos surpreender com as inúmeras possibilidades.
3.1. “Os caminhos do conhecimento”
Desde pequenos nos perguntamos: “O que o destino reservou para
mim?” ou “O que está me aguardando?”, além da famosa pergunta “O
que eu vou ser quando crescer?”. Essas perguntas se repetem ao longo dos tempos, das sociedades e das gerações, e nos constituem como
seres humanos. Na Grécia Antiga os homens perguntavam uns para os
outros “quem você é, de onde você veio, e para onde você vai?”. As
grandes obras da filosofia e literatura estão continuamente tentando, ao
longo dos milênios, responder a essas perguntas.
Para a filósofa Hannah Arendt, os adultos são o elo entre o passado
² Poeta e escritor norte-americano que viveu entre 1885 e 1972
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e o presente, o mundo é apresentado para as crianças por meio do que
chamou de “pérolas” de conhecimento, grandes obras, acontecimentos
e idéias que são patrimônio da humanidade e que sobreviveram e se
transformaram ao longo dos tempos. Conhecendo essas obras, passamos a nos reconhecer nelas, sentindo-nos parte de algo maior: a sociedade, com seu passado, presente e futuro. No livro “Tempos Sombrios”,
Arendt ressalta que houve um rompimento com a tradição, e o passado
é visto como um empecilho para nossas realizações no “aqui e agora”.
3.2. Medo de fracassar por não ser “original” e o mito do
“homem que se faz sozinho”
Alguns jovens acreditam que, para serem felizes e realizados profissionalmente terão que ser “inventores de algo extraordinário”, donos de
uma “sacada” que os distinguirá da massa e que eles necessariamente
farão “totalmente sozinhos”. Esse pensamento gera muita ansiedade e
pode levar ao sentimento de frustração caso essa “invenção” não ocorra.
Acreditamos que embora as pessoas inovadoras sejam extremamente
importantes para a humanidade, elas não são as únicas. Os que exercem
suas funções por inteiro, com dedicação e amor, e zelam por aquilo que
já foi criado, trabalhando para reproduzi-lo e mantê-lo vivo, também são
extremamente importantes.
Além disso, tanto aqueles que inovam quanto aqueles que trabalham
pela reprodução das coisas boas que foram criadas, estão em permanente diálogo com seus antecessores e com seus contemporâneos, estabelecendo parcerias no tempo presente. Em Talento Individual e Tradição,
T. S. Elliot afirma que para um jovem poeta continuar poeta e criativo é
preciso que se apóie nos poetas que vieram antes dele. Outro exemplo
disso foi o cientista Newton que dizia se apoiar em ombros de gigantes
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para criar sua teoria. Assim, vemos que na literatura, na ciência e em
tantas outras áreas, há um movimento contínuo de criação e renovação.
Com isso, colocamos abaixo o mito do “homem que se faz sozinho”. Ao
nos apoiar na tradição, alcançamos tanto a auto-realização profissional
como o sentimento de estar integrado com vida.
O que fazemos e aprendemos na vida, quando feito por inteiro, fica
em nós como uma reserva de experiências e aprendizados. Podemos
comparar essas experiências e aprendizados que vivemos ao longo da
vida com uma reserva de petróleo, em que a riqueza é fruto de muitas
camadas de material orgânico e inorgânico (minerais, animais, vegetais)
acumulados ao longo do tempo, que vão se sedimentando em camadas
e se transformando em algo novo, o petróleo. A formação do petróleo
é como a formação do nosso psiquismo e do conhecimento. O que os
outros fizeram nas gerações passadas fica de reserva, acumulado, até
uma próxima geração poder se beneficiar dessa reserva, assim como o
que vivemos ao longo da vida também fica em nós em forma de conhecimento. As grandes “sacadas” viriam então de pessoas capazes de mergulhar nas profundezas da tradição, do passado, integrando-as ao seu
acervo pessoal. Esta idéia é bem ilustrada em uma carta de Freud para
Fliss, em que ele escreve:
“Como você sabe, estou trabalhando com a hipótese de nosso mecanismo psíquico formar-se em um processo de estratificação: o material
presente se forma de traços de memórias e estaria sujeito, de tempos em
tempos, a um rearranjo segundo novas circunstancias, a uma transcrição. Assim, o que há de essencialmente novo em minha teoria é a tese
de que a memória não se faz presente de uma só vez, mas se desdobra
em vários tempos...”
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3.3. Como lidar com as expectativas da família
É comum alguns jovens sentirem que a sociedade e seus pais esperam
que ajam de uma determinada maneira. Enquanto eles são ou gostariam
de ser diferentes. Com isso, acabam gastando muita energia pensando
no que os outros querem e se esquecem de pensar e se questionar a respeito de si mesmos. Quando ainda não sabemos qual a nossa vocação,
há testes vocacionais ou outras pessoas que podem nos auxiliar a descobrir nossa vocação quando observam e nomeiam nossas habilidades.
Através das entrevistas com os profissionais temos uma grande ajuda
nas nossas escolhas e modelos com os quais podemos nos identificar.
3.4. Integrar o prazer com a realização profissional e
financeira
Muitos jovens encaram o trabalho apenas como um meio para conseguir dinheiro, de forma que o trabalho deixa de ser fonte de realização,
satisfação e aprendizados. É comum vermos pessoas que abrem mão de
um trabalho no qual se sentem felizes e são reconhecidos para se dedicarem a um cargo no qual ganham mais dinheiro, mas não estão satisfeitos com as atividades desempenhadas. Quando fazemos esta escolha,
estamos deixando de acreditar que é possível conciliar um bom salário
com um trabalho no qual nos sentimos plenos. Sabemos que trabalhar
em um ambiente desagradável pode ser muito prejudicial para a saúde física e mental das pessoas, que desenvolvem as famosas “doenças
do trabalho”. Nos tornamos desmotivados e não temos energia para o
trabalho de forma que nosso rendimento cai e corremos o risco de ser
demitidos. Quando fazemos o trabalho que gostamos nossa energia é
potencializada.
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É no fazer que construímos nossa identidade. Dessa forma, o trabalho
se apresenta como uma das esferas mais importantes da vida humana. É
a partir dele que nos inserimos na sociedade. Saber que estamos contribuindo com nosso trabalho para a manutenção e o desenvolvimento da
sociedade nos deixa felizes e satisfeitos. Ao compreender a complementaridade existente entre as partes que formam o todo, deixamos de nos
perguntar “o que a sociedade pode me dar?” e passamos a pensar o que
nós podemos oferecer à sociedade.
3.5. O perigo de ficarmos presos a preconceitos que limitam
nossos horizontes de opções
O conhecimento nos liberta dos mitos e preconceitos. Às vezes, temos um talento que não desenvolvemos por preconceito em relação a
certas profissões e ofícios, por acreditarmos equivocadamente que são
socialmente menos importantes porque não exigem formação universitária, mas “apenas” o ensino técnico, ou porque são ‘trabalhos manuais’. No entanto, conhecemos muitos ofícios desta natureza que são de
extrema importância para a sociedade. O que importa é a dignidade e a
excelência com que exercemos nossas funções. Tudo que opera mudança no mundo é importante.
Outro “perigo” que limita os horizontes é o fato de que muitas pessoas acreditam que só serão felizes se encontrarem um emprego estável
e com carteira assinada, sem perceber que a segurança e a felicidade
provém de um trabalho feito com amor e por inteiro; é no fazer por inteiro que nos capacitamos para a eficiência profissional e o conseqüente
reconhecimento no trabalho.
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3.6. Códigos da Modernidade
Capacidades e competências mínimas para participação produtiva no
século XXI
I. Domínio da Leitura e da escrita.
Para se viver e trabalhar na sociedade altamente urbanizada e tecnificada do século XXI será necessário um domínio cada vez maior da leitura e da escrita. As crianças e adolescentes terão de saber comunicar-se
usando palavras, números e imagens.
Por isso, as melhores salas de aula e os melhores recursos técnicos
devem ser destinados às primeiras séries do ensino fundamental. Saber
ler e escrever já não é um simples problema de alfabetização, é um autêntico problema de sobrevivência.
Todas as crianças devem aprender a ler e a escrever com desenvoltura nas primeiras séries do ensino fundamental, para poderem participar
ativa e produtivamente da vida social.
II. Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas.
Na vida diária e no trabalho é fundamental saber calcular e resolver
problemas.
Calcular é fazer contas. Resolver problemas é tomar decisões fundamentadas em todos os domínios da existência humana.
Na vida social é necessário dar solução positiva aos problemas e às
crises. Uma solução é positiva quando produz o bem de todos.
Na sala de aula, no pátio, na direção da escola é possível aprender a
viver democraticamente e positivamente, solucionando as dificuldades
de modo construtivo e respeitando os direitos humanos.
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III. Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e
situações.
Na sociedade moderna é fundamental a capacidade de descrever,
analisar e comparar, para que a pessoa possa expor o próprio pensamento oralmente ou por escrito.
Não é possível participar ativamente da vida da sociedade global, se
não somos capazes de manejar símbolos, signos, dados, códigos e outras
formas de expressão lingüística.
Para serem produtivos na escola, no trabalho e na vida como um todo,
as pessoas deverão aprender a expressar-se com precisão por escrito.
IV. Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social
A construção de uma sociedade democrática e produtiva requer que
as crianças e jovens recebam informações e formação que lhes permitam atuar como cidadãos. Exercer a cidadania significa:
- Ser uma pessoa capaz de converter problemas em oportunidades.
- Ser capaz de organizar-se para defender seus interesses e solucionar
problemas, através do diálogo e da negociação respeitando as regras,
leis e normas estabelecidas.
- Criar unidade de propósitos a partir da diversidade e da diferença,
sem jamais confundir unidade com uniformidade.
- Atuar para fazer do Brasil um estado social de direito, isto é, trabalhar para fazer possíveis, para todos, os direitos humanos.
V. Receber criticamente os meios de comunicação.
Um receptor crítico dos meios de comunicação (cinema, televisão,
rádios, jornais, revistas) é alguém que não se deixa manipular como pessoa, como consumidor, como cidadão.
Aprender a entender os meios de comunicação nos permite usá-los
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para nos comunicarmos à distância, para obtermos educação básica e
profissional, articularmo-nos em nível planetário e para conhecermos
outros modelos de convivência e produtividade.
Os meios de comunicação não são passatempos. Eles produzem e reproduzem novos saberes, éticas e estilos de vida. Ignorá-los é viver de
costas para o espírito do tempo em que nos foi dado viver.
Todas as crianças, adolescentes e educadores devem aprender a interagir com as diversas linguagens expressivas dos meios de comunicação
para que possam criar formas novas de pensar, sentir e atuar no convívio
democrático.
VI. Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação
acumulada.
Num futuro bem próximo, será impossível ingressar no mercado de
trabalho sem saber localizar dados, pessoas, experiências e, principalmente, sem saber como usar essa informação para resolver problemas.
Será necessário consultar rotineiramente bibliotecas, hemerotecas, videotecas, centros de informação e documentação, museus, publicações
especializadas e redes eletrônicas.
Descrever, sistematizar e difundir conhecimentos será fundamental.
Todas os indivíduos devem, portanto, aprender a manejar a informação.
VII. Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.
Saber associar-se, saber trabalhar e produzir em equipe, saber coordenar, são saberes estratégicos para a produtividade e fundamentais
para a democracia.
A capacidade de trabalhar, planejar e decidir em grupo se forma cotidianamente através de um modelo de ensino-aprendizagem autônomo
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e cooperativo (Educação Personalizada em Grupo).
Por esse método, a criança aprende a organizar grupos de trabalho,
negociar com seus colegas para selecionar metas de aprendizagem, selecionar estratégias e métodos para alcançá-las, obter informações necessárias para solucionar problemas, definir níveis de desempenho desejados e expor e defender seus trabalhos.
Na Educação Personalizada em Grupo, com apoio de roteiros de estudo tecnicamente elaborados, a capacidade de decidir, planejar e trabalhar em grupo vai se formando à medida em que se permite à criança e
ao adolescente ir construindo o conhecimento.
Nestas pedagogias auto-ativas e cooperativas, o professor é um orientador e um motivador para o aprendizado.
FUNDACION SOCIAL
Autor: José Bernardo Toro, 1997 – Colômbia
Tradução e adaptação: Prof. Antonio Carlos Gomes da Costa
Fonte: Site do Modus Faciendi:
http://www.modusfaciendi.com.br/
Extraído em 18.02.2001
4. Comunicação
4.1. Odisséia- Reflexões Cantos I e II
A comunicação surgiu como uma necessidade humana de transmitir idéias, pensamentos, sensações entre as pessoas. Assim, quem não
sabe se comunicar dificilmente consegue interagir com os outros e se
sentir parte da sociedade. A comunicação é a interação entre pessoas a
partir do verbal, e também do não-verbal – que se dá através da escri22
ta, imagens, sinais e códigos da linguagem. É fundamental que o emissor (quem passa a mensagem) compartilhe da mesma linguagem que
o receptor (quem recebe a mensagem) para que a comunicação ocorra
satisfatoriamente; caso contrário, existe a possibilidade de perdas no
conteúdo da informação.
O tema da comunicação está presente em diversos momentos na
Odisséia de Homero. A primeira palavra do livro é Musa, palavra inspiradora. Homero, ao pedir a Musa que lhe conte as façanhas do herói
Odisseu, oferece-se como canal de comunicação para transmitir essas
histórias. Os gregos valorizavam as histórias pelo seu poder de comunicação, uma forma de preservar o conhecimento. Os aedos tinham a
função de ir de casa em casa contando as façanhas dos heróis e assim
preservavam a memória.
No primeiro canto, Palas Atena vê o sofrimento de Odisseu por não
poder voltar para casa e, preocupada com essa injustiça, pergunta a Zeus
por que tanto ódio de Odisseu. Ele explica que a culpa não é dele, mas
sim de Posidão. Nessa conversa com seu pai, o mal-entendido se desfez,
e ela consegue o apoio dos deuses para ajudar Odisseu. Palas Atena coloca seu plano em ação e envia Hermes, o mensageiro, para comunicar a
Calipso que deve libertar Odisseu. O mensageiro é um canal para transmissão da mensagem.
Em seguida, ela mesma vai a Ítaca procurar Telêmaco, a fim de lhe dar
coragem e estimulá-lo a convocar uma assembléia para expor os problemas com os pretendentes à mão de Penélope, que não querem sair de
sua casa até que sua mãe decida por um deles. Telêmaco, aqui como receptor, entende a mensagem de Palas Atena, emissora: o plano traçado
pela deusa era coerente para ele e resolve executá-lo. “Deixou coragem
e confiança no espírito do jovem, que pensava no pai ainda mais que
dantes. Compreendeu o que tudo aquilo significava e ficou maravilha23
do, pois acreditava que ela fosse um deus. Imediatamente voltou para
junto da rude tropa, parecendo mais um deus que um homem.” Nesse
momento, todos precisavam saber dos abusos dos pretendentes, era
preciso tornar a situação pública. Com a orientação de Palas Atena, Telêmaco se mobilizou para convocar uma assembléia, o que não acontecia
desde a partida de Odisseu. Essa falta de comunicação fazia com que os
problemas não fossem debatidos entre o povo, levando a situação a um
nível intolerável.
Telêmaco dirige-se à assembléia e conta o que está acontecendo, mas
apenas os anciãos o ouvem, enquanto os pretendentes não respeitam o
que está dizendo. Os pretendentes culpam Penélope e dizem que não
desistirão do seu plano, pois não temem ninguém. Ignoram até mesmo
os sinais divinos, como as duas águias que surgiram enquanto Telêmaco
falava, interpretadas por Helitarses como sinal de morte. As águias são
sinais de uma mensagem, e o profeta é um intermediário da comunicação, ele possui um repertório de conhecimento para interpretar os sinais divinos, que fazem parte de um código não-verbal. A obsessão dos
pretendentes os fecha para a possibilidade de comunicação. Acreditam
estar certos e que são os outros que deveriam mudar, e essa postura os
deixa inflexíveis. Pensando a mensagem como um grupo ordenado de
elementos de percepção que estão reunidos em uma determinada estrutura, uma nova mensagem introduz uma desordem, representa uma
quebra das estruturas existentes. Portanto, para receber uma nova mensagem, é preciso estar aberto para o novo, saber lidar com uma possível
desorganização das estruturas vigentes. Os pretendentes não estavam
abertos ao novo, não queriam lidar com a possibilidade de uma nova
estrutura, e por isso não ouviram Telêmaco.
Mentor diz: “não recrimino os bravos pretendentes por cometerem
atos de violência nas vis tramas de sua mente, pois suas próprias ca24
beças respondem pelos abusos que cometiam na casa de Odisseu, que,
segundo eles afirmam, não mais voltará. É com o povo em geral que
me indigno pela maneira como vos quedais sentados em silêncio. Sendo
vós tantos e os pretendentes tão poucos, deveríeis chamá-los à ordem e
coibi-los.” Ele se indigna ao ver as pessoas passivas que, apesar de estarem em maior número que os pretendentes, assistiam a tudo sem se
comprometer, como se o que estava acontecendo não fosse um problema de todos. Mentor fica indignado especialmente com os mais velhos,
que haviam conhecido Ulisses e mesmo assim não tentaram interceder.
Comunicando o que sabiam, poderiam ter evitado uma tragédia.
Palas Atena envia um sonho que acalma Penélope em um momento
de profunda tristeza. Em diversas passagens da Odisséia, o sonho aparece como mensageiro que comunica o que devemos fazer ou nos avisa o
que irá acontecer, através de metáforas que precisam ser interpretadas.
4.2. A lenda das areias
Vindo desde as suas origens, nas distantes montanhas, após passar
por inúmeros acidentes de terreno nas regiões campestres, um rio finalmente alcançou as areias do deserto. Do mesmo modo como vencera as
outras barreiras, tentou atravessar esta de agora, mas deu-se conta de
que, mal suas águas tocavam a areia, nela desapareciam.
Estava convicto, no entanto, de que fazia parte de seu destino cruzar
aquela tórrida vastidão, embora encontrasse dificuldades em fazê-lo.
Então, uma voz misteriosa, saída da própria imensidão arenosa, sussurrou:
- O vento cruza o deserto, o rio pode fazer o mesmo.
Ele objetou estar arremessando-se contra as areias, sendo, assim,
absorvido, enquanto o vento podia voar, conseguindo, desta maneira,
25
passar incólume.
- Arrojando-se com violência, como vem fazendo, não conseguirá
cruzá-lo. Assim, desaparecerá ou irá transformar-se num pântano. Deve
permitir que o vento o conduza ao seu destino.
- Mas como isso pode acontecer?
- Consentindo em ser absorvido.
Tal sugestão era inaceitável para o rio. Deixar-se absorver? Não desejava perder a sua individualidade. Caso isto acontecesse, como saber
se a recuperaria mais tarde?
- O vento desempenha essa função. Disseram as areias. - Eleva a
água e a conduz, deixando-a cair depois, na forma de chuva, para converter-se em rio outra vez.
- Como posso ter certeza?
- Pois assim é. Se não acredita, jamais será outra coisa, a não ser um
pântano e, mesmo isto, levaria muitos e muitos anos. E um pântano
não é, certamente, a mesma coisa que um rio.
- Mas não posso continuar sendo o mesmo rio que sou agora?
- Você não pode, em caso algum, permanecer assim. - Retrucou a
voz.
Ao ouvir tais palavras, certos ecos começaram a ressoar nos pensamentos mais profundos do rio. Recordou vagamente um estágio em
que ele, ou uma parte dele, não sabia qual, fora transportada nos braços do vento. Também lembrou, ou lhe pareceu assim, de que era isso
o que devia fazer, conquanto não lhe parecesse a coisa mais natural.
Então, o rio elevou seus vapores nos acolhedores braços do vento,
que suave e facilmente o conduziu para o alto e para bem longe, deixando-o cair tranqüilamente, tão logo tinham alcançado o topo de uma
montanha, milhas e milhas mais adiante. E, porque tivera suas dúvidas,
o rio pode recordar e gravar com mais firmeza em sua mente os deta26
lhes daquela experiência. E ponderou:
- Sim. Agora conheço minha verdadeira identidade.
O rio estava fazendo seu aprendizado, mas as areias sussurraram:
- Nós temos o conhecimento porque vemos essa operação ocorrer
dia após dia. Nós, as areias, nos estendemos por todo o caminho que
vai desde as margens do rio até a montanha.
E é por isso que se diz que o caminho do Rio da Vida está escrito nas
Areias.
4.3. Lenda das Areias - Reflexões
A lenda conta a história de um rio que, após vencer diversas barreiras, alcança as areias do deserto. Da mesma forma que tinha vencido
os outros obstáculos, ele tentou atravessar o deserto, mas se deu conta
que suas águas desapareciam quando tocavam a areia. Percebendo que
estava diante de um obstáculo maior que os outros, pára, sem saber o
que fazer, até o momento em que ouve: “uma voz misteriosa, saída da
própria imensidão arenosa”.
As areias dizem ao rio que ele deve confiar no vento para atravessar
o deserto, caso contrário desapareceria como rio e viraria pântano, mas
o rio tem medo de deixar-se absorver e perder sua individualidade. O
rio comunica seu medo, e as areias lhe contam como é o trabalho do
vento. Nesse diálogo, ocorre um entendimento entre ambos. As palavras são como ecos que ressoam profundamente no rio, e ele recorda
um tempo anterior em que fora transportado pelos “braços do vento”.
O conhecimento das areias simboliza a sabedoria do passado, que
agora ganha sentido para o rio. Ele está pronto para deixar-se transportar pelo vento para o alto e para bem longe, cruzando o deserto
e, como chuva, converter-se em rio outra vez. Recorda o que viveu no
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passado e por isso pode viver novamente. O rio passa por um processo
de aprendizado, e afirma que agora conhece sua verdadeira identidade.
O conto traz uma ideia interessante, de que do próprio problema
pode surgir a solução. As areias, que no início eram um obstáculo, apresentaram a solução para o rio.
5. Trabalho em Equipe - Cooperação
O trabalho em equipe é uma relação baseada na colaboração entre indivíduos no sentido de alcançar objetivos comuns. A cooperação
é vista como a forma ideal de gestão das interações humanas. Para
ilustrar essa competência, vamos trabalhar os contos “O Túnel”, de
Máximo Gorki, e “O Afogado mais bonito do mundo”, de Gabriel García
Márquez.
5.1. O Túnel - Reflexões
“O Túnel”, de Máximo Gorki, narra a história de um homem que está orgulhoso da medalha que traz no peito e quer compartilhar o que viveu com seu
pai e outros homens ao construir um túnel. Começa com a descrição de um
operário, “tostado de sol e lustroso como um besouro”: seu rosto “sério, terno
e audaz” e suas “mãos bronzeadas repousando nos joelhos” estão esperando
por um interlocutor. A comunicação através da contação de histórias revela
o sentido da experiência sem defini-lo, é uma forma indireta de realizar a
reconciliação com o que vivemos no passado. Ao contar uma história, o que
foi vivido ganha sentido, que do contrário permaneceria apenas como uma
sequência de acontecimentos.
Por ali, bem próximo, há um “transeunte parado debaixo do castanheiro”:
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“Sentado junto a um monte de cascalho está um operário, tostado
de sol e lustroso como um besouro. Ele traz uma medalha no peito e seu
rosto é sério, terno e audaz.
As mãos bronzeadas repousando nos joelhos, a cabeça erguida, ele
fita o rosto de um transeunte parado debaixo do castanheiro e lhe diz:
- Isto aqui é por Simplon, senhor, é uma medalha pelo trabalho no
túnel de Simplon.
E baixando os olhos para o peito, ele sorri carinhoso para a bonita
peça de metal.
- É, qualquer trabalho é difícil até a hora em que a gente começa a
gostar dele, mas depois, ele estimula e fica mais fácil. Mas mesmo assim
– sim, foi difícil!
Ele balançou a cabeça de leve, sorrindo para o sol, animou-se de repente, fez um gesto com a mão, seus olhos brilharam:
- Foi até assustador. Pois mesmo a terra deve sentir alguma coisa, não
é? Quando nós entramos fundo nela, abrindo aquela ferida na montanha, a terra lá dentro nos recebe com aspereza. Ela nos bafejou com um
hálito quente que fazia o coração se contrair, a cabeça ficava pesada e
doíam os ossos - isto foi sentido por muitos! Depois, ela despencava pedras sobre os homens e despejava sobre nós uma água quente... Sim, era
muito assustador! Porque às vezes, à luz do fogo, a água ficava vermelha
e meu pai me dizia: “Nós ferimos a terra e ela nos afogará, nos queimará
todos com o seu sangue, tu verás!”
Claro, isso é fantasia, mas quando se ouvem tais palavras nas profundezas da terra, na escuridão úmida e abafada, entre o chapinhar lamuriento da água e o ranger de ferro contra a pedra, a gente esquece um
pouco as fantasias.”
Nessa história, o trabalho humano transformou a natureza. A grandiosidade dessa intervenção é descrita como um confronto: de um lado
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os homens “tão pequeninos”, e do outro a natureza, a montanha, uma
massa quase intransponível que reage ao ser transformada. Se sozinhos
eram “pequeninos”, com o seu trabalho os homens adquirem uma força
que os engrandece, e juntos conseguem realizar a obra:
“O operário examinou suas mãos, ajeitou a medalha sobre o casaco
azul, suspirou baixinho:
- O homem, ele sabe trabalhar! - continuou dizendo ao transeunte
com evidente orgulho. Ó meu senhor, o pequenino homem, quando ele
quer trabalhar, é uma força terrível! E acredite: no fim de tudo, esse homem pequenino fará tudo o que ele quiser. Meu pai, no começo, não
acreditava nisso: “Varar a montanha de um país para outro” - dizia ele
– “isso é contra Deus, que dividiu a terra com as muralhas dos montes.
Vocês vão ver, a Madona não estará conosco!”
Ele se enganou, o meu velho, a Madona estava com todos os que a
amavam. Mais tarde, meu pai também começou a pensar assim, mas
eu digo isso agora, porque depois ele se sentiu mais alto, mais forte que
a montanha. Mas tempos houve em que, nos dias feriados, sentado à
mesa diante de uma garrafa de vinho, ele admoestava, a mim e aos outros.”
No começo, o pai se opunha à escavação do túnel por ter medo e
acreditar que era uma ação contra as leis da natureza e a vontade de
Deus. Ao contrário do pai, Paolo não tinha medo de inovar, e acreditava
na capacidade do ser humano de criar meios de aproximar as pessoas.
Confiava no que fazia e conhecia a força do trabalho: “O homem, ele
sabe trabalhar! Ó meu senhor, o pequenino homem, quando ele quer
trabalhar, é uma força terrível! E acredite: no fim de tudo, esse homem
pequenino fará tudo o que ele quiser!”
“Então eu não tenho razão?” - dizia meu pai, com o medo nos olhos
e tossindo mais e mais, uma tosse cada vez mais surda... “Sim, então eu
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não tenho razão?” - repetia ele. “E coisa invencível, a terra!”
E, por fim, ele se deitou para nunca mais se levantar. Ele era forte, o
meu velho, por mais de três semanas ele lutou contra a morte, obstinado, sem queixas, como um homem que sabe o seu próprio valor. “Meu
trabalho está terminado, Paolo!” - disse-me ele certa noite. “Cuide-se e
volte para casa, e que a Madona te acompanhe!”
- Meu pai tomou-me pela mão e me puxou para junto de si. É a santa
verdade, senhor! - o operário deu um sorriso luminoso. Ele me falou:
“Sabe, Paolo, filho meu, eu, mesmo assim, acho que isso se cumprirá: nós
e aqueles que vêm vindo, escavando pelo outro lado, nós nos acharemos
dentro da montanha, nós nos encontraremos... Você acredita nisso?”
Eu acreditava.
“Assim está bem, meu filho! Assim é que tem que ser: tudo deve ser
feito com fé no resultado positivo e em Deus, que ajuda, com as preces
da Madona, as boas obras. Eu lhe peço, filho, se isso acontecer, se os
homens se encontrarem lá dentro, venha para a minha sepultura e diga:
‘Pai! Está feito!’ - para que eu saiba!”
Após certo tempo, o pai passou a ver aquele trabalho não mais como
uma transgressão, mas como uma necessidade humana de comunicação, e queria ser informado quando o túnel fosse concluído. Suas palavras ao filho são como uma benção: “tudo deve ser feito com fé no
resultado positivo”. Paolo conta que o trabalho de escavação foi difícil e
alguns homens não resistiram e ficaram pelo caminho. Mas ele acreditava no que está fazendo, e sua convicção e segurança foram transmitidas
ao seu pai.
“Nós e aqueles que vinham do outro lado nos encontramos treze semanas depois da morte do meu pai... Foi um dia de loucura, senhor! Oh,
quando ouvimos ali, debaixo da terra, na escuridão, o ruído do outro
trabalho, o rumor dos que vinham ao nosso encontro debaixo da terra
31
- procure compreender senhor, debaixo do enorme peso da terra que
poderia, se pudesse, esmagar-nos a nós, pequeninos, a todos duma vez!
Por muitos dias, nós ouvimos aqueles ruídos, tão sonoros, a cada dia
eles ficavam mais claros, mais nítidos, e nós éramos dominados pela loucura jubilosa dos vencedores. Trabalhávamos como espíritos malignos,
como desencarnados, sem sentir fadiga, sem observar instruções. Era
bom, bom como uma dança num dia de sol, palavra de honra! E todos
nós ficamos tão amáveis e tão bons, como se fôssemos crianças. Ah, se
o senhor soubesse como é forte, como é insuportavelmente apaixonado
o anseio de encontrar um ser humano nas trevas, debaixo da terra, no
interior da qual a gente penetrou à força, como uma toupeira, durante
longos meses!
Ele se inflamou todo, chegou bem perto do ouvinte e, fitando-o nos
olhos, com seus profundos olhos humanos, continuou em voz baixa e
jubilosa:
- E quando, finalmente, desabou a placa de rocha e no orifício brilhou
a chama rubra de um archote, iluminando um rosto estranho, inundado
de suor e de lágrimas de alegria, e mais archotes e mais rostos, e ressoaram brados de vitória, gritos de alegria... Ah, esse foi o dia mais feliz
da minha vida, e recordando-o, eu sinto que não vivi em vão! Houve o
trabalho, o meu trabalho, um santo trabalho, senhor, eu lhe digo, sim!
E quando subimos do fundo da terra para o sol, muitos, atirando-se de
peito no chão, beijavam a terra e choravam... E isso era tão belo como é
belo um conto de fadas!”
Ao contar sua história ao transeunte, o homem recorda: “eu sinto que
não vivi em vão. Houve o trabalho, o meu trabalho, um santo trabalho,
senhor, eu lhe digo, sim”. Apesar de saberem seus limites, haviam acreditado no trabalho que converteu a potência de cada um em uma força
única capaz de realizar uma grande obra, um túnel que transformou em
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realidade o desejo do encontro humano. Era um momento de rara beleza, alegria profunda: “Ah, se o senhor soubesse como é forte, como é insuportavelmente apaixonado o anseio de encontrar um ser humano nas
trevas, debaixo da terra, no interior da qual a gente penetrou à força”.
5.2. O Afogado mais bonito do mundo- Reflexões
Nesse conto, García Marquez dialoga com a Odisséia de Homero. Assim como acontece com a chegada de Ulisses à terra dos feácios, o afogado que chega a uma pequena aldeia representa um passado grandioso
que até então estava esquecido por aqueles habitantes. Esse acontecimento - a chegada do afogado a um povoado que, de tão pequeno, ainda não tinha nome - despertou a curiosidade dos moradores em saber
quem ele era, de onde vinha. Como não sabiam, inventaram: projetaram
nele seus anseios, criando uma história para si. Deram-lhe um nome que
acabou se tornando o nome do próprio povoado.
Quando chegou um “volume escuro e silencioso” à beira da praia do
povoado, as crianças pensaram que era uma baleia, e ao tirarem o mato
que cobria o volume, descobriram que era um afogado. Passaram a tarde
brincando de enterrar e desenterrar o corpo, até que um adulto os viu e
deu o alarme. Era um morto muito pesado, diferente dos homens do povoado, e foram necessário muitos deles para carregá-lo: “Os homens que
o carregaram à casa mais próxima notaram que pesava mais que todos
os mortos conhecidos, quase tanto quanto um cavalo, e se disseram que
talvez tivesse estado muito tempo à deriva e a água penetrara-lhe nos
ossos. Quando o estenderam no chão viram que fora muito maior que
todos os homens, pois mal cabia na casa, mas pensaram que talvez a
capacidade de continuar crescendo depois da morte estava na natureza
de certos afogados. (...) Enquanto os homens verificaram se não faltava
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ninguém nos povoados vizinhos, as mulheres ficaram cuidando do afogado. Tiraram-lhe o lodo com escovas de esparto, desembaraçam-lhes
os cabelos dos abrolhos submarinos e rasparam a rêmora com ferros de
descamar peixes.” Se num primeiro momento elas se surpreendem com
a beleza e a desproporção do afogado, agora, nesse trabalho, elas imaginaram como a vida do povoado seria diferente se ele vivesse ali. “Andavam perdidas por esses labirintos de fantasia, quando a mais velha das
mulheres, que por ser a mais velha contemplara o afogado com menos
paixão que compaixão, suspirou:
- Tem cara de se chamar Estevão.
Era verdade. À maioria bastou olhá-lo outra vez para compreender
que não podia ter outro nome.”
Quando a mulher mais velha diz que o afogado se chama Estevão, se
faz um profundo silêncio. Nesse momento, as mulheres que estavam
perdidas em seus devaneios voltam à realidade, e o que era fascínio se
transforma em compaixão. “As mulheres que o vestiram, as que o pentearam, as que lhe cortaram as unhas e barbearam não puderam reprimir um estremecimento de compaixão quando tiveram de resignar-se a
deixá-lo estendido no chão. (...) Mais tarde, quando lhe cobriram o rosto
com um lenço para que não o maltratasse a luz, viram-no tão morto para
sempre, tão indefeso, tão parecido com os seus homens, que se abriram
as primeiras gretas de lágrimas nos seus corações. Assim que, quando os
homens voltaram com a notícia de que o afogado também não era dos
povoados vizinhos, elas sentiram um vazio de júbilo entre as lágrimas.
- Bendito seja Deus - suspiraram: - é nosso!
Os homens acreditaram que aqueles exageros não eram mais que frivolidades de mulher.”
Enquanto os homens pensavam que os objetos que as mulheres colocavam no afogado eram “bugigangas de alto-mar”, e que os tubarões
34
iriam comê-lo de qualquer forma, elas entendiam a necessidade do ritual e sentiam que ele levaria uma parte delas consigo e deixaria uma
parte dele no povoado. “Tanto que os homens acabaram por se exaltar,
desde quando aqui semelhante alvoroço por um morto ao léu, um afogado de nada. (...) Uma das mulheres, mortificada por tanta insensibilidade, tirou o lenço do rosto do cadáver e também os homens perderam
a respiração.”
Esse confronto foi necessário para que os homens reconhecessem
Estevão: “Havia tanta verdade no seu modo de estar que até os homens
mais desconfiados, os que achavam amargas as longas noites do mar,
temendo que suas mulheres se cansassem de sonhar com eles para sonhar com os afogados, até esses, e outros mais empedernidos estremeceram até a medula com a sinceridade de Estevão.”
“Foi por isso que lhe fizeram o funeral mais esplêndido que se podia
conceber para um afogado enjeitado.” Como aquele povoado era árido
e não tinha o hábito de cultivar flores, as mulheres foram buscá-las nos
povoados vizinhos: “Algumas mulheres, que tinham ido buscar flores nos
povoados vizinhos, voltaram com outras que não acreditavam no que
lhes contavam, e estas foram buscar mais flores quando viram o morto,
e levaram mais e mais, até que houve tantas flores e tanta gente que
mal se podia caminhar.” As mulheres sentiram falta das flores, e para
consegui-las, precisaram contar a história do que estava acontecendo
no seu povoado. Isso fez com que se estabelecesse um elo entre os vizinhos, uma união de toda a vizinhança.
“Na última hora, doeu-lhes devolvê-lo órfão às águas, e lhe deram um
pai e uma mãe dentre os melhores, e outros se fizeram seus irmãos, tios
e primos, de tal forma que, através dele, todos os habitantes do povoado
acabaram por ser parentes entre si.” A situação de orfandade de Estevão
foi algo que incomodou os habitantes do povoado, e percebemos que foi
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um ato coletivo o de dar os melhores pais a ele. Com isso, todos puderam se irmanar. Este ato simbólico fez com que todos na aldeia tivessem
também para si um pai e uma mãe dentre os melhores.
Pela primeira vez, enquanto carregavam o corpo de Estevão pelas
escarpas, todos se deram conta da “desolação de suas ruas, a aridez
de seus pátios, a estreiteza de seus sonhos, diante do esplendor e da
beleza do seu afogado.” Quando o afogado chegou ao povoado, “pensavam que se aquele homem magnífico tivesse vivido no povoado, sua
casa teria as portas mais largas, o teto mais alto e o piso mais firme, e
o estrado de sua cama seria de cavernas mestras com pernas de ferro,
e sua mulher seria a mais feliz. Pensavam que tivera tanta autoridade
que poderia tirar os peixes do mar só os chamando por seus nomes, e
pusera tanto empenho no trabalho que fizera brotar mananciais entre
as pedras mais áridas, e semear flores nas escarpas.” Depois do velório,
todos se mobilizaram para trabalhar. O que antes era pura imaginação,
agora se transforma em realidade: “sabiam que seria diferente desde então, que suas casas teriam as portas mais largas, os tetos mais altos, os
pisos mais firmes, para que a lembrança de Estevão pudesse andar por
toda parte, sem bater nas traves, e que ninguém se atrevesse a sussurrar
no futuro já morreu o bobo grande, que pena, já morreu o bobo bonito, porque eles iam pintar as fachadas de cores alegres para eternizar a
memória de Estevão, e iriam quebrar a espinha cavando mananciais nas
pedras e semeando flores nas escarpas para que, nas auroras dos anos
venturosos, os passageiros dos grandes navios despertassem sufocados
por um perfume de jardins em alto-mar, e o capitão tivesse que baixar do
seu castelo de proa, em uniforme de gala, astrolábio, estrela polar e sua
enfiada de medalhas de guerra, e, apontando o promontório de rosas no
horizonte do Caribe, dissesse em catorze línguas, olhem lá, onde o vento
é agora tão manso que dorme debaixo das camas, lá, onde o sol brilha
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tanto que os girassóis não sabem para onde girar, sim, lá é o povoado
de Estevão.”
Neste conto, vemos como a chegada de um afogado despertou a imaginação no povoado. Como os habitantes não sabiam de onde ele vinha,
quem era, lhe deram o nome de Estevão e criaram uma história para
ele, que acabou se tornando a história daquele povoado. Esse conto nos
mostra como se constrói uma civilização.
6. Empreendedorismo
Entendemos como Empreendedorismo a capacidade de ter boas
ideias, saber desenvolvê-las, e ter iniciativa para colocá-las em prática:
é a relação entre ter uma boa idéia e saber executá-la. O profissional
empreendedor modifica, com sua forma de pensar e agir, qualquer área
do conhecimento humano. Uma imagem que ilustra muito bem o papel
de um empreendedor seria, de um lado, um sonho ou uma idéia e, de
outro, a realidade. Entre o sonho e a realidade, há um espaço vazio a ser
preenchido pelo empreendedor com ações criativas.
Uma importante reflexão para quem deseja desenvolver o empreendedorismo é pensar como colocamos nossos talentos a serviço dos nossos propósitos. Não basta ter talentos, é preciso saber usá-los de uma
forma positiva, que possa construir, agregar e inspirar.
Outra característica fundamental do empreendedor é a resiliência,
uma palavra muito utilizada ultimamente entre os psicólogos, que indica
a capacidade de um líder de reagir positivamente na adversidade. Durante sua trajetória, muitas vezes o empreendedor encontra dificuldades em seguir com seu projeto, e é essencial que ele encontre uma maneira de solucionar os problemas que surgirem e buscar ações positivas.
O empreendedor tem um sonho que quer realizar. Sua determinação
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e atitude contagiam e atraem bons encontros, que o potencializam ainda mais, possibilitando a realização do seu projeto.
6.1. A cidade dos cinco ciprestes
Marina Colasanti
Não era um homem rico. Nem era um homem pobre. Era um homem,
apenas. E esse homem teve um sonho.
Sonhou que um pássaro pousava em sua janela e lhe dizia: “Há um
tesouro esperando por você na cidade dos cinco ciprestes”. Mas quando
o homem quis abrir a boca para perguntar onde ficava a cidade, abriramse os seus olhos, e o pássaro levantou vôo levando o sonho no bico.
O homem perguntou aos vizinhos, aos conhecidos, se sabiam de tal
cidade. Ninguém sabia. Perguntou aos desconhecidos, aos viajantes que
chegavam. Ninguém a havia visto ou ouvido falar dela. Por fim, perguntou ao seu coração, e seu coração lhe respondeu que quando se quer o
que ninguém conhece, melhor é ir procurar pessoalmente.
Vendeu sua casa e com o dinheiro comprou um cavalo, vendeu sua
horta e com o dinheiro comprou os arreios, vendeu seus poucos bens
e colocou as moedas numa sacola de couro que pendurou no pescoço.
Já podia partir.
Iria para o Sul, decidiu esperando o cavalo. As terras do sol são mais
propícias aos ciprestes, pensou ainda afastando do pescoço a pelerine.
Galopou, galopou, galopou. Bebeu água de regatos, bebeu água de
rios, debruçou-se sobre um lago para beber e viu seu rosto esgotado.
Mas cada vez tornou a montar, porque um tesouro esperava por ele.
Pareciam cinco torres riscadas a carvão no céu, quando afinal os viu
ao longe coroando o topo de uma colina. Meus ciprestes! cantou altíssimo seu coração. E embora tão cansado o cavalo, pediu-lhe um último
esforço. Ainda hoje te darei cocheira e palha fresca na minha cidade,
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prometeu sem ousar cravar-lhe as esporas.
Foram a passo. Porém, desbastando a distância, percebeu o homem
que não poderia cumprir a promessa. Nenhum perfil de telhado, nenhuma quina de casa, nenhum muro denteava o alto da colina. Galgaram
lentamente a encosta sem caminhos. No topo, cinco ciprestes reinavam
sem altaneiros e sós. Não havia cidade nenhuma.
A noite já se enovelava no vale. Melhor dormir, pensou o homem,
amanhã verei o que fazer. Soltou o cavalo, que pastasse. Cobriu-se com
a pelerine, fez do seu desapontamento travesseiro, e adormeceu.
Acordou com a conversa dos ciprestes na brisa. O ar fresco da noite
ainda lhe coroava a testa, mas já uma enxurrada de ouro em pó transbordava do horizonte alagando o vale, e os insetos estremeciam asas
prontos a lançar-se ao sol que logo assumiria o comando do dia.
O homem levantou-se. Estava no delicado topo do mundo. Os sons
lhe chegava de longe, suaves como se trazidos nas mãos em concha. Ao
alto, cinco pontas verdes ondejavam desenhando o vento.
Eis que encontrei meu tesouro, pensou o homem tomado de paz. E
soube que ali construiria sua nova casa.
Uma casa pequena com um bom avarandado, a princípio. Depois,
com o passar dos anos, outras casas, dele que fundado família, e outras
famílias e gentes atraídas pela sedução daquele lugar. Um povoado inicialmente, transformado em aldeia que desce pela encosta como baba
de caracol e que um dia será cidade.
A quem no vale pergunta, já respondem, é a cidade dos cinco ciprestes.
No alto, esquecido, um baú cheio de moedas de ouro dorme no escuro coração da terra, entrelaçado com cinco fundas raízes.
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6.2. Reflexões: A cidade dos cinco ciprestes
Há uma relação clara entre o que o homem vivenciou em seu sonho e
sua busca concreta de realização. O conto nos faz refletir sobre a capacidade de saber lidar com a frustração. Quando o homem avista os ciprestes e percebe que ali não há nenhuma cidade, resolve dormir, “faz do
desapontamento um travesseiro”. Descansa, dá tempo ao tempo. Sabe
que ele já fez tudo que estava a seu alcance, e acredita que a vida tem
um movimento próprio, e que a realização de seu sonho não depende só
dele. No dia seguinte, quando acorda, descansado, consegue visualizar
uma solução para o que antes era considerado um problema. Uma das
principais virtudes do empreendedor é a capacidade de ser resistente e
flexível diante das dificuldades do dia-a-dia.
O empreendedor é aquele que não tem medo de errar, que está preparado para correr riscos - sabe extrair do erro a experiência que pode
levar ao acerto. Porém sempre ressaltando que se deve trabalhar no plano do possível, ou seja, com a realidade concreta, estudando as possibilidades e criando estratégias viáveis. No conto, fica clara a necessidade
de planejar, pesquisar, e saber se desprender do que for necessário para
viver novas possibilidades: em busca do tesouro que aguardava por ele,
o homem vendeu seus bens, comprou um cavalo, analisou se deveria ir
em direção ao Norte ou ao Sul. O homem sabia que as terras do sol são
mais propícias aos ciprestes e contou com o conhecimento da própria
natureza para realizar sua jornada.
6.3. Reflexões “O conto da ilha desconhecida”
O “Conto da Ilha Desconhecida”, de José Saramago, traz a história de
um homem muito determinado que estava preparado para enfrentar di40
ficuldades e desafios. O conto começa com um homem que vai ao palácio do rei pedir-lhe um barco, para ir em busca da ilha desconhecida. Ao
longo da história, enquanto se prepara para lançar-se ao mar, encontra
pessoas que o ajudam e com as quais aprende muito.
A rotina do palácio é caracterizada por uma burocracia ineficiente,
que as pessoas aceitavam sem reclamar. Desde o início, o homem mostra que não iria sujeitar-se ao tratamento que os outros recebiam. Ele
tinha certeza de que precisava ir em busca da ilha desconhecida, e tinha
convicção de que merecia o barco.
Elabora um plano para conseguir falar pessoalmente com o rei. Já de
início vemos um homem determinado a conseguir o que quer. Ele sabia
que, ficando parado na frente da porta, causaria incômodo porque impediria a passagem das outras pessoas. Levava consigo uma manta para
deitar-se, e esperar tanto tempo quanto fosse necessário.
Conhece o funcionamento do palácio e, por isso, sabe quais serão
os resultados de suas ações: “Calculara ele e acertara na previsão...” Foi
ousado e corajoso, pois foi o primeiro a fazer algo diferente. Ele queria
um barco e, mesmo sem saber se conseguiria, foi determinado a falar
com o rei.
O empreendedor sabe converter problemas em oportunidades, encarar momentos de dificuldade como sinônimo de novas possibilidades. É
aquele que vê um problema e fica inquieto, e essa sensação de inquietude ativa sua inteligência e criatividade para encontrar novas soluções.
No conto, o rei e o homem pensavam de modo tão diferente, que não
havia possibilidade de diálogo entre eles. Nessa situação, era impossível
conversar, e muito menos fazer acordos. O rei se recusava a atender ao
pedido do homem, e estava a ponto de chamar a guarda do palácio,
quando aparece a ajuda das mulheres da janela.
O empreendedor é aquele que, com sua segurança e determinação,
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consegue mobilizar pessoas que se contagiam com sua convicção, e se
oferecem para participar e colaborar com seu projeto. Após conseguir o
barco, a mulher da limpeza, deslumbrada pela firmeza do homem, decide acompanhá-lo. O homem nem imagina que o destino coloca outras
pessoas no seu caminho, empurrando-o para frente. O empreendedor é
uma pessoa que inicia o movimento, e as pessoas que o seguem, o fazem porque apostam no seu projeto. O homem do barco está tão focado
em sua ideia que não consegue perceber algumas ajudas que o destino
coloca em seu caminho, como a das mulheres da janela.
O rei encaminha o homem para as docas, onde vai se encontrar com
o capitão. O capitão lhe dá um barco que tem experiência e é apropriado
para ele mas, mesmo assim, alerta o homem para os perigos da viagem.
Quando o homem do barco diz ao capitão que vai à procura de uma ilha
“onde nunca ninguém tenha desembarcado”, o capitão, muito sincero
e consciente, lhe diz: “Se chegares”. O homem e o capitão sabem que
algumas vezes “naufraga-se no caminho”, mas, mesmo assim, ele não
desiste, pois tem a certeza íntima de que, chegando na ilha ou não, sua
viagem vai valer a pena.
Todo o avanço da civilização surge de uma ambição individual que
acaba se tornando conhecimento coletivo.
6.4. Relação entre os dois contos
Esses dois contos ilustram tipos diferentes de empreendedores. Marina
Colasanti nos apresenta um empreendedor que se coloca a caminho pelo
sonho que tem, e os problemas que encontra são resolvidos no sonho. Já
José Saramago nos apresenta um empreendedor que, por sua determinação, consegue que as ajudas venham concretamente, no plano da realidade, por meio das mulheres da janela, da mulher da limpeza, do capitão...
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7. Liderança
Texto baseado no capítulo “A Liderança”, do livro Invista nas
Pessoas Certas, de Clóvis Faleiro
A identificação de talentos e o desenvolvimento de Líderes é condição básica para o crescimento e perpetuidade de uma organização. A
relação Líder e liderado perpassa toda a cultura organizacional.
7.1. Autoconhecimento e espírito coletivo
O autoconhecimento é um dos atributos essenciais de um bom líder.
Aquele que quiser liderar, primeiro deve liderar a si mesmo. É preciso conhecer suas forças e fraquezas, saber lidar com seus pensamentos e sentimentos, perceber suas necessidades, medos e paixões. O domínio de si é
essencial para uma boa liderança.
“Se você conhece o adversário e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece
o seu oponente, para cada vitoria ganha sofrerá também uma derrota.
Se você não conhece nem o inimigo, nem a si mesmo, perderá todas as
batalhas.” – Sun Tzu
O espírito coletivo faz com que o líder veja em primeiro lugar as pessoas e o bem-estar do grupo e não o prestígio pessoal. A palavra grega para
liderar – hegeomai – significa ir à frente, conduzir. Porém, o Líder não deve
esquecer de si mesmo, de suas necessidades e desejos, de suas paixões e
emoções. Aquele que desconhece suas necessidades corre o risco de projetá-las sobre os outros. Sua ação deve estar em harmonia com sua alma.
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7.2. Capacidade de Análise, Decisão e Execução
Todo Líder precisa avaliar os cenários e as tendências, percebendo e
se antecipando ao futuro. Consegue ter uma visão panorâmica da situação em que se encontra, sabendo discernir o que é relevante. Faz o diagnóstico correto, pondera, então decide. Os Líderes devem se antecipar,
estando sempre prontos para lidar com o inesperado, imaginando o inimaginável. Colocam-se no lugar do outro, compreendendo suas razões
e motivações. A capacidade de análise e de contextualizar os diversos
cenários e variáveis permite-lhe desenvolver a habilidade de Decidir.
O Líder autêntico sabe definir Prioridades. A pessoa eficaz sabe quando parar de avaliar e partir para ação, possui Disciplina e Foco, pois
aprendeu a não dispersar energia. O Líder sabe ser Eficaz e Eficiente - de
nada adianta eficiência sem eficácia.
A capacidade de fazer acontecer é outra característica essencial à difícil tarefa de liderar, que transforma a decisão em ação, persistindo até
a conclusão, superando os obstáculos e as limitações, vencendo o caos
e o inesperado.
O Líder não tem medo de errar. Sabe admitir seus erros e salientar o
que aprendeu com eles e seguir adiante, com mais determinação, novas
convicções e mais confiança.
“A incapacidade de tomar decisões é certamente o maior obstáculo
de uma liderança verdadeira. Não há nada pior do que tomar a decisão
certa na hora errada. A decisão certa deve ser tomada no tempo certo,
nem antes nem depois” – Emílio Odebrecht.
A intuição é uma importante característica do Líder, e é o que lhe permite identificar o momento exato de agir.
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7.3. Autoconfiança e Paixão pelo que faz
Não é possível vencer sem ter paixão pelo que faz. O Líder acredita
em seu potencial e em sua capacidade realizadora. Conhece suas forças
e fraquezas, bem como a dos seus liderados. Sua autoconfiança energiza
sua equipe, dando-lhes coragem para ousar, assumir riscos e superar os
desafios. O Líder tem Brilho nos Olhos. A Paixão pelo que faz mobiliza e
inspira todos que o cercam.
Como devemos liderar pelo Exemplo, é fundamental ser coerente.
Assim passamos credibilidade. O Líder inspira e conquista seu grupo,
mobilizando-o para alcançar um Objetivo Nobre, Superior e Comum.
Sabe celebrar as vitórias, pequenas e grandes, fazendo com que todos
se sintam vencedores, reconhecidos, recompensados e motivados, integrados ao grupo.
7.4. Cercar-se dos melhores
Bons Líderes entendem que as pessoas são sua principal prioridade.
Sem elas é impossível alcançar grandes resultados. O Líder, portanto,
sabe escolher a pessoa certa para o lugar certo. Consegue identificar os
talentos, e sabe cobrar resultados e estimular a superação dos limites do
grupo. Busca extrair o melhor e o máximo de cada pessoa, mostrando o
que é urgente e influenciando na evolução do grupo.
7.5. Conhecimento
Apenas aquele que consegue estar consigo mesmo poderá criar em
torno de si uma atmosfera de tranqüilidade, na qual os colaboradores
se sintam bem e se dediquem ao trabalho com prazer. O Conhecimento
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tem a ver com a experiência. A pessoa precisa estar entregue ao que
faz e acreditar na vida. A maturidade humana dependo do tempo e o
acúmulo de experiências possibilita uma maior compreensão de si e do
mundo.
A arrogância é um perigo que nos impede de aprender e reavaliar o
que estamos fazendo, impossibilitando mudanças. Rouba nossa clareza
e capacidade de discernir. O conhecimento e o bom-senso nos permitem
enfrentar situações difíceis e, mantendo o equilíbrio, viver os momentos
maravilhosos, celebrando o sucesso com orgulho e alegria.
7.6. Exercendo a liderança
Os grandes Líderes lideram com base em ideais, inspirando e unindo
seus colaboradores. Para preservar sua eficácia, qualquer sistema deve
questionar-se continuamente. O papel do Líder é aumentar, cada vez
mais, os desafios, diminuindo a “zona de conforto” e o perigo de se acomodar.
O Líder precisa ter confiança em suas próprias decisões, ter consciência que nem sempre acertará e estar disposto a assumir a responsabilidade por seus erros. Quando se leva avante a própria missão, com
consciência e honestidade, o Líder admite que talvez saiba mais e veja
um pouco mais longe que os outros. Sabe tomar suas próprias decisões
e perseverar nelas, mesmo quando impopulares, e também ter a humildade de pedir outras opiniões e mudar de posição, se for o certo, sem
medo de parecer fraco.
O Líder deve administrar não só os resultados, mas também as expectativas. Cabe a ele implantar o Sistema de Comunicação, desenvolvendo
uma Cultura de Prestação de Contas - interna e externamente.
O Líder é sempre a principal referência, precisa ser otimista sempre,
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pois o ânimo e a esperança do grupo dependem dele.
Seja você mesmo, mas nunca o mesmo. Autenticidade e inovação fazem parte da liderança, mantendo o equilíbrio e direcionando a força
das suas paixões de maneira a atingir seus objetivos. A liderança é um
ato de amor, uma gentileza, e mostra um genuíno interesse pelos outros.
Reconhecer e elogiar os esforços realizados ajuda os relacionamentos
a se desenvolverem de forma adequada. O Líder sabe conciliar o afeto
com a cobrança dura, quando necessário.
Os Líderes competentes são aqueles que têm em torno de si pessoas
capazes de exercer a liderança quando necessário. Desejam deixar um
legado, uma obra que transcenda sua própria existência e, ao pensar
assim, desenvolvem uma visão de futuro, comprometendo-se a formar
novos Líderes, substitutos capazes de seguir em frente, de perpetuar
suas realizações.
7.7. Filme Doze Homens e uma Sentença
Na discussão sobre o filme Doze Homens e uma Sentença, vimos como
foi necessário que um líder emergisse naquele grupo para reverter uma
situação que poderia ter sido trágica. Com exceção dele, os demais votaram rapidamente para condenar um jovem rapaz acusado de assassinar
o pai. Uns, viam-no como culpado por causa de seus preconceitos, que
os impediam de enxergar as falhas da promotoria. Outros, eram fracos,
não queriam contrariar a maioria. O personagem Davis, interpretado por
Henry Fonda, tem a coragem de se contrapor à maioria. Criticado, explica que não tem certeza de que o rapaz seja culpado. Tem dúvida, e diz
acreditar que o rapaz merece mais consideração, pois já tinha sido muito
maltratado pela vida. Davis argumenta que o jovem merece que o júri
dedique mais tempo para reflexão sobre o caso. O filme mostra como
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Davis vai fazendo com que, um a um, cada membro do grupo comece a
pensar de fato. Os personagens, antes fracos, crescem, e passam a colaborar, resgatando conhecimentos e lembranças que antes não podiam
acessar. Trabalhando em conjunto, o grupo consegue alcançar, de forma
inesperada, uma percepção que muda o desfecho, e descobre que todos
aqueles argumentos apresentados no tribunal eram falhos e não provavam a culpa “acima de qualquer dúvida razoável”. O jovem foi absolvido.
Ao refletir sobre este filme, reconhecemos a dificuldade de liderar
um grupo, mobilizá-lo e mantê-lo focado em uma tarefa conjunta, bem
feita. Sabemos que os líderes autoritários se impõem, intimidando os
demais que, atemorizados, obedecem ou votam sem refletir, e outros
nem querem ter o trabalho de pensar. A coragem de Davis, ao assumir
sua dúvida e reconhecer a necessidade de mais tempo para pensar, e
seu bom-senso são qualidades que muitas vezes não são compreendidas
de imediato, mas que caracterizam um líder democrático. Os jovens participantes dos Círculos de Leitura identificaram-se com ele, pois também
já tiveram que assumir este papel nos grupos em que atuam.
No primeiro momento do filme os personagens se deixam levar pelas
aparências, e quando entram na sala e são convocados a dar suas opiniões, fogem da tarefa. A situação muda por completo quando Davis, que
por querer justiça, acaba assumindo a liderança. Davis é o tipo de líder
que não traz a solução de imediato: levanta dúvidas, conduz todos para
reflexão, pois acredita na força do grupo e sabe que dele virá a solução.
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Operário em Construção
(Vinicius de Moraes)
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.
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Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
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Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
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