O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL E A CONSTRUÇÃO DESTE CONHECIMENTO PELOS ALUNOS DA 5ª SÉRIE NÍVIA MARTINS BERTI1 MARCO ANTONIO BATISTA CARVALHO2 RESUMO: O artigo trata das dificuldades dos alunos relacionadas ao sistema de numeração decimal (SND). Busca-se responder às seguintes questões-problema: Os alunos da 5ª série compreendem o sistema de numeração decimal? Quais as maiores dificuldades dos alunos relacionadas ao SND? Com a investigação temos os seguintes objetivos: identificar possíveis obstáculos na compreensão de conceitos e algoritmos matemáticos relacionados ao SND; verificar se há alunos que relacionam seus erros à incompreensão do sistema numérico e descrever possíveis formas de ações didáticopedagógicas para o trabalho com os erros dos alunos. A delimitação de nosso universo para a pesquisa centra-se em alunos de 5ª série, na faixa etária dos 10/11 equivalente ao 6º ano do ensino fundamental de 9 anos. As informações são referentes a um teste com questões que envolviam a resolução de situações-problema com números e as operações fundamentais e um questionário, de natureza exploratória, em que se buscava saber se algum aluno relacionaria a dificuldade com “números” aos erros cometidos em matemática enfocando a função diagnóstica dos referidos instrumentos. Pela análise das informações podemos considerar que a maioria dos alunos da 5ª série investigada ainda não compreende a estrutura do SND, onde estão envolvidos os conceitos de ordem, classe e valor posicional dos algarismos; a incompreensão da funcionalidade e utilidade do “zero” representa uma das maiores dificuldades do sistema. Considera-se que a observabilidade do erro pelo aluno e a discussão sobre seus porquês, problematiza-o promovendo sua superação. Palavras-chave: Erro. Números. Aprendizagem. Ensino de Matemática. 1 Professora da Rede Pública Estadual/ Núcleo Regional de Educação de Assis Chateaubriand-PR. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE. Mestre em Educação. [email protected], [email protected] 2 Professor Orientador do PDE e Docente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná–UNIOESTE. Campus de Cascavel-PR. Mestre em Educação. [email protected] INTRODUÇÃO O artigo aborda a questão dos erros e estratégias utilizadas pelos alunos na resolução de atividades envolvendo números e operações fundamentais enfocando as contribuições da avaliação diagnóstica para o processo de ensino-aprendizagem do sistema de numeração decimal (SND). A investigação foi realizada em fevereiro e março de 2008, com alunos da 5ª série equivalente ao 6º ano do ensino fundamental de nove anos. Participaram da pesquisa 28 alunos pertencentes ao turno matutino de uma escola estadual paranaense categorizada como escola de campo. A expectativa dos professores da segunda fase do ensino fundamental é a de que, ao entrar na 5ª série, os alunos conheçam e dominem o uso do sistema decimal de numeração e as quatro operações básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão. No entanto, ao chegarem à referida série, os alunos apresentam, ainda, muitas dificuldades na compreensão do SND, sobretudo, ao uso do zero e muitos não dominam as técnicas algorítmicas. Determinados erros relacionados aos algoritmos também têm a ver com o SND devido ao valor posicional dos algarismos. Com a investigação temos os seguintes objetivos: identificar possíveis obstáculos na compreensão de conceitos e algoritmos matemáticos relacionados ao SND; verificar se há alunos que relacionam seus erros à incompreensão do sistema numérico e descrever possíveis formas de ações didático-pedagógicas para o trabalho com os erros dos alunos. Para a avaliação da aprendizagem utilizaremos instrumentos de coleta de informações enfocando a função diagnóstica dos mesmos os quais compreenderão um questionário exploratório e um teste com questões matemáticas. Busca-se responder às seguintes questões-problema: Os alunos da 5ª série compreendem o sistema de numeração decimal? Quais as maiores dificuldades dos alunos relacionadas ao SND? Avaliar a turma logo no início do ano letivo possibilita ao professor aproximarse das reais dificuldades que os alunos apresentam e também conhecer os tipos e os porquês dos erros que os alunos cometem. Assim, as ações didático-pedagógicas podem ser planejadas visando à superação dos obstáculos apresentados pelos discentes. A matemática está presente em diversas situações cotidianas. Muitos alunos da 5ª série participam com seus pais da “compra do mês” necessária ao sustento familiar e os ouvem dizer que tal produto dá ou não para comprar dependo de quanto dinheiro possuem para as compras, e percebem que nessa situação estão envolvidas operações matemáticas. Outros observam seus familiares fazendo “contas” relacionadas com atividades agrícolas, tendo em vista que a turma participante é proveniente de um meio rural. A escola na atualidade vem sendo desafiada a superar-se em relação ao seu papel sócio-pedagógico. Em um mundo de rápidas transformações, devidas aos avanços tecnológicos, que provocam mudanças nas relações de trabalho e nas formas de construir conhecimento, a Matemática, como disciplina escolar, necessita superar a forma de ensino baseada na repetição e reprodução de modelos e privilegiar as estratégias de abordagem das situações-problema pelos alunos incentivando-os a tomarem posições reflexivas sobre suas próprias ações, estabelecer relações com as informações recebidas reconhecendo-as em seu contexto, para que sejam significativas e ocorra a aprendizagem. Mas, e se o problema estiver na operatividade do SND? Ou seja, o aluno compreende o que lê, mas, erra na momento do registro com os algarismos de 0 a 9 ou erra na “armação” da conta devido aos erros nos valores posicionais. Nesse cenário, os processos de avaliação necessitam ser reorientados ou melhor compreendidos para que possam surtir efeito positivo, pois predomina nas escolas, conforme Libâneo (1994), o instrumento avaliativo na forma de “prova” ao final de um período de estudos, relegando a função diagnóstica da avaliação, quando muito, a um plano secundário. O diagnóstico, a partir das dificuldades que os alunos apresentarem, possibilita um repensar das metodologias, dos conteúdos relevantes entre outros. Na sala de aula podemos considerar pelo menos dois caminhos quando o aluno erra nas atividades matemáticas: ignorar a situação considerando que o problema não é do ensino e sim dos alunos, cabendo a eles a tarefa de estudar mais ou prestar mais atenção nas aulas, ou, encarar a situação como um desafio ao ensino e à aprendizagem e buscar formas de superação. É neste segundo caminho que seguiremos nesse estudo. O ensino reflete concepções de conhecimento O processo de ensino-aprendizagem reflete na prática de sala de aula, concepções sobre a aquisição de conhecimentos. O conhecimento matemático pode ser passível de simples acumulação, atribuindo ao meio a origem de todo o saber. Um conteúdo vai preenchendo um espaço vazio que o indivíduo possuía antes de aprender. Ou como simples descoberta, de alguma coisa que o sujeito já possuía em sua bagagem, faltando-lhe apenas estímulos para que sejam aflorados. Ainda pode ser entendido como algo que se constrói, considerando a diversidade de processos pelo qual cada sujeito aprende. Piaget (1973) distingue três formas de conhecimento. Em primeiro lugar, ele destaca a categoria dos conhecimentos adquiridos graças à experiência física em todas as suas formas, isto é, a experiência dos objetos e de suas relações, mas, com a abstração a partir dos objetos como tais – o empirismo. Em segundo lugar, aqueles estruturados por uma programação hereditária inata ou por maturação – o racionalismo. Em terceiro, considera os conhecimentos lógico-matemáticos, “que se tornam rapidamente independentes da experiência e que, se no início procedem dela, não parecem tirados dos objetos como tais, mas, das coordenações gerais das ações exercidas pelo sujeito sobre os objetos” (PIAGET, 1973, p. 306). Por meio dessas coordenações, o sujeito constrói o saber. Tanto no empirismo como no racionalismo o tratamento dado à aprendizagem mostra-se reducionista. No primeiro caso é o a priori do objeto e no outro é o a priori do sujeito. Segundo Rabelo (2004, p. 40), “é nesse contexto de cisão entre objetividade e subjetividade que a escola se situa como ‘transmissora de conhecimentos’ e, assim situada não se pode esperar um ensino que proporcione a autonomia intelectual”. O autor conclui que o “empirismo é um objetivismo sem objetividade e o racionalismo é um subjetivismo sem subjetividade”. Para a superação dessas concepções, outra teoria defende a posição de que o conhecimento é resultado da relação entre sujeito e objeto, entre o organismo e o meio: a teoria construtivista. O construtivismo piagetiano encontra-se nessa vertente epistemológica, que se opõe à objetividade e a neutralidade das epistemologias empiristas e racionalistas e adota um novo critério de objetividade em que o homem, numa relação dialética sujeito↔objeto, é produtor e, ao mesmo tempo, produto da sociedade. Piaget qualificou como idéia central de sua teoria que “o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata préformada no sujeito, mas, de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas” (PIAGET, 1976, p. 11). Para Freitas (1999), a aprendizagem escolar construtivista desenvolve processos de assimilação e acomodação em busca de uma situação de equilíbrio. Na psicologia genética de Piaget, o aprendizado ocorre sempre por uma adaptação a um meio que é fator de contradição e dificuldade. Freitas considera importante observar que “é necessário ocorrer um desequilíbrio para que o aluno possa reorganizar seu pensamento na construção do seu saber e que este saber é resultado de uma adaptação do aluno que consegue novas respostas a uma situação que anteriormente ele não dominava” (FREITAS, 1999, p. 85). É justamente nesse desequilíbrio que se insere a observação do erro pelo aluno. Somente tomando consciência do erro e dos seus motivos é que terá condições de reorganizar seu pensamento a fim de superá-lo e construir conhecimento. Os erros no ensino-aprendizagem da matemática A resolução de uma atividade pelo aluno, de certa forma, expressa como ele pensa naquele momento e naquela situação em que se encontra. Pode acontecer que em um contexto escolar o aluno apresente uma resposta e fora dele apresente outra. Segundo Pinto (2004), o erro produzido pelo aluno pode ser considerado como um observável de grande significância para a avaliação quando concebido, não como falha, ausência, mas como elemento natural do processo de conhecer. No entanto, a autora destaca que, para que possa ser realmente um “observável para o aluno” deve ser antes um “observável para o professor”, compreendido não como uma simples resposta errada, mas como uma questão que o aluno coloca ao professor no decorrer de seu processo de construção de conhecimento. Nas situações escolares, quando o aluno apresenta uma resposta considerada correta, não causa preocupação, mesmo não sendo garantia de que houve a compreensão da situação proposta. Quando erra, diversas possibilidades se abrem relacionadas à causa do erro. Numa visão ‘tradicional’ de ensino, o aluno aprendeu quando não erra nas atividades. O importante é não errar. Na ótica do conhecimento em construção, os erros são potenciais no planejamento das atividades docentes, tendo em vista que possibilita conhecer o aluno aproximando-se de suas dúvidas. Em busca de uma postura construtiva, vários autores desenvolvem trabalhos procurando conhecer os alunos na sua maneira de pensar quando resolvem atividades e também para compreender quais concepções permeiam o tratamento dado aos erros pelos professores. Tais estudos apontam caminhos para o planejamento do trabalho docente. Davis e Esposito (1990) discutem a avaliação escolar a partir do enfoque da teoria psicogenética de Piaget, buscando contribuições para a discussão dos problemas da aprendizagem, mais especificamente os que dizem respeito à questão do erro. As autoras concluem que os tipos de erros cometidos pelas crianças devem ser distinguidos, fornecendo-lhes condições de superá-los e, que essas condições (que se referem aos métodos, técnicas e procedimentos de ensino) devem ser selecionadas com cuidado, em função da avaliação que se faz da natureza dos erros de aprendizagem. As autoras, ainda, distinguem três tipos de erros: Erros de procedimento - cometidos no emprego ou aprimoramento de conhecimentos já construídos e que podem acontecer por distração ou falta de treinamento; Erros construtivos – que sinalizam a formação de novas estruturas. A criança erra porque a estrutura de pensamento que possui não é suficiente para realizar a tarefa, ou seja, existem lacunas que dificultam a assimilação dos dados disponíveis; Erros por limites na estrutura do pensamento – por não possuir a estrutura necessária à solução da tarefa, a criança fica impossibilitada de compreender o que lhe é solicitado. Santos e Santos (1996), em pesquisa com 304 alunos do Ensino Fundamental, com idade entre 14 e 35 anos, seguiram a hipótese de que, quando não são considerados os erros que os alunos cometem no processo de ensino-aprendizagem, o seu desenvolvimento cognitivo fica prejudicado. Em uma parte específica da pesquisa apontaram que, de 140 alunos de 8a série investigados, 72,8% não conseguiram resolver problemas simples envolvendo duas operações aritméticas (adição e multiplicação), e apresentaram ainda, erros que normalmente são superados na 4a série do ensino fundamental. Com a pesquisa, apontaram que os erros cometidos pelos alunos ao longo do processo de escolarização, não foram trabalhados no sentido de que se buscasse atingir os objetivos propostos para o ensino da Matemática, nem no sentido de proporcionar o desenvolvimento cognitivo. Sobre os erros, nenhum tipo de reflexão foi evidenciado, e não foram tornados observáveis para quem os praticou. Concluíram, enfim, que os alunos não são desafiados cognitivamente. Observar os erros dos alunos e pensar sobre suas causas é, em suma, fazer o diagnóstico das dificuldades que os alunos apresentam que conforme Romão O que queremos destacar é a possibilidade de uma reflexão sistemática em torno dos erros e acertos, em torno dos mecanismos de raciocínio que foram desencadeados na formulação das questões e nas respostas a elas dadas pelos alunos, constituindo numa das etapas mais ricas da relação pedagógica. É nos comentários e discussões das provas e trabalhos corrigidos que se têm momentos privilegiados de aprendizagem, para ambos os lados! E sabemos como essas oportunidades são raras nas nossas escolas, porque o que assistimos é, na maioria das vezes, à praxe da ‘matéria vencida’ ao final da correção e a simples entrega dos resultados das provas (ROMÃO, 1998, p. 71). Como fazer, então, para que a avaliação seja uma aliada do processo de ensinoaprendizagem e não um dos instrumentos de exclusão escolar? Para Pinto, a avaliação requer uma nova postura e diz que: Assumir essa nova postura, em direção ao bom êxito escolar do aluno, (...) requer um trabalho mais rigoroso de busca, análise e interpretação de dados, para além de um olhar normativo sobre o processo de ensino e de aprendizagem. Postura que se inicia no momento em que o educador reflete sobre os significados dos erros e acertos dos alunos preocupando-se em compreender os diferentes processos que os alunos utilizam ao apropriar-se dos conhecimentos, ao inquietar-se frente aos resultados obtidos e buscar sua regulação. Entretanto, a concretização de uma nova prática de avaliação requer, mais que novas posturas e novas reflexões, um bom referencial teórico-metodológico, capaz de fundamentar a busca e instrumentalizar as ações (PINTO, 2004, p. 123). Portanto, a avaliação necessita ser assumida pelo professor como um instrumento de compreensão do estágio ou nível de aprendizagem em que se encontra o aluno para assim orientar o processo de ensino. Erros e avaliação diagnóstica são dois lados de uma mesma moeda: de um lado encontra-se o aluno que erra por motivos diversos e de outro está o professor que deve observar e diagnosticar esse erro para então planejar suas ações pedagógicas. Como salientam Kamii e De Clark (1986), considerar a habilidade da criança escrever respostas corretas, não é um objetivo válido na aritmética inicial, o importante é a atividade mental, ou seja, o processo ativo e autônomo do raciocínio. A seguir passaremos para os procedimentos de coleta de informações e as referidas análises. Princípios metodológicos, informações coletadas e analisadas No presente estudo as informações são referentes a uma 5a série, equivalente ao 6º ano do ensino fundamental de 9 anos. A turma pertence ao turno matutino de uma escola de campo situada num distrito que se localiza a 17 km do centro da cidade. A região trabalha basicamente com a agricultura. A investigação foi do tipo pesquisa qualitativa em que se registraram os tipos de erros cometidos pelos alunos relacionados ao sistema de numeração decimal (SND). O fato de ser lançado um olhar sobre determinado dado não descarta a possibilidade de novos olhares e perspectivas de análise. Para o alcance dos objetivos da pesquisa foi aplicado, num primeiro momento, um questionário de natureza exploratória, para saber se haveriam alunos que relacionariam seus erros com o sistema de numeração decimal e também sobre a forma de correção dos erros. Num segundo momento, foi aplicado um teste aos alunos contendo quinze questões das quais serão destacados neste artigo, os erros e dificuldades relacionadas ao SND. Passaremos agora a discutir as informações coletadas. As informações são referentes, como já foi dito, ao questionário e ao teste e serão analisadas em conjunto conforme a situação apresentada. Os alunos estão identificados pelas iniciais de seus nomes. Uma das questões do teste dizia: Uma pessoa viajará de férias e, até chegar ao seu destino, passará por algumas cidades. Até passar pela primeira cidade ela percorrerá oitenta e dois quilômetros, para chegar à segunda percorrerá mais duzentos e cinco quilômetros e, finalmente, percorrendo mais nove quilômetros ela chegará ao lugar onde passará as férias. Quantos quilômetros de distância serão percorridos até a chegada? A essa questão estavam relacionados alguns objetivos, como por exemplo: A identificação de erros na passagem da forma por extenso para a forma com algarismos dos números apresentados e a “armação” do algoritmo da adição buscando erros relativos ao valor posicional dos algarismos. Observemos as resoluções: LF 82 + 205 9 1034 JVS 82 205 + 9 8414 R: Serão percorridos 1034 quilômetros. R: Serão percorridos 8414 até chegar. A expectativa é que alunos da 5ª série dominem, além da compreensão da operação, a técnica algorítmica da adição conhecendo o valor posicional dos algarismos, mas, aproximadamente 14%, o que representa 4 alunos da turma, apresentaram erros que se relacionam com a compreensão do sistema de numeração decimal (SND), tendo em vista a maneira como os alunos dispuseram as unidades, dezenas e centenas. Esse é um tipo de erro que teria sido superado pelo aluno se houvesse a compreensão de sistema de numeração decimal e as regras algorítmicas estão atreladas. Mas, esses alunos não percebem a incoerência que ocorre no resultado ao “armarem” o cálculo daquelas maneiras. Como os erros foram tratados nas séries anteriores? Como fazer para ajudar o aluno a superar esse tipo de erro? Uma das questões do questionário perguntava aos alunos como os erros eram corrigidos por seus professores e, aproximadamente 60% deles, responderam de maneira semelhante a essa: “A professora corrigia no quadro e a gente copiava” (LF). Outros seis alunos disseram que a professora passava por cima de caneta. Um deles escreveu: “Elas corrigiam na carteira os erros e escrevia de caneta e ficava tudo borrado” (JVS). Em outra questão que perguntava sobre quem mais ia ao quadro resolver atividades foi obtido respostas como essas: “Eu ia às vezes. Iam os que ela achava os mais conhecidos e mais sabidos para a gente copiar” (JAS); “Ia uma menina que é super inteligente” (ERG). Por “esses tipos” de respostas, que representou a maioria dos alunos da turma, pode-se considerar que, ou não houve problematização dos erros, ou tais momentos não foram significativos. Aos alunos que erravam, cabia apenas a cópia da resolução correta do quadro. O fato de ir ao quadro quem “era mais inteligente e mais sabido” evidencia uma forma sutil de punir os que erram e exaltar os que acertam. Assim, os erros não são entendidos como estratégia didática. A socialização e a discussão entre os alunos sobre o tipo de erro apresentado anteriormente, incentivando-os a analisarem a situação-problema e a resposta dada a ela e/ou a estimarem o resultado entre outras, contribui satisfatoriamente na superação desse tipo de erro. Torna-se importante também, que o aluno que errou não seja apontado como aquele que cometeu o erro, a fim de evitar constrangimentos. Mas, sim tratar o erro numa situação didática enfatizando a discussão coletiva pelos alunos passando para o nível da co-operação. Em outra questão, além do erro de natureza interpretativa da situação, apareceu erro devido à incompreensão do zero na estrutura do SND. A Independência do Brasil é um dos fatos históricos mais importantes de nosso país, pois marca o fim do domínio português e a conquista da autonomia política. A proclamação da independência ocorreu no dia 7 de setembro e, no ano de 2007, ela completou 185 anos. Com base nessas informações diga em ano aconteceu a independência do Brasil? RES 2007 x7 189 R: Foi em 189 setembro. O aluno respondeu a questão dessa maneira em que ignora a presença dos zeros no número 2007 e opera somente fazendo 7x7 e 7x2 considerando que o zero não “vale nada”; tal expressão aparece comumente na fala de muitos alunos da turma. Portanto, para muitos deles, “se o zero não vale nada, então porque operar com ele”? Na história da construção de um sistema de numeração, vemos que o zero foi o último símbolo a ser criado devido à dificuldade para compreender e registrar o “vazio”, mas, que não necessariamente, representava o “nada”. Na aprendizagem dos alunos tal dificuldade de compreensão também aparece. No questionário em uma das questões que perguntava se erravam muito em matemática, houve respostas como a seguinte: “Mais ou menos porque todo mundo erra, eu erro porque eu me atrapalho nos números” (KKP). “As contas e os números que você não entende e tem que fazer é ruim” (JMS). Então, “os números” representam dificuldades para alguns alunos que não conseguem sozinhos superar seus erros. Outras questões tinham o objetivo de verificar a passagem do número da forma escrita por extenso para a forma com algarismos usando os símbolos matemáticos: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. O número de erros nessa questão foi grande e evidenciou que os alunos não compreendem o sistema de numeração decimal e que quanto mais zeros tiver o número maior é o número de erros, como mostram os quadros a seguir: Questão: Um carro custa trinta e dois mil, quinhentos e oitenta reais. Usando algarismos, escreva o número que representa o valor desse carro. Escrita incorreta do número 32 580 32 508 30 e 2 mil 500 e 80 32,580 32480 32 mil 500 e 80 32.58 3580 32.50080 De 28 alunos, incorretamente. 10 alunos escreveram Questão: De acordo com dados do IBGE, no estado do Paraná existem quinhentos e quarenta mil e oitenta e duas motocicletas. Escreva este número usando algarismos. Escrita incorreta do número 540 082 54082 540.82 54082 540.182 500 e 40 mil e 80 e duas 540,82 5040.82 580 mil 82 504.82 5482 504.802 5400 De 28 alunos, incorretamente. 27 alunos escreveram As questões mostram que a maioria dos alunos da turma não consegue usar os símbolos matemáticos relacionando os conceitos de ordens e classes numéricas. A compreensão do uso do zero é outra dificuldade. O número de classes numéricas também interfere na quantidade de erros, principalmente se houver os “zeros” no número como aconteceu com o número 540 082. A presença dos dois zeros dificultou a questão a ponto de apenas 1 (um) aluno escrever corretamente o número solicitado. A vírgula também apareceu como uma dificuldade para alguns alunos que demonstraram incompreensões na funcionalidade da mesma. Nesses casos, os alunos que cometeram esse tipo de erro, usaram a vírgula para separar as classes sem se darem conta que tal atitude altera significativamente os valores expressos, dividindo-os por múltiplos de 10. Nessa situação, além da discussão sobre os tipos de erros, pode ser abordado o tema do uso da vírgula em outros países que usam tal sinal matemático para separar as classes numéricas. Isso favorece o entendimento de que as regras são uma convenção, portanto, cada povo, cada cultura, pode adotar regras diferenciadas para tratar do mesmo assunto. Ao socializar os erros com os alunos, uma atividade se desdobra em várias outras. Os números que os alunos escreveram errado não representam o valor solicitado, mas, também são números. Esses outros valores podem ser trabalhados pelo professor mostrando aos alunos que a ausência ou a presença de algarismos ou a mudança de sua posição, altera a quantidade expressa pelo conjunto de algarismos. A quantidade de erros que apareceram nas questões anteriores, ou seja, na passagem do número da forma escrita por extenso para a forma com símbolos matemáticos de 0 a 9, não se repetiu quando os alunos precisaram fazer a ação contrária. Os alunos foram solicitados a escrever por extenso os valores expressos nos números: 35 658; 17 580; 18 078 e 2 040 314 Aproximadamente 80% dos alunos acertaram os três primeiros números. Mas, no último, ou seja, 2 040 314 os números de erros aumentaram devido ao zero e a quantidade de classes numéricas. Neste, apenas 25% dos alunos escreveram corretamente compreendendo as posições relativas dos algarismos. Outra questão semelhante às anteriores, foi considerada fácil pelos alunos, mas o número de erros foi grande se levarmos em consideração a “simplicidade” da questão que dizia: Imagine que você está num jogo de casas numeradas, desenhadas no chão. Se você está na casa de número 1010 e precisa ir para a casa que vale uma unidade a menos, qual o número da casa que você ficará? • 14 alunos responderam corretamente que ficaria na casa de número 1 009. • 5 alunos escreveram 109. • 1 aluno escreveu 1090 • 1 aluno escreveu 1099 • 1 aluno escreveu 10009 • 2 alunos escreveram 100. • 2 alunos escreveram 110. • 1 aluno escreveu 109; apagou e escreveu: mil e nove. • 1 aluno escreveu: não sei Exatamente 50% dos alunos responderam corretamente a questão. Os outros 50% tiveram erros diversos dos quais destacamos alguns deles. Houve um aluno que escreveu 10009. A lógica que evidenciamos dessa forma de escrever é que o aluno faz 1000 e 9, escrevendo com algarismos a forma como o número é falado. Outros seis alunos escreveram 109, mas, um deles apagou e escreveu por extenso “mil e nove”, mostrando que o erro se referia ao uso do zero e não do entendimento da situação ou do valor. O aluno compreende que ficaria na casa 1009, mas ao perceber que a forma como estava escrevendo ficaria errada muda sua forma de registrar o número. Outra questão revela a dificuldade dos alunos com o valor posicional dos algarismos: Qual o valor do algarismo 5 nos números: a) No número b) No número c) No número d) No número RJN 2 351 o 5 vale _______50 85 042 o 5 vale ______500 2 588 197 o 5 vale ____500 15 814 012 o 5 vale ___5000 Dezesseis alunos não reconheceram o valor posicional dos algarismos nos números; quatro alunos reconheceram parcialmente e apenas oito alunos tiveram sucesso na questão. Esses erros reafirmam as incompreensões na estrutura do SND, evidenciando a necessidade de retomada do assunto. O aluno RJN coloca o mesmo valor “500” para as letras a e b quando seriam 5 000 e 500 000, respectivamente. Além de errar os dois valores, não percebe as posições diferentes. A questão 13 tinha o objetivo de verificar se os alunos da 5ª série compreendem que com os dez algarismos, de 0 a 9, podemos escrever qualquer valor numérico. Obtivemos as seguintes formas e quantidades de respostas: O nosso sistema de numeração decimal tem dez símbolos que chamamos de algarismos. Estes algarismos são: 0,1,2,3,4,5,6,7,8 e 9. Usando esses símbolos, podendo repeti-los quantas vezes quisermos, até que número podemos escrever? • 1 aluno respondeu dizendo que dá para escrever apenas um número. • 6 alunos responderam que dá para escrever de 0 até 9. • 6 alunos representaram a resposta com um nº grande. Ex: Dá para escrever 100 000 números. • 12 alunos reconhecem que dá para escrever infinitos números. Com respostas do tipo: Infinito; Todos; Nunca termina. • 3 alunos não responderam. A questão mostra que a maioria dos alunos não compreende que podemos escrever qualquer número usando apenas dez símbolos. Consideramos que as questões solicitadas mostraram com ênfase que o sistema de numeração decimal não está compreendido pela maioria dos alunos da turma participante. Considerações finais A avaliação dos erros e estratégias dos alunos permite considerar que a maioria dos alunos da 5ª série investigada não compreende o sistema de numeração decimal. Os erros apontam que as maiores dificuldades residem no valor posicional dos algarismos e nos “zeros” que em muitos casos são ignorados pelos alunos por considerarem apenas que não vale “nada” e isso ocasiona erros também nos algoritmos. Há alunos que relacionam suas dificuldades com os “números”. Acham difícil de entender. A maioria consegue compreender um valor numérico quando este está escrito com algarismo. Os lêem e os escrevem corretamente por extenso, mas se precisarem fazer a operação contrária, ou seja, codificar um valor expresso por extenso, os erros aparecem num grande número de alunos apontando para os problemas com o SND. A forma de correção dos erros relatada pelos discentes evidencia a ausência de discussão coletiva que problematizaria e contextualizaria muitas situações levando ao entendimento da situação-proposta. A sala de aula é, por natureza, um ambiente social. Consideramos que a socialização e discussão das estratégias utilizadas e dos erros cometidos pelos alunos, como estratégia didática, favorece, além do desenvolvimento dos conteúdos, a superação de dúvidas e incompreensões, conforme Berti (2007). Abre espaço para a cooperação em sala de aula e, esta, favorece atitudes de autonomia. Uma forma comum de passar atividades para os alunos é por meio da lista de exercícios. Se o objetivo for à observabilidade dos erros e estratégias e a discussão sobre seus porquês, este não é compatível com os objetivos das famosas “listas” que são usadas para treinamento e memorização, muitas vezes, sem a devida compreensão do assunto o que não garante que conhecimento. Como estratégia didática, o interessante é solicitar aos alunos que resolvam 1 (uma) determinada questão e, logo em seguida, discutir as resoluções e respostas dos alunos. Assim, uma atividade vale por muitas, se for bem explorada. Não se trata em nenhum momento de fazer apologia ao erro, mas, sim de dar-lhe a atenção necessária reconhecendo-o como provisório e parte integrante no processo cognitivo. A prática pedagógica que considera o aluno como sujeito ativo leva em conta o que já foi construído por ele, suas dúvidas e dificuldades e favorece a aprendizagem. Na interação, professor e aluno co-participam decisivamente para o êxito do processo ensino-aprendizagem. 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